terça-feira, 27 de abril de 2021

CPI da Covid: conheça os documentos e depoimentos que vão nortear investigação sobre o governo Bolsonaro

TCU e Ministério Público Federal já reuniram informações sobre a atuação do Ministério da Saúde na pandemia. Senado deve ignorar liminar que impede Renan Calheiros de assumir relatoria da comissão

TCU e MPF mapearam atuação do Ministério da Saúde na pandemia Foto: MARCOS CORREA/ Via REUTERS

Marcada para esta terça-feira, a primeira sessão da CPI da Covid será em formato presencial. Além de indicarem o presidente e o relator dos trabalhos — o acordo prevê que as vagas fiquem com Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL) —, os senadores vão definir o formato sob o qual a comissão funcionará nos próximos meses. A tendência é que seja definido um modelo misto, com sessões presenciais aliadas ao funcionamento virtual da CPI. Há expectativa de que seja apresentado o plano de trabalho que vai ditar o ritmo e o andamento da comissão, que vai contar com documentos já colhidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF), que já se debruçaram sobre a atuação do governo federal, mais especialmente do Ministério da Saúde, no curso da pandemia. A sessão também será marcada por um fato jurídico:  o Senado deve ignorar a liminar de primeira instância que impede Renan de ser relator.

Por serem maioria, com sete dos 11 senadores titulares, os independentes e oposicionistas passaram os últimos dias focados em elaborar juntos o plano de trabalho. Entre eles, há consenso sobre a convocação dos ex-ministros da Saúde no governo Bolsonaro e do ex-secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten.

Parte do grupo também tem intenção de chamar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para falar sobre auxílio emergencial. A iniciativa, porém, enfrenta resistência de Renan, que é próximo ao ministro. O “grupos dos sete”, como está sendo chamada a ala formada por oposicionistas e independentes do governo, se reuniu na noite de ontem na casa de Omar Aziz para tentar alinhar os pontos principais a serem apresentados. O objetivo é atuar de forma unificada para vencer as votações contra os governistas, que estão em minoria.

Omissão do Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde fez alterações no Plano de Contingência para reduzir suas atribuições durante a epidemia. Entre elas, estava a responsabilidade pelo monitoramento do consumo de medicamentos e insumos.

Editoria de Arte Foto: Reprodução

Um relatório do Tribunal de Contas da União diz que, diante da situação, o Ministério da Saúde tinha obrigação de auxiliar os estados menos estruturados e que esse tipo de omissão configura “abuso de poder”.

Outro eixo percorrido pelos procuradores do Ministério Público Federal do Amazonas é o incentivo ao "tratamento precoce" por parte do ministro e seus subordinados, fazendo pressão para adoção de medicamentos sem eficácia comprovada. No ofício enviado à Secretaria municipal de Saúde de Manaus pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação da Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, ela pressiona pela adoção do tratamento precoce e ressalta "a comprovação científica sobre o papel das medicações antivirais orientadas pelo Ministério da Saúde".

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Para sustentar que o Ministério da Saúde impulsionava o tratamento com remédios sem eficácia comprovada conscientemente, o Ministério Público Federal cita a nota informativa produzida pelo órgão em maio do ano passado, logo após o ex-ministro Eduardo Pazuello assumir a pasta. O documento traz orientações sobre o manejo de pacientes desde os sintomas iniciais da doença e orienta prescrição de medicamentos sem eficácia comprovada como cloroquina e hidroxicloroquina.

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O MPF chama a atenção, no entanto, para o fato de a própria pasta admitir, no mesmo documento, em páginas posteriores à indicação dos medicamentos uma ressalva de que  "até o momento não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação famarcológica específica para Covid-19".

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Colapso no Amazonas

O relatório do MPF-AM também indica a omissão e a lentidão do Ministério da Saúde em lidar com o colapso no sistema de saúde do Amazonas. Atas e depoimentos colhidos pelo órgão  mostram, por exemplo, que o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, tinha conhecimento da situação crítica no estado desde 2020, conforme trechos do chamado "Plano Manaus", do próprio ministério, citado pelos procuradores.

Christiano Cruz, gerente da White Martins, prestou depoimento ao Ministério Público Federal sobre o colapso no abastecimento de oxigênio em Manaus

Christiano Cruz, gerente da White Martins, prestou depoimento ao Ministério Público Federal sobre o colapso no abastecimento de oxigênio em Manaus

A pasta cita que decidiu enviar uma comitiva à cidade apenas após o Ano Novo, embora já se soubesse que o número de hospitalizações havia dobrado em comparação com a semana anterior.

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Consideração do MPF:

"Do documento citado, extrai-se mais do que a ciência concreta da cúpula do Ministério da Saúde quanto à situação de iminente colapso que vivia Manaus. Vê-se também que, a despeito da emergência posta, o então Ministro da Saúde não adotou medidas com a urgência necessária ao enfrentamento da pandemia".

Ministério da Saúde aguardava óbitos em ambulância e colapso de oxigênio para enviar doentes a outros estados. A informação foi prestada por uma servidora do órgão, durante depoimento no Ministério Público Federal

Ministério da Saúde aguardava óbitos em ambulância e colapso de oxigênio para enviar doentes a outros estados. A informação foi prestada por uma servidora do órgão, durante depoimento no Ministério Público Federal

Atraso na compra de testes e falta de política de testagem

O documento do TCU aponta ainda que o governo foi lento para comprar testes para detectar a Covid-19 e que sua política de testagem não era adequada à gravidade da doença no país.

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Técnicos descobriram que a distribuição de kits de testes pelo Ministério da Saúde aos estados não atendia a um plano estratégico definido. Foi possível concluir que a distribuição dos testes aos Estados, Municípios e DF não obedece a nenhum critério ou tampouco está vinculada a qalquer estratégia, sendo realizada de acordo com a demanda. E que a  pasta tinha testes suficientes para realizar uma ampla testagem na população,o que poderia evitar o “recrudescimento da epidemia”. 

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Falta de controle sobre “kit intubação”

Os técnicos também descobriram que, apesar de o país ter vivido escassez de medicamentos do chamado “kit intubação” em meados de 2020, o Ministério da Saúde continuava sem ter um mecanismo próprio de monitoramento sobre o consumo dos medicamentos. Nas últimas semanas, diversos estados relataram a falta do medicamento usado para anestesiar pacientes que precisam ser intubados. A  pasta acompanhava o uso desses medicamentos somente nos leitos de hospitais públicos e não considerava o consumo em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) e que a distribuição dos medicamentos do kit intubação não considerava as peculiaridades das demandas dos Estados.

Na avaliação dos técnicos do TCU, a gestão da compra e distribuição dos medicamentos feita pela equipe comandada por Pazuello foi “ineficaz”.

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Baixo orçamento

O relatório do TCU aponta que não houve planejamento orçamentário para este ano. A proposta de recursos para o Ministério da Saúde era de R$ 20,05 bilhões para ações de combate à pandemia, sendo R$ 19,9 bilhões para a compra de vacinas. Técnicos avaliam que verba é "pequena" e o cenário "preocupante". 

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Paula Ferreira, Leandro Prazeres, Julia Linder, Paula Cappelli e Jussara Soares para O Globo, em 27/04/2021 - 04:30

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