domingo, 25 de abril de 2021

CPI da pandemia: Quem é quem na comissão que investigará ações e omissões do governo Bolsonaro

CPI da Pandemia deve se estender pelos próximos 90 dias.

O Plenário do Senado (Crédito da foto: Marcos Oliveira, Ag. Senado).

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga ações e omissões no combate à pandemia pelo poder público deve realizar a primeira reunião nesta terça-feira (27/04).

A abertura da investigação foi determinada no início de abril pelo Supremo Tribunal Federal (STF), após senadores apresentarem mandado de segurança à Corte em que argumentavam que a presidência da Casa vinha ignorando o requerimento para instalação da CPI, mesmo com os requisitos formais sendo atendidos.

Conforme esses parlamentares, o pedido de autorização havia sido feito em fevereiro ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que contou com apoio de Bolsonaro na eleição para comandar a Casa no último mês de fevereiro.

Em manifestação ao STF, Pacheco atribuiu a demora à busca pelo "momento adequado" para instalar a investigação, diante da piora do quadro da pandemia no país.

A decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso pontua, contudo, que a criação da CPI não está sujeita a "omissão ou análise de conveniência política por parte da Presidência da Casa Legislativa" caso seus três requisitos sejam cumpridos. São eles: a assinatura de um terço dos integrantes da Casa, a indicação de fato determinado a ser apurado e a definição de prazo certo para duração - todos cumpridos pela chamada CPI da Pandemia.

O STF já determinou a instalação de comissões parlamentares de inquérito anteriormente. Nos governos petistas, foi o caso da CPI dos Bingos, em 2005, e da CPI da Petrobras, em 2014.

O governo reagiu defendendo a ampliação do escopo da investigação, inicialmente centrada no governo federal. Assim, após requerimento feito pelo senador Eduardo Girão (Pode-CE), também serão discutidos os repasses federais a Estados e municípios.

Ainda que os rumos e os resultados concretos das CPIs sejam imprevisíveis, há expectativa de que a investigação, que se estenderá pelos próximos 90 dias, se debruce sobre uma série de questões sobre a conduta do governo federal no contexto da crise sanitária.

Se o governo foi omisso ou não na aquisição de vacinas, por exemplo, ou se colocou a população em risco ao estimular o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como a cloroquina.

Bolsonaro conta com uma base pequena para defender suas posições na comissão. Entre os 11 membros, apenas 4 são governistas ou próximos ao Palácio do Planalto: Ciro Nogueira (PP-PI), Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO).

A expectativa é que a primeira reunião marque a escolha dos parlamentares que ocuparão a presidência e vice-presidência do colegiado.

CPI da Covid vai responder quantas vidas teriam sido salvas se Bolsonaro 'tivesse acertado a mão', diz Renan Calheiros

Conheça, a seguir, o perfil de cada um dos membros da CPI.

Ciro Nogueira (PP-PI) 

Senador Ciro Nogueira diz julgar importante investigar também Estados e municípios. (Crédito da foto: Marcos Oliveira / Ag. Senado)

Um dos principais líderes do Centrão e aliado do governo, o presidente do Progressistas tem repetido em entrevistas que a CPI foi instalada no momento errado, diante do recrudescimento da pandemia, e que foi criada com o único objetivo de atacar o governo federal.

À rádio Jovem Pan o parlamentar disse que mais importante do que investigar a União é apurar os desvios de recursos públicos entre os "bilhões" transferidos a Estados e municípios para o combate à pandemia.

A afirmação faz coro à estratégia do Planalto de tentar tirar o foco do governo federal e antecipa a queda de braço que se desenha entre governistas e oposição.

Na visão de críticos, o escopo demasiadamente amplo com a inclusão dos demais entes da federação pode acabar inviabilizando a investigação na prática, dada a grande quantidade de temas tratados.

Em conversa por telefone com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) no início de abril, cuja gravação foi divulgada posteriormente pelo parlamentar, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que, para que fosse "útil para o Brasil", a CPI deveria incluir governadores e prefeitos.

Junto ao correligionário Alessandro Vieira, Kajuru é autor do mandado de segurança que pediu ao STF que determinasse a abertura da investigação.

Eduardo Braga (MDB-AM)

Braga governou o Amazonas por dois mandatos e foi Ministro de Minas e Energia na gestão Dilma Rousseff (Crédito da foto: AGBR)

O atual líder do MDB no Senado chegou a rebater em uma audiência na Casa em fevereiro afirmações dadas pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, de que a pasta não teria sido avisada sobre o colapso no fornecimento de oxigênio à rede de saúde de Manaus.

"Eu estive com Vossa Excelência, no seu gabinete, em dezembro. Eu já dizia que nós iríamos enfrentar uma onda no Amazonas muito grave. Sugeri, inclusive, que assumisse uma unidade hospitalar no Amazonas, diante da comprovação da ineficiência do governo do meu Estado. Eu dizia a Vossa Excelência que, se não tomasse providências para assumir a execução, não seria executado. Isso nós já sabíamos quando da primeira onda", afirmou.

A crise na capital manauara, marcada pela falta de oxigênio nas unidades de saúde, é mencionada no pedido de abertura da CPI e deve ser um dos temas abordados pela investigação.

Eduardo Girão (Podemos-CE)

Girão lançou candidatura para ser presidente da CPI (Crédito da foto: Edilson Rodrigues / Ag, Senado)

O senador é autor do requerimento para ampliar o objeto de investigação da comissão e incluir a utilização dos recursos dos repasses federais a Estados e municípios no contexto da pandemia.

Apesar de reverberar a estratégia defendida pelo Planalto, o parlamentar se declara independente, argumento que tem usado para defender sua candidatura à presidência da CPI.

A "campanha" ignora o acordo informal costurado entre a maioria dos membros nos últimos dias, que aponta o senador Omar Aziz (PSD-AM) como presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) como vice e Renan Calheiros (MDB-AM) como relator.

"Se a sociedade não reagir, a CPI vai blindar governadores e prefeitos que receberam bilhões de verbas federais para o enfrentamento à covid. Casos de desvios precisam ser apurados! O comando da Comissão precisa ter isenção e independência para investigar todos os entes da Federação", escreveu nesta segunda (19/04) em seu perfil no Twitter.

Junto a Kajuru e Alessandro Vieira, o parlamentar entregou em março ao presidente do Senado um pedido de impeachment contra o ministro do Supremo Alexandre de Moraes e, nos últimos dias, tem se manifestado pedindo a apreciação da petição.

"Esperamos que, com a mobilização crescente e pacífica dos cidadãos de bem, a Casa Revisora da República não engavete monocraticamente o pedido como tantos outros em gestões de ex-presidentes da instituição", afirmou em um post no Facebook de 17 de abril.

A demanda vai ao encontro de um dos trechos da gravação da conversa telefônica entre Bolsonaro e Kajuru divulgada pelo senador, em que o presidente da República afirma que vê na situação colocada pela CPI uma oportunidade de "fazer do limão uma limonada" e peticionar o Supremo para pautar os pedidos de impeachment contra os ministros da corte.

A manifestação de Bolsonaro na ocasião foi interpretada por críticos como mais um esforço para desviar o foco do governo federal no âmbito da investigação, alimentando a tensão entre os poderes.

Humberto Costa (PT-PE)

Costa é um dos parlamentares de oposição na comissão (Crédito da foto: Jefferson Rudy / Ag. Senado)

O senador de oposição faz duras críticas à condução da pandemia pelo governo federal e já chegou a acusar o presidente Jair Bolsonaro de cometer crime de responsabilidade.

Também está entre os parlamentares que defendem a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro no Congresso.

Em entrevista à Rádio Senado, Costa afirmou acreditar que a CPI poderia ser uma forma de pressionar o governo federal "a fazer a coisa certa" no enfrentamento à crise sanitária.

Ministro da Saúde no primeiro governo Lula, entre 2003 e 2005, já adiantou que a comissão deve ouvir o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, e os demais que ocuparam o cargo desde o início da pandemia - Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Pazuello.

Jorginho Mello (PL-SC)

Mello é um dos aliados do presidente na comissão (Reprodução Facebook) 

O parlamentar também é integrante do chamado Centrão, filiado ao Partido Liberal. O presidente da sigla, Valdemar Costa Neto, tem se aproximado de Bolsonaro e já chegou a convidar o presidente a se filiar à legenda.

No último mês de outubro, Mello se tornou um dos vice-líderes do governo no Congresso.

Esteve com o presidente na visita a Chapecó (SC) no início de abril, quando Bolsonaro voltou a criticar as medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos para tentar conter o avanço do contágio da covid-19 e defendeu novamente tratamentos sem eficácia contra a doença.

Em seu perfil no Twitter, o senador afirmou que seu nome como membro da CPI da Pandemia "foi escolhido pelo bloco de partidos aliados ao presidente".

Marcos Rogério (DEM-RO)

Senador Marcos Rogério (esq.) com ex-ministro Pazuello: parlamentar é vice-líder do governo no Congresso (Reprodução Facebook) 

O senador por Rondônia é vice-líder do governo Bolsonaro no Senado.

Foi um dos parlamentares que defenderam, no início de abril, a manutenção do funcionamento de igrejas e templos religiosos apesar das restrições impostas pelos lockdowns parciais que tentavam frear o aumento de casos de covid-19 em diversas cidades.

O assunto foi parar no STF, que reconheceu o direito de Estados e municípios de proibir temporariamente missas e cultos presenciais no esforço para diminuir o contágio pela doença.

Em um vídeo veiculado no YouTube do Senado após a votação, o parlamentar criticou o voto do ministro Gilmar Mendes e disse que "não cabe ao Supremo mandar ou autorizar que fechem as igrejas".

Otto Alencar (PSD-BA)

Senador Otto Alencar diz que Pazuello foi 'instrumento' de Bolsonaro (Crédito da foto: Waldemir Barreto / Ag. Senado)

O líder do PSD no Senado é médico e foi secretário de Saúde da Bahia no início dos anos 1990.

Em entrevistas, tem criticado diversos pontos da condução da pandemia pelo governo federal, como a promoção da hidroxicloroquina (medicamento sem evidências de eficácia, mas que pode causar efeitos colaterais graves) como suposto tratamento precoce e a morosidade na assinatura de protocolos para compra de vacinas.

O parlamentar também tem feito críticas diretas a Bolsonaro. À rádio CBN afirmou recentemente que o presidente seria o responsável pelos erros na gestão da pandemia e que Pazuello teria sido apenas seu "instrumento".

"Nós também temos que investigar o procedimento que foi estabelecido pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, para que o então ministro Pazuello seguisse exatamente as suas recomendações. Porque, na verdade, o Pazuello foi só um instrumento do presidente da República, ele seguiu exatamente o que o presidente estabelecia como norma e protocolo para a ação do Ministério da Saúde no combate à covid", declarou.

Omar Aziz (PSD-AM)

Aziz é apontado como possível presidente da CPI (Crédito da foto: Jefferson Rudy / Ag. Senado)

O senador pelo Amazonas é apontado como possível presidente da comissão. Já afirmou que um dos objetivos da CPI não é buscar "vingança" ou "condenar pessoas antecipadamente".

"Nós temos é que investigar os fatos: por que não houve oxigênio para o povo do Amazonas? Por que não fizemos acordos e consórcios pra comprar vacina?", disse à Globonews.

Na mesma entrevista, o senador chegou a mencionar que perdeu o irmão recentemente para a covid-19 e disse que não culpava "ninguém" pelo ocorrido.

"Não posso dizer que o presidente ou o governador foram responsáveis. Eu quero é que mais vidas sejam salvas", acrescentou, referindo-se ao que acredita ser um dos objetivos da comissão, o estabelecimento de um protocolo único para enfrentamento da pandemia no país.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele afirmou: 'Muito mal explicado por que não compramos as 70 milhões de doses da Pfizer'.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP)t

Rodrigues defende que a CPI tenha foco no governo federal e que assembleias estaduais investiguem governadores (Crédito da foto: Marcelo Camargo / Ag. Brasil).

É autor da requisição que instaurou a CPI e não poupa críticas ao enfrentamento da pandemia pelo governo federal.

O parlamentar foi mencionado pelo presidente na ligação gravada por Kajuru. Na conversa, Bolsonaro se refere ao senador usando palavras de baixo calão e disse que teria de "sair na porrada" com ele.

Em entrevista à BBC News Brasil, Randolfe antecipou algumas das questões que devem ser investigadas pela comissão:

"O governo rejeitou ou não a oferta de 70 milhões de doses da Pfizer no ano passado? O governo se omitiu ou não no Consórcio Covax Facility, liderado pela OMS? O governo fez ou não campanha contra a Coronavac, que hoje responde pela maioria das doses? E, com isso, interferiu ou não para o atraso da vacinação?"

Renan Calheiros (MDB-AL)

Renan vem criticando de forma reiterada atuação do governo federal durante a pandemia (Crédito da foto: Marcos Oliveira / Ag. Senado)

A notícia de que o senador poderia ser o relator da CPI foi mal recebida entre bolsonaristas, que chegaram a fazer campanha contra a indicação com a hashtag #RenanSuspeito no Twitter.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) disse ter entrado com uma ação na Justiça do Distrito Federal para impedir que Renan assuma a relatoria, caso venha de fato a ser apontado pela comissão durante a primeira reunião. Em um vídeo divulgado em suas redes sociais, ela afirmou ainda que o senador teria conflito de interesses como membro da comissão, por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL).

Renan é crítico recorrente de Bolsonaro. Chamou o presidente de "charlatão" recentemente por ter "prescrito" remédios sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus.

Apesar dos comentários, o parlamentar tem repetido que a comissão terá atuação "isenta" e "técnica".

Em entrevista à BBC News Brasil, o senador afirmou: "A primeira resposta (a ser dada pela CPI) é se houve materialização da tese da imunização de rebanho. A CPI vai dizer se houve ação ou omissão do governo e se isso pode ter agravado as circunstâncias. Em outras palavras: se o governo tivesse acertado a mão, quantas vidas poderiam ter sido salvas no Brasil?",

Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Tasso já afirmou que acredita que o governo federal tenha responsabilidade pela crise sanitária (Crédito da foto: Marcos Oliveira / Ag. Senado) 

Em entrevista à Folha de S.Paulo no último dia 16 de abril, o tucano disse achar "difícil" que eventuais erros e omissões no combate à pandemia identificados pela CPI sejam completamente apartados do presidente Jair Bolsonaro.

Ao ponderar que "só juristas" poderão responder essa questão, o senador relembrou a teoria do domínio do fato, utilizada no julgamento do mensalão, que expressa que gestores públicos deveriam responder até mesmo pelos crimes não cometidos de forma direta, caso tivessem conhecimento e controle da situação.

Nesse sentido, Tasso afirmou ainda não haver "dúvida nenhuma que um dos principais culpados pela situação a que nós chegamos é o governo federal".

Ex-governador do Ceará, o tucano é um dos que defende uma "frente ampla" para se contrapor a Bolsonaro nas eleições de 2022.

BBC News Brasil, em 25.04.2021

Há 200 anos, Dom João 6º voltava a Portugal e, sem querer, abria caminho para independência do Brasil

Não fosse a pressão vinda de Portugal, Dom João 6º podia muito bem ir ficando no Brasil. Mas o descontentamento por lá com a ausência da família real era tamanho que havia risco inclusive para a continuidade da dinastia.

Em 26 de abril de 1821, o rei Dom João 6º embarcou de volta a Portugal (Retrato de D. João 6º por Albertus Jacob Frans Gregorius)

Do ponto de vista de uma colônia, considerando o modelo implantado durante o período conhecido como Grandes Navegações, foram bem estranhas as primeiras décadas do século 19 no Brasil.

O primeiro movimento foi a transferência de toda a corte da metrópole, Portugal, para a colônia, mais precisamente a cidade do Rio de Janeiro. Isso ocorreu em 1808 — então príncipe regente, Dom João 6º (1767-1826) se viu obrigado a fugir das tropas de Napoleão Bonaparte (1769-1821).

Se não bastasse essa configuração esdrúxula, em que o poder emanava da colônia e não da metrópole, em 1815, o monarca assinou um decreto criando o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Na prática, o Brasil deixou de ser colônia e passou a ser tratado como parte do reino.

Se do lado tupiniquim do Atlântico, a elite parecia entender que as coisas iam bem, os portugueses colecionavam descontentamentos — sem rei, longe do poder, cada vez mais mais periféricos.

Há exatos 200 anos, um novo movimento nesse xadrez tentava equilibrar as peças sem provocar xeque-mate de nenhum lado do tabuleiro.

Em 26 de abril de 1821, o rei Dom João 6º embarcou de volta a Portugal. "Junto foram cerca de 4 mil pessoas", salienta o historiador Marcelo Cheche Galves, professor da Universidade Estadual do Maranhão (Uema). "Chegaram a Portugal em julho."

Nem os ossos ficaram para trás. "Até mesmo os membros da dinastia de Bragança que haviam morrido enquanto a família real estava no Rio de Janeiro, como a mãe de Dom João 6º, a rainha Dona Maria I, o sobrinho do rei, Dom Pedro Carlos, e uma tia, Dona Maria Ana Francisca, tiveram seus corpos levados para Portugal nos navios que transportaram a corte de volta", aponta o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de diversos livros sobre personagens da nobreza luso-brasileira.

Quadro de autor desconhecido representa a família real portuguesa embarcando de Lisboa para o Brasil

Antecedentes do retorno

Não fosse a pressão vinda de Portugal, Dom João 6º podia muito bem ir ficando no Brasil. Mas o descontentamento por lá com a ausência da família real era tamanho que havia risco inclusive para a continuidade da dinastia.

"Ele foi obrigado a voltar", enfatiza Rezzutti. "Em 1820, estourou em Portugal a Revolução do Porto, que acabou com o absolutismo do rei de Portugal, instituiu as cortes constitucionais portuguesas, que deveriam dar uma constituição, a primeira do reino, e exigiu o retorno da corte para Portugal. Segundo o manifesto produzido pelos revoltosos, eles estavam cansados de Portugal ter passado a ser tratada como uma colônia, com todos os assuntos tendo que ser resolvidos no Brasil junto à corte, que estava instalada ali desde 1808."

Também chamada de Revolução Liberal de 1820, esse movimento iniciado em agosto na cidade do Porto se espalhou por Lisboa no mês seguinte. "O movimento é chamado de liberal no sentido do juramento a uma constituição e na reorganização administrativa do Estado português, já que o monarca havia fugido por conta da invasão francesa", explica o historiador Galves.

Sessão das cortes de Lisboa, em quadro de Oscar Pereira da Silva (Crédito: Acervo Museu Paulista/USP).

O desenrolar da revolução precipitou o juramento das bases da Constituição portuguesa. "Na realidade, um texto de princípios que tomou como referência a ideia de que as cortes, como era chamado o Congresso, iria elaborar uma Constituição", complementa o historiador.

"As notícias desse conjunto de movimentações chegaram ao Rio e deixaram Dom João 6º impressionado. No fim de fevereiro de 1821 ele jurou as bases da Constituição, ou seja, assumiu ali o compromisso de respeitar a Constituição que seria elaborada e, junto com isso, o compromisso de retornar a Portugal."

"O retorno começou a ser planejado no final de 1820 e início de 1821, entretanto sempre ficou a incógnita de quem realmente iria e quem ficaria, ou se iriam todos, ou se não iria ninguém", comenta o pesquisador Rezzutti. "Após várias confusões políticas no Rio de Janeiro, Dom João finalmente tomou a decisão de deixar Dom Pedro no Brasil."

Não foi tão simples, contudo, vencer a reticência de Dom João. "A decisão foi tumultuada, como praticamente todos os episódios do governo dele", pontua Rezzutti.

Mas era preciso ter uma leitura da dimensão do que ocorria em Portugal. A Revolução Liberal ecoava a Revolução Francesa ocorrida décadas atrás e pretendia, em última instância, diminuir o poder da nobreza. Como explica o pesquisador Rezzutti, significava o "fim do absolutismo em Portugal, com a burguesia ascendendo politicamente".

"Foi um duro golpe para o rei, que viu os seus poderes diminuídos e suas ideias para a América Portuguesa ruírem", contextualiza. "Ele tergiversou o quanto pôde para não sair daqui, chegou a propor a ida do então príncipe Dom Pedro para Portugal, para que ele, Dom João, ficasse aqui com a família. Depois, voltou atrás."

Decisão tomada, em 22 de abril de 1821, Dom João 6º nomeou Dom Pedro príncipe regente — da parte brasileira, evidentemente, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Quatro dias depois, em 26 de abril, despediu-se e voltou para as terras lusitanas.

Rezzutti provoca que ficou parecendo um presente de aniversário para a rainha, Dona Carlota Joaquina (1775-1830), já que a partida foi no dia seguinte às comemorações de seus 46 anos. "Deve ter sido um dos melhores presentes que ela recebeu, pois era público o seu desconforto com o povo brasileiro e o Brasil em geral", alfineta ele.

Gravura do desembarque de d. João 6º em Lisboa, no regresso a Portugal

Desdobramentos

Mas, se a emenda não saiu pior que o soneto, também não dá para dizer que foram agradados completamente gregos e troianos — ou portugueses e brasileiros.

Nos trópicos, uma aristocracia que havia se habituado a frequentar as proximidades do poder real de repente entendeu-se novamente rebaixada. Em Portugal, por outro lado, houve descontentamento porque Dom Pedro havia ficado para trás.

"Ao deixar o príncipe, seu herdeiro, como regente do Reino do Brasil, ele agiu à revelia dos que queriam as cortes constitucionais em Lisboa", afirma Rezzutti. "Elas queriam o retorno de toda a família real para Portugal e a extinção de qualquer centralização de poder no Brasil, que deveria ser governado diretamente da Europa."

"Dom João 6º, a partir do momento em que saiu do Brasil e deixou aqui seu filho, contrariou deliberadamente as ordens das cortes portuguesas", enfatiza ele. "A ordem era que toda a família real retornasse. Ele deliberadamente deixou aqui Dom Pedro como príncipe regente, assegurando ao Brasil a ideia de uma continuidade."

Começava a ser pavimentado o caminho da independência do Brasil — não com um movimento republicano, como vinha ocorrendo em outras colônias americanas, mas com um monarca, no caso, Dom Pedro 1º (1798-1834). "Aos poucos as cortes começaram a solapar o poder do príncipe regente para ter todo o controle do Brasil em Lisboa, o que acabou levando ao rompimento", diz Rezzutti.

Se no Brasil ficou uma estrutura estatal instalada no Rio, em Portugal passou a haver pressão pelo retorno do herdeiro. "A ideia era que se esvaziasse o poder do Rio de Janeiro", conta Galves. "No fim de setembro e em outubro, houve uma série de decisões tomadas [em Portugal] que, na prática, esvaziavam o poder do Rio de Janeiro como centro de autoridade. Isso causou um aumento de tensões."

O historiador ressalta, contudo, que, nesse momento, o que tais atritos indicavam era uma independência não no sentido de separação total de Portugal, mas sim apenas uma busca de autonomia do Brasil dentro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

"E o retorno do regente Pedro a Portugal comprometeria completamente esse projeto de autonomia. A situação se esgarçou a partir de janeiro de 1822 [com o histórico Dia do Fico, que sacramentou a decisão de Dom Pedro de não retornar, naquele momento, a Portugal]."

"Mas, a rigor, a ideia de independência mesmo do Brasil só começou a ser vista em agosto de 1822. Até então, as medidas eram em busca de autonomia da porção americana do reino, com Dom Pedro convocando uma assembleia constituinte, um conselho de procuradores, enfim, buscando mecanismos de aumento da legitimidade política de sua porção do reino."

A semente da rusga, porém, estava plantada. "O que levou o Brasil a se tornar independente foram as seguidas ordens intransigentes das cortes, que queriam recolonizar o Brasil a qualquer custo, impedindo um poder centralizado e administrativo no Brasil", salienta Rezzutti. "Isso afetava diretamente o interesse das elites locais e da burocracia estatal brasileira que seria desmontada."

Dom João 6º nos trajes de sua aclamação, pintura do francês Jean-Baptiste Debret

Nesse movimento, entendeu-se que era mais negócio uma independência "de continuidade" do que o risco de um esfacelamento do Brasil em várias republiquetas.

"Diversas forças nacionais chegaram à conclusão de que uma união nacional ao redor do príncipe Dom Pedro poderia consolidar a independência e evitar as diversas guerras civis que se abateriam no caso de cada facção escolher um líder que mais lhes agradasse, como acabou ocorrendo nas províncias espanholas na América durante o processo de independência", completa ele.

O que ficou no Brasil

Quando a frota marítima partiu de volta a Portugal naquele 26 de abril, ficaram pouquíssimos nobres, conforme as pesquisas de Rezzutti. Segundo ele, apenas Dom Pedro, sua esposa — a então princesa Dona Leopoldina — e os filhos do casal, Dona Maria, futura Maria 2ª de Portugal, e Dom João Carlos, não embarcaram.

Restou também, como pontua o pesquisador, a estrutura "administrativa do Reino do Brasil". Ou seja: tribunais, órgãos públicos, secretarias já existentes na época de Dom João no Rio de Janeiro.

"O decreto do pai nomeando o filho como príncipe regente estabelecia tudo o que ele podia ou não fazer na administração dos negócios de Estado e até mesmo eclesiásticos, uma vez que quem confirmava ou não bispados no Brasil era o governante e não o papa", comenta ele.

"Entre as prerrogativas cedidas por Dom João, estava a de que o jovem príncipe poderia fazer a guerra ofensiva ou defensiva contra qualquer inimigo que atacasse o reino."

"Também o decreto real assinalava que, em caso de impedimento, a regência seria assumida por Dona Leopoldina", conta. "Ainda trazia a imposição de uma tutela: Dom João partia determinando quais seriam os quatro ministros de Estado do governo de Dom Pedro. Para o cargo mais importante, o de Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brasil e Negócios Estrangeiros, foi nomeado o conde dos Arcos, Dom Marcos de Noronha e Brito, antigo vice-rei do Brasil e conhecedor do país."

Edison Veiga, de Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil, 24 abril 2021

sábado, 24 de abril de 2021

Após vacinação rápida e lockdown, Israel tem o 1° dia sem mortes por covid em 10 meses

"Esta é uma grande conquista para o sistema de saúde e os cidadãos israelenses. Juntos, estamos erradicando o coronavírus", tuitou o ministro da Saúde, Yuli Edelstein, na sexta-feira (23/04)

Jovem é vacinado em Israel (Crédito da foto: Reuters)

Ao longo da pandemia, 6.346 pessoas morreram no país, segundo dados do ministério da saúde israelense. A última vez que Israel relatou zero mortes por covid-19 foi no final de junho de 2020, depois que outro lockdown conteve o avanço da primeira onda de infecções.

A doença recuou depois de atingir seu pico em janeiro deste ano. O governo israelense começou a flexibilizar as restrições à circulação de pessoas do lockdown um mês depois, à medida que as vacinações contra a covid-19 seguiam de forma mais ampla.

Israel tem a maior taxa de vacinação do mundo. Na quinta-feira, o país atingiu a marca de 5 milhões de pessoas vacinadas com as duas doses, o correspondente a 52% dos 9 milhões de habitantes — o Brasil, por exemplo, vacinou completamente 5% de seus 212 milhões de habitantes.

Na semana passada, Eyal Leshem, diretor do maior hospital de Israel, o Sheba Medical Center, disse que o país pode estar perto de alcançar a "imunidade do rebanho" ou "imunidade coletiva". A imunidade do rebanho ocorre quando um número suficiente de uma população tem proteção contra uma infecção impedindo que ela se espalhe com força.

Os especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que pelo menos 65%-70% da população precisa de cobertura de vacinação antes que a imunidade de rebanho seja alcançada. Mas ainda assim há dúvidas se esse patamar seria suficiente para conter a doença.

Leshem disse que a imunidade coletiva é a "única explicação" para a queda contínua de casos em Israel, à medida que restrições à circulação de pessoas são suspensas.

"Há uma queda contínua, apesar de voltar à normalidade", disse ele. "Isso nos diz que mesmo se uma pessoa estiver infectada, a maioria das pessoas que encontra andando por aí não será infectada por ela."

Israel começou sua campanha de vacinação em dezembro passado e, desde então, tem sido a nação líder mundial em número de doses aplicadas per capita.

O país até agora aplicou apenas a vacina desenvolvida pela dupla Pfizer e BioNTech. Em fevereiro, o ministério da Saúde de Israel disse que estudos revelaram que o risco de doenças causadas pelo vírus caiu 95,8% entre as pessoas que receberam as duas doses dessa vacina.

O país está se preparando para começar a vacinar crianças de 12 a 15 anos assim que órgãos reguladores aprovarem o uso da vacina para pessoas nessa faixa etária.

'Apartheid de vacinas'

Mas enquanto o país avançou com seu programa de vacinação, os territórios palestinos (ocupados por Israel) ficaram para trás.

Apenas os palestinos que vivem em Jerusalém Oriental receberam vacinas. (Crédito da foto: Getty Images)

Em março, os palestinos receberam a primeira remessa de cerca de 60.000 doses de vacinas sob o esquema internacional de compartilhamento de vacinas da Covax, coordenado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

No início do ano, o ministro da Saúde israelense, Yuli Edelstein, disse à BBC que, em relação ao programa de vacinação, sua primeira responsabilidade era para com os cidadãos de Israel.

Embora reconheça que o país tem "interesse" em vacinar os palestinos nos territórios ocupados por Israel, ele diz não ter uma "obrigação legal" de fazê-lo porque os Acordos de Oslo (princípios de paz assinados entre israelenses e palestinos em 1993 e que estão atualmente suspensos) "dizem claramente que os palestinos devem cuidar de sua própria saúde".

Israel incluiu em seu programa de vacinação seus cidadãos árabes e palestinos que vivem em Jerusalém Oriental, mas os outros quase 5 milhões de palestinos permanecerão desprotegidos e expostos ao coronavírus, enquanto os israelenses que vivem perto ou entre eles — incluindo colonos nos assentamentos — serão vacinados.

"Moral e legalmente, esse acesso diferenciado aos cuidados de saúde necessários em meio à pior crise global de saúde em um século é inaceitável", afirmou o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (Acnudh).

Até o momento, a Palestina vacinou 0,85% de sua população de quase 5 milhões de pessoas. Em média, morrem atualmente 25 pessoas por dia de covid na Palestina. São registrados cerca de 1.600 novos casos, quase dez vezes mais do que Israel.

BBC News Brasil, em 24.04.2021, há 2 horas.

Merval: Brasil anda para trás

O julgamento do STF que decidiu pela suspeição do juiz Sergio Moro foi uma grande vitória política do ex-presidente Lula e uma grande derrota do combate à corrupção do Brasil, que não cansa de regredir. 

Um país que teve avanço brutal no combate à corrupção volta à estaca zero, supostamente na defesa do estado de direito, de um justo julgamento. 

Nem diante de todo o escândalo revelado, as forças políticas que querem continuar no poder, manter controle da situação, sempre encontram um jeito de prevalecer, mesmo depois de cinco, seis anos.

Impressionante que se transforme um juiz insuspeito em suspeito, com base em questões questiúnculas. Como disse o ministro Luis Roberto Barroso, todas essas leis que existem no Brasil foram feitas para não funcionar, precisam ser interpretadas de maneira mais ampla, se quiser prender corrupto. 

Antes do mensalão, nunca ninguém havia sido preso no Brasil por corrupção. E mesmo lá, tentaram desmembrar o processo – mas não conseguiram - para a acusação perder a força maior, ou seja, a combinação entre os fatos e a demonstração de que era um grupo unido para praticar a corrupção. 

Na Lava Jato conseguiram agora, cinco anos depois. Passaram anos tentando esvaziar a vara de Curitiba, que foi um avanço e agora é considerada uma operação suspeita e ilegal. Acabaram com tudo. 

O procurador-geral da República, Augusto Aras, desmontou as forças-tarefa. É o que acontece nos países onde há um grupo com interesses particulares que se interconectam, que não quer perder o poder. 

Agora Renan Calheiros volta com toda força e vai ser assessorado por Romero Jucá. É um país que está sempre andando para trás.

Merval Pereira participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa. Recebeu os prêmios Esso de Jornalismo e Maria Moors Cabot, da Columbia University. Publicado originalmente em 23.04.2021, às 17:21.

Sardenberg: A culpa é do STF

Tomo emprestada a muito pertinente citação encontrada pelo advogado, jurista e escritor José Paulo Cavalcanti Filho: “O órgão que mais falhou à República não foi o Congresso; foi o Supremo Tribunal”. É de João Mangabeira, em “Rui, o estadista da República”, de 1937.

“Tenho medo de que, olhando para trás, um dia façamos juízo semelhante do Supremo de agora. Antes, pelo que não fez. Hoje, pelo que está fazendo” — acrescenta Cavalcanti Filho, em texto que pode ser encontrado em www.jp.com.br.

Pois o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão provavelmente entende que o Supremo de hoje é até pior que o comentado por Mangabeira. Depois de colocar as perguntas básicas acerca das últimas decisões do STF — afinal, Lula cometeu algum crime ou agiu dentro dos preceitos legais? —, Falcão arremata: “O Supremo não responde. Apenas constrói respostas reflexas. Não entra no mérito. Oculta-se em debates processuais sobre competências internas. Adia o Brasil. Nossa economia. Os investimentos. Nossa democracia. A normalização política”. (“O Estado de S.Paulo”, 23/04/21).

Mas, além de se esconder em firulas processuais (como já comentamos aqui), alguns ministros do STF, quando entram no conteúdo, apresentam teses estapafúrdias.

Ricardo Lewandowski, por exemplo. Para condenar a Lava-Jato, disse que a operação trouxe enormes prejuízos ao PIB, algo como uma perda em torno de R$ 150 bilhões, soma muito maior que o dinheiro recuperado pela força-tarefa.

De onde viria aquela perda? Do fechamento e/ou diminuição drástica das atividades de grandes empresas e empreiteiras. E mesmo na redução dos investimentos da própria Petrobras e do BNDES.

Mas não estavam todas envolvidas num enorme sistema de corrupção? Corrupção provada, demonstrada, confessada, sendo encontrado o produto do roubo nos caixas de partidos, empresas, partidos e seus chefes.

Portanto, a conta é outra. Quanto o país perdeu com as obras superfaturadas? Quanto a Petrobras terá perdido com os investimentos também superfaturados feitos em plataformas e refinarias projetadas apenas para abrir espaço para a corrupção?

Lewandowski simplesmente contou de outro modo a velha política do “rouba mas faz”, docemente aceita no século passado.

Até o mensalão, nenhum político ou grande empresário havia sido condenado por corrupção. Ainda nesse julgamento, advogados do primeiro escalão diziam: “Não se trata de corrupção, nem lavagem de dinheiro, é apenas caixa dois”.

Como se dissessem: “Qual é? Sempre foi assim”.

O mensalão abriu caminho para a Lava-Jato — força-tarefa que utilizou dos mais modernos métodos de combate à corrupção, recomendados e elogiados pela OCDE, introduzindo uma nova concepção do Direito Processual e Penal.

Durante seis anos, as operações de Curitiba e do Rio descobriram um monstruoso sistema que ligava empresas a partidos e aos governos.

Até que a velha política dá a volta por cima e, como disse o ministro Luís Roberto Barroso, agora quer vingança. Quer colocar na cadeia o ex-juiz Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Como não conseguem esconder que houve corrupção, ministros do STF inventam essa história de que o combate à roubalheira foi prejudicial ao país. É o contrário. Quantos investimentos deixaram de ser feitos por aqui porque só eram viáveis se os investidores entrassem na regra do jogo sujo?

Essa insegurança jurídica aparece inteiramente nas últimas decisões do Supremo. Não se sabe quem julga o que e onde. Conforme o réu e o momento, pode ser aqui ou ali. Conforme o juiz, o processo anda ou morre nas gavetas.

De certo, é a volta dos que pareciam ter ido. Lembram-se do Romero Jucá? Aquele que foi grampeado por um colega quando dizia, a propósito da Lava- Jato: precisa estancar essa sangria. Então, vai trabalhar como assessor na CPI da Covid, a ser relatada por Renan Calheiros.

Carlos Alberto Sardenberg é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, em 24/04/2021 • 00:02

O Globo, em editorial: Brasil perde com maioria contrária a Moro no Supremo

 Todo o edifício jurídico de provas e denúncias elaboradas pela Lava-Jato, as dezenas de delações e acordos de leniência assinados, as confissões, os R$ 14,8 bilhões em multas, os R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos, as penas de prisão cumpridas — tudo agora estará sujeito a revisão, mediante a conclusão, referendada no plenário do STF, de que a relação de Moro com os procuradores era espúria.


Sérgio Moro, o ex-Juiz Titular da Lava Jato (Crédito da foto: O Globo)

‘Vossa excelência perdeu’, disse o ministro Gilmar Mendes ao colega Luís Roberto Barroso no bate-boca constrangedor na sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao reunir votos suficientes para confirmar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro numa das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na prática representa o sepultamento da Operação Lava-Jato.

Gilmar está certo: Barroso perdeu. Mas quem venceu não foram Gilmar e os seis ministros que votaram com ele na sessão encerrada em tumulto na quinta-feira, sem a proclamação do resultado. Quem venceu foram, além obviamente de Lula, todos os demais 174 condenados em virtude das 179 ações penais deflagradas pela força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, assim como os réus daquelas ainda não julgadas.

Todo o edifício jurídico de provas e denúncias elaboradas pela Lava-Jato, as dezenas de delações e acordos de leniência assinados, as confissões, os R$ 14,8 bilhões em multas, os R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos, as penas de prisão cumpridas — tudo agora estará sujeito a revisão, mediante a conclusão, referendada no plenário do STF, de que a relação de Moro com os procuradores era espúria.

Mesmo que depois se venha a dizer que a suspeição valia apenas para Lula, ela se tornará um argumento poderoso na mão da legião de advogados de defesa, especializados nas duas manobras que garantem a impunidade no Brasil: a anulação de provas e a protelação de processos até a prescrição dos crimes. É a mesma legião que, sob o argumento de defender o Estado de Direito, se transformou num lobby articulado em favor das chicanas judiciais que fazem do Brasil terreno fértil para corrupção.

As condenações de Lula, proferidas depois de investigação e denúncia que produziram provas eloquentes — entre elas, a confissão do próprio empreiteiro que lhe deu de presente a obra no triplex no Guarujá —, foram confirmadas em duas instâncias e no STJ por dez juízes diferentes. Soçobraram por uma dessas tecnicalidades em que os advogados são especialistas: quase cinco anos depois da denúncia, o ministro Edson Fachin decidiu que Lula não poderia ter sido julgado em Curitiba. Era uma tentativa de evitar o exame da parcialidade de Moro na Segunda Turma do Supremo, que poderia fazer desmoronar todo o resto da Lava-Jato.

A manobra de Fachin não funcionou. Depois de ter segurado por dois anos seu voto sobre a parcialidade, em poucas horas Gilmar levou-o à turma e, numa votação expressa, Moro foi declarado suspeito. No plenário, formou-se quinta-feira maioria para confirmar a decisão. Só não foi confirmada porque, em meio ao bate-boca, o presidente do STF, Luiz Fux, decidiu dar a sessão por encerrada, enquanto o ministro Marco Aurélio encetava pedir vista.

Pode até haver motivos jurídicos para justificar a decisão tomada pelo plenário. Mas, no mundo real, longe do universo estéril das discussões acadêmicas, o efeito está claro: como seu principal símbolo, a Lava-Jato acabou. A operação que pela primeira vez levou para trás das grades empresários e políticos do mais alto escalão virou história. Com ela, o país desperdiçou uma oportunidade de amadurecimento institucional, uma possibilidade de substituir a impunidade e o capitalismo de compadrio seculares por um ambiente de negócios mais justo, mais maduro e mais eficiente. Quem perdeu não foi só Barroso, como afirmou Gilmar. Quem perdeu foi o Brasil.

Editorial de O Globo, em 24 de abril de 2021.

Morre Levy Fidelix, presidente nacional do PRTB, aos 69 anos

Idealizador do Aerotrem, Fidelix concorreu à Presidência da República em duas eleições

Levy Fidelix ( PRTB ) candidato a prefeito de São Paulo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

O presidente nacional do PRTB, Levy Fidelix, morreu na noite desta sexta-feira em São Paulo. Fidelix estava internado desde março deste ano em um hospital particular da capital paulista. A família não informou a causa da morte.

"É com profunda dor e pesar que o PRTB, por sua diretoria, comunica o falecimento do nosso líder, Fundador e Presidente Nacional, Levy Fidelix, ocorrida nesta data na cidade de São Paulo. Descanse em paz homem do Aerotrem!", diz texto postado no Twitter de Fidelix.

O vice-presidente Hamilton Mourão, que é filiado ao partido de Fidelix, lamentou a morte do fundador e presidente do PRTB:

"Lamento o falecimento do fundador e presidente do PRTB, amigo Levi Fidelix. O movimento conservador brasileiro perde um dos seus principais representantes. Que o Nosso Senhor Jesus Cristo abençoe e conforte toda família", escreveu no Twitter.

Fidelix concorreu duas vezes à Presidência da República, três vezes a deputado federal, duas vezes ao cargo de governador e outras três vezes a prefeito de São Paulo. Ele nunca se elegeu.

Além de político, Fidelix atuou como jornalistas, empresário e publicitário. Ele era casado com Aldinea Rodrigues Cruz e tinha uma filha, Lívia Fidelix.

Na última disputa eleitoral, Fidelix concorreu a prefeitura de São Paulo em 2020. Terminou a disputa no 11º lugar, com 11.960 dos votos (0,22% do total).

Em entrevista ao GLOBO durante a campanha eleitoral,  o idealizador do aerotrem, afirmou que não era uma pessoa de uma proposta só e que gostaria de promover a educação digital nas escolas de São Paulo. Apoiador do presidente Jair Biolsonaro na campanha presidencial - o vice-presidente Hamilton Mourão é filiado ao PRTB - Fidelix admitiu que não tinha o apoio de Bolsonaro, mas que mantinha relações com o presidente.

O Globo, em 24/04/2021 - 07:32 / Atualizado em 24/04/2021 - 08:45

Volta de João Santana à política envolve contrato de R$ 250 mil mensais e viagem de Ciro à Bahia

Ex-marqueteiro de Lula e Dilma vai trabalhar na comunicação do PDT com o presidenciável Ciro Gomes

O acerto que selou a volta de João Santana à política foi fechado em uma viagem do pré-candidato Ciro Gomes e do presidente do PDT, Carlos Lupi, à Bahia nesta quinta-feira (22). Na conversa, ficou definido que o marqueteiro receberá R$ 250 mil por mês em um contrato com prazo de duração de um ano assinado com o partido.

Se tudo der certo, em seguida, Santana assumirá o comando da comunicação da campanha presidencial de Ciro.

— (O acerto atual) é uma preliminar. tenho esperança que ele aceite participar da campanha  — afirma Lupi.

(Mourão cogita possibilidade de concorrer ao Senado em 2022)

Além da comunicação de Ciro, Santana vai cuidar da imagem do partido e das dos demais candidatos a governador.

— A gente ganhou o passe de um gênio  — comemora o presidente do PDT.

As conversas começaram ainda no ano passado, segundo Lupi. 

— É  um namoro que já vem há algum tempo e hoje foi selado o casamento — acrescenta Lupi.

Além de trabalhar com Lula e Dima, a agência de Santana atuou, entre 2003 e 2014, em outros países, como Argentina, República Dominicana, El Salvador, Panamá, Angola e Venezuela.

Santana cumpriu prisão domiciliar até outubro de 2020. Até essa data, ele também estava proibido pela Justiça de trabalhar com marketing político. Desde então, o marqueteiro não tinha assumido um trabalho de alcance nacional. Sem poder trabalhar com política, ele participou, como backing vocal, da gravação de um disco de uma banda formada por dois amigos. Santana também assinou composições do álbum.

Agora, o marqueteiro cumpre pena em regime aberto e ao menos até o fim do ano passado usava tornozeleira eletrônica. No último dia 15, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin determinou a restituição de um celular e dois notebooks que ainda estavam sob custódia da Polícia Federal.

A contratação de Santana pelo PDT pode afastar a ex-ministra Marina Silva (Rede) de uma possível aliança. Na campanha de 2014, o marqueteiro foi responsável por peças publicitárias com ataques contra a ex-ministra.

 Sérgio Roxo para O Globo, em 23/04/2021 - 04:30

Carlos Melo: Corra, Ciro, corra

Até cair em desgraça, João Santana era estrela do marketing político não apenas nacional, mas também da América Latina. 

No tempo em que o dinheiro jorrava de empresas interessadas em agradar candidatos, compôs com Duda Mendonça o seleto grupo de magos das campanhas eleitorais, capazes de organizar estratégias e programas de TV que resultaram em vitórias memoráveis. 

Enfrentando caciques como José Serra e Aécio Neves, conseguiu o prodígio de eleger e reeleger Dilma Rousseff — primeiro a desconhecida ministra, depois a temperamental presidente.

Santana conhece os caminhos das urnas; conhece a sociologia do voto nacional, a psicologia dos eleitores. Também conhece pontos fortes e vulnerabilidades 

             Ciro, Santana, Lupi, a nova cara do PDT (Reprodução/Twitter)

Santana conhece os caminhos das urnas; conhece a sociologia do voto nacional, a psicologia dos eleitores. Também conhece pontos fortes e vulnerabilidades dos adversários de seus futuros clientes. É duro e sabe bater forte.

Por tudo isso, Ciro Gomes e o PDT o contrataram. Não ignoram que 2022 pode ser a cartada definitiva de um candidato controverso que, em sua quarta tentativa, enfrentará gigantes como Jair Bolsonaro e Lula. E, antes, no campo delineado como centro, João Doria, Eduardo Leite; talvez, Tasso Jereissati. Melhor colocar destino em mãos profissionais.

Ano passado, entrevistado pelo programa Roda Viva, da TV Cultura, Santana demonstrou animação por uma chapa “Ciro/Lula”. É pouco provável que ocorra. Ciro tem destruído pontes, com sinais contraditórios: ora, de mãos postas, apela a Lula para que passe a vez; ora, iracundo, afirma que no hipotético segundo turno entre o petista e Bolsonaro, não hesitará em viajar, mais uma vez, a Paris.

Talvez o primeiro dos trabalhos de Santana seja regular essas oscilações de Ciro, torná-lo mais estratégico e perene em seus humores e objetivos; menos mercurial e, tanto quanto possível, plácido. Não será simples. Depois, fazê-lo ganhar tração eleitoral.  Lula tem dito que, se querem que passe o bastão, será necessário, primeiro, que consigam correr à sua frente. Numa eleição, o tempo se esgota em átimos de segundo. Talvez Santana precise sussurrar em seu ouvido: “corra, Ciro, corra”.

Carlos Melo, cientista político, é  Professor do Insper. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.04.2021.

Marco Aurélio Nogueira: Pacto pelo futuro

O momento é de dissolução de barreiras, retomada do diálogo e suspensão de vetos

É preciso compreender a dificuldade das oposições democráticas de se contraporem ao governo Bolsonaro.

Elas hoje preenchem um espaço amplo, vão da direita à esquerda, passando pelo imenso centro, cada pedaço com suas legítimas pretensões e seus problemas. Nas que se inclinam para o centro, o déficit passa pela ausência de lideranças incontestes, de um programa claro e de uma identidade substantiva.

As esquerdas não estão em melhor condição, embora estejam a comemorar a volta de Lula, que as magnetiza e seduz, agora com o adicional da absolvição conquistada e da incorporação de um papel de injustiçado perseguido político. Roda-se em torno de Lula como se dele emanasse a luz.

O que há de consenso cívico de repúdio e desejo de mudança não se traduz em consenso político e plataforma de atuação. Há ensaios unificadores e um esforço dedicado para que as oposições baixem o tom e conversem olho no olho. Manifestos, debates e proclamações indicam isso com clareza, o que é um alento. Mas não foram dados os passos decisivos, aqueles que fazem uma equipe vencedora. O momento é de dissolução de barreiras, retomada do diálogo e suspensão de vetos.

As oposições ainda estão a lamber as feridas da derrota de 2018. São feridas que tardam a cicatrizar, manuseadas nem sempre com habilidade. Enquanto permanecerem abertas, dificultarão aproximações e convergências, com o passado recente cobrando seu preço e embaçando o futuro. Além disso, há elementos que complicaram demais as interações, a começar da pandemia.

A pandemia tem lógica própria, deve ser enfrentada com toda a energia. Está expondo nossa fragilidade e, ao mesmo tempo, a capacidade de resposta da ciência. Além dos estragos que provoca em termos de vidas e de pressão sobre o sistema sanitário, ela se mistura com os desdobramentos da revolução tecnológica do nosso tempo. A economia está desafiada, assim como o mundo do trabalho. Não há como fazer funcionar o que ficou para trás, em termos de arranjos sistêmicos, padrões organizacionais, práticas e leis. Tudo terá de ser repensado, seja para conter a disseminação da covid, seja para desenhar as políticas que serão necessárias para reforçar a saúde e proteger os desassistidos. Será preciso, além disso, reconfigurar o modo de organizar atividades produtivas, trabalhar, consumir, estudar. Estamos às portas de um começar de novo, tamanhas são as transformações com que temos de lidar.

Assistimos ao processamento de uma espécie de metamorfose, que da vida material atinge todas as esferas existenciais. Em termos políticos, centro-direita, centro-esquerda e esquerdas deveriam suspender temporariamente suas particularidades doutrinárias e ideológicas para promover a formação de um polo democrático encorpado, flexível e plural, que proponha uma política e uma governação com a marca da inovação. O momento pede que os democratas calcem as botinas da humildade e amassem barro no Brasil profundo. Não cabem jogos de cena, reiteração de projetos pessoais e checagens da força relativa de cada um.

Na política, diferenças, disputas e antagonismos não devem ser temidos. Funcionam como motores de organização e esclarecimento, na medida em que dialogam com o conjunto da sociedade e interpelam o imaginário social. Não são, porém, definitivos, compõem-se e se recompõem de múltiplas formas ao longo do tempo, criando novas exigências. Polarizações que remontam ao passado não ajudarão a que se pavimente o futuro. Se todos os democratas vencerem, haverá espaços para antagonismos mais profícuos e substantivos.

Não é fácil encontrar o ponto ótimo a partir do qual possa ocorrer tal convergência. A unidade política não exclui a diversidade, antes se alimenta dela. Constrói-se mediante muitos esforços, tensões e concessões, requerendo retomadas continuadas.

A definição desse pacto político se beneficiará da afirmação, pelos protagonistas, de alguns princípios básicos. Uma sociedade socialmente justa em termos de renda, oportunidades, etnia e gênero. Uma ideia de governo como operação cooperativa, que funcione como um colégio de líderes e especialistas, com um Executivo democratizado. A recuperação dos grandes sistemas públicos, a saúde, a educação, a assistência, o meio ambiente, a cultura, as relações exteriores, a segurança. O reconhecimento de que não deve haver tolerância com a corrupção, seja qual for a forma que assuma. Um reformismo de longo prazo, constante e progressivo, a ser definido por consultas constantes aos cidadãos. Uma ideia sustentável de desenvolvimento, que valorize e respeite o meio ambiente, o trabalho e o consumo consciente.

São pontos genéricos. Mas se forem proclamados firmemente pelos que se dispõem a governar o País, poderão mostrar que a política tem dignidade e mobilizar os cidadãos em prol da recuperação do Estado, com sua institucionalidade e seus deveres, da valorização da República (do bem público) e da reconstrução da solidariedade, que são a cada dia mais indispensáveis.

Marco Aurélio Nogueira é Professor Titular de Teoria Política da Universidade Estadual de S. Paulo / UNESP. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 24 de abril de 2021 | 03h00

Pazzianotto: Anatomia do Habeas Corpus

O que levou à decisão arbitrária que fulmina a Operação Lava Jato e consagra a impunidade?

“O habeas corpus é meio processual destinado à proteção do direito de ir e vir, ameaçado por ilegalidade ou abuso de poder” - Ministro Eros Grau

O Supremo Tribunal Federal (STF) adquiriu duvidosa notoriedade nos últimos tempos. Após décadas de vida recatada, tornou-se autor de decisões nebulosas, com acentuada perda de prestígio e de autoridade.

A generalização é, todavia, injusta. Entre os 11 ministros da Suprema Corte encontramos alguns que julgam com a Constituição e são avessos ao populismo.

Exemplo de populismo jurídico é a decisão proferida em embargos declaratórios no Habeas Corpus 193.726-Paraná, relatado pelo ministro Edson Fachin. O julgamento se deu na Segunda Turma, integrada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Embargo declaratório é o nome de recurso previsto no Código de Processo Penal (CPP) cujo objetivo é sanar obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada (artigo 619).

O habeas corpus foi ajuizado em 3 de novembro de 2020. Figurou como paciente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atacou acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos autos do Recurso Especial n.º 1.765.139, “no ponto em que foram refutadas alegações de incompetência do Juízo da 13.ª Vara Federal da Subsecção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n.º 5046512-94.2016.4.04.7

000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de nulidade dos atos decisórios nesta praticados”.

O trecho está no relatório da decisão, do qual extraio também o seguinte parágrafo: “Após declinar argumentos pelos quais entende viável o ajuizamento da pretensão na via do habeas corpus, sustentam os impetrantes, em síntese, que, nos fatos atribuídos ao ora Paciente não há correlação entre os desvios praticados na Petrobrás e o custeio da construção do edifício ou das reformas realizadas em tal triplex, feitas em benefício e recebidas pelo Paciente (Doc. 11)”.

Desvios praticados por empreiteira na Petrobrás, sociedade de economia mista criada por lei, controlada pela União, com ações nas bolsas de valores, dos quais se beneficiaram além do Paciente, os demais acusados, causando prejuízos irreparáveis ao povo, a grandes e pequenos acionistas, à reputação do País no exterior.

A Constituição, cuja guarda incumbe ao STF, prescreve no artigo 5.º, inciso XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou sair com seus bens”. Enlaçado ao inciso XV temos o número LXVIII, que diz: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Ao julgarem o pedido, os integrantes da Segunda Turma ignoraram que Lula gozava de liberdade desde 8 de novembro de 2019, quando lhe foi devolvido o direito de locomoção, e a inexistência de risco de prisão. Esqueceram-se do alvará de soltura expedido pelo mesmo STF, que, após intensos debates, impôs às instâncias inferiores respeito ao artigo 5.º, LVII, da Lei Fundamental, cujo texto diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Habeas corpus não é recurso. Não há contraditório e contrarrazões. É medida pessoal específica, destinada a amparar o direito à livre locomoção. Ao anular a condenação de Lula, a decisão da Segunda Turma beneficiou seis outros réus por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, denunciados pelo Ministério Público Federal na Ação Penal n.º 5046512-94.2016.04.7000/PR. Registre-se que a decisão condenatória havia sido confirmada no Tribunal Regional Federal de Curitiba e no Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos.

No dia do ajuizamento do habeas corpus o paciente Luís Inácio Lula da Silva estava livre e circulava pelo território nacional. Organizava encontros com os olhos voltados para as eleições de 2022. Preparava-se para disputar a Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores. Se agisse com imparcialidade o ministro Edson Fachin teria aplicado ao pedido o artigo 659 do CPP, que diz: “se o juiz ou tribunal verificar que já cessou a violência ou coação ilegal, julgará prejudicado o pedido”.

Contra a decisão da Segunda Turma a Procuradoria-Geral da República interpôs recurso ao pleno do STF. A nulidade foi mantida por 8 votos contra 3. A corrente liderada por Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, desafetos do ex-juiz Sergio Moro, foi contestada pelos ministros Kassio Marques, Marco Aurélio Mello e Luís Fux. Fiéis à Constituição e à jurisprudência, demonstraram inexistir nulidade por desvio de competência, prejuízo ao direito de defesa, abuso de poder e que fora observado o princípio do devido processo legal.

Houve colapso mental ou perda de lucidez pela maioria? Se não houve, qual o motivo para arbitrária concessão de habeas corpus que fulmina a Operação Lava Jato e consagra a impunidade contra a corrupção?

Responda o leitor.

Almir Pazzianotto Pinto, Advogado, foi Ministro do Trabalho e Presidente do Superior Tribunal do Trabalho. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.04.2021.

Bolsonaro veta R$ 200 milhões para vacina '100% brasileira' da USP Ribeirão Preto

Em transmissão nas redes sociais esta semana, ministro da Ciência, Marcos Pontes, pediu apoio financeiro ao imunizante contra covid-19

O presidente Jair Bolsonaro vetou R$ 200 milhões que seriam usados no desenvolvimento da vacina contra covid-19 “100% brasileira” anunciada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O corte nos recursos vem um dia após o presidente convidar o ministro Marcos Pontes para sua transmissão semanal nas redes sociais para falar sobre o imunizante.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Inovação e Comunicação, Marcos Pontes Foto: Gabriela Biló/Estadão

Em março, o Palácio do Planalto fez questão de divulgar que a vacina brasileira apoiada pelo governo federal, desenvolvida por cientistas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), estava avançando. O anúncio foi feito horas depois de o governo de São Paulo informar que pediria aval para iniciar testes clínicos da Butanvac, desenvolvida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista.

“Marcão, vamos lá. Como é que 'tá' a nossa vacina brasileira? Essa é 100% brasileira, não é aquela ‘mandrake’ de São Paulo, não né”, perguntou Bolsonaro a Pontes nesta quinta-feira, 23, durante transmissão na internet, em referência à Butanvac. A tecnologia do imunizante foi apresentada pelo Butantan e pelo governador João Doria (PSDB) como sendo 100% nacional, mas foi desenvolvida, na realidade, por pesquisadores de instituição americana. 

Já na live de quinta, Pontes demonstrava preocupação com a manutenção dos recursos no Orçamento. Estavam reservados R$ 207,2 milhões para o projeto dos quais R$ 200 milhões haviam sido injetados por meio de emenda do relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC).

“O nosso desafio aqui é justamente o Orçamento. Esse custo é um investimento muito bom para o País. São R$ 30 milhões para essa fase 1 e 2, um ensaio clínico com 360 pacientes, e depois são mais R$ 310 milhões com a fase 3, com 25 mil pacientes. Tenho a esperança agora que isso entre no Orçamento”, disse o ministro. As fases 1, 2 e 3 envolvem testes em humanos, para avaliar a segurança e a eficácia do produto contra o vírus. 

Logo após esse apelo de Pontes, o presidente falou brevemente sobre o Orçamento e, sem antecipar que o investimento na vacina seria vetado, avisou que “todo mundo” iria pagar a conta. “A peça orçamentária para os 23 ministérios é bastante pequena e é reduzida ano após ano. Tivemos um problema no Orçamento no corrente ano, então tem um corte previsto bastante grande no meu entender, pelo tamanho do orçamento, para todos os ministérios. Todo mundo vai pagar um pouco a conta disso aí”, disse Bolsonaro na live.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a avaliação entre defensores da emenda é que a verba permitiria a criação de uma futura vacina, domínio da tecnologia para as variantes brasileiras do vírus e a produção nacional rápida e com logística melhor para imunizar a população.

Helena Faccioli, presidente da Farmacore, empresa de biotecnologia que desenvolveu o imunizante em parceria com a USP de Ribeirão Preto, estimou ao Estadão em março a necessidade de 9 a 12 meses para os testes clínicos, o que indica que o imunizante deverá estar disponível ao público somente no ano que vem.  Naquela época, ela também disse ter recebido do Ministério da Ciência garantia de que teria recursos federais para as fases 1 e 2 dos testes. 

A aceleração da vacinação tem sido colocada pela própria equipe econômica como uma condição necessária para a retomada da atividade econômica. Recentemente, o governo diversificou os contratos com laboratórios privados para ampliar a aquisição de vacinas.

Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo, em 23 de abril de 2021 | 21h54

CPI da Covid vai responder quantas vidas teriam sido salvas se Bolsonaro 'tivesse acertado a mão', diz Renan Calheiros

“Muito mal explicado por que não compramos as 70 milhões de doses da Pfizer”, diz futuro presidente da CPI da Covid

Renan Calheiros: Governo Bolsonaro tem que convencer as pessoas de que não errou e, se não conseguir, vai ampliar desgaste na população. (Crédito da foto: AFP)

A primeira resposta a ser dada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid é quantas vidas poderiam ter sido salvas no Brasil se o governo do presidente Jair Bolsonaro "tivesse acertado a mão", de acordo com o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Calheiros deve ser oficializado, segundo acordo entre senadores, como relator da CPI que vai investigar "ações e omissões" do governo federal diante da pandemia de coronavírus.

"A primeira resposta (a ser dada pela CPI) é se houve materialização da tese da imunização de rebanho. A CPI vai dizer se houve ação ou omissão do governo e se isso pode ter agravado as circunstâncias. Em outras palavras: se o governo tivesse acertado a mão, quantas vidas poderiam ter sido salvas no Brasil?", disse o senador em entrevista à BBC News Brasil.


A primeira reunião da comissão está marcada para terça-feira (27/04), quando o senador Omar Aziz (PSD-AM) deve ser escolhido como presidente do colegiado.

Calheiros disse que a CPI também vai investigar "se o governo se omitiu, deixou de fazer pré-contratos quando laboratórios produtores estavam ofertando, se estimulou aglomeração, se minimizou o papel da máscara".

"A CPI precisa cumprir o seu papel. Precisa colaborar no sentido da agilização da vacinação e caminhar no rumo da investigação para responsabilizar ou não. Se o governo tem convicção de que acertou a mão em todos os momentos, não precisa ter preocupação, nem sobressalto, e a CPI será oportunidade para que demonstre o contrário."

'Meio ridículo'

Calheiros, que está sob forte pressão de aliados do presidente, diz que "não há predisposição contra ninguém". "O presidente da República não é nosso inimigo. A nossa inimiga é a pandemia. São os porões da pandemia que vamos investigar."

O fato de Calheiros ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho, tem sido apontado por aliados do Palácio do Planalto como o que deveria ser um impeditivo para que o senador assuma a relatoria, visto que a CPI também investigará repasses a Estados e municípios de verbas federais para saúde.

"O fato que alegam, de não poder participar da CPI por ser pai de um governador, é meio ridículo. O governador não está sendo investigado e, se for - ninguém estará isento de investigação -, a comissão designará sub-relator para fazer qualquer investigação, com total responsabilidade."

A deputada governista Carla Zambelli (PSL-SP) anunciou em redes sociais que ingressou com ação na Justiça Federal do Distrito Federal para impedir que Calheiros assuma a relatoria.

"Acabamos de ingressar com ação na Justiça para barrar @renancalheiros na relatoria da CPI. A presença de alguém com 43 processos e 6 inquéritos no STF evidentemente fere o princípio da moralidade administrativa. Outros parlamentares também ingressarão com ações", escreveu a deputada em sua conta no Twitter.

Deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) disse que ingressou com ação na Justiça Federal do Distrito Federal para impedir que Renan Calheiros assuma relatoria da CPI (Crédito da foto: PABLO VALADARES/CÂMARA DOS DEPUTADOS)

Calheiros diz que a judicialização antes de a CPI começar "só fortalece o trabalho da comissão".

No entanto, o senador admite a possibilidade de designar sub-relatores para cuidarem de temas específicos.

"A alternativa a isso (sub-relatorias) seria fazer investigação sobre amigos próximos, o que me deixa nessa zona da suspeição, e sobre familiares também. O prudente, para de logo afastar essa possibilidade, é designar sub-relatores e reafirmar que não decidirei monocraticamente nada, absolutamente nada."

E afirma que poderia aceitar deixar na mão de aliados do Palácio do Planalto a linha de investigação que interessa mais a Bolsonaro, que é a aplicação de recursos originados da União e enviados a Estados e municípios.

"Em havendo necessidade da indicação de sub-relatores, vamos indicar de acordo com a pluralidade da comissão. Não vamos indicar apenas pessoas da nossa corrente."

Questionado se, assim, a sub-relatoria relativa aos Estados poderia ficar com um senador alinhado ao Planalto, respondeu: "Se for necessário, sim".

A apuração da aplicação de recursos por Estados e municípios, incluída posteriormente como objeto da CPI, foi defendida por Bolsonaro, inclusive em áudio divulgado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO).

Desgaste

Calheiros diz que o governo federal está tratando a CPI de forma equivocada.

"Se o governo aproveitar melhor o espaço na CPI para demonstrar o contrário do que a sociedade pensa, será melhor. Será muito mais produtivo do que o governo arrastar a instalação da CPI, que deveria ter sido instalada em fevereiro", diz.

"O governo está tratando equivocadamente esta questão, tem que aproveitar a oportunidade para convencer as pessoas de que não errou, de que fez tudo certo, na hora certa. Se não conseguir, paciência, vai ampliar o desgaste na população."

Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em março mostra que 54% dos entrevistados avaliam como ruim ou péssimo o desempenho de Bolsonaro na gestão da pandemia e 22% consideram ótimo ou bom.

Calheiros diz que não tomou cloroquina, defendida por Bolsonaro: 'Não tomei porque entre a crença e a ciência, sigo a ciência'. ( Crédito da foto: Reuters)

A importância do tema da CPI e o fato de ela acontecer um ano antes da próxima eleição levam a comissão a ser considerada a principal vitrine política dos próximos meses.

Calheiros diz que a tentativa de atrasar os trabalhos da CPI aproxima ainda mais os resultados da comissão às eleições de 2022.

"Na medida em que o governo delonga a instalação da CPI, colabora para que desfecho vá para diante. Teremos no próximo ano eleição nacional e, na medida em que os trabalhos da CPI cheguem mais próximos das eleições, é evidente que isso, de uma forma ou de outra, vai impactar."

E o senador tomou cloroquina, defendida pelo presidente Bolsonaro, em algum momento?

"Não tomei porque entre a crença e a ciência, sigo a ciência. Não tive coronavírus, tomei a primeira dose da vacina, estou pacientemente aguardando a segunda dose, mas nunca me expus a pré-tratamento exatamente para não complicar minha situação."

Laís Alegretti - @laisalegretti, da BBC News Brasil em Londres, em 22 abril 2021

Em nova crítica a lockdown, Bolsonaro diz que 'Forças Armadas podem ir às ruas' se restrições provocarem caos

Nas últimas semanas, presidente tem repetido alerta sobre possível caos causado por fechamento de comércios e outras medidas adotadas por governadores e prefeitos

O presidente Jair Bolsonaro chega para cerimônia no Clube do Exército Foto: Marcos Corrêa/Presidência

O presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta sexta-feira que as Forças Armadas poderão ir às ruas para garantir a ordem no país caso a política de medidas restritivas adotadas por prefeitos e governadores contra a Covid-19 promova o que chamou de "caos". Em entrevista concedida à "TV Crítica", do Amazonas, Bolsonaro afirmou que, se preciso, o Exército será convocado para "restabelecer todo o artigo 5º da Constituição", que faz referência aos direitos individuais da população, como o de ir e vir ou a liberdade religiosa.

Na visão do presidente, as medidas que promovem o distanciamento social, como o fechamento do comércio, estariam descumprindo a Constituição, que garante as liberdades para o cidadão. O Supremo Tribunal Federal (STF) deu o aval, desde abril do ano passado, para que governantes locais adotassem medidas restritivas durante a pandemia.

Mais cedo, em vídeo, o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, havia afirmado que a instituição é um "vetor de estabilidade", em sua primeira fala pública desde que assumiu o posto.

— O nosso Exército, se precisar, iremos para as ruas não para manter o povo dentro de casa mas pare restabelecer todo o artigo 5 da Constituição. E se eu decretar isso vai ser cumprido esse decreto. As Forças Armadas podem ir para a rua sim. para fazer valer o artigo 5, direito de ir e vir, direito ao trabalho, liberdade religiosa, de culto, para cumprir tudo aquilo que está sendo descumprido por parte de alguns governadores, prefeitos — afirmou Bolsonaro.

Em 12 de abril, nas suas redes sociais, o presidente já tinha feito uma referência ao que chama de "caos". Na ocasião, afirmou que "cada vez mais a população está ficando sem emprego, renda e meios de sobrevivência... o caos bate na porta dos brasileiros. Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e... prepare-se".

Durante a entrevista nesta sexta-feira, Bolsonaro afirmou que, caso ocorra problemas com as políticas de quarentena, tem o plano de "como entrar em campo."

— Agora, eu não posso extrapolar. Isso que alguns querem, que extrapole. Estou junto com os 23 ministros, da Damares ao Braga Netto, praticamente conversado sobre isso daí: o que fazer se um caos generalizado se implantar no Brasil. Pela fome, pela maneira covarde que alguns querem impor essas medidas restritivas para o povo ficar dentro de casa. O caldo não entornou ano passado em função do auxílio emergencial — afirmou.

O presidente afirmou, entretanto, que era manter o auxílio emergencial em R$ 600, valor que foi pago até o ano passado, em razõaa do endividamento crescente da máquina pública. Ao final da entrevista, Bolsonaro voltou a repetir que as medidas restritivas têm violado o artigo 5º da Constituição.

— Isso tem prejudicado a família brasileira. O número de suicídio tem aumentado, o desespero. Vammos temer o vírus mas o desemprego não pode ser abandonado — disse.

Dimitrius Dantas para O Globo, em 23/04/2021 - 23:07 / Atualizado em 23/04/2021 - 23:22

Brasil registra 2.914 mortes por covid-19 em 24 horas

Novos números elevam total de óbitos associados ao coronavírus no país para 386.416. Total de casos registrados chega a 14.237.078, com 69.105 novas infecções.

    
Vista aérea de covas com cruzes azuis em cemitério de Manaus. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 183,9

O Brasil registrou 2.914 mortes associadas à covid-19 nesta sexta-feira (23/04), além de 69.105 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 14.237.078, enquanto os óbitos chegaram a 386.416 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.673.785 pacientes se recuperaram da doença até esta quinta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 183,9, a 14ª mais alta do mundo, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 31,9 milhões de casos, e da Índia, com 16,2 milhões de pessoas infectadas. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 570 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 145 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 23.04.2021

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Delegado que caiu após notícia-crime contra Salles rebate fala de Bolsonaro na cúpula do clima: ‘Até 2030 o desmatamento vai acabar… por falta de floresta’

Em perfil recém-criado no Twitter, o ex-superintendente da PF no Amazonas defendeu que é 'hora de lutar pela Floresta' e de 'mostrar que a Amazônia importa'

O delegado Alexandre Saraiva. Foto: Wérica Lima/ Inpa

O delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, líder da investigação que culminou em ‘apreensão histórica’ de madeira ilegal na Amazônia e autor da notícia-crime contra o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, ironizou nesta quinta, 22, que o desmatamento no Brasil vai acabar, até 2030, ‘por falta de floresta’. A indicação se dá na esteira da fala do presidente Jair Bolsonaro, que, durante a Cúpula de Líderes sobre o Clima, afirmou que o País assumiu o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 e que o País atingiria a neutralidade climática em 2050.

Em perfil recém-criado no Twitter, o ex-superintendente da PF no Amazonas – que foi substituído após enviar a notícia-crime contra Salles ao Supremo Tribunal Federal – defendeu que é ‘hora de lutar pela Floresta’ e de ‘mostrar que a Amazônia importa’. “Não vai passar boiada nenhuma!!!”, registrou ainda o delegado em letras maiúsculas, na primeira publicação feita na rede social, nesta quarta, 21. A autoria do perfil foi confirmada pela PF no Amazonas.

A indicação de Saraiva faz referência a fala do ministro do Meio Ambiente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, tornada pública no âmbito no inquérito que apura suposta tentativa de interferência política de Bolsonaro na PF. Na ocasião, Salles disse que era preciso aproveitar a ‘oportunidade’ que o governo federal ganha com a pandemia do novo coronavírus para ‘ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas’.

Saraiva e Bolsonaro durante live em novembro de 2020. FOTO: REPRODUÇÃO/YOUTUBE/JAIR BOLSONARO

Um ano após a fatídica reunião, Saraiva imputou a Salles supostos crimes de obstrução de investigação ambiental, advocacia administrativa e organização criminosa. Segundo o delegado, além de dificultar a ação de fiscalização ambiental, Salles ‘patrocina diretamente interesses privados (de madeireiros investigados) e ilegítimos no âmbito da Administração Pública’ e integra, ‘na qualidade de braço forte do Estado, organização criminosa orquestrada por madeireiros alvos da Operação Handroanthus com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza’.

Nesta quarta, 21, na esteira das acusações e às vésperas conferência internacional sobre as mudanças climáticas convocada pelo presidente americano, Joe Biden, Salles foi alvo de um tuitaço e passou parte do dia envolvido em bate-boca pelas redes sociais. Uma das celebridades que defenderam o #ForaSalles e rebateram o ministro foi a cantora Anitta. Saraiva chegou a compartilhar uma mensagem da empresária.

Amazônia. FOTO: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Já na manhã desta sexta, 23, o delegado comentou sobre as estratégias identificadas em operações da PF para a exportação de madeira ilegal. Saraiva defendeu a auditoria de processos administrativos que autorizam o desmatamento, apontando que ‘em regra geral’ os documentos produzidos a partir de tais procedimentos, o Documento de Origem Florestal – são baseados em fraudes.

Pepita Ortega e Rayssa Motta para O Estado de São Paulo, em 23 de abril de 2021.

Nêumanne: Bolsonaro já debilitou o Estado de Direito

Na metade do mandato, presidente abusou do poder para impedir e promover investigações policiais e de órgãos de controle, e não apenas os de governo, mas até mesmo os de Estado, apostando no autogolpe

Em dois anos, três meses e meio de gestão, Bolsonaro usou de todos os meios para intervir politicamente em todas as instituições, incluindo as de Estado, e não de governo.

1 – Ao perseguir quem o critica, caso de #guilhermeboulos​, mandando a #policiafederal​ enquadrá-lo na #leidesegurancanacional​, texto repressivo da #ditaduramilitar​, #jairbolsonaro​ mostra que sua obra em dois anos, três meses e meio de gestão já enfraquece o #estadodedireito​ no #brasil​. 

2 – #lula​ mandou o #pt​ espalhar por aí que convidará o ministro do #stf​ #gilmarmendes​ para sua equipe de governo. 

3 – #alexandredemoraes​ retirou os processos contra #micheltemer​, que o nomeou #ministrodajustica​ e para o #stf​, do juiz #marcelobretas​, que o mandou prender. 

4 – Conforme publicou #ancelmogoes​ no #globo​, o ex-comandante do #exercitobrasileiro​, #generaledsonpujol​ comentou com o #generaleduardopazuello​ que este se ferrou e ferrou a instituição ao cumprir ordens negacionistas do #presidentedarepublica​. #joseneumannepinto​. #diretoaoassunto​. Inté. E só a verdade salvará nossas vidas.

José Nêumanne é Jornalista, escritor e poeta. Escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto d'O Estado de São Paulo. Publicado originalmente em 23.04.2021

Sergio Fausto: Preservar a democracia e as Forças Armadas

Há uma relação de mútua dependência, seja o que for que os militares pensem do golpe de 64

A crise militar desencadeada por Bolsonaro deixou no ar um misto de alívio e apreensão. O pior não aconteceu. O presidente seguiu o critério de antiguidade na nomeação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A apreensão deriva do fato de que essa não foi a primeira nem será a última vez que Bolsonaro busca instrumentalizar as Forças Armadas em função do seu projeto político, sabidamente autoritário e destrutivo das instituições do Estado. O que está em jogo é a preservação da democracia e das Forças Armadas, como instituição republicana, impessoal, que não se confunde com governos e chefes de Estado transitórios. São dois objetivos inseparáveis.

O presidente é sistemático e incansável em seu intento de criar exércitos para chamar de seus. Na base da sociedade, fomenta o acesso a armas e uma cultura de violência, em nome da liberdade e da segurança individuais, mandando às favas quaisquer escrúpulos de civilidade. Usa seu poder presidencial para reforçar sua identidade com grupos de indivíduos que fazem da intimidação um modo de ser, quando não um modo de vida e um negócio, como no caso das milícias. Na base do Estado, estimula o antagonismo entre policiais militares e governadores. Visa ao menos a criar a impressão de que, no dia D e na hora H, exércitos de PMs obedecerão ao seu comando para, junto com milícias civis bolsonaristas, encostar governadores e prefeitos contra a parede. Na cúpula do Estado, Bolsonaro dedica-se a enredar as Forças Armadas nas malhas de seu governo, pois sabe, como Hugo Chávez sabia, que sem cooptação das forças regulares a ameaça de intimidação de facções armadas é menos plausível.

Nunca antes em regime democrático, nem mesmo durante o regime militar, tantos oficiais – da reserva e da ativa – ocuparam tantas e tão destacadas posições em ministérios e empresas estatais. O sentimento de missão a cumprir, a natural atração que o poder exerce e a ilusão de que poderiam controlar o presidente levaram os militares a acreditar que este governo era o seu governo. Bolsonaro sabe cultivar esse sentimento: abre espaços na administração, melhora salários e proventos, amplia o orçamento da Defesa, comparece a formaturas, etc.

Bolsonaro já deve ter-se dado conta de que as Forças Armadas não embarcarão numa aventura autoritária sob o seu comando. Basta, no entanto, que lhe deem suficiente margem de manobra para que ele possa seguir tagarelando sobre o alinhamento político entre o governo e os militares. Para a sua base fiel, o recado é claro: se a chapa esquentar, eu tenho a força. A parolagem irresponsável do presidente é instrumental para manter vivo o mito do homem forte, tão mais útil quanto mais a realidade o mostra politicamente enfraquecido.

A confusão propositada entre governo e instituição militar terá custos crescentes para as Forças Armadas. A reeleição do presidente se tornou mais difícil. Ele enfrentará a disputa do próximo ano em condições muito piores do que jamais imaginou, carregando as perdas humanas, sociais e econômicas de uma tragédia que se tornou ainda maior por seus atos e omissões. Se Lula vier a ser seu principal adversário, travará uma guerra de deslegitimação do candidato petista e, se necessário, do próprio processo eleitoral. Se as heterogêneas forças de centro-direita e centro-esquerda se aglutinarem em torno de um candidato que caia no gosto popular, sua situação se complicará mais ainda. Mas, num caso ou noutro, mobilizará suas milícias online e offline para o que der e vier e usará todos os instrumentos do Estado que puder utilizar em favor de sua campanha. Bolsonaro pouco distingue as fronteiras entre família, governo e Estado.

O presidente conhece a resistência que o PT enfrenta no meio militar (mais uma razão para sonhar com a polarização com Lula). Ela se formou ao longo do governo Dilma e se consolidou com a Lava Jato. Os militares não digeriram a Comissão da Verdade. Também não gostaram do que entenderam ser tentativas de interferir em assuntos internos das Forças Armadas. O ex-juiz Sergio Moro continua a contar com prestígio entre os militares e a decisão do STF de declará-lo suspeito é tida como um retrocesso inaceitável. Bem aceito em seu governo, depois o ex-presidente ganhou inimigos nas Forças Armadas.

Falemos em português claro: o presidente joga com a hipótese de os militares se mostrarem mais maleáveis a seus interesses num cenário eleitoral em que Lula desponte como seu principal adversário. Nesse quadro, aposta que pode haver coincidência de interesses e maior alinhamento político. Aposta perigosa, para a democracia e para as Forças Armadas.

Ante o risco que Bolsonaro representa, há uma relação de mútua dependência entre a preservação da democracia como regime político e das Forças Armadas como instituição de Estado, independentemente do que os militares pensem a respeito do golpe de 31 de março.

Sérgio Fausto é Diretor Geral da Fundação FHC e membro do GACINT-USP. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 23 de abril de 2021.