terça-feira, 27 de abril de 2021

Senado deve ignorar liminar que impede Renan de assumir relatoria da CPI da Covid

Parlamentares consideram que decisão judicial não tem embasamento; Rodrigo Pacheco criticou interferência e disse que indicação cabe ao presidente da CPI

O Senado deve ignorar a decisão da Justiça Federal do Distrito Federal que impede Renan Calheiros (MDB-AL) de assumir a relatoria da CPI da Covid. Parlamentares consideram que a decisão não tem embasamento jurídico por citar uma regra inexistente no regimento interno sobre a indicação no colegiado (a eleição do relator). A tese é apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que criticou a interferência entre poderes.

“A escolha de um relator cabe ao presidente da CPI, por seus próprios critérios. Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz. A preservação da competência do Senado é essencial ao estado de direito. A Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os poderes", disse Pacheco, em nota.

Na decisão, o juiz Charles Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal Cível da Justiça de Federal do Distrito Federal, afirma que Pacheco deve impedir que o nome de Renan Calheiros seja submetido à votação para compor a CPI na condição de relator. Não há, no entanto, eleição para a relatoria. A prerrogativa da indicação é do presidente do colegiado, que é eleito na primeira sessão.

"Determino que a União diligencie junto ao Senado da República, na pessoa do seu presidente, para que este obste a submissão do nome do Ilustríssimo Senhor Senador José Renan Vasconcelos Calheiros à votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator", diz trecho da decisão.

Segundo pessoas próximas, Pacheco sinalizou que iria ignorar a decisão por considerar que ela não tem embasamento. Na visão dele, o documento indica desconhecimento com o regimento interno da Casa. Além disso, o constrange a eventualmente tomar uma decisão que caberia exclusivamente ao presidente da CPI - o escolhido deve ser o senador Omar Aziz (PSD-AM). 

O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirma que os trabalhos seguirão normalmente nesta terça-feira e que Renan ainda pode ser indicado como relator. Por ser o integrante mais velho da comissão, Alencar é responsável pela abertura dos trabalhos no colegiado.

— Sim, claro [pode seguir normalmente]. Foi uma decisão sem embasamento jurídico, ao ponto do despacho do juiz dizer que o Renan não pode ser eleito, mas o Renan será designado por decisão do presidente eleito — avaliou.

Ao GLOBO, Renan classificou a decisão como "uma interferência indevida de um juiz de primeira instância no poder Legislativo, limitando a liberdade de atuação do parlamento". Para ele, a iniciativa de Carla Zambelli (PSL-SP), autora da ação, faz parte de uma estratégia do governo.

— Estamos apresentando recurso. A CPI é uma investigação, ela tem poderes constitucionais. Não há precedente quanto a uma decisão tão esdrúxula quanto essa. Nunca houve uma decisão tão esdrúxula e indevida, de primeira instância, e que contém censura prévia, porque sequer fui escolhido relator (oficialmente). Isso não é Carla Zambelli, isso é uma questão do governo, vide a entrevista que o Flávio [Bolsonaro] deu [ao GLOBO]. Estão fazendo muito esforço — declarou Renan.

Julia Lindner e Paulo Cappelli para O Globo, em 26/04/2021 - 22:01 / Atualizado em 26/04/2021 - 22:24

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Senadores veem lista do governo sobre condução da pandemia como ‘confissão antecipada’

‘É um caso único de delação precoce’, ironiza senador Randolfe Rodrigues, cotado para ser vice-presidente da CPI da Covid

A ideia da Casa Civil de enumerar erros do governo de Jair Bolsonaro no combate à pandemia de coronavírus para construir a narrativa de defesa do Palácio do Planalto na CPI da Covid foi recebida com estranhamento por senadores. A oposição enxergou o gesto como confissão antecipada de culpa. A CPI será instalada nesta terça-feira, 27, e as falhas listadas pela Casa Civil serão usadas por integrantes da comissão para fustigar o governo.

“É um caso único de delação precoce”, ironizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que deve ser escolhido vice-presidente da CPI. “Tem um roteiro ali que a CPI tem de pegar e investigar. Eles contribuíram com um roteiro a ser seguido por nós”.

Além de Randolfe na vice-presidência, o acordo feito por senadores independentes e de oposição – que são maioria na CPI – prevê Omar Aziz (PSD-AM) na presidência do colegiado e Renan Calheiros (MDB-AL) na função de relator. A eleição que confirmará a escolha dos ocupantes dos principais postos da comissão será feita nesta terça-feira.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) Foto: Dida Sampaio/Estadão

Aliado de Bolsonaro, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) quer furar o acordo fechado pela maioria e anunciou que vai concorrer ao comando da CPI. Além disso, bolsonaristas ainda fazem pressão nas redes sociais para impedir Renan de assumir o cargo de relator porque ele não apenas é crítico de Bolsonaro como apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Nas plataformas digitais, seguidores do presidente afirmam que o senador não pode integrar a CPI por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL). Ao avaliar ações e omissões do Executivo no combate à pandemia de covid-19, a CPI também vai investigar o destino do dinheiro repassado pelo governo federal a municípios e Estados, entre os quais Alagoas. 

Renan avisou pelo Twitter, na sexta-feira, 23, que se declarava “parcial” para tratar qualquer tema na CPI que envolva Alagoas. “Não relatarei ou votarei. Não há sequer indícios quanto ao Estado, mas a minha suspeição antecipada é decisão de foro íntimo”, disse ele.

Nesta segunda-feira, 26, o senador afirmou que os temas agora citados pela Casa Civil já são de amplo conhecimento e encarou o assunto como uma espécie de “treino” do Executivo contra o que pode acontecer na CPI. Renan também criticou as tentativas de interferência do governo na comissão.

“Esses assuntos já estavam postos. É bom que o governo levante as informações sobre eles porque isso certamente ajudará a elevar o nível do debate da própria comissão. É treino pessoal, melhor do que ficar obstruindo, mexendo na correlação do Tribunal de Contas, querendo eleger um presidente para não investigar para e indicar um relator para também não investigar”, afirmou.

A Casa Civil, comandada pelo general Luiz Eduardo Ramos, enviou um e-mail para as secretarias executivas de 13 ministérios com uma lista contendo 23 acusações e críticas ao desempenho do governo no combate à pandemia, que podem ser usadas como objeto na CPI da Covid. A informação foi revelada pelo UOL e confirmada pelo Estadão.

A lista de Ramos destaca a acusação de que o governo teria recusado 70 milhões de doses da vacina da Pfizer. Também é levantado questionamento a respeito da pressão do presidente Jair Bolsonaro para que os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich recomendassem cloroquina contra covid, medicamento sem eficácia comprovada, podendo acarretar efeitos colaterais adversos.

O incentivo ao tratamento precoce, o desestímulo ao isolamento social e uma negligência no acordo com a Coronavac, vacina produzida pelo laboratório chinês Sinovac, também são listados pelo Planalto.

O senador Humberto Costa (PT-PE), integrante titular da CPI, também vê a lista da Casa Civil como uma confissão de culpa. “Eu acho que é. Eu acho que eles precisam realmente tentar explicar tudo aquilo ali, as coisas são muito objetivas, muito claras. O que o governo vai precisar é tentar justificar porque agiu daquela maneira. Não tem como negar aquelas coisas todas que eles mesmos falam. Vão precisar se mexer muito para conseguir explicar”, declarou o senador.

Bolsonaro tem dito que “acertou todas” na pandemia, apesar de declarações minimizando a doença e previsões de que a crise iria acabar logo, o que não ocorreu. “Não errei nenhuma desde março do ano passado”, disse o presidente a apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada. 

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), também integrante da CPI, demonstrou estranheza com a lista preparada pelo governo. “Nunca vi o governo agir dessa forma sobre uma denúncia”.

Braga afirmou que uma equipe está analisando os tópicos listados pelo governo para verificar a forma como poderão ser usados na CPI. “Acho muito estranho esse documento. O nosso pessoal já está debruçado sobre ele para ver os desdobramentos e o que a gente consegue apurar. Parece um guia de como o próprio governo vê onde ficou fragilizado”, observou.

Uma versão preliminar do plano de trabalho da CPI prevê investigar questões como o atraso na compra de imunizantes pelo País, a omissão do Ministério da Saúde no colapso na rede de saúde de Manaus no início do ano e a insistência de Bolsonaro em recomendar o chamado tratamento precoce. Além de não ter eficácia comprovada, a medida ainda pode causar efeitos colaterais e levar pacientes à fila dos transplantes.

Abaixo, os 23 erros apontados contra o governo, segundo a Casa Civil:

1- O Governo foi negligente com processo de aquisição e desacreditou a eficácia da Coronavac (que atualmente se encontra no PNI (Programa Nacional de Imunização);

2- O Governo minimizou a gravidade da pandemia (negacionismo);

3- O Governo não incentivou a adoção de medidas restritivas;

4- O Governo promoveu tratamento precoce sem evidências científicas comprovadas;

5- O Governo retardou e negligenciou o enfrentamento à crise no Amazonas;

6- O Governo não promoveu campanhas de prevenção à Covid;

7- O Governo não coordenou o enfrentamento à pandemia em âmbito nacional;

8- O Governo entregou a gestão do Ministério da Saúde, durante a crise, a gestores não especializados

9- O Governo demorou a pagar o auxílio-emergencial;

10- Ineficácia do PRONAMPE (programa de crédito);

11-O Governo politizou a pandemia;

12-O Governo falhou na implementação da testagem (deixou vencer os testes);

13-Falta de insumos diversos (kit intubação);

14-Atraso no repasse de recursos para os Estados destinados à habilitação de leitos de UTI;

15-Genocídio de indígenas;

16-O Governo atrasou na instalação do Comitê de Combate à Covid;

17-O Governo não foi transparente e nem elaborou um Plano de Comunicação de enfrentamento à Covid;

18-O Governo não cumpriu as auditorias do TCU durante a pandemia;

19-Brasil se tornou o epicentro da pandemia e ‘covidário’ de novas cepas pela inação do Governo;

20-Gen Pazuello, Gen Braga Netto e diversos militares não apresentaram diretrizes estratégicas para o combate à Covid;

21-O Presidente Bolsonaro pressionou Mandetta e Teich para obrigá-los a defender o uso da Hidroxicloroquina;

22-O Governo Federal recusou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer;

23-O Governo Federal fabricou e disseminou fake news sobre a pandemia por intermédio do seu gabinete do ódio.

Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 18h26

Justiça Federal do DF barra Renan da relatoria da CPI da Covid

Comissão será instalada nesta terça-feira. Há um acordo feito por senadores independentes e da oposição para Omar Aziz (PSD-AM) ser presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice presidente e Renan Calheiros, relator

O senador Renan Calheiros (MDB-AL) discursa no plenário do Senado, em Brasília. Foto: Dida Sampaio / Estadão

Na véspera da instalação da CPI da Covid, a Justiça Federal do Distrito Federal decidiu nesta segunda-feira (26) barrar a possibilidade de o senador Renan Calheiros (MDB-AL) assumir a relatoria dos trabalhos da comissão. A decisão, que marca uma vitória do Palácio do Planalto, foi tomada no âmbito de uma ação popular movida pela deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP). Renan já avisou que vai recorrer para derrubar o veto.

Há um acordo feito por senadores independentes e da oposição para Omar Aziz (PSD-AM) ser presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice presidente e Renan Calheiros, relator. A eleição que confirmará a escolha dos ocupantes dos principais postos da comissão será feita nesta terça-feira (27).

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

Seção Judiciária do Distrito Federal

2ª Vara Federal Cível da SJDF

 PROCESSO: 1022047-33.2021.4.01.3400

CLASSE: AÇÃO POPULAR (66) 

POLO ATIVO: CARLA ZAMBELLI SALGADO 

REPRESENTANTES POLO ATIVO: SORMANE OLIVEIRA DE FREITAS - CE15406 

POLO PASSIVO:JOSE RENAN VASCONCELOS CALHEIROS

 DESPACHO 

Trata-se de pedido de tutela de urgência em Ação Popular manejada pela Deputada CARLA ZAMBELLI SALGADO em face da União e do Senador JOSÉ RENAN VASCONCELOS CALHEIROS, com o objetivo de “(...) impedir/suspender qualquer ato a ensejar a possível ascensão do requerido à função de

Relator da CPI da Covid-19, em atenção ao princípio da moralidade pública”

Sustenta na inicial que o Presidente do Senado determinou a instalação da referida CPI, com

previsão de início de seus trabalhos entre os dias 22 e 29 deste mês. E que, por acordo entre uma parcela de parlamentares indicados pelos partidos, ao Presidente do Senado será submetido à votação para a relatoria o nome do Senador da República Renan Calheiros.

Argumenta que o ato de nomeação que se projeta afrontará a moralidade administrativa, tendo

em conta que o Senador Renan Calheiros responde a apurações e processos determinados pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo fatos relativos a improbidade administrativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que compromete a esperada “imparcialidade que se pretende de um relator”, e levará ao (sic) “ desvirtuamento das proposituras objetivas e uma verdadeira guerra de interpretações que nada vão ajudar à solução dos grandiosos problemas noticiados na rotina cotidiana”, terminando por criar “um ambiente hostil ao

Presidente da República (...)”.

Aduz, por fim, que tendo a CPI espectro que alcança a gestão das medidas relativas ao combate da Covid-19 igualmente nos Estados, que haveria impedimento da relatoria da CPI pelo Senador Renan Calheiros, que é pai do Governador do Estado de Alagoas, reforçando a “expectativa de um direcionamento dos trabalhos para o mais distante possível de seu objeto secundário (em ordem de análise, não de importância), que é a fiscalização dos recursos públicos direcionados aos entes federativos para o combate da pandemia”.

Assinado eletronicamente por: CHARLES RENAUD FRAZAO DE MORAIS - 26/04/2021 18:13:51 Num. 517008854 - Pág. 1 http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21042618135171600000511301047

Número do documento: 21042618135171600000511301047

A autora, no ID n. 512671597, emendou a inicial para incluir a União no polo passivo, ao tempo

em que reforçou a urgência do atendimento do seu pedido.

É a síntese do necessário.

Decido.

Não obstante a melhor doutrina aponte que é suficiente a constatação da presença da legitimidade e de eventual ilegalidade do ato a ser praticado para o curso da ação popular, tendo como escopo, no dizer de Bielsa, citado por Hely Lopes Meirelles (Mandado de Segurança e Ações Constitucionais, 37ª Ed., pág., 194) não apenas se prestar a restabelecer a legalidade, “mas também para punir ou reprimir a imoralidade administrativa”, como valores constitucionalmente protegidos (CF, art. 5º, inciso LXXII), ainda não vislumbro elementos argumentativos mais densos para avançar na análise do pedido de tutela de urgência.

Contudo, diante da proximidade do ato que se quer obstar (noticiado pelos meios de comunicação para a próxima terça-feira) e em prestígio ao direito de ação da autora, nobre Deputada Federal, que se soma à iminência do esvaziamento da utilidade do processo ou, no mínimo, o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19, na hipótese da concessão futura do pedido de tutela de urgência formulado na inicial, é prudente, si et in quantum, determinar à Ré que o nome do Senhor Senador Renan Calheiros, não seja submetido à votação para compor a CPI em tela, e isso somente até a vinda da manifestação preliminar sua e da Advocacia Geral da União no caso.

Na hipótese, o exercício do poder geral de cautela do juiz é medida que se impõe para, por prudência, salvaguardar o direito postulado pela autora e, ao mesmo tempo, evitar prejuízo para o desenvolvimento dos trabalhos da CPI e à própria atividade parlamentar do senador demandado.

Pelo exposto, com fulcro no art. 297 do CPC, determino que a União diligencie junto ao Senado da República, na pessoa do seu presidente, para que este obste a submissão do nome do Ilustríssimo Senhor Senador JOSÉ RENAN VASCONCELOS CALHEIROS à votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator, exclusivamente até a juntada das manifestações preliminares dos requeridos quanto ao pedido de tutela de urgência formulado pela autora, oportunidade em que será reapreciado o pedido no ponto, desta feita com mais subsídios fundados no contraditório das partes, tudo sem nenhum prejuízo para o prazo de contestação.

Intime-se com urgência, por oficial de justiça plantonista, o Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal; e o Excelentíssimo Senhor Senador Renan Calheiros, este último facultando-lhe a manifestação preliminar sobre o pedido de urgência da autora, no prazo de 72 horas.

Intime-se também, com urgência, a Advocacia Geral da União (PRF1) para a manifestação preliminar no prazo de 72 horas, sem prejuízo da devolução integral do prazo para contestação.

 Cumpra-se.

 BRASÍLIA, 26 de abril de 2021.

Assinado eletronicamente por: CHARLES RENAUD FRAZAO DE MORAIS - 26/04/2021 18:13:51 Num. 517008854 - Pág. 2 http://pje1g.trf1.jus.br:80/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=21042618135171600000511301047

Número do documento: 21042618135171600000511301047

“Isso não tem sentido. Uma interferência de um poder limita o Senado Federal. O Senado tem poderes constitucionais para proceder com a investigação, não pode ter interferência judicial. Na história do Brasil, é a decisão mais esdrúxula”, afirmou Calheiros ao Estadão/Broadcast.

“Não é Carla Zambelli. É o Bolsonaro. O Flávio Bolsonaro anunciou essa decisão segunda-feira”, disse o senador, em referência à entrevista do filho do presidente da República ao jornal O Globo, em que Flávio criticou a indicação de Renan para compor a CPI. “Eu continuo sem saber por que esse medo”, afirmou Renan.

Renan Calheiros negou que a decisão interfira em seu posicionamento como relator da CPI, que deve ser instalada amanhã para investigar a conduta do governo federal na pandemia e o repasse de verbas a Estados e municípios. “Conduzirei a relatoria com absoluta isenção e imparcialidade. Nós queremos ver como destravar a vacinação e, paralelamente, fazer a apuração dos fatos.”

Para o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a decisão do juiz federal deve ser derrubada. “É uma liminar cloroquina: tratamento precoce sem eficácia comprovada e com efeitos colaterais gravíssimos. Acho que não resiste.”

Imparcialidade. Zambelli alegou à Justiça Federal do DF que Calheiros responde a inquéritos no STF por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa, o que comprometeria a “imparcialidade que se pretende de um relator”. A parlamentar também sustentou que Renan não poderia assumir a relatoria da comissão, já que as investigações devem também mirar a atuação dos Estados no enfrentamento da pandemia. O senador é pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB-AL).

Em um despacho de apenas duas páginas, a Justiça Federal do DF determina que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), impeça o nome de Renan em “votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator”. A escolha do relator, porém, não depende de eleição e é feita por indicação do presidente da CPI, que deve ser o senador Omar Aziz (PSD-AM). Integrantes da CPI devem se reunir na noite desta segunda-feira, 26, na residência de Omar Aziz.

“Diante da proximidade do ato que se quer obstar (noticiado pelos meios de comunicação para a próxima terça-feira) e em prestígio ao direito de ação da autora, nobre deputada federal, que se soma à iminência do esvaziamento da utilidade do processo ou, no mínimo, o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19, na hipótese da concessão futura do pedido de tutela de urgência formulado na inicial, é prudente determinar à Ré que o nome do Senhor Senador Renan Calheiros, não seja submetido à votação para compor a CPI em tela, e isso somente até a vinda da manifestação preliminar sua e da Advocacia Geral da União no caso”, determinou o juiz Charles Renaud Frazão de Morais.

Na mesma decisão, Morais também deu um prazo de 72 horas para que Renan e a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestem sobre o caso. “O exercício do poder geral de cautela do juiz é medida que se impõe para, por prudência, salvaguardar o direito postulado pela autora e, ao mesmo tempo, evitar prejuízo para o desenvolvimento dos trabalhos da CPI e à própria atividade parlamentar do senador demandado”, ressaltou o juiz.

Aziz deve consultar os demais integrantes da comissão sobre a decisão judicial em uma reunião na noite desta segunda-feira, 26. A interlocutores, ele manifestou surpresa pela liminar ter sido dada por um juiz do Distrito Federal e criticou a interferência às vésperas da instalação.

Pressão. Bolsonaristas têm feito pressão nas redes sociais para impedir Renan de assumir o cargo de relator porque ele não apenas é crítico de Bolsonaro como apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas plataformas digitais, seguidores do presidente afirmam que o senador não pode integrar a CPI por ser pai do governador de Alagoas. Ao avaliar ações e omissões do Executivo no combate à pandemia de covid-19, a CPI também vai investigar o destino do dinheiro repassado pelo governo federal a municípios e Estados, entre os quais Alagoas.

Renan avisou pelo Twitter, na sexta-feira, 23, que se declarava “parcial” para tratar qualquer tema na CPI que envolva Alagoas. “Não relatarei ou votarei. Não há sequer indícios quanto ao Estado, mas a minha suspeição antecipada é decisão de foro íntimo”, disse ele.

Rafael Moraes Moura, Daniel Weterman e Lauriberto Pompeu, de Brasília - DF, para o Estado de S. Paulo, em 26 de abril de 2021 | 19h11.

'Brasil não levou pandemia a sério e muitos morreram desnecessariamente', diz Nobel de Medicina

"Embora Bolsonaro e sua administração sejam responsáveis, acho que a prioridade agora deve ser seguir em frente, agir e enfrentar a pandemia. Será um desafio, principalmente com a atual liderança, mas talvez a vontade do povo e a imprensa ajudem."

Para virologista americano Charles Rice, que venceu o prêmio em 2020, presidente Jair Bolsonaro é culpado pela crise de covid-19 e enfrentar pandemia sob sua liderança "será um desafio" (Crédito da foto: The Rockfeller University)

Na opinião do virologista americano Charles Rice, vencedor do Nobel de Medicina em 2020, "como aconteceu nos Estados Unidos, o governo brasileiro não levou a pandemia a sério e, como consequência, muitos morreram desnecessariamente".

Falando à BBC News Brasil por e-mail, ele diz acreditar que o presidente Jair Bolsonaro é culpado pela crise de covid-19, e que enfrentar a pandemia sob sua liderança "será um desafio".


Professor de virologia na Universidade Rockefeller (Estados Unidos), Rice dividiu o prêmio do ano passado com os pesquisadores Michael Houghton e Harvey J. Alter por seus trabalhos sobre o vírus da hepatite C. A doença, para a qual não existe vacina, provoca uma inflamação do fígado que pode se tornar crônica e causar câncer, levando à morte.

Carta assinada por mais de 200 nomes, incluindo três vencedores do Nobel, critica atuação de Bolsonaro em pandemia de covid-19 (Crédito da foto: Marcos Correa / PR)

Carta aberta

Recentemente, Rice foi um dos três ganhadores do prêmio Nobel a assinar uma carta com mais de 200 nomes, entre cientistas e pesquisadores de todo o mundo, para defender a ciência no Brasil e criticar a atuação do governo Bolsonaro durante a pandemia de covid-19. O documento, publicado em 7 de abril, diz que a área está sob ataque pela sua gestão (ver íntegra ao fim desta reportagem).

Além de Rice, outros dois laureados com o Nobel, Michel Mayor (Nobel de Física em 2019) e Peter Ratcliffe (Nobel de Medicina em 2019), também estão entre os signatários.

A BBC News Brasil entrou em contato com os dois - Mayor não respondeu aos questionamentos da reportagem e Ratcliffe afirmou, por meio de sua secretária, que ficou "feliz" de ter assinado a carta, mas que não "desejava fazer comentários adicionais" sobre a situação da pandemia da covid-19 no Brasil.

No documento, os signatários dizem que Bolsonaro "deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país".

A carta lembra que o presidente se referiu à covid-19 como "gripezinha", criticou as medidas preventivas, como isolamento físico e uso de máscaras, e "por diversas vezes provocou aglomerações", além de "propagar o uso da cloroquina" e "desencorajar a vacinação".

"Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde", acrescenta o documento.

Na carta, os signatários também destacam que a ciência no Brasil "vem sofrendo diversos ataques".

"Cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros como bem mostram as declarações do presidente desacreditando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária. Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da covid-19".

O Brasil é um dos países mais afetados pela pandemia de covid-19 no mundo: tem o terceiro maior número de casos confirmados de coronavírus (mais de 14 milhões) e o segundo maior número de mortes (391 mil).

Veja a íntegra da carta abaixo.

Carta Aberta: solidariedade internacional aos pesquisadore(a)s e cientistas no Brasil e ao povo brasileiro.

Pesquisadore(a)s do mundo todo

Terça-feira, 6 de abril de 2021 - O Brasil registra 4195 mortes pela Covid. Ao todo, são mais de 340 000 óbitos contabilizados desde o começo da pandemia. Se o coronavírus afeta todos os países do globo, a amplitude da catástrofe sanitária que acomete o país não pode ser dissociada da gestão desastrosa do presidente Jair Bolsonaro. O presidente deve ser responsabilizado pela condução da crise sanitária no Brasil, que não somente fez explodir o número de mortes mas acentuou as desigualdades no país.

Em inúmeros momentos, o dirigente da república brasileira se referiu à covid-19 como « gripezinha », minimizando a gravidade da doença. Bolsonaro criticou as medidas preventivas, como o isolamento físico e o uso de máscaras, e por diversas vezes provocou aglomerações. Chegou a propagar o uso da cloroquina, embora cientistas alertassem para os efeitos tóxicos do uso do fármaco para combater a covid. Pesquisadores que publicaram estudos que demonstravam que o uso do medicamento aumentava o risco de morte em pacientes com Covid chegaram a ser ameaçados no Brasil. Bolsonaro desencorajou ainda a vacinação, chegando a sugerir, por exemplo, que as pessoas poderiam se transformar em « jacaré ». Em meio ao negacionismo, proliferação de falsas informações e ataques à ciência, em plena crise sanitária, o presidente chegou a mudar quatro vezes de ministro da saúde.

A ciência brasileira está sofrendo diversos ataques : cortes e mais cortes orçamentários que ameaçam pesquisas e colocam o trabalho de cientistas em xeque ; instrumentalização da ciência à fins eleitoreiros, como bem mostram as declarações do presidente desacreditando o trabalho de cientistas durante a crise sanitária. Esses ataques, no entanto, vão além do contexto da covid-19. Basta lembrar os ataques feitos por Bolsonaro ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em um contexto alarmante diante dos níveis de desmatamento da Amazônia.

Ao desmentir a ciência, Bolsonaro não somente fere a comunidade científica, mas toda a sociedade brasileira : são diários os recordes de mortes pela covid, dados da Fiocruz indicam por exemplo a circulação de 92 cepas do coronavírus no Brasil, o que torna o país uma gigantesca fábrica de variantes ; para além temos ainda os impactos sobre o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global.

Em um contexto de crise sanitária, de agravamento das desigualdades, de mudanças climáticas, este tipo de conduta é inaceitável e o autor deve ser responsabilizado. Nós nos preocupamos com o agravamento da crise sanitária no Brasil, com os ataques à ciência e por meio desta carta aberta nós, acadêmico(a)s de todo o mundo, demonstramos nossa solidariedade com os/as colegas no Brasil, cujas liberdades estão ameaçadas e com a população brasileira que é afetada diariamente por essa política destrutiva.

Luis Barrucho - @luisbarrucho, da BBC News Brasil em Londres, em 26 abril 2021, 15:38 -03 / Atualizado Há 2 horas

Brasil registra mais 1.139 mortes por covid-19 em 24 horas

País também registrou 28.636 novos casos. Total de óbitos já ultrapassa 391 mil e infecções superam 14,3 milhões.

Em primeiro plano, uma cruz. Ao fundo, ocorre um enterro. 

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções

O Brasil registrou oficialmente 1.139 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (26/04).

Também foram confirmados 28.636 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.369.423, e os óbitos somam agora 391.936.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Além disso, os números divulgados às segundas-feiras também costumam ser mais baixos, uma vez que as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida no fim de semana.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.809.169 pacientes se recuperaram da doença até este domingo. 

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 186,5, a 14ª mais alta do mundo, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 32,1 milhões de casos, e da Índia, com 17,3 milhões de pessoas infectadas. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 572 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 147,4 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3,1 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 26.04.2021

Lira afirma que não há razão para 95% dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro

Presidente da Câmara afirma que não é o momento oportuno ou conveniente para analisar casos.

Arthur Lira comanda sessão da Câmara Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Depu / Agência O Globo

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou nesta segunda-feira, em entrevista à rádio Jovem Pan, que não vê motivos para a apresentação de 95% dos pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Em meio à crise sanitária e social decorrente da Covid-19, Lira disse que não é o momento de levar o assunto adiante.  

O presidente da Câmara falou sobre o tema após ser perguntado sobre um "superpedido" de impeachment que deve ser apresentado pela oposição e deputados de direita que não apoiam Bolsonaro. Ao todo, Lira já tem mais de 70 pedidos à espera pela deliberação.

— Cabe ao presidente da Câmara , segundo a Constituição, ver a oportunidade e conveniência para a apreciação desses casos. Noventa por cento, noventa e cinco por cento dos que eu já vi não tem nenhuma razão de ter sido apresentado, a não ser um fato político que se queira gerar. Alguns outros, muito pouca coisa. Então, neste momento, não é conveniente se tratar de um assunto desta gravidade, deste tamanho — disse Lira.

Ele acrescentou que o prosseguimento de um pedido de impeachment é uma "mudança drástica na sociedade brasileira".

— O ex-presidente Rodrigo Maia passou cinco anos na presidência (da Câmara), dois anos de governo Bolsonaro, com mais de 66 pedidos de impeachment, e não teve sequer um minuto de pressão para a avaliação desse quadro. Mais uma vez , eu digo: quem errou, se errou, quem cometeu erros, dolo, falta de boa gestão do recurso público para a Covid, estará necessariamente responsabilizado no tempo adequado.

Lira disse ainda que é contra a investigação da CPI da Covid que funcionará no Senado e que o momento é de enfrentar a crise. Também ressaltou que, na sua opinião, o país está "dividido" entre o apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Segundo o deputado do PP, os pedidos de impeachment serão analisados "no tempo adequado e com responsabilidade".

— É normal, é democrático (a apresentação de impeachment), o Brasil está literalmente dividido. Você tem aí um ex-presidente com 30%. Você vê o atual presidente com 30%. Você enxerga os dois caminhando para o centro, então é normal que haja pressão de uma parte, e não de outra.

Bruno Góes para O Globo, em 26/04/2021 - 09:45 / Atualizado em 26/04/2021 - 10:29

Artigo de Gabeira: As voltas que a vida dá

Bolsonaro investiu contra a vida liderando a maior política de destruição ambiental do Brasil moderno. E investiu de novo contra a vida negando a pandemia do coronavírus.

A vida começa agora a cobrar de forma combinada os crimes de Bolsonaro. Numa só semana, convergiram a Cúpula de Líderes sobre o Clima e a CPI da Covid, eventos que lembram a Bolsonaro que sua própria vida ficará para sempre marcada por seu desprezo à vida das florestas e dos bichos e pelo sacrifício humano envolto na tese da imunização de rebanho.

Por mais que psicólogos mergulhem no labirinto da mente de Bolsonaro, nenhuma explicação atenua o dado objetivo de tantas árvores derrubadas, tantos animais carbonizados, tantas pessoas mortas pelo coronavírus.

A economia explica apenas parcialmente. Bolsonaro acha que é preciso tirar todos os recursos da natureza, independentemente do rastro de destruição. Da mesma forma, ele acha que a economia precisa funcionar, independentemente das pessoas que o vírus consome.

A verdade é que Bolsonaro não se importa tanto com a economia, não estuda o tema e, ao se eleger, designou um ministro para responder a todas as perguntas, a quem chamou de Posto Ipiranga. O que move o presidente não chega a ser, portanto, nem uma teoria econômica, por mais grosseira e obsoleta que possa parecer.

Tanto na destruição das florestas como na tragédia humana diante do vírus, o que move Bolsonaro é sua vontade de permanecer no poder.

A floresta interessa na medida em que garanta os votos dos seus predadores; as pessoas podem morrer para que uma suposta normalidade econômica garanta a reeleição.

É muito conhecida a literatura sobre essa obsessão com o poder, a necessidade de respeito e até admiração que os poderosos obtêm quando se revestem dessa condição que lhes parece mágica.

Mas o caso de Bolsonaro é singular. Existe uma coerência em todas as suas escolhas. A morte é a grande aliada desde a opção destrutiva no ambiente e na pandemia, passando pela difusão das armas, chegando até a detalhes como suprimir multas de quem se descuida da cadeirinha do bebê no carro.

Essa aliança com a morte pode ser também o resultado de uma grande frustração com a própria vida. Mas, de novo, deixo isso aos psicólogos ou àqueles que preferem combater Bolsonaro no plano da sanidade mental.

Por meio de grandes episódios como a Cúpula do Clima e a CPI da Covid, entretanto, é possível compreender o antagonismo de Bolsonaro com todos todos os tipos de vida no planeta.

E refletir sobre isso. Não importa a Bolsonaro se o país se tornar um deserto, muito menos se os que ele considera mais fracos forem tombando pelo caminho.

Nunca na história moderna do país a indiferença diante da realidade política poderá ter consequências tão devastadoras para nosso futuro.

A Cúpula do Clima serve para mostrar a importância da luta da Humanidade para a sobrevivência das novas gerações e a contradição de Bolsonaro com essa gigantesca reação vital.

Ali, ele apenas mentiu, supondo que possa enganar o mundo. Seu objetivo sempre foi desmontar a fiscalização, acabar com a “indústria da multa”, liberar o garimpo e enfraquecer os povos indígenas.

A CPI da Covid servirá para revelar aquilo que muitos de nós já sabemos. Mas pode fazê-lo de uma forma séria e pedagógica para que todos compreendam a responsabilidade de Bolsonaro.

Essas duas vertentes, a ambiental e a sanitária, sempre estiveram aí enquanto, de uma certa maneira, Bolsonaro gritava “Viva la muerte”, como o oficial do Exército de Franco.

É estranho que esse grito tenha dominado um país mundialmente conhecido pela vitalidade. Imperdoável, no entanto, que ele possa ecoar em 22, o prazo final para o encerramento dessa fúnebre passagem da História do Brasil.

Fernando Gabeira é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, em 26.04.2021

Editorial do Estadão: O veredito da ciência

Os levantamentos científicos são unânimes em apontar que o morticínio no Brasil só não foi pior por causa da atuação responsável da maior parte dos governadores.

Uma questão crucial a ser elucidada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada para apurar as responsabilidades do governo na crise pandêmica é: por que o País que tem um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, com histórico de sucesso no combate a outras doenças e um aparato de vigilância sanitária avançado, apresentou resultados tão catastróficos? Se a resposta, com todas as suas consequências, não vier à luz, não será por falta de subsídios da comunidade científica.

Como mostra um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Michigan e da FGV, no início da pandemia o Global Health Security Index classificava o País como o mais preparado da América Latina para lidar com emergências de saúde pública. Daí a resposta bem-sucedida a epidemias como as de HIV/aids, hepatite C e H1N1.

O estudo sobre o Brasil integrou o livro The Comparative Politics and Policy of Covid-19, que reuniu mais de 60 pesquisadores para analisar governos de todo o mundo. Os resultados mostram que os países com melhor desempenho seguiram as orientações da Organização Mundial da Saúde e aliaram medidas de saúde a políticas sociais. Ou seja, ponto por ponto o contrário do que fez Jair Bolsonaro. “O presidente e seus apoiadores (governadores de quatro Estados, parte das Forças Armadas, alguns membros do governo, como o ministro das Relações Exteriores, e certos grupos de extrema direita) advogaram políticas públicas que refletiram uma pseudociência na melhor das hipóteses, e o negacionismo na pior.”

A pesquisa detalha como Bolsonaro empregou seus poderes constitucionais para minimizar a pandemia e boicotar os Estados. Um caso de prejuízo diretamente causado pela negligência do Planalto foi a demora no fechamento das fronteiras no início do surto. Outro, causado por sua ação direta, foram as medidas provisórias empregadas para obstruir os esforços de restrição da circulação por parte dos Estados, como a que indexou dezenas de serviços como “essenciais”. “Bolsonaro interferiu no Ministério da Saúde como nunca antes visto no período democrático”, lembrou uma das pesquisadoras. “Ele interveio em protocolos de tratamento e até no modo de divulgação dos dados da pandemia.”

Outro estudo, da revista médica The Lancet, identificou diversos problemas na gestão federal, entre eles as deficiências dos quadros levados ao Ministério da Saúde pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, para substituir vários técnicos por militares sem competência, tal como ele, em saúde. Também questiona a subutilização dos fundos de emergência de R$ 44,2 bilhões aprovados em fevereiro. Até outubro de 2020 – período crítico para a contenção do surto – o Ministério havia empregado apenas 23% de seus recursos.

Além desses problemas, um levantamento da revista Science destaca a baixa capacidade de testagem. Até o final de 2020, o País havia testado apenas 13,6% da população, o que o coloca entre os que menos testaram no mundo, conforme o Our World Data, da Universidade de Oxford. O estudo também aponta a forte correlação no início da pandemia entre o número de mortes e as vulnerabilidades socioeconômicas. É outro ônus para o governo federal. Em emergências de saúde em um país tão grande e diverso como o Brasil, o Ministério da Saúde tem um papel fundamental na compensação das desigualdades regionais. Quando falta a articulação federal, as consequências podem ser catastróficas, como se viu na crise de abastecimento de oxigênio em Manaus.

Certa vez, Pazuello confessou que antes de assumir a pasta não sabia o que era o SUS. Talvez aprenda nos inquéritos a que será submetido no Congresso que a calamidade em sua gestão só não foi maior pela resiliência do sistema. Bolsonaro, por sua vez, tentou mobilizar congressistas para avançar a proposta de incluir os Estados na CPI. Não conseguiu, porque isso seria inconstitucional. Se fossem incluídos, seria outro tiro no pé do governo. Os levantamentos científicos são unânimes em apontar que o morticínio no Brasil só não foi pior por causa da atuação responsável da maior parte dos governadores. 

      
Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 03h00

Denis Lerrer Rosenfield: Henry e a maldade

A crueldade se esconde sob o manto de uma ‘família feliz’. O silêncio é aterrador!

O assassinato do menino Henry, de apenas 4 anos, em sua casa, provavelmente em seu quarto, perpetrado com toda a probabilidade por seu padrasto com a cumplicidade e participação de sua mãe, coloca-nos diante de uma face sombria da natureza humana. Não se trata de um crime qualquer, mas de um crime que foge dos parâmetros do que tendemos a considerar normal. Não há nada de banal aqui, uma vez que entra em cena um tipo de ação voltada para a maldade, tendo-a como guia.

Não estamos diante de uma ação má contraposta a uma ação boa, na medida em que pessoas que cometem tais atos se situam para além desta distinção moral. Sentimentos morais estão aqui completamente ausentes, não orientam tal tipo de comportamento. O que se pode dizer de uma mãe que mente e encobre o assassinato de seu filho? Ou de um padrasto (ou seja lá o que essa pessoa signifique) que tortura durante semanas essa criança até a explosão hemorrágica de seus órgãos internos? Pessoas que agem dessa maneira visam única e exclusivamente à destruição do outro.

A crueldade é outro componente desse tipo de ação. A tortura sistemática, o ritual de seu acompanhamento durante semanas, o gozo do sofrimento alheio e a progressão da violência expõem um comportamento estrangeiro a qualquer denominação de normalidade. O criminoso age impunemente, com uma mãe conivente e uma babá medrosa de poder ser ela mesma objeto de tais atos. Cria-se uma teia de cúmplices, cada um conforme a sua “razão”, cuja característica central é o acobertamento e o silêncio. Depois, procurarão elas dizer que foram coagidas, ameaçadas ou coisa que o valha. A crueldade se esconde sob o manto de uma “família feliz”. O silêncio é aterrador!

O ato mau, nesta acepção, não é simplesmente uma explosão, algo súbito, como sob o efeito de drogas ou num surto psicótico, mas algo que se inscreve num “cálculo”, medindo cada passo na execução progressiva da violência. Há uma ascensão da crueldade, cujas etapas exigem meios de execução e falas que encenem uma espécie de “normalidade”. São atos frios, não guiados por emoções, mas por uma certa forma de racionalidade que tem como finalidade a maldade. Ou seja, são atos que deveriam ser mais propriamente denominados irracionais, porém de uma irracionalidade específica, a de estar voltada friamente, com cálculo, para o mal.

Hannah Arendt, ao refletir sobre o caso Eichmann, utilizou a expressão “banalidade do mal” para caracterizar o comportamento desse oficial nazista. A expressão terminou fazendo fortuna, embora a própria autora não tivesse clareza de seu significado. Serviu, na época, para descrever a natureza de um ato cujo autor expunha uma certa normalidade, como se fosse um mero executor de ordens de um Estado anormal. Um comportamento “normal” em outros aspectos, salvo nesse precisamente. Independentemente de Eichmann não ser um mero executor e de ter plena consciência e responsabilidade de seus atos, o que está em questão é a forma de acobertamento de um tipo distinto de maldade, ou seja, o de atos exclusivamente voltados para o mal, para além da sua distinção em relação ao bem. Numa carta a Scholem, Arendt se vê obrigada a melhor explicar essa sua formulação, acrescentando, então, que a maldade nazista não seria diferente em sua natureza de outras, salvo em seu aspecto quantitativo, potencializado pela técnica. Ele nunca seria “radical”, por ser somente extremo, não tendo tampouco “profundidade” nem dimensão “demoníaca”. O conceito de mal radical, utilizado em Origens do Totalitarismo, não é mais, agora, de valia, pois ao perscrutá-lo nada se encontra, uma vez que só o bem teria “profundidade”. A sua banalidade significaria o seu aspecto chocante por expressar o comportamento de homens “normais” que, sob certas circunstâncias, abandonam toda “normalidade”.

Posteriormente, em seus Diários de Pensamento, ela se defronta com o caráter insatisfatório de sua abordagem, desta vez para reconhecer a sua limitação filosófica, restrita a uma análise moral, e não existencial, voltada para a natureza própria, positiva nela mesma, da maldade. Quando qualificamos cotidianamente uma pessoa ou uma ação como má, tal afirmação dá lugar a sentimentos morais como compaixão, comiseração e mesmo perdão. A relação com o outro se assenta em parâmetros morais tanto para o bem quanto para o mal, engendrando um terreno comum de entendimento e moralidade. Quando passamos, porém, para os fenômenos individuais ou coletivos que seriam nomeados pela expressão “mal radical”, tais parâmetros e sentimentos morais são implodidos, dando lugar a expressões de horror, de não reconhecimento, de alteridade absoluta, não ensejando nem compaixão nem perdão para os seus executores.

Ao pensarmos no Dr. Jairinho e em Monique, mulher e mãe, nos vemos na necessidade de recorrer a outro conceito de maldade, que transborda nossa forma habitual de pensar. E é esse transbordamento que se torna objeto de pensamento ao propiciar a reflexão sobre esta espécie de sem fundo da natureza humana.

Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Este artigo foi publicdo originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 03h00

Suspeitos de serem 'fantasmas', ex-assessores de Bolsonaro receberam R$ 165 mil em auxílios

Investigados por 'rachadinha' no Rio, os cinco também tiveram cargos no ex-gabinete do atual presidente na Câmara; eles sacavam o que recebiam.

Investigados pelo Ministério Público do Rio sob a suspeita de serem “fantasmas”, cinco ex-assessores do presidente Jair Bolsonaro quando ele era deputado federal receberam R$ 165 mil só em auxílios enquanto estiveram nomeados na Câmara dos Deputados. Esses funcionários tiveram sigilo quebrado na investigação contra o senador e ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente da República.

Os dados ali obtidos também apontaram supostos indícios da prática de “rachadinha” no gabinete de Bolsonaro. Em dois casos, os valores equivalentes aos auxílios eram os únicos que permaneciam nas contas dos assessores. Todo o restante depositado pela Câmara era sacado em caixas eletrônicos. A prática é considerada indício da “rachadinha”, a devolução dos salários para o político que os nomeou.

Bolsonaro discursando como deputado em 2016: ex-assessores tiveram sigilo quebrado em investigação do Ministério Público Foto: ANDRÉ DUSEK/ESTADÃO

É justamente essa a suspeita que recai sobre os cinco na investigação contra Flávio, já denunciado por peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita pelo MP. No caso dele, os desvios teriam acontecido quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.

Ao quebrar o sigilo dos cinco, a investigação encontrou mais do que procurava. Eram indícios de desvios que teriam ocorrido quando trabalhavam para Jair Bolsonaro. O período da quebra – 2007 a 2018 – incluiu datas em que também estiveram contratados pelo gabinete do atual presidente, já que a família Bolsonaro mantinha o hábito de trocar funcionários entre si.

Em março, o portal UOL mostrou que Fernando Nascimento Pessoa, Nelson Alves Rabello, Jaci dos Santos e Daniel Medeiros da Silva sacaram 72% do que receberam do gabinete de Bolsonaro. Já Nathália Queiroz transferiu 65% para o pai, o suposto operador do esquema de Flávio, Fabrício Queiroz.

Confiança

O Estadão cruzou esse porcentual e o montante financeiro com os valores pagos em auxílios – obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e no site da Câmara. Constatou-se que em dois casos, de Pessoa e Rabello, as verbas de benefícios foram quase idênticas ao pouco que permaneceu nas contas. 

Homem de confiança da família, Pessoa teve nos auxílios o equivalente a 24% de todos seus vencimentos. Ele sacava 77% do montante que recebia. Rabello, por sua vez, recebeu 27% das verbas da Câmara em auxílios, sendo que retirou 70% dos rendimentos totais. Segundo a Câmara, o único auxílio que os cinco ex-assessores receberam foi o de alimentação. Pessoa foi funcionário de Jair entre 2009 e 2014; Rabello, de 2005 a 2011, tendo voltado para o cargo em 2017 e permanecido até 2018. 

Como Rabello já era nomeado dois anos antes do início das informações contidas na quebra de sigilo, a reportagem considerou os valores de auxílios a partir de 2007 para chegar ao porcentual. Na soma geral dos valores, R$ 165 mil, as verbas dos dois anos anteriores foram incluídas. 

Ambos são tidos como homens de confiança da família presidencial, com passagens por mais de um gabinete. Rabello, inclusive, não se limitou a Jair e Flávio: passou ainda pelo mandato do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) na Câmara Municipal do Rio.

O filho ‘zero dois’ do presidente também é investigado por suspeitas de rachadinha – o peculato, apropriação de dinheiro público – por meio de assessores “fantasmas”. No caso dele, a investigação ainda não culminou em denúncia. Pessoa, por sua vez, é um dos advogados que atuaram em causas da família Bolsonaro ao mesmo tempo em que tinham cargos nos gabinetes. Atualmente, está nomeado como assessor parlamentar de Flávio no Senado. Seu salário foi R$ 22,9 mil no último mês.

Bento Ribeiro

Outros dois dos cinco assessores chamam atenção por motivos distintos. Um deles é Daniel Medeiros da Silva. Ele tinha oficialmente salários de cinco dígitos na Câmara enquanto vivia numa casa humilde em Bento Ribeiro, bairro da zona norte do Rio onde a família de Bolsonaro tem escritório político. Só em auxílio, ele recebeu R$ 36,3 mil, o que dá uma média de R$ 885 por mês no tempo em que esteve nomeado. 

Medeiros sacou 71% de tudo o que recebeu da Casa, enquanto o porcentual em auxílios era de 9%. Como o benefício tem valor fixo independentemente do salário, representava fatia pequena das receitas do assessor. Num mês com 22 dias úteis, Medeiros tinha direito a R$ 40 por dia para se alimentar.

Na vizinhança da casa em que seu endereço está registrado, uma placa anuncia a venda de sacolé – ou “geladinho” – por R$ 2. Com a verba da Câmara, o ex-assessor poderia comprar 20 deles diariamente.


Flávio Bolsonaro: Denúncia foi apresentada em novembro Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Dos cinco assessores do então deputado Jair Bolsonaro investigados pelo MP do Rio, só em um caso não se constatou o hábito de se sacar o valor recebido. Trata-se de Nathália Queiroz, filha de Fabricio Queiroz, que transferia o dinheiro diretamente para o pai. Fabricio é acusado pelo Ministério Público do Rio de ser o operador do esquema de Flávio Bolsonaro, na Alerj. 

Nathália mantinha altos salários no emprego, assim como Medeiros. Ela recebeu R$ 233 mil entre 2016 e 2018 na Câmara. Só em auxílios, R$ 21 mil. Do total de rendimentos, ela transferia 65% para o pai. Ao mesmo tempo em que seu nome constava da lista de assessores do então deputado federal, Nathália era personal trainer no Rio. 

Dentre os ex-assessores, Nathália foi a única incluída na primeira denúncia do caso das “rachadinhas”, apresentada contra Flávio, Queiroz e outras 15 pessoas em novembro do ano passado. Os demais, apesar de serem citados ao longo da investigação, ficaram de fora da primeira peça acusatória. Apesar de lentas por causa de disputas judiciais, as apurações têm desdobramentos no MP do Rio. 

Um caso peculiar dentre os cinco é o de Jaci dos Santos, que trabalhou oito meses no gabinete de Jair Bolsonaro. Sempre foi tido como um “faz tudo” da família, mas passou pouco tempo com emprego formal no gabinete do presidente. Em auxílios, recebeu R$ 4,9 mil entre dezembro de 2011 e julho de 2012. Antes, passou 4 anos e 9 meses na Alerj, no gabinete de Flávio.

Outro lado

Procurado, o Palácio do Planalto não respondeu se gostaria de comentar as informações. Fernando Nascimento Pessoa também não deu retorno ao pedido de posicionamento. O advogado da família Queiroz, Paulo Emílio Catta Preta, alegou que Nathália exercia a função para a qual estava nomeada e que seus benefícios eram legítimos. “Nossa manifestação é no sentido da regularidade do recebimento de todas as vantagens decorrentes do efetivo exercício do cargo público.” O Estadão não conseguiu localizar Daniel Medeiros da Silva, Nelson Alves Rabello e Jaci dos Santos.

Caio Sartori para  O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 05h00

Doria quer eleição direta nas prévias tucanas para 2022

Governador paulista quer que voto da militância tenha o mesmo peso de bancadas e dirigentes; partido tem de organizar cadastro

Após o senador Tasso Jereissati (CE) admitir em entrevista ao Estadão publicada no domingo, dia 25, que pode disputar as prévias do PSDB para definir o candidato do partido ao Palácio do Planalto em 2022, os dirigentes tucanos vão se reunir nesta segunda-feira para começar a organizar o processo eleitoral interno. Só existe um precedente de prévias presidenciais na história política brasileira: em 2002 Lula venceu o senador Eduardo Suplicy no PT, com 84,4% dos votos válidos ante 15,6% do adversário. 

Marcadas para o dia 17 de outubro, as prévias tucanas ainda não têm colégio eleitoral definido e esbarram em obstáculos logísticos. Aliados do governador João Doria defendem eleições diretas, ou seja, que todos os filiados ao partido possam votar.

Doria e Tasso: falta definir quem votará nas prévias e como superar desafios logísticos  Foto: ANDRE LIMA - 18/8/2017

“Prévias têm que ser com todos os filiados, assim como aconteceu em São Paulo”, disse o tesoureiro nacional do PSDB, César Gontijo, que é aliado do governador paulista. Já o senador Izalci Lucas (DF), que integra a comissão das prévias, tem outra opinião. “Essa é uma discussão que vamos fazer. Uma parlamentar como a senadora Mara Gabrilli (SP), que teve 4 milhões de votos, não pode ter o mesmo voto que alguém que acabou de entrar no partido.”

Esse debate já ocorreu na semana passada durante um painel interno do PSDB sobre as prévias com dirigentes regionais do partido. Uma ala ligada ao deputado Aécio Neves (MG) pregou a tese de que o partido pode abrir mão de um nome próprio para apoiar um candidato “do centro”. Outros tucanos defenderam prévias com um modelo de colégio eleitoral, e os “doristas” bateram na tecla das eleições diretas. 

Comissão

Uma resolução da executiva do PSDB estabeleceu uma comissão para organizar as prévias – a ser presidida pelo ex-presidente nacional do PSDB, José Aníbal. Os outros membros da comissão são: a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro; o líder do partido no Senado, Izalci Lucas; os deputados federais Lucas Redecker (RS) e Pedro Vilela (AL); o presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi; e o ex-deputado Marcus Pestana. 

Estão na disputa interna o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o senador Tasso Jereissati, Doria e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio. O partido tem precedentes no caso de prévias. Com apoio do então governador Geraldo Alckmin, Doria venceu a escolha municipal em 2016 e formou uma coligação com PSDB, PSB e DEM, PTC, PMB, PHS, PV, PPS, PP, PRP e PTdoB. Em 2018, após abandonar a prefeitura, o governador também ganhou a disputa interna no partido. 

Em 2018, quando o então governador Geraldo Alckmin se lançou como candidato, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, pediu prévias. Na ocasião, a executiva tucana apresentou um modelo que dava peso maior ao voto dos parlamentares e dirigentes. O processo, porém, não avançou e Alckmin, que presidia o partido, foi aclamado candidato.

O grupo de Doria defende eleição “direta” nas prévias, mas para isso será necessário atualizar o cadastro de filiados. São 1,4 milhão segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas não há precisão sobre a atualização da base de dados da Justiça Eleitoral.

Em 2018, Dória superou outros três concorrentes: o suplente de senador José Aníbal, o cientista político Luís Felipe d'Ávila e o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro. “Sou filho das prévias. Disputei duas vezes e venci ambas”, disse o governador na época. Em ambas consultas, os gastos do processo foram bancados pela legenda.

Agora, pressionado no PSDB por movimentos contrários à sua potencial candidatura ao Planalto, o governador Doria escalou interlocutores para ir aos Estados e tem recebido tucanos no Palácio dos Bandeirantes. Em outra frente, o governador paulista criou um grupo de colaboradores para preparar o terreno para 2022. 

Transparência

Para o cientista político Marcelo Issa, diretor executivo da ONG Transparência Partidária, as prévias são “um desejável mecanismo de consulta interna, em linha com o comando constitucional de democratização partidária”. Segundo ele, é necessário que se garanta ampla participação dos filiados.

“Ainda que se possa atribuir pesos diferentes ao voto de cada eleitor, a depender do nível de envolvimento ou responsabilidade com a estrutura ou com o destino da agremiação”, argumenta o cientista político. Issa também entende que a pandemia de covid-19 traz desafios para a realização da votação com segurança. “Em 2020, algumas experiências realizadas nos Estados Unidos revelaram que não se trata de uma tarefa simples, já que se verificaram alguns casos de contestações e tumultos, especialmente, os relacionados às aplicações tecnológicas utilizadas.

Para Issa, é possível utilizar ferramentas seguras de identificação e registro de voto ou mesmo estabelecer mecanismos de delegação que tornem “viável a realização do procedimento em segurança, tanto do ponto de vista sanitário quanto de seus resultados.”

Pedro Venceslau e Tiago Aguiar, O Estado de S.Paulo, em 26 de abril de 2021 | 05h00

"Nomadland" é o grande vencedor do Oscar 2021

Premiado como melhor filme, longa também rendeu as estatuetas de melhor atriz à protagonista Frances McDormand e de melhor diretora a Chloé Zhao, a segunda mulher da história a vencer na categoria.

Chloé Zhao tornou-se a segunda mulher da história e a primeira não branca a vencer como melhor diretora

Nomadland, que narra a história comovente de uma mulher que decide viver em sua van e viajar pelo Oeste dos Estados Unidos, foi anunciado como o vencedor do Oscar 2021 de melhor filme neste domingo (26/04), numa cerimônia diferente do habitual devido à pandemia.

Também foi uma grande noite para a diretora do longa, Chloé Zhao, que levou para casa a estatueta de melhor diretora. Nascida na China, Zhao não apenas dirigiu Nomadland, mas também escreveu o roteiro e editou o filme. Foi a segunda vez na história que uma mulher venceu na categoria melhor direção.

Já havia sido considerado uma sensação o fato de duas mulheres, Zhao e Emerald Fennell, estarem na corrida pelo prêmio de melhor direção no mesmo ano – algo inédito no Oscar. Até agora, Kathryn Bigelow era a única mulher a receber a estatueta, por seu filme Guerra ao Terror, em 2010.

Além de Zhao, outra mulher saiu como grande vencedora de Nomadland: Frances McDormand recebeu sua terceira estatueta de melhor atriz por seu papel como protagonista do filme, o qual ela também produziu.

Frances McDormand em "Nomadland": protagonista recebeu estatueta de melhor atriz

Um ano diferente

Diferentemente de outras premiações durante a pandemia, incluindo a do Oscar 2020, a deste ano ocorreu de maneira presencial, mas de modo bastante restrito, somente com a presença dos indicados, apresentadores e alguns convidados.

A 93ª cerimônia do Oscar foi realizada na Union Station e no Dolby Theatre, em Los Angeles. Todos os indicados e convidados precisaram apresentar um mínimo de dois testes PCR para covid-19.

Cerimônia marcada por diversidade

Neste ano, o Oscar – historicamente dominado por homens brancos – se destacou pelas várias estatuetas concedidas a mulheres e a pessoas não brancas, entre elas Zhao.

O ator Daniel Kaluuya venceu o prêmio de melhor ator coadjuvante por sua interpretação do jovem ativista Fred Hampton no filme Judas e o messias negro. Hampton foi assassinado pelo FBI em 1969 após um informante se infiltrar na agremiação que presidia, o Partido dos Panteras Negras. Fred Hampton Jr. Trabalhou como consultor no filme, que contou apenas com integrantes negros na equipe de produção.

Anthony Hopkins surpreendeu ao levar o Oscar de melhor ator pelo filme Meu pai, no qual interpreta um homem com demência que recebe os cuidados da filha, interpretada por Olivia Colman. Um dos concorrentes de Hopkins, de 83 anos, era Chadwick Boseman, que morreu aos 43 anos em agosto do ano passado, após uma longa batalha contra um câncer. Esta foi a segunda estatueta de melhor ator recebida por Hopkins – 30 anos depois da que levou para casa por O silêncio dos inocentes.

Olivia Colman e Anthony Hopkins em cena de "Meu pai": protagonista venceu na categoria melhor ator

Também fez história a veterana atriz coreana Yuh-Jung Youn, que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo filme Minari, sobre uma família coreana que começa uma nova vida em Arkansas, nos EUA. Ela se tornou a primeira pessoa coreana a ganhar um Oscar por sua atuação e a segunda atriz asiática a receber uma estatueta.

O prêmio de melhor roteiro original foi para o filme Bela vingança, de Emerald Fennell. Foi o primeiro longa-metragem da atriz e roteirista, que trabalhou como roteirista principal da popular série de TV Killing Eve.

A estatueta de melhor roteiro adaptado foi para Meu pai, de Christopher Hampton e Florian Zeller.

Soul, o primeiro filme da Pixar com um protagonista afro-americano, venceu na categoria de melhor animação. Um dos compositores do filme, Jon Batiste, se tornou o segundo compositor negro a receber uma estatueta.

Daniel Kaluuya venceu o prêmio de melhor ator coadjuvante por seu papel em Judas e o messias negro

Daniel Kaluuya venceu o prêmio de melhor ator coadjuvante por seu papel em "Judas e o messias negro"

Novas possibilidades na pandemia

A pandemia possibilitou que filmes de menor orçamento lançados via serviços de streaming tivessem uma chance de levar para casa um prêmio, uma vez que as datas de lançamento de blockbusters de Hollywood como West Side Story, de Steven Spielberg, e The French Dispatch, de Wes Andersen, foram adiadas por causa da crise.

A produção da Netflix Mank levou os prêmios de melhor fotografia e de design de produção. O filme preto e branco de ritmo lento sobre o roteirista de Cidadão Kane, Herman J. Mankiewicz, havia recebido dez indicações.

O filme de Netflix A voz suprema do blues venceu nas categorias melhor maquiagem e cabelo e melhor figurino. Viola Davis foi indicada a melhor atriz pelo longa, tornando-se a atriz negra mais indicada ao Oscar da história.

O prêmio de melhor documentário foi para a produção da Netflix Professor Polvo.

Deutsche Welle Brasil, em 16.04.2021

domingo, 25 de abril de 2021

Brasil registra 1.305 mortes por covid-19 em 24 horas

Total de óbitos associados ao coronavírus no país supera os 390 mil. Mês de abril já é o mais letal desde o início da pandemia, com cerca de 69 mil mortes.

Familiares choram em torno de caixao de vitima da covid

Conass também confirmou 32.572 novos casos da doença

O Brasil registrou 1.305 novas mortes associadas à covid-19 neste domingo (25/04), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O mês de abril já é o mais letal da pandemia no Brasil, com cerca de 69 mil mortes.

O Conass também confirmou 32.572 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega agora a 14.340.787, e os óbitos somam 390.797.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números divulgados nos fins de semana também costumam ser mais baixos, uma vez que as equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.766.772 pacientes se recuperaram da doença até este sábado. 

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 186, a 13ª mais alta do mundo, se excluído o país nanico San Marino.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 32 milhões de casos, e da Índia, com 16,9 milhões de pessoas infectadas. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 571 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 146,7 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3,1 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 25.04.2021

ʽMeu paiʼ: A lucidez que se esgota

Ninguém havia mostrado com tanta eficiência esse efeito, infelizmente tão habitual, de que alguém comece a dar sinais de não reconhecer nem mesmo seus seres queridos


Olivia Colman e Anthony Hopkins, em ‘Meu Pai’.

A ideia é de uma simplicidade tão marcante que ninguém jamais havia pensado em desenvolvê-la com tamanha grandeza: mostrar a demência senil de um idoso, sua falta de certezas, sua confusão mental, seus lamentáveis esquecimentos, os mais cotidianos e os mais essenciais, suas vívidas lembranças, seus acessos de clarividência, sua honestidade brutal, sua ternura e seu mau humor, seu desequilíbrio e suas quedas no terror de se sentir absolutamente perdido em sua casa, exposto a um labirinto indecifrável, do seu próprio ponto de vista mental. Foi o que fez o prestigioso dramaturgo francês Florian Heller em seu primeiro e excelente filme como diretor de cinema, baseado em sua obra teatral Meu Pai, um drama profundamente doloroso e felizmente humano, que se aproxima da doença com o tato da devoção e do carinho, mas também com a aspereza da verdade. E com a inestimável ajuda de Anthony Hopkins e sua interpretação brilhante. O filme está indicado a 6 Oscars, inclusive na categoria principal de melhor filme.

Sem grandiloquências na encenação, de um rigor clássico inusual num estreante, Zeller vai mostrando os sucessivos encontros do protagonista com sua filha, sua cuidadora e seu genro no apartamento onde mora, com ressalva de que os intérpretes vão mudando de identidade, revelando os rostos acompanhantes de uma memória avariada para sempre, assim como os rumos inseguros de um homem que se sente não apenas atordoado, mas também enganado, formando assim uma espécie de thriller de enganos. Sempre atento ao relógio e ao momento do dia, pois intui que seu tempo se esgota e que sem ele são misturados o dia e a noite, o pijama e a roupa da rua, os comprimidos do café da manhã e os do jantar, a infância e o ocaso, o velho se aferra à informação no pulso como quem se abraça a uma vida que se rompe onde mais dói, em certos momentos com o impulso shakespeareano do Rei Lear.

Ninguém havia mostrando com tanta eficiência esse efeito, infelizmente tão habitual, de que alguém comece a dar sinais de não reconhecer nem mesmo seus seres queridos, numa idade em que nem sempre somos ternos e educados, e numa situação em que emergem palavras e atitudes certamente sinceras, mas implacáveis com os que nos amam e pretendem nos ajudar. Somos nós mesmos ou já somos outros?

Porque também está presente o reverso da imensa variedade de registros na sublime atuação de Hopkins, carrancudo, divertido e, sobretudo, perdido: a dor da filha, a formidável Olivia Colman (mas não somente); o ressentimento do genro; a profissional doçura da cuidadora. A confusão mental do ser humano que se esgota é a nossa como espectadores, que enfrentamos a situação de não saber onde nos colocarmos ante um desafio que alcança até mesmo a esfera da moral.

MEU PAI

Direção: Florian Zeller.Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Olivia Williams, Imogen Poots. Gênero: drama. Reino Unido, 2020. Duração: 97 minutos.

O filme estrelado por Anthony Hopkins estreia nos cinemas de São Paulo nesta sábado (24) e se encontra disponível para compra em plataformas digitais como YouTube, Now, Apple TV e Google Play, por 29,90 reais.

JAVIER OCAÑA para o EL PAÍS, em 22 ABR 2021 - 22:46 BRT

A desconhecida vida de Anthony Hopkins, o indicado ao Oscar 2021 que aprendeu a ser feliz aos 75

Artista britânico, gigante da interpretação e literalmente um lorde, pode se tornar nesta noite também o mais idoso a receber prêmio na categoria principal. Seria o corolário perfeito para uma carreira cheia de marcos, fracassos e de uma vida pessoal atormentada

O ator Anthony Hopkins fotografado em 1991, em plena ressaca da fama estratosférica (e de amor da crítica e do público) que conheceu após ‘O silêncio dos inocentes’. ( Crédito a foto: MIRRORPIX / GETTY IMAGES)

Quando em dezembro passado Anthony Hopkins (Port Talbot, País de Gales, 1937) comemorou em um vídeo do Twitter os seus 45 anos sem beber álcool, a revelação surpreendeu os seus seguidores. Sua imagem pública é a de um ator de máximo prestígio no teatro e no cinema, gentil cavalheiro do Império Britânico e, de uns anos para cá, o velhinho favorito da internet. A verdade é que Hopkins, que aos 83 anos bateu o recorde de idade na categoria de melhor ator do Oscar com sua indicação por Meu pai, narrou em várias ocasiões a sua luta contra o alcoolismo, a depressão e os ataques de ira. E o remorso por ter abandonado uma filha recém-nascida. E seu ódio a Shakespeare e a tudo que é britânico. Senhoras e senhores, com vocês: o outro Anthony Hopkins.

“Lembro o primeiro dia de aula com aquele cheiro de leite estragado, canudinhos e casacos úmidos. Sentei lá, totalmente petrificado, e aquele sentimento permaneceu comigo durante toda a minha infância e adolescência”, contou à revista Playboy, sobre suas primeiras lembranças em Port Talbot, a localidade siderúrgica do sul de Gales onde cresceu. Os professores, os colegas e seus pais lhe repetiam que era tonto demais para qualquer trabalho. Nunca teve nenhum amigo e passava as tardes desenhando ou tocando piano. Às vezes não ia nem à própria festa de aniversário. “Eu me sentia o mais idiota da classe, talvez tivesse problemas de aprendizagem, mas o fato é que eu não conseguia entender nada. Minha infância foi inútil e inteiramente confusa. Todo mundo me ridicularizava”, revelou ao The New York Times.

Richard Burton também era de Port Talbot, e Hopkins Maluco, como o chamavam na época, o conheceu aos 15 anos. “Ele montou que virou ator porque não prestava para nenhum trabalho. Depois entrou no seu Jaguar e foi-se embora. Não se viam muitos carros assim no pós-guerra. Naquele momento entendi que precisava sair de lá. Deixar de ser quem era. Ser rico e famoso. E comecei a sonhar em morar nos Estados Unidos”, recordou ao jornal nova-iorquino no final do ano passado.

Em poucos anos alcançou o máximo prestígio ao qual qualquer ator britânico aspira: protagonizar obras do National Theatre. E quando liderava o elenco da mais importante de todas, Macbeth, se mandou no meio da temporada para rodar um filme em Hollywood. “O teatro não se encaixa na minha personalidade nem no meu temperamento. Nunca me diverti. O teatro britânico é muito acadêmico e eu sempre fui péssimo aluno. Não gosto da autoridade, já sofri suficientes abusos quando criança. Lembro que Katherine Hepburn, durante a rodagem do meu primeiro filme, O leão no inverno, me disse: ‘Estamos em pleno janeiro no sul da França e ganhando por isso. Esta é a melhor vida, não largue dela!”, contaria na Vanity Fair.

O ator Anthony Hopkins comparece à entrega dos prêmios SF&TV (posteriormente chamados BAFTA) no Royal Albert Hall, em Londres. O ano era 1973.( Crédito da foto: FOX PHOTOS / GETTY IMAGES)

Em 1968, deixou a primeira mulher, com quem tinha um bebê de quatro meses, porque percebeu que era “egoísta demais” para criar uma família. A um jornalista do The Guardian, há três anos, afirmou vir “de uma geração na qual os homens eram homens. E a parte negativa disso é que não nos damos bem com receber amor ou dá-lo. Não entendemos”. Apesar de uma tentativa de aproximação nos anos noventa, Hopkins nunca teve relação com sua filha, e hoje não sabe nem sequer se tem netos.

Durante os anos setenta, ganhou certa fama de “ator temperamental”. Sofria ataques de ira durante as filmagens, chegava a sair no braço com os diretores, ou sumia sem dar explicações. Anos depois, ele mesmo admitiria que, como não queria beber durante a jornada de trabalho, sua agressividade aflorava porque sempre estava de ressaca. Em 29 de dezembro de 1975, amanheceu num motel de Phoenix sem ter a menor ideia de como tinha chegado lá. Nunca mais voltou a beber. “Admiti que tinha medo, o que me deu uma liberdade maravilhosa. Eu me sentia inseguro, paranoico, aterrorizado. Temia não servir para nada, que não me encaixava em nenhum lugar”, confessou à The New Yorker no mês passado.

Tentou apaziguar seu caráter mediante a sobriedade, mas seus demônios continuavam por trás dele. Às vezes, entrava no seu carro e dirigia durante semanas; outras vezes passava dias sem dirigir a palavra a ninguém. Em 1981, quando já tinha ganhado dois Emmys, seu pai morreu. Nas últimas horas dele, Anthony aproveitou para lhe dizer que o amava (era a primeira vez que dizia isso a alguém na vida), mas só se atreveu a beijá-lo depois de morto. “Ao recolher seus pertences, encontrei um mapa dos Estados Unidos. Sempre quis ir lá. Morreu sem ir”, lamentaria Hopkins. O médico lhe informou que o coração do homem tinha se inchado por causa de anos e anos de esforço. “Quando penso em como meus pais se escravizaram a vida toda numa padaria para ganhar uma miséria... para mim foi tudo fácil demais. Tenho vergonha de ser ator. Deveria estar fazendo outra coisa. Atuar é uma arte de terceira. Pagam-nos muito e dão muita trela para nós. Gosto da atenção e do dinheiro, mas me sinto como um vigarista”, lamentou-se no The Guardian.

Apesar do sucesso de Magic, O Homem elefante e Rebelião em alto-mar, sua carreira em Hollywood não decolava, e teve que voltar a Londres. “Essa parte de minha vida acabou, é um capítulo encerrado. Suponho que terei que me conformar em ser um ator respeitável no teatro e fazer trabalhos respeitáveis na BBC durante o resto da minha vida”, declarou na época. Uma tarde foi ao cinema ver Mississippi em chamas e sentiu inveja, raiva e frustração por não ter uma carreira como a de Gene Hackman. Dias depois, seu agente norte-americano ligou para ele: Hackman tinha recusado o papel de Hannibal Lecter, e ele era a segunda opção.

Anthony Hopkins e Jodie Foster seguram o Oscar que cada um ganhou por seu papel em ‘O silêncio dos inocentes’, em 1992. (Crédito da foto: JOHN T. BARR / GETTY IMAGES)

Bastaram a Hopkins 17 minutos em O silêncio dos inocentes para entrar para a história do cinema. Aquele triunfo lhe trouxe um Oscar, um título de sir e a percepção coletiva de ser o que o grande público chama de “um senhor ator”. Mas seu maior triunfo foi pessoal. “Queria curar minha ferida interna, queria vingança. Queria dançar sobre as tumbas de todos os que me fizeram infeliz. Queria ser rico e famoso. E consegui”, gabava-se na época na Vanity Fair.

Durante os anos noventa, Hopkins era o ator mais prestigioso do mundo. Interpretou personagens históricos que, a priori, não seriam seus (Nixon, Picasso), contribuiu com distinção para o “cinema de porcelana” (Retorno a Howard’s End, Terra das sombras, Vestígios do dia), e sua definição do trabalho do ator entrou para o folclore de Hollywood: “Seja pontual, aprenda os diálogos e tenha certeza de que seu agente recebeu o cheque”. O público assumiu que Hopkins era um senhor sensível e retraído como os personagens que interpretava, mas ele corrigia essa percepção: “Posso ser um tirano. Sem escrúpulos. Eu quero o que quero. Sou muito, muito egoísta. Algo me atormenta, não sei o que é, mas me provoca muita inquietação”, confessava em 1996. “Fui num psicólogo e acabei chorando na primeira sessão. Senti tanta vergonha. Ensinaram para mim que os homens não choram”. Não voltou mais à terapia.

Em 1993 Hopkins teve uma aventura com uma ex-namorada de Sylvester Stallone que conheceu nos Alcoólicos Anônimos, e sua esposa se mudou para Londres. “Jenni não entende. Adoro estar em Los Angeles. É a terra do Mickey Mouse! Tem tanto dinheiro. Mais de que você poderia sonhar. Ela acha que parece uma cidade de brinquedo, com um entusiasmo e efusão excessivos. Pois a mim é isso que me maravilha”, contava o ator. Seu novo status como estrela, ao menos, lhe permitia conseguir o que queria sem precisar gritar nem encarar ninguém. “Agora basta pedir amavelmente ao produtor”, sugeria.

Durante as entrevistas promocionais de No Limite, um thriller coprotagonizado por Alec Baldwin e um urso, quando era perguntado sobre o arco do seu personagem, Hopkins respondia: “Não tenho a mínima ideia do que você está falando”. Quando lhe perguntavam o que o atraíra a determinado projeto, costumava responder: “O dinheiro”. Era como queria desmontar a imagem que o público criou dele. O lorde britânico com boas maneiras de repente enfrentava seus compatriotas (“Se amam tanto esse lugar sujo, chuvoso e cheio de merda de cachorro nas calçadas, que fiquem. São um bando de fracos, chorões, chatos, invejosos que só são felizes se estiverem desgraçados. Estão obcecados com que o sucesso não me suba à cabeça, e raivosos porque eu consegui fugir de lá. Que se fodam”).

Anthony Hopkins e Antonio Bandeiras em ‘A máscara do Zorro’ (1998). Hopkins se referia ironicamente a papéis desse tipo como sendo os que “dispensam interpretação". (Crédito da foto: RONALD SIEMONEIT / GETTY IMAGES)

As eventuais concessões comerciais (A máscara do Zorro, ou uma cena em Missão impossível 2, pelas quais ganhou 26 e 13 milhões de reais, respectivamente) começaram a ser a norma com franquias como O lobisomem, Thor e Transformers. Filmes em cujos roteiros Hopkins anotava a sigla NRA (de “no acting required”, ou “sem necessidade de interpretação”). Durante a rodagem de Transformers, Mark Wahlberg o incentivou a abrir uma conta no Twitter, uma rede social na qual hoje Hopkins parece se divertir mais do que nenhum outro usuário. Seus vídeos cotidianos, a meio caminho entre a crônica de costumes e o dadaísmo, causam tamanha sensação que ele abriu também um canal no TikTok. Lá Hopkins publicou vídeos dançando músicas de Drake, do Fleetwood Mac com seu gato e de Elvis Crespo com sua mulher, a colombiana Stella Arroyave. Ela o convenceu a compartilhar suas composições musicais e seus quadros com o mundo. As críticas dos especialistas, além disso, foram positivas.

Perto de completar 70 anos, começou a sonhar todas as noites com Gales e decidiu visitar sua terra mais frequentemente. Naquela época também dirigiu um filme, Slipstream – Um sonho dentro de um sonho, que satirizava Hollywood. Hopkins confessou que, depois de chegar ao topo, descobriu apenas que “não tinha nada lá em cima”. “Pelo amor de Deus, eu deveria estar em Port Talbot. Ou morto, ou trabalhando na padaria do meu pai”, refletia. O maior alívio em sua maturidade foi um diagnóstico de Asperger leve, uma condição no espectro funcional do autismo que afeta as interações sociais. Essa descoberta, explica, o ajudou a entender melhor a si mesmo e a explicar por que passou a vida toda querendo estar sozinho.

O ator afirma que nunca foi tão feliz como depois de completar 75 anos. Tanto que até arrumou um amigo, que ainda por cima é ator: Ian McKellen, com quem trabalhou no filme O fiel camareiro, da BBC, em 2015. A experiência o estimulou a voltar a Shakespeare, também com a BBC, em Rei Lear. E durante a filmagem finalmente compreendeu por que a tanta gente gosta de Shakespeare. Ultimamente sonha com elefantes, como os que viu quando criança com seu avô no clássico de aventuras Elephant boy, de 1937. “Também penso muito em um dia que passei com meu pai na praia”, contou à Interview. “Eu estava chorando porque um doce que ele tinha comprado para mim havia caído na areia. Penso naquele menino medroso, que estava destinado a crescer e virar um idiota na escola. Atrapalhado, solitário, raivoso. E quero dizer a ele: ‘Não se preocupe, garoto, a gente se virou bem’.”

JUAN SANGUINO para o EL PAÍS, em 25 ABR 2021 - 15:40 BRT