domingo, 4 de abril de 2021

Cúpula militar acende alerta sobre bolsonarismo e agora tenta calcular perdas e ganhos

Troca abrupta do comando das Forças Armadas abre uma crise inédita com os militares. “Se querem diminuir a politização, terão que encorajar os militares na ativa no Governo a retornar às suas unidades”, diz especialista. “Não há o menor indício de que irão fazê-lo”

Jair Bolsonaro cumprimenta militares da Aeronáutica durante celebração de 80 anos da Força Aérea Brasileira em 20 de janeiro de 2021.( Crédito da foto: Andressa Anholete).

Novembro de 2014. Um grupo de aspirantes a oficial do Exército brasileiro cruza com Jair Bolsonaro nos jardins da Academia Militar das Agulhas Negras. Começam a gritar: “Líder, líder, líder...”. Ele cumprimenta agradecido e improvisa algumas palavras diante das dezenas de jovens com uniforme de gala e quepe.

“Precisamos mudar esse país. Alguns vão morrer pelo caminho, mas em 2018 estou disposto, se Deus permitir, tentar jogar para a Direita esse país! (...) O Brasil é maravilhoso, temos de tudo aqui. 

Está faltando é político!”. Os militares aplaudem com entusiasmo, como mostra o vídeo publicado no YouTube por um dos filhos do atual presidente.

Quando Bolsonaro falou aos cadetes começava o quarto mandato do Partido dos Trabalhadores. Na Presidência, Dilma Rousseff, que entrou na história como a primeira presidenta. Mas também era uma guerrilheira que foi torturada durante a ditadura e impulsionadora da Comissão da Verdade. A corrupção do PT aflorava. A operação Lava Jato acabava de nascer.

Esse momento —as palavras, o público, o cenário— ajuda a entender a crise que explodiu surpreendentemente nesta semana entre o presidente mais ligado aos militares desde que o Brasil recuperou a democracia, em 1985, e a cúpula das Forças Armadas. Poucas vezes se viu o ultradireitista mais à vontade do que em um quartel cercado de militares, mas na terça-feira destituiu sem consideração o ministro da Defesa. Em um efeito dominó, no dia seguinte os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica renunciaram em uníssono.

Outro ponto fundamental é o alerta lançado por um dos demissionários, o general Edson Leal Pujol, comandante em chefe do Exército, há quatro meses: “Não queremos ser parte da política de governo e do Congresso, assim como que a política entre em nossos quartéis”. A crise aberta, inédita, disparou as procuras no Google do Brasil de “o que é um golpe de Estado”.

Bolsonaro, reformado do Exército como capitão há 33 anos, “avança cada vez mais em seu projeto de transformar as Forças Armadas em instrumento de Governo. Deu os primeiros passos em 2014, quando visitou a academia militar para começar sua pré-campanha”, diz o professor Eduardo Heleno, da Universidade Federal Fluminense (sem parentesco com o ministro-general de mesmo sobrenome). A crise desmedida desta semana é consequência da “politização dos militares, um fenômeno que Bolsonaro impulsiona, e a militarização da política, que não começou com ele”, acrescenta o especialista do Instituto de Estudos Estratégicos.

Deputado medíocre, em 2014 Bolsonaro era um nostálgico da ditadura famoso por suas grosserias misóginas e homofóbicas. Retornava à academia localizada entre o Rio de Janeiro e São Paulo onde se formou. Durante anos esteve proibido de pisar os quartéis por indisciplina. Abandonou o Exército após ser absolvido em um tribunal militar de instigar a soldadesca ao protesto, mas saiu sem honras. O ditador Ernesto Geisel chegou a dizer sobre ele em 1993: “É um caso completamente fora do normal, é até um mau militar”.

Pensar que conseguiria chegar a presidente era uma loucura. Um delírio. Mas soube ler a conjuntura, também nos quartéis, onde fez campanha eleitoral. O Bolsonaro candidato germinou em meio a uma onda gigantesca de desencanto com a política, agitada pelo discurso contra a corrupção e o ressurgimento do ódio ao PT. Capitalizou a irritação com os partidos, com a política tradicional. Como por mágica, conseguiu se vender como candidato antissistema apesar de levar metade da vida de uniforme verde oliva e outra metade na política pedindo melhorias salariais à tropa.

As Forças Armadas que agora afirmam guardar zelosamente o papel que a Constituição outorga a elas pressionaram sem pudor o Supremo Tribunal Federal com uma publicação no Twitter durante a campanha eleitoral de 2018. Era uma frase trabalhada que foi lançada na véspera de os juízes decidirem se permitiriam a candidatura ou não de Lula. “Eu asseguro à Nação que o Exército Brasileiro acredita que compartilha o desejo de todos os cidadãos de repudiar a impunidade e respeitar a Constituição, a paz social e a Democracia, assim como vigiar suas missões institucionais”, tuitou à época o comandante em chefe do Exército, o general Eduardo Villa Boas. O resultado é conhecido. O Supremo não habilitou Lula, que foi preso. E Bolsonaro disparou nas pesquisas.

Vários colegas da academia militar que chegaram ao generalato o acompanharam na corrida à presidência. Todos formados na Guerra Fria, quando o grande inimigo era o comunismo. Já no poder, além do general vice-presidente com quem foi eleito, trouxe vários outros para ministros. Juntos começaram a recrutar militares para o Governo, centenas e centenas que espalharam por todos os órgãos. Hoje presidem 15 empresas estatais (incluindo a Petrobras), e dirigem outras 92. Por volta de 3.000 militares na ativa e outros tantos na reserva ostentam cargos governamentais, segundo as contas de Heleno.

Outros generais, alguns na ativa, entraram no Gabinete na incessante dança das cadeiras deste Governo. Bolsonaro já substituiu vinte e quatro. E com o Brasil assolado pelo coronavírus, nomeou um general ministro da Saúde após demitir os dois anteriores, médicos, por não se submeter à sua normalização da pandemia, seu repúdio à máscara e sua promoção de remédios inúteis. “O Governo colocou um militar de alto escalão da ativa no comando da política pública em meio à maior crise sanitária dos últimos tempos simplesmente para ter alguém que não o criticasse”, diz o professor de Estudos Estratégicos.

O eleito foi o general Eduardo Pazuello, que confessou imediatamente que não sabia nada de saúde pública. Suposto especialista em logística, não conseguiu evitar dezenas de mortes em hospitais de Manaus, a principal cidade do Amazonas, por falta de oxigênio (motivo pelo qual é investigado) e comprar vacinas suficientes. Durante seus meses como ministro da Saúde disse abertamente que ele estava lá para cumprir ordens, não para questioná-las.

O fracasso na guerra contra o vírus, como Bolsonaro gosta de chamá-la, se traduz em mais de 330.000 mortos e quase 13 milhões de infecções, e o Brasil transformado em epicentro da pandemia e incubadora de cepas que ameaçam o restante do mundo. O mandatário demitiu o general e trouxe um terceiro médico, mas a reputação das Forças Armadas se deteriora. Também não funcionou a mobilização de soldados na Amazônia para combater incêndios e crimes porque, além de sair caro, o desmatamento continua aumentando.

O que acabou com a paciência dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são as pressões de Bolsonaro para que as Forças Armadas fiquem do seu lado e contra outras autoridades na batalha contra o coronavírus. Com sua renúncia em bloco, pretendiam soar o alarme e tentar preservar a independência da instituição. Mas Bolsonaro é tenaz: “Meu Exército brasileiro não vai sair à rua contra o povo e fazer com que se cumpram os decretos de governadores e prefeitos. Enquanto eu for o presidente não o fará”, proclamou na quinta-feira em sua conversa semanal pelo Facebook.

Ao contrário do chefe de Estado, o Exército levou a pandemia muito a sério desde o primeiro minuto. E lidou com ela infinitamente melhor pelos dados que oferece. Seguindo as recomendações da OMS, os militares têm uma taxa de mortalidade de 0,3% contra 2,5% dos civis. Um dos membros do trio escolhido por Bolsonaro na quarta-feira para substituir os demissionários é o general que implementou a bem-sucedida estratégia nos quartéis. A política brasileira é sempre uma caixinha de surpresas.

Concluída a tumultuosa semana, Bolsonaro já tem um novo ministro da Defesa mais alinhado ao seu estilo, Walter Braga Netto. Foi com ele que apareceu, sem máscara os dois, para pregar a participação das Forças Armadas na vacinação, ainda que, de novo, tenha pregado contra a política do “fecha tudo”. O presidente é muito popular entre os soldados e, principalmente, entre os policiais militares. A base bolsonarista nas redes age abertamente para politizar essas forças militarizadas subordinadas aos governadores dos Estados. Mais de uma vez o bolsonarismo já levantou a lebre no Congresso de que gostaria das polícias estaduais sob seu comando.

A incógnita é como evoluirá a relação presidente-militares-Forças Armadas durante os 18 meses que restam às eleições presidenciais. “Se os novos comandantes das Forças Armadas realmente querem diminuir a politização, terão que fazer algo, encorajar os militares na ativa que ocupam cargos no Governo a retornar às suas unidades”, diz o professor Heleno. Mas se mostra pessimista: “Não há o menor indício de que irão fazê-lo”.

NAIARA GALARRAGA GORTÁZAR, de S. Paulo para o EL PAÍS, em 04 ABR 2021 - 12:11 BRT

Jordânia acusa irmão do rei de complô para desestabilizar o país

Governo jordano diz que Hamza bin Hussein conspirou com atores estrangeiros a fim de "minar a segurança nacional". Ex-príncipe herdeiro nega e diz que foi posto em prisão domiciliar. Vários suspeitos foram detidos.

Ex-príncipe herdeiro, Hamza (esq.) é filho do rei Hussein, morto em 1999, com sua última esposa, a rainha Noor (dir.)

O governo da Jordânia acusou o ex-príncipe herdeiro Hamza bin Hussein, meio-irmão do rei Abdullah, de atuar num complô para "desestabilizar" o país. Vários suspeitos foram detidos, e o ex-príncipe teria sido colocado em prisão domiciliar, segundo ele mesmo denunciou.

O vice-primeiro-ministro da Jordânia, Ayman Safadi, afirmou neste domingo (04/04) que Hamza, que perdeu seu título de príncipe herdeiro em 2004, e aliados trabalharam com atores estrangeiros numa "conspiração maliciosa" para "minar a segurança nacional".

Safadi, que é também ministro das Relações Exteriores do país, disse que entre 14 e 16 pessoas estão presas em ligação com o complô, além de duas pessoas próximas ao rei: Bassem Awadallah, ex-ministro e ex-assessor de Abdullah, e Hassan bin Zaid, membro da família real.

O grupo estaria sendo investigado já há algum tempo, afirmou Safadi. "As investigações monitoraram interferências e comunicações com partes estrangeiras sobre o momento certo para começar a agir para desestabilizar a segurança da Jordânia", declarou, sem dar muitos detalhes sobre qual seria o plano.

Segundo o ministro, as comunicações interceptadas incluem, por exemplo, conversas entre uma agência de inteligência de outro país e a esposa de Hamza para organizar um avião no qual o casal deixaria a Jordânia. Ele não especificou quais países estariam envolvidos.

"As investigações iniciais mostraram que essas atividades e movimentos atingiram um estágio que afetou diretamente a segurança e a estabilidade do país, mas sua majestade [rei Abdullah] decidiu que era melhor falar diretamente com o príncipe Hamza, para lidar com isso dentro da família."

Questionado se o ex-príncipe poderia ser levado à Justiça, Safadi insistiu que por enquanto houve apenas tentativas "amigáveis" de lidar com ele, mas acrescentou que "a estabilidade e segurança do reino transcende" qualquer coisa. Ele negou que Hamza esteja preso.

Prisão domiciliar

A declaração do governo vem um dia depois de Hamza, de 41 anos, ter enviado uma mensagem em vídeo à emissora britânica BBC dizendo que foi colocado em prisão domiciliar. Ele também acusa o governo jordano de nepotismo e corrupção, num raro confronto público entre os principais membros da família que há muito tempo governa o país.

No vídeo, o ex-príncipe afirma que vários de seus amigos foram presos, que seu aparato de segurança foi removido e sua internet e linhas telefônicas, cortadas.

Ele negou fazer parte de "qualquer conspiração ou organização nefasta", mas atacou o "sistema de governo" do país, onde, segundo ele, ninguém pode criticar as autoridades e que está "obstruído pela corrupção, pelo nepotismo e pelo desgoverno".

A mãe de Hamza, a rainha Noor, viúva do rei Hussein da Jordânia, também defendeu o filho. "Estou rezando para que a verdade e a justiça prevaleçam para todas as vítimas inocentes dessa calúnia perversa", escreveu ela no Twitter. "Deus os abençoe e os mantenha seguros."

Reação internacional

Governos vizinhos e aliados da Jordânia, considerada um dos países mais estáveis do Oriente Médio e um importante aliado dos Estados Unidos, foram rápidos em manifestar solidariedade ao rei Abdullah.

Seguindo a mesma linha de outros líderes internacionais, o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Abulgueit, expressou sua "total solidariedade com as medidas tomadas pelas autoridades jordanas para manter a segurança do reino e preservar a estabilidade", segundo nota.

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, disse que Washington está "acompanhando de perto" os eventos no país aliado. "O rei Abdullah é um parceiro-chave dos Estados Unidos e tem nosso total apoio", afirmou o americano.

Hamza é o filho mais velho do rei Hussein com sua quarta e última esposa, a rainha Noor, nascida nos Estados Unidos. Abdullah, por sua vez, é o filho homem mais velho de Hussein, fruto de seu segundo casamento, com a britânica Antoinette Avril Gardiner.

Abdullah, hoje com 59 anos, assumiu o reinado após a morte do pai, em 1999, e nomeou Hamza príncipe herdeiro, em linha com os desejos de Hussein. Em 2004, contudo, acabou retirando o título do irmão e dando a seu filho mais velho, também chamado Hussein.

Deutsche Welle / Brasil, em 04.04.2021

Brasil tem 1.240 mortes por covid-19 em 24 horas

País soma agora 331 mil óbitos ligados ao coronavírus. Dados oficiais confirmam ainda 31 mil novos casos da doença, e total de infectados chega a 12,98 milhões

Profissionais de saúde em barco no Amazonas, levando vacinas para comunidades ribeirinhas

O Brasil registrou oficialmente 1.240 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) neste domingo (04/04).

Também foram confirmados 31.359 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país subiu para 12.984.956, enquanto os óbitos chegam a 331.433.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números divulgados nos fins de semana e feriados também costumam ser mais baixos, já que equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.305.746 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de sábado.

Com os dados de óbitos registrados neste domingo, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 157,7 no país.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,67 milhões de casos e mais de 554,7 mil óbitos.

Ao todo, mais de 130,7 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus em todo o mundo, segundo números oficiais, e 2,85 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle / Brasil, em 04.04.2021

Brasil pode ter 100 mil mortes por covid-19 em abril, prevê estudo

Análise da Universidade de Washington estima que, no pior dos cenários, país pode chegar a 422 mil óbitos no fim do mês. Contudo, milhares de vidas podem ser poupadas se população usar máscara corretamente.

Funcionários de cemitério enterram caixão em sepultamento noturno

Após viver, em março, o mês mais mortal da pandemia, com 66 mil óbitos ligados à covid-19, o Brasil pode vir a registrar 100 mil mortes em abril, segundo prevê uma análise do Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.

Até 31 de março, o país somava um total de 321 mil vítimas do coronavírus. A análise da instituição estima que esse número deverá saltar para 422 mil até 30 de abril. Até este sábado (03/04), o Brasil acumulava 330.193 mortes causadas pela doença, segundo números oficiais.

A universidade prevê um pico de mortes diárias em 24 de abril, quando os óbitos podem passar de 4 mil em 24 horas. Desde o início da pandemia, o recorde de mortos em apenas um dia foi de 3.869 vítimas, registrado em 31 de março.

Até 1º de julho, última data incluída na previsão da instituição, o total de mortos pode se aproximar de 600 mil, chegando a 597.790 vidas perdidas.

Os números mencionados acima se referem ao pior cenário considerado pelo instituto. Ao todo, a análise projeta três possíveis cenários para o país, levando em conta fatores como a disseminação de variantes do vírus, o uso de máscaras e o cumprimento do distanciamento social.

Pior cenário

Nesse cenário mais grave, a análise considera que a circulação de pessoas vacinadas voltará aos níveis pré-pandêmicos, e a de não vacinados se manterá como no ano passado; as variantes brasileira e sul-africana do vírus se espalharão por locais aonde não haviam chegado; as vacinas serão menos eficientes contra a cepa sul-africana; e o uso de máscara começará a cair entre os vacinados 30 dias após receberam a segunda dose do imunizante.

Cenário mais provável

Em um segundo cenário, que a universidade chama de "projeção atual", por ser mais provável de acontecer, são considerados os seguintes fatores: a circulação de não vacinados se manterá como no ano passado, e apenas 25% dos vacinados retomarão o nível de mobilidade de antes da pandemia; as variantes britânica, brasileira e sul-africana se espalharão entre regiões vizinhas no mesmo ritmo registrado no Reino Unido; e o uso de máscaras começará a cair entre os vacinados 90 dias após receberam a segunda dose do imunizante.

Nesse cenário, o instituto prevê que o total de mortos pela covid-19 no Brasil chegará a 421 mil em 30 de abril, cerca de mil óbitos a menos do que no cenário mais grave. Já a previsão de longo prazo aponta para 562 mil óbitos até 1º de julho, ou seja, 35 mil mortes a menos que no pior caso.

Cenário mais otimista, com uso universal de máscaras

O terceiro e último cenário é mais otimista, projetando o que aconteceria se 95% da população brasileira usasse máscaras de forma apropriada, além dos mesmos outros fatores considerados na chamada "projeção atual".

Nesse caso, o número de mortos até 30 de abril seria de menos de 419 mil. Já até 1º de julho, esse total poderia ser de 507 mil óbitos, ou seja, o uso universal de máscaras pouparia quase 100 mil vidas.

O Brasil vive hoje o pior momento da epidemia de covid-19, com recordes sucessivos de mortes diárias e os hospitais em colapso. Em números absolutos, é o segundo país do mundo com mais infecções e óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos, mas é atualmente a nação que registra os maiores números diários de vidas perdidas na pandemia.

Deutsche Welle / Brasil, em 04.04.2021

sábado, 3 de abril de 2021

Brasil tem mais 1.987 mortes por covid-19

País supera 330 mil óbitos ligados ao coronavírus. Dados oficiais confirmam ainda 43 mil casos da doença em 24 horas, e total de infectados chega a 12,95 milhões.

Paciente é levado em maca em hospital em Brasília

O Brasil registrou oficialmente 1.987 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) neste sábado (03/04).

Também foram confirmados 43.515 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país subiu para 12.953.597, enquanto os óbitos superaram 330 mil, somando agora 330.193.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números divulgados nos fins de semana e feriados também costumam ser mais baixos, já que equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.276.628 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de sexta-feira.

Com os dados deste sábado, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 157,1 no país.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,66 milhões de casos e mais de 554 mil óbitos.

Ao todo, mais de 130,5 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus em todo o mundo, segundo números oficiais, e 2,84 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle / Brasil, em 03.04.2021, há 12 minutos.

O desperdício do fator humano

A economia já andava mal antes da pandemia, assim continua e o desemprego persistente é a consequência mais dramática

Com 14,3 milhões de desempregados no trimestre encerrado em janeiro, o Brasil teve uma passagem de ano especialmente penosa para os pobres e agourenta para a maior parte dos negócios. Perdido o primeiro trimestre, o governo só nos próximos dias voltará a pagar o auxílio emergencial. Com isso poderá atenuar a fome e dar novamente algum impulso ao consumo e à produção. Sem Orçamento, sem rumo e aparentemente sem perceber o desastre do dia a dia, a equipe econômica deixou perder-se a recuperação iniciada em maio e já enfraquecida nos três meses finais de 2020. As condições do emprego mostram bem as limitações dessa reação, agora dificultada também pelo forte aumento dos preços no varejo.

A desocupação, o subemprego e o desestímulo a grandes parcelas da força de trabalho compõem uma forma especialmente grave de desperdício. A ociosidade dos trabalhadores pode ocasionar mais que os dramas facilmente visíveis na experiência diária e diminuição do potencial de consumo. Quando prolongado, o desemprego pode também resultar em desatualização e desqualificação da mão de obra – um obstáculo a mais ao desenvolvimento da economia. Por isso, o investimento em requalificação é uma das políticas necessárias depois de longos períodos de desocupação.

O desemprego de 14,2% da força de trabalho, na virada de ano, é apenas o aspecto mais visível desse drama econômico e social. O quadro fica mais feio quando se adicionam 5,9 milhões de pessoas desalentadas – sem ânimo para continuar buscando uma colocação – e outros grupos com potencial de trabalho subempregado ou simplesmente perdido. Tudo somado, a população subutilizada chegou a 32,4 milhões de indivíduos, ou 29% da população economicamente ativa. Este é um número muito mais adequado que a taxa de desemprego para dimensionar o desperdício de mão de obra. 

Mas é preciso olhar outros detalhes para avaliar as limitações do consumo e das possibilidades de progresso individual e familiar. O nível de ocupação chegou a 48,7% das pessoas em idade de trabalhar, com aumento de 0,7 ponto porcentual em relação ao trimestre anterior. Mas esse aumento ocorreu principalmente no segmento informal, onde se acomodaram 34,1 milhões de trabalhadores no período de novembro a janeiro. O número de trabalhadores sem carteira assinada aumentou 3,6% no setor privado, taxa equivalente a 339 mil pessoas, de um trimestre para outro.

A taxa de informalidade subiu de 38,8% para 39,7%, ficando pouco abaixo daquela registrada um ano antes. Participam da informalidade tanto os empregados sem carteira assinada quanto trabalhadores por conta própria sem registro oficial. Baixo rendimento, benefícios assistenciais escassos ou nulos e contratação precária constituem algumas das condições da ocupação informal.

“A perda de força no crescimento da ocupação vem principalmente da menor expansão na indústria, no comércio e na construção”, disse a pesquisadora Adriana Beringuy, ao apresentar os dados do último levantamento do IBGE. Ainda assim, o aumento da população ocupada, no período de novembro a janeiro, é em boa parte explicável pelas contratações adicionais ocorridas no fim de ano, embora o crescimento das vendas tenha sido mais fraco que em outros anos.

Mesmo com a recuperação econômica iniciada em maio, a desocupação continuou bem maior que no período anterior à crise deflagrada pela pandemia. No trimestre móvel terminado em janeiro de 2020 havia 11,9 milhões de desempregados, ou 11,2% da força de trabalho. Os subutilizados eram 23,2%. O desemprego era bem maior que o da média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), praticamente o dobro.

O quadro já era muito ruim, porque o governo do presidente Jair Bolsonaro quase nada fizera, no primeiro ano de mandato, para impulsionar a atividade econômica. Em 2019 o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 1,4%, tendo avançado 1,6% no ano anterior. A economia já andava mal antes da pandemia, assim continua e o desemprego persistente é a consequência mais dramática.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 03 de abril de 2021 | 03h00

'Washington Post' critica Bolsonaro em editorial: 'pode estar mirando a democracia'

Em tom altamente crítico, o texto afirma que, 'graças à impressionante incompetência do presidente Jair Bolsonaro e seu governo', não há sinal à vista para o fim da crise sanitária causada pelo coronavírus no País       

Em um editorial publicado nesta sexta-feira, 2, o jornal americano The Washington Post alertou que, após a troca de comando no Ministério da Defesa, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro pode agora estar "mirando a democracia". Segundo o texto, "Estados Unidos e América Latina devem estar atentos para garantir a Bolsonaro que qualquer interrupção da democracia seria intolerável".

Em tom altamente crítico, o texto afirma que, "graças à impressionante incompetência do presidente Jair Bolsonaro e seu governo", não há sinal à vista para o fim da crise sanitária causada pelo coronavírus no País. O jornal destaca que o Brasil está vivendo um dos piores picos de infecções por covid-19 que o mundo já viu, lembrando que apenas 2% da população brasileira foi completamente vacinada e medidas de confinamento necessárias para diminuir as novas infecções "são virtualmente inexistentes".

"Em vez de lutar contra o coronavírus, Bolsonaro parece estar preparando as bases para outro desastre: um golpe político contra os legisladores e eleitores que poderiam removê-lo do cargo", escreve. 

O jornal analisa que o presidente Bolsonaro demitiu nesta semana o Ministro da Defesa - com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica deixando suas posições na sequência -, no momento em que surgem novas ameaças de impeachment no Congresso, e uma eventual candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganha força para as próximas eleições.  

As últimas medidas do presidente, destaca o Post, foram suficientes para fazerem com que seis possíveis presidenciáveis divulgassem uma carta conjunta alertando que a "democracia do Brasil está ameaçada". O jornal cita  ainda o artigo assinado por Brian Winter, editor-chefe do Americas Quarterly, no qual ele afirma que o plano do presidente Bolsonaro é “ter tantos homens armados do seu lado quanto possível no caso de um impeachment ou um resultado adverso na eleição de 2022”.

Apesar das instituições democráticas no Brasil serem "relativamente fortes após mais de três décadas de consolidação", escreve o Post, há "razões para se preocupar". "O sr. Bolsonaro expressou abertamente sua admiração pela ditadura militar que governou o país nas décadas de 60 e 70. Admirador de Donald Trump, ele adotou a tática do ex-presidente dos EUA de alertar sobre fraude nas próximas eleições e exigir que os sistemas de votação eletrônica sejam substituídos por cédulas de papel", afirma o editorial.

"O presidente brasileiro já contribuiu muito para o agravamento da pandemia de covid-19 em seu próprio País e, por meio da disseminação da variante brasileira, pelo mundo. Ele não deve ter sucesso em destruir uma das maiores democracias do mundo também."

Redação, O Estado de S.Paulo, em 03 de abril de 2021 | 11h47


Raça humana sob ameaça de extinção

O paleoantropólogo José María Bermúdez de Castro reúne em seu novo ensaio, ‘Deuses e mendigos’, todo o seu conhecimento sobre a evolução da humanidade. Podíamos ter desaparecido como os neandertais”, afirma.

O paleoantropólogo José María Bermúdez de Castro no Museu da Evolução Humana, em Burgos, em 16 de março. (Crédito da foto: Ricardo Ordóñez).

O paleoantropólogo José María Bermúdez de Castro, de 68 anos, codiretor do sítio arqueológico de Atapuerca (norte da Espanha) e primeiro diretor do Centro Nacional de Pesquisa da Evolução Humana, reuniu décadas de pesquisa e reflexão sobre a origem da humanidade em seu novo livro, Dioses y mendigos (Deuses e mendigos, ainda sem tradução no Brasil), lançado em seu país nesta quarta-feira. Esse pesquisador, com uma ampla experiência arqueológica, desvia-se muitas vezes dos caminhos mais batidos neste ensaio que, como ocorre sempre que se fala do passado remoto da humanidade, deixa mais perguntas que respostas. Seu objetivo é percorrer todas as teorias sobre a evolução. O resultado, como admite o próprio Bermúdez de Castro, acaba sendo “uma reflexão sobre a nossa existência”. A entrevista foi feita por videoconferência.

Pergunta. Em seu livro, há um momento em que você defende que a única certeza sobre a evolução humana é que sobrevivemos, que estamos aqui, porque relata que houve muitos momentos em que estivemos à beira da extinção. Realmente é tão extraordinária nossa presença na Terra?

Resposta. A única certeza que temos sobre nossa evolução é que a humanidade existe. Existe, mas poderia não existir. Poderíamos ter desaparecido como os neandertais. Tudo é muito aleatório. Passamos por crise tremendas. Podíamos ter desaparecido por qualquer razão, a que fosse: uma erupção vulcânica ou a endogamia. Entretanto, estamos aqui. Há uma coisa muito importante: somos os últimos de uma genealogia, de uma filogenia, uma única espécie. Tivemos uma filogenia muito florescente e houve muitas espécies humanas que conviveram ou coexistiram ao mesmo tempo na África, na Eurásia, espécies que estão sendo descobertas agora. Desse grupo restamos somente nós. Os neandertais provavelmente se extinguiram por culpa da mudança climática, por uma glaciação brutal, e tiveram um império. Como dizia um amigo cientista já aposentado, não somente estiveram na Europa e no Oriente Médio como também se banharam no Pacífico. E, entretanto, desapareceram. A glaciação que começa há 70.000 anos e termina há 29.000 foi terrível. Acabou com eles e acabou com os cro-magnons.

P. Isso quer dizer que acabou também com a nossa espécie na Europa?

R. Sim, assim como com os neandertais. Ou seja, nos expandimos para fora da África há 120.000 anos. Chegamos ao sul da China, a lugares tropicais, alcançamos o sudoeste da Ásia e a Austrália. Chegamos à Europa 40.000 anos atrás. E desaparecemos, fomos substituídos por outros sapiens, e estes por outros. Ou seja, somos descendentes de uma população bastante recente do Homo sapiens, que chegou no neolítico.

P. Então não somos descendentes dos humanos que pintaram as cavernas de Altamira, Chauvet e Lascaux?

R. Os humanos que pintaram Altamira não estão mais aqui. Embora sempre haja mestiçagem, possibilidade de hibridação. As populações não têm por que desaparecer totalmente. Os genes estão aí. Mas a maior parte dos genes que possuímos neste momento procede do neolítico.

P. Você defende em seu livro que não há uma origem única da humanidade, defendendo em vez disso a chamada hipótese asiática. Por que essa continua sendo uma teoria tão polêmica?

R. É uma hipótese que não está aceita pela comunidade científica, ainda que alguns colegas a defendam. Não se sabe exatamente quando ocorreu a divergência entre neandertais e Homo sapiens, embora a genética indique que foi entre 550.000 e 800.000 anos atrás. Estou convencido de que essa divergência não ocorreu na África, nem na Europa, e sim em um lugar intermediário, no sudoeste da Ásia, formado por estes países que conhecemos na atualidade como Israel, Líbano, Síria, Iraque, toda essa região. A origem do Homo sapiens está aí. Onde aparecemos como espécie? Na África. Daí se deduz que a origem de tudo é a África e que tudo sai da África. Alguns de nós estamos tentando sair desse impasse. Mas é muito difícil que um novo paradigma entre na comunidade científica.

P. Você sustenta que o momento mais importante da evolução humana foi o bipedismo, algo tão simples como começar a caminhar erguidos sobre duas patas. Entretanto, afirma que não está nada claro por que fizemos isso, que vantagem essa nova postura nos proporcionava para sobreviver. Seria esse o maior mistério do nosso passado?

R. Há pouquíssima informação, restam quatro ou cinco sítios arqueológicos com fósseis muito fragmentários que demonstram que fomos bípedes, mas nada mais. Começou-se dizendo que nos pusemos de pé porque saímos da floresta para a savana e tínhamos que olhar por cima do mato para ver se vinha algum predador. Mas se éramos tão baixinhos! Medíamos um metro, e a vegetação pode chegar a essa altura. Além disso, a postura bípede apareceu em áreas de floresta. Sabemos que surgiu há uns sete milhões de anos e que ocorreu quando ainda vivíamos na floresta, quando estávamos perto da linhagem dos chimpanzés. O problema fundamental é que, do ponto de vista da física, não se pode imaginar um ser que pudesse se movimentar pela metade, entre ser quadrúpede e ser bípede. Isso fisicamente não é possível. Mas é uma questão que continuará aberta enquanto não aparecerem fósseis, e isso é muito difícil.

P. De todos os mistérios acerca da evolução humana, qual mais o inquieta ou interessa? Como chegamos à Austrália 70.000 anos atrás, como povoamos a América? Acredita que a genética resolverá esse tipo de assunto em um tempo razoável?

R. A genética e a paleoproteômica [o estudo das proteínas antigas] esclarecerão muito essas coisas. A navegação me parece um tema apaixonante, surpreende-me muitíssimo. Mas provas são provas: se houver um sítio arqueológico na Austrália que tiver arpões e acúmulo de restos de atum, então não reste alternativa senão pensar que estávamos navegando há 20.000 ou 30.000 anos. E tivemos que navegar para chegar à Austrália, onde estamos há 40.000 ou 70.000 anos. Como saltamos para a Austrália? Como atravessamos esses mares que têm uma profundidade de 3.000 metros em alguns lugares? Não pudemos fazer isso a nado nem em uma travessia curta. É incrível a capacidade de nossa espécie de ir para lá, de fazer estas navegações tão incríveis. Tudo isso é surpreendente.

GUILLERMO ALTARES para o EL PAÍS, em 03 ABR 2021 - 10:01 BRT

Alberto Fernández, presidente da Argentina, contrai covid-19 dois meses depois de se vacinar

Fernández está em isolamento e suspendeu uma reunião neste sábado com o chefe do Governo de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, que teria o objetivo de chegar a um acordo sobre novas medidas de prevenção para impedir a escalada de casos de coronavírus.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, informou na noite de sexta-feira que foi infectado pelo coronavírus. (foto de arquivo, na Internet)

Em seu 62º aniversário, o presidente disse, nas redes sociais, que passou um dia "com uma febre de 37,3 e uma leve dor de cabeça". Por isso, acrescentou, "foi feito um teste de antígeno, cujo resultado foi positivo". Fernández foi o primeiro presidente da América Latina a tomar a vacina contra a covid-19: em 21 de janeiro, ele recebeu a primeira dose da Sputnik V e, em 10 de fevereiro, a segunda.

“Embora estejamos aguardando a confirmação pelo teste de PCR, já estou isolado, cumprindo o protocolo em vigor e seguindo as orientações do meu médico pessoal. Entrei em contato com as pessoas com quem estive me reunindo nas últimas 48 horas para avaliar se constituem um contato próximo para que façam o isolamento”, escreveu Fernández. “Para a informação de todos, estou bem fisicamente e, embora tivesse gostado de terminar o meu aniversário sem essa notícia, também estou de bom humor”, afirmou.

O contágio do presidente argentino coincide com o aumento de casos que assola toda a América Latina. A Argentina vive uma segunda onda da pandemia, com 14.000 infectados nesta sexta-feira e um pico de 16.000 na quarta-feira. Três semanas atrás, o número diário de infectados mal ultrapassava 6.000. Nos últimos 14 dias, o número de casos positivos cresceu 71%, atingindo 2,3 milhões de pessoas. A Argentina recebeu 6,7 milhões de vacinas, das quais mais de quatro milhões foram aplicadas. 7,6% da população já tomou uma dose e apenas 1,5% recebeu as duas doses.

Publicado originalmente pelo EL PAÍS, em 03.04.2021

O Brasil se radicaliza

Bolsonaro quer que as Forças Armadas apoiem suas políticas extremistas

A saída do ministro da Defesa e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica é grave porque, sem dúvida, ocorreu pelas pressões constantes do mandatário ultradireitista. Bolsonaro, um capitão reformado que nunca escondeu sua admiração pela ditadura, pretendia que as Forças Armadas apoiassem suas batalhas políticas extremistas. A cúpula militar enviou um sinal de alarme sobre as atitudes autoritárias do presidente, que quer ser reeleito em 2022, ao renunciar antes de se submeter às suas exigências. É muito preocupante que, neste delicado momento sanitário e com uma economia em franca recessão, o novo titular da Defesa tenha estreado no cargo com uma exaltação pública do golpe de 1964.

Bolsonaro lotou seu Governo de militares, reformados e na ativa, o que coloca as Forças Armadas em uma complexa tessitura diante da qual estas foram frequentemente ambíguas. É preciso lembrar que são uma instituição de Estado e não partidária. A renúncia da cúpula militar deve ser vista como um gesto em defesa do papel constitucional da instituição. O Brasil não pode se permitir que os militares ameacem a democracia; é necessário exigir seu apego absoluto à lei e à Constituição. Por isso é urgente um maior distanciamento dos militares com os gestos autoritários de Bolsonaro, que corroem sistematicamente a democracia.

Essa crise militar chega, além disso, em um momento extremamente delicado para o Brasil, que na quarta-feira voltou a bater um recorde de mortos pelo coronavírus, com quase 3.900 em 24 horas. A nefasta gestão da pandemia por parte de Bolsonaro, contrariando a OMS e confrontando governadores, coloca seu país como epicentro mundial de contágios e mortes. É prioritário deter a expansão do vírus, cuidar dos doentes e acelerar a vacinação para empreender uma recuperação. A nomeação do general que deteve as infecções nos quartéis como novo comandante do Exército dá certa margem de esperança após dias agitados. Tudo o que não evitar distrações e oferecer solidez e certeza diante da pandemia e das penúrias econômicas aprofundará esta crise em que o presidente tem grande responsabilidade. Uma responsabilidade da qual os militares não estão isentos.

Editorial do EL PAIS, em 02.04.2021

Últimos presidentes civis que entraram em conflito com as Forças Armadas foram depostos, diz historiadora

Mas existe uma diferença importante. "Em 64, não tinha o silêncio que vemos hoje na sociedade e nos quartéis", diz ela.

Bolsonaro enfrenta uma crise militar e política em seu governo (Crédito da foto: Reuters)

A historiadora e cientista política Heloísa Starling recorda destes episódios ao comentar à BBC News Brasil sobre as demissões do agora ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para dois de seus antecessores — Getúlio Vargas e João Goulart —, o embate com os militares acabou mal.

"Não tem hoje um general da ativa falando que precisa de uma intervenção. Não existe uma mobilização social a favor disso. Tem apoio de uma fatia da sociedade, mas ela não é expressiva o suficiente para criar um ambiente favorável para um golpe."

O mesmo acontece nos outros dois poderes — o Legislativo e o Judiciário, diz a pesquisadora.

"Há um apoio de deputados de extrema-direita, mas não do Congresso como um todo e menos ainda no Supremo. Pelo contrário, há falas muito cautelosas, dizendo: 'Não é por aí'."

'Saio com a missão cumprida', disse o general Fernando Azevedo (Crédito da foto: Reuters)

As quedas de Vargas e Jango

Vargas buscava fazer a transição da ditadura do Estado Novo para a democracia quando foi obrigado a renunciar por um movimento liderado por generais que faziam parte do seu próprio governo.

Jango foi destituído pelo golpe de 1964, que deu início de uma ditadura militar que durou 21 anos.

Starling aponta que a última vez em que houve um confronto semelhante entre as Forças Armadas e o Executivo foi em 1977.

Vargas foi obrigado a renunciar no fim de 1945 por um movimento liderado por generais que compunham seu governo (Crédito: Planalto)

O general Sylvio Frota, então ministro do Exército, foi demitido pelo general Ernesto Geisel depois de tentar se insurgir contra o presidente e a abertura do regime militar promovida por ele.

Mas, neste caso, tratou-se de uma crise entre os próprios militares, que governavam o Brasil.

Starling diz que, diante da história do país, pode ser inevitável pensar que o passado está se repetindo. Já houve ao menos 15 tentativas de intervenção militar, nas contas da historiadora.

Duas delas bem sucedidas: em 1937, com o golpe que deu início ao Estado Novo, e em 1964. "O que vemos agora também é uma crise militar e uma situação de crise política incontrolável", diz a historiadora.

Jango foi destituído pelo golpe militar de 1964

As demissões do comando das Forças Armadas

A crise entre o Planalto e as Forças Armadas foi escancarada pelo pedido de demissão do general Fernando Azevedo, que comunicou sua saída na segunda-feira (29/3), sem explicar o motivo.

Azevedo é visto como um militar da ala mais moderada. A BBC News Brasil apurou que Bolsonaro pediu sua saída do cargo por estar insatisfeito com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras do governo.

Azevedo fez questão de ressaltar em uma nota que "preservou as Forças Armadas como instituições de Estado".

Depois, na terça-feira (31/3), os comandantes das Forças Armadas deixaram os cargos: Edson Pujol, do Exército, Ilques Barbosa, da Marinha, e Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica.

Isso foi visto como um protesto pela demissão de Azevedo. Mas também foi noticiado que havia uma insatisfação especial de Bolsonaro com Pujol, que se posicionou publicamente contra a participação dos militares na política.

Foi noticiado que havia uma insatisfação de Bolsonaro especialmente com Pujol (Crédito da foto: EPA)

Potencial de 'explodir o país'

Heloísa Starling interpreta os últimos acontecimentos como um sinal claro de que não existe no comando das Forças Armadas disposição para uma intervenção.

"Há um entendimento de que as Forças Armadas são uma instituição do Estado e que devem se manter assim. O comando está dizendo que não fará uma intervenção e que não aceitam ser chamados de 'meu Exército' por Bolsonaro."

Mas a pesquisadora destaca que os militares não são um bloco homogêneo, e diferentes posições podem estar sendo defendidas internamente.

Uma rebelião interna nas Forças Armadas não seria um fato inédito na história do país e teria o potencial de "explodir o país", avalia a historiadora.

Por isso, ela diz que é preciso prestar atenção ao que está sendo dito entre os oficiais que compõe o corpo militar brasileiro e seu grau de apoio a uma ação mais drástica.

"Talvez possa ocorrer uma quebra de hierarquia a partir das baixas patentes em relação à posição demarcada pelo comando, mas, por enquanto, Bolsonaro só tem a seu lado generais da reserva e de uma mesma geração, dos anos 1970, que foram formados dentro de um mesmo ambiente ideológico e marcado por tortura e repressão."

'A democracia está sendo corroída por dentro'

Tudo isso está acontecendo enquanto o país enfrenta uma sobreposição de crises — uma política, outra econômica e uma sanitária, por causa da pandemia. Agora se soma a elas uma crise militar.

Ao mesmo tempo, o Brasil tem hoje um governo que tem não paralelo com outros na história, diz Starling: "Bolsonaro falou que seu propósito não era construir, mas desconstruir, e acho que essa desconstrução tem um método".

A cada vez que Bolsonaro testa os limites das instituições, isso as enfraquece, avalia Heloísa Starling (Crédito da foto: EPA)

O presidente testa repetidamente os limites das instituições, afirma a historiadora, e a cada vez que isso ocorre elas se desgastam e se fragilizam.

Starling avalia que, diferentemente de antes, quando a democracia veio abaixo por ações externas às instituições, agora ela é ameaçada pelo próprio governo. "A democracia está sendo corroída por dentro", diz.

Ao menos por enquanto, os gestos das Forças Armadas vão no sentido contrário do passado. Em termos de papeis históricos, os sinais agora estão trocados.

Em vez de ir contra a democracia, os militares estão saindo em sua defesa, enquanto os ímpetos autoritários vêm do governo.

"As Forças Armadas não precisam nem colocar nenhum tanque na rua para defender a democracia, basta não aceitarem a sua politização."

Rafael Barifouse, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 03.04.2021, há 4 horas

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Braga Netto se espreme entre o golpismo de Bolsonaro e a insatisfação do alto comando do Exército

General da reserva, tido como leal ao presidente, foi escolhido quando militares, que nunca tiveram tanto poder na democracia, calculam os danos de estarem tão ligados a um Governo em crise

O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, quando apresentou nesta quarta-feira, 31 de março, os três novos comandantes das Forças Armadas. (Crédito da foto: Eraldo Peres, Associated Press / Eraldo Pires).

Os planos futuros do presidente Jair Bolsonaro passam pelo general Walter Braga Netto. Nomeado para o Ministério da Defesa na terça-feira, o alto oficial do Exército passou a coordenar as Forças Armadas num momento em que o presidente, acuado pela crise sanitária e pelo Congresso, escancara sinalizações golpistas ao ameaçar pedir um estado de sítio enquanto seus mais próximos apoiadores insuflam tensões nas polícias militares pelo país. Diante de um Planalto que a todo tempo explora uma espécie de simbiose com as Forças Armadas, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva tentou evitar um envolvimento ainda maior dos militares no Governo, e por isso acabou demitido da pasta. Mas esse movimento de Bolsonaro acabou se voltando contra ele com a renúncia dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Foi um ato de protesto. Essa tripla substituição evidenciou que as altas patentes, sobretudo o alto comando do Exército, não estão satisfeitas com o rumo do Governo e para os danos de imagem que essa associação lhes causa. Enquanto desfrutam do maior poder e presença em uma Administração desde o fim da ditadura, em 1985, agora ensaiam um afastamento político num momento em que o Brasil, isolado internacionalmente, tem uma média diária de 3.000 mortos por covid-19. É neste contexto que Braga Netto guiará a Defesa numa saia justa, espremido entre essa insatisfação e a lealdade a Bolsonaro, após a maior crise militar desde a redemocratização.

Braga Netto foi alavancado como figura pública em fevereiro de 2018, quando o então presidente Michel Temer (MDB) decretou uma intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro e designou o general quatro estrelas como interventor. Na ocasião, vendeu-se a imagem de um servidor discreto, com bagagem técnica e capacidade operacional. Contudo, pecava pela falta de transparência. Evitava exposições públicas, impedia a imprensa registrar boa parte de suas falas e não admitia questionamentos a seu trabalho à frente da segurança pública fluminense.

O general tido como “moderno”, de uma geração posterior a que serviu durante a ditadura militar, foi o mesmo que lançou nesta semana um comunicado determinando a celebração do golpe de 1964. Convém dizer que nisso ele pouco difere de Azevedo e Silva, que divulgou comunicados similares nos anos anteriores. “Essa nota de Braga Netto foi uma compensação pra diminuir a pressão. Mas essa tradição de se celebrar o golpe sempre existiu dentro do Exército”, destaca Carlos Fico, historiador da UFRJ e estudioso da ditadura militar brasileira. Mas essa tradição do Exército não era chancelada pelo Ministério da Defesa, que desde 1999 era comandado por civil —até Temer quebrar a prática, em 2018.

Braga Netto abraçou publicamente o bolsonarismo ao entrar no Governo em fevereiro de 2020, assumindo o posto de ministro-chefe da Casa Civil. Nesse momento ainda estava na ativa, algo que por si só denuncia a relação umbilical entre as Forças Armadas e o Governo Bolsonaro. Junto com o general Luiz Eduardo Ramos, que também seguiu na ativa por um tempo após entrar no Governo, compõe o núcleo duro mais próximo do presidente. Manteve seu perfil discreto, mas nos bastidores ajudou a ofuscar e a desautorizar o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que caiu em meio à primeira onda da pandemia, em abril de 2020. Nos meses seguintes, Braga Netto se manteve ao lado de Bolsonaro chancelando todo o negacionismo presidencial com relação à pandemia de coronavírus. Ao mesmo tempo, chancelou a aproximação do Planalto com o Centrão, o grupo de partidos de centro-direita que agora apoia o Bolsonaro em troca de cargos públicos e verbas.

A principal dúvida que paira sobre Braga Netto é se ele manterá as Forças Armadas como “instituições de Estado”, como afirmou Azevedo e Silva em sua carta de despedida. “A tentativa é de mostrar que há limites para a politização, os militares estão se desgastando e é muito negativo ficar atrelado ao Governo. Existe uma desqualificação total das Forças Armadas”, explica Fico.

O problema é que as Forças Armadas já não são somente instituições do Estado, mesmo com a renúncia dos comandantes para demonstrar um afastamento político. Atualmente, 92 militares dirigem estatais e mais de 6.000 ocupam postos civis no Executivo federal. Estão na presidência da Petrobras, dos Correios, do Incra, da Funai, entre outros órgãos de importância. “Os militares continuam de maneira promíscua com Bolsonaro”, explica Fico.

A discordância com Azevedo e Silva era menos ideológica e mais sobre o grau de participação no Governo Bolsonaro. O primeiro defendia que os militares ocupassem apenas os cargos no Gabinete de Segurança Institucional e nas Forças Armadas. Mas vem de Braga Netto, e também de Ramos —que após a dança das cadeiras ministerial foi para a Casa Civil—, as principais indicações de militares para ocupar postos no Governo. A principal aposta foi a ida do general da ativa, Eduardo Pazuello, para a Saúde. O resultado é conhecido: quando deixou a pasta, o país já havia superado a marca de 300.000 mortes enquanto o programa de vacinação patinava. Pazuello também é alvo de uma investigação formal da Polícia Federal sob acusação de ter sido negligente na crise onde faltou oxigênio em Manaus, no Amazonas.

Exército bolsonarista

A demissão de Azevedo e Silva foi uma forma de Bolsonaro dizer que ele é o “comandante-em-chefe” das Forças Armadas. Que o Exército é “seu”, como ele já disse literalmente, e é ele quem manda, caso deseje usar a força contra as medidas de distanciamento dos governadores ou decretar um estado de defesa ou de sítio ―o que exige aprovação do Congresso, um obstáculo concreto. O presidente também desejava que o anterior comandante do Exército, Edson Pujol, se posicionasse nas redes sociais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recuperou os direitos políticos graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a exemplo do que fez um de seus antecessores, o general Eduardo Villas Bôas, em 2018. Não conseguiu.

Até o momento, Bolsonaro não colheu louros da crise político-militar que ele mesmo causou. Não conseguiu emplacar quem gostaria para o comando do Exército e teve de engolir o general Paulo Sérgio, tido como moderado e um seguidor da doutrina de Pujol. Em entrevista para o jornal Correio Braziliense, Paulo Sérgio relatou como aplicou com sucesso medidas de isolamento social no Exército e conseguiu que os soldados exibissem taxas menores de contaminação pelo novo coronavírus do que na média do país.

“A gente não sabe quais são os desígnios do presidente. Ele quer dar um autogolpe, quer intimidar ou quer dar demonstração de força?”, questiona Fico, que acredita que a crise foi desatada para retirar os holofotes das derrotas políticas do bolsonarismo, como a saída de Ernesto Araújo, um dos mais ligados à base radical do presidente, do Ministério das Relações Exteriores. “Hoje não vejo espaço para nenhum tipo de aventura institucional”, conclui o historiador.

FELIPE BETIM, de São Paulo para O EL PAÍS, em  01 ABR 2021 - 20:04 BRT

O “Governo feito a dez mãos” de Jair Bolsonaro

Os quatro filhos mais velhos do presidente, todos investigados pela PF e pelo Ministério Público, realizam funções de ministros, conselheiros, articuladores políticos e até lobistas, segundo interlocutores do mandatário


Da esquerda para a direita, Eduardo, Renan, Jair, Carlos e Flávio. (Divulgação).

“É um Governo feito a dez mãos”, diz o deputado federal Delegado Waldir (PSL-SP), integrante da base do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). À medida que o pai avança em seu terceiro ano de mandato na presidência do Brasil, fica cada vez mais claro o papel que seus filhos parlamentares Flavio, Carlos e Eduardo e o neófito Jair Renan desempenham na agenda e nas decisões do Planalto. Em comum, os quatro são investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por crimes que vão da prática de rachadinha e contratação de funcionários fantasmas a tráfico de influência. Mas os herdeiros do mandatário também partilham outros papeis informais, seja na articulação política ou no papel de conselheiros do pai, segundo interlocutores do Planalto ouvidos por este jornal. “Eles acabam governando em conjunto. Estão todos na política, e é óbvio que por estar ali ajudam na tomada de decisões”, conclui o parlamentar.

No início do seu mandato, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), chegou a ser recebido no Palácio do Planalto para tratar de pautas do seu Estado na presença de Flavio Bolsonaro e do filho mais novo do presidente, Jair Renan, então com 20 anos, que nem mesmo exerce um cargo público. Renan é filho do segundo casamento de Bolsonaro, com Ana Cristina Valle. Os três mais velhos são filhos de Rogéria Nantes Nunes Braga, que até hoje usa o sobrenome do ex-marido nas redes sociais e politicamente (foi candidata a vereadora no Rio no ano passado, mas não foi eleita). O caçula, agora com 22, transita pelos corredores do Planalto, em papel ativo, embora a família não admita. O filho 04 tornou-se empresário do ramo de eventos usando o nome do pai com a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, criada em novembro de 2020. A empresa fica num espaço comercial dentro do estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Até então o jovem somente administrava seu canal no YouTube voltado para jogos eletrônicos, os e-sports. No dia 13 de novembro, ele articulou uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e empresários da Gramazini Granitos e Mármores —companhia que patrocina a sua empresa de eventos. O encontro não constava na agenda oficial de Marinho, e foi revelado pela revista Veja. Indagado sobre o ocorrido à época, o ministério divulgou nota afirmando que o filho do presidente “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”. Mas, segundo a publicação, Renan teria recebido de presente da Gramazini um carro avaliado em 90.000 reais. As revelações da revista levaram a Polícia Federal a abrir uma investigação sobre o o caso.

A defesa de Jair Renan, comandada pelo advogado Frederick Wasseff, nega as acusações, e alega “perseguição” aos filhos do presidente. “Alguém de má fé criou uma fake news de que Renan Bolsonaro recebeu um carro, dando a entender que ele agiu assim para se beneficiar. O Renan não tem nada a ver com o Governo, ninguém no Governo ajudou o Renan”, disse ele por mensagem. Wasseff também foi advogado do senador Flavio Bolsonaro. Foi na casa de Wasseff que a polícia prendeu o ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz no ano passado, que se escondia da polícia e hoje está em prisão domiciliar respondendo a inquérito sobre a rachadinha, a partilha de salários de funcionários durante os mandatos de Flavio como deputado estadual.

Eleito senador pelo Rio de Janeiro em 2018, Flavio se destacou nos últimos meses como um fundamental articulador político do Planalto no Congresso. “O Flávio tem um relacionamento muito bom com os líderes partidários na Câmara e no Senado, coisa que o pai dele não tem”, diz o deputado Waldir. O parlamentar credita ao filho 01 a aliança do Governo com o bloco conhecido como Centrão, o que —ainda que temporariamente— blinda o presidente de dezenas de pedidos de impeachment que foram protocolados, a maior parte devido ao comportamento irresponsável do mandatário durante a pandemia. “O alinhamento do Centrão foi costurado pelo Flávio. A ideia já era antiga, mas o Eduardo [Bolsonaro] sempre foi muito radical e se opunha a esta aliança. Foi o senador que abriu portas para que os parlamentares se aproximassem”, afirma Waldir.

A costura de acordos para garantir uma base de apoio para o Governo no Congresso, no entanto, não é a única função de Flávio, que é o pivô do escândalo das rachadinhas, investigado pelo Ministério Público do Rio. A indicação do novo ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga para o lugar de Eduardo Pazuello, teria partido do filho 01. Queiroga é amigo do sogro do senador, o cardiologista Hélio Figueira, como informou o jornal O Globo. Na disputa pelo cargo, o indicado de Flavio desbancou o nome sugerido pelo Centrão, a doutora Ludhmila Abrahão Hajjar. Ela chegou a se encontrar em Brasília com o presidente. A reunião contou com a presença do filho Eduardo, que a questionou sobre aborto e armas de fogo, segundo ela.

A presença dos filhos do presidente em reuniões reservadas não constam da agenda oficial do Planalto. Apenas no dia 27 de janeiro Eduardo é mencionado na reunião com a presença de outros 28 deputados federais da base aliada. Mas o deputado, que tinha aspirações de se tornar embaixador brasileiro em Washington, não deixa de divulgar algumas participações em suas redes sociais. Em 15 de março, por exemplo, o deputado esteve presente em uma videoconferência do presidente com o rei Hamad bin Isa al Khalifa, do Bahrein. “Percebemos no Oriente Médio um gigantesco campo de oportunidades no agro, comércio e semelhante visão de mundo quando se fala em trabalhar pela paz”, escreveu em uma rede social.

Ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo se mostra alinhado aos interesses com as petro-monarquias árabes. Além do Bahrein, apenas este ano ele também participou de encontros ao lado do pai e do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, com representantes dos Governos do Kuwait e Emirados Árabes Unidos. Todos estes eventos constam na agenda oficial do Planalto, mas sem seu nome. Eduardo também já fez menções públicas de agradecimento ao príncipe Mohammad bin Salman assim como ao mandatário húngaro de ultradireita Viktor Orbán. Em março, participou de uma missão oficial do Planalto em Israel para conhecer um spray nasal contra a covid-19 que ainda está em fase de testes.

As movimentações de Eduardo não se restringem a questões de política externa. No dia 12 de fevereiro ele estava ao lado do presidente e do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, em cerimônia de entrega de títulos de propriedade para 120 moradores de Alcântara, no Maranhão. De acordo com Pontes, a presença do deputado se justificava pelo papel que ele teve na liberação de emendas para a construção do centro de lançamento de satélites no local: “Queria agradecer ao deputado Eduardo Bolsonaro que participou aqui da construção do Centro de Alcântara com emendas para decolagem desse centro”, afirmou o ministro na ocasião.

Em julho de 2019, quando Eduardo pleiteava o cargo de embaixador dos Estados Unidos, Bolsonaro foi acusado de nepotismo, e rebateu. “Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou”, afirmou. Eduardo é foco de uma apuração preliminar da Procuradoria-Geral da República sobre pagamentos em dinheiro vivo na aquisição de dois imóveis na zona sul do Rio entre 2011 e 2016. Também foi citado e interrogado no inquérito de atos antidemocráticos que incentivavam o fechamento do Supremo Tribunal Federal.

Renan, por sua vez, já aproveitou de seu trânsito no Palácio para pleitear pautas específicas na área em que atua. Em agosto de 2020 ele se reuniu com o secretário de Cultura, Mário Frias, para tratar do “futuro dos e-sports”, de acordo com postagem feita por ele mesmo nas redes sociais. O filho 04 teria atuado junto ao Governo para conseguir a redução no IPI do setor de videogames, que deve resultar em renúncia fiscal acima de 80 milhões de reais para os cofres públicos.

A presença dos filhos do presidente nas agendas política é tamanha que já foi normalizada por alguns parlamentares. O senador Jorginho Mello (PL-SC), teve uma reunião com o presidente em 25 de fevereiro para discutir um projeto de lei que beneficia os caminhoneiros. Lá estava o filho 03, tomando café ao lado do senador e de seu pai. “Eu acho normal [a participação dos filhos]. Eles tomam café da manhã juntos com frequência. É difícil ter reunião com alguém do Governo sozinho, sempre tem mais gente, mesmo nos ministérios. Penso que isso é positivo, evita conversas sigilosas”, diz Mello.

Nem todos acham que a participação dos filhos em assuntos do Governo é algo a ser comemorado. “Essas discussões no seio familiar deles não vejo problema, mas ao levar para dentro do Governo você acaba institucionalizando essas relações”, afirma o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP). Ele cita como exemplo a ida de Eduardo à reunião com a doutora Ludhmila Hajjar em 14 de março. “Levar um filho para dentro do palácio para participar de reunião importante como essa atrapalha. Fica ruim para a credibilidade do presidente até mesmo no Congresso”, diz. Fica sempre no ar a questão: os filhos do presidente falam por ele? O Governador João Doria, hoje arquiinimigo de Bolsonaro, vai além. “Ditadores gostam de governar com aduladores, corruptos e familiares. São populistas e mentirosos. E não hesitam no uso da força, da censura e da intimidação”, disse Doria à Carla Jiménez, que é alvo constante de perseguição dos filhos e seus milhões de seguidores nas redes sociais.

Além de Flávio e Eduardo, o filho 02, Carlos Bolsonaro, que é vereador pelo Rio de Janeiro mas fez de Brasília seu segundo lar, também tem um papel chave no Governo. Após ter tido atuação crucial na estratégia de campanha do pai em 2018 (marcada pela disseminação de fake news e desinformação) ele agora é acusado de chefiar o chamado Gabinete do ódio, também conhecido como uma espécie de Secretaria de Comunicação informal do Governo, que atua dentro do próprio Planalto. Ele chegou a ser interrogado pela PF em 2020 no inquérito dos atos antidemocráticos, que teria como um dos pilares a atuação do gabinete paralelo comandado pelo vereador.

Apesar de ser conhecido por sua verborragia e ataques a opositores nas redes sociais, Carlos é discreto quanto às suas movimentações em Brasília —a reportagem indagou o vereador sobre suas viagens à capital, sem sucesso. É mais discreto nas redes sociais, diferentemente de Eduardo, que alardeia todas as suas agendas palacianas. Mas o papel do filho 02 nas estratégias do Governo é do conhecimento de todos. “O Carlos é um cara forte na formulação da questão ideológica nas redes sociais, que foi o grande motor da eleição do presidente da República”, diz o deputado Delegado Waldir.

Bolsonaro não é o primeiro presidente cujos descendentes foram acusados de se beneficiar da relação familiar nem no Brasil nem fora. O poder imanta a família que o possui e é chamariz para lobbies. O filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Paulo, foi acusado em 2016 de ter se beneficiado de um negócio da Petrobras, o que ele nega. O ex-diretor da Petrobras e delator Nestor Cerveró disse ter sido orientado pela direção da estatal a fechar um contrato com a empresa ligada ao filho do tucano no fim dos anos 2000. Já Fabio Luís Lula da Silva, o Lulinha, é alvo de investigação por suspeita de receber mais de 100 milhões de reais em repasses do grupo Oi/Telemar para sua empresa. O valor seria uma contrapartida por atos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva para beneficiar o setor de telecomunicações, o que a defesa de Fabio Luís nega. Maristela Temer, filha de Michel Temer, chegou a ser denunciada pelo crime de lavagem de dinheiro e associação criminosa, por suspeita de que a reforma de sua casa tenha sido paga com dinheiro desviado de obras da usina nuclear de Angra 3. Mas uma coisa é clara: nenhum filho desfrutou de livre acesso ao Planalto aos ministérios como os Bolsonaro. Os filhos de Bolsonaro vem negando qualquer irregularidade. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Carlos, Eduardo, Flávio e do Planalto questionando o papel deles no Governo, eventuais problemas éticos desta atuação e a falta de transparência da agenda oficial do presidente. Não obteve resposta até o momento da publicação deste texto.

GIL ALESSI, de São Paulo para o EL PAÍS, em  02 ABR 2021 - 12:26 BRT

Brasil tem 2.922 mortes por covid-19 em 24 horas

País soma agora 328 mil óbitos ligados ao coronavírus. Mais 70 mil novos casos da doença são confirmados, e total de infectados vai a 12,9 milhões desde o início da pandemia.

Cemitério em Porto Alegre

O Brasil registrou oficialmente 2.922 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta sexta-feira (02/04).

Também foram identificados 70.238 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país subiu para 12.910.082, enquanto os óbitos chegam a 328.206.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.239.099 pacientes haviam se recuperado até a noite de quinta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 156,2 no Brasil.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,59 milhões de casos e mais de 553 mil óbitos.

Ao todo, mais de 129,9 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,83 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle / Brasil, em 02.04.2021, há 49 min

Ignorem o presidente

Nem se deve perder tempo corrigindo as bobagens de Bolsonaro acerca do estado de sítio e do direito de ir e vir

O Brasil chegou ao ponto em que é urgente deixar de dar ouvidos ao que diz o presidente da República. Jair Bolsonaro se tornou em si mesmo um ruído que desnorteia os brasileiros sobre como devem se comportar diante da pandemia de covid-19, que no momento mata mais de 3 mil pessoas por dia no País (ver abaixo o editorial O quadro da pandemia).

Nenhum esforço de comunicação no sentido de orientar corretamente os cidadãos a respeito das medidas de prevenção será bem-sucedido enquanto o chefe de governo continuar contrariando as mensagens das próprias autoridades federais mobilizadas contra o vírus, reunidas no chamado Comitê de Coordenação Nacional para o Enfrentamento da Pandemia de Covid-19.

Esse comitê realizou na quarta-feira passada sua primeira reunião formal. A lista de participantes mostra a importância que se pretende dar a essa iniciativa. Estavam presentes o presidente Bolsonaro, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, os ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, das Comunicações, Fábio Faria, da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, e da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, além de representantes do Ministério da Justiça, do Judiciário e do Ministério Público.

Pois bem. Ao final desse encontro, o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco falaram com os jornalistas como se fossem os líderes de fato da iniciativa – o presidente Bolsonaro, a quem cabe formalmente a direção do grupo, já não estava no local.

Os parlamentares informaram que o comitê discutiu a centralização das ações no Ministério da Saúde e também a compra de vacinas pela iniciativa privada, além de outras medidas já aprovadas pelo Congresso. O senador Pacheco, então, enfatizou a necessidade de um “alinhamento da comunicação social do governo e da assessoria de imprensa do presidente da República no sentido de haver uma uniformização do discurso de que é necessário se vacinar, de que é necessário usar máscara e higienizar as mãos e de que é necessário o distanciamento social, de modo a prevenirmos o aumento da doença em nosso país”.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reforçou essa mensagem. Embora tenha se empenhado em não contrariar demais o chefe, ao dizer que é muito difícil adotar medidas mais duras de isolamento social – de resto atacadas dia e noite por Bolsonaro –, o ministro pediu que a população evitasse “aglomerações desnecessárias” no feriado e sublinhou que “é importante usar máscara, manter o isolamento”.

Quando parecia que finalmente o governo federal havia decidido parar de sabotar não só as vacinas, mas também as medidas de distanciamento e o uso de máscaras, eis que o presidente Bolsonaro, minutos depois das declarações dos integrantes do comitê, saiu de seu gabinete e, a título de falar sobre a volta do auxílio emergencial, desatou a criticar as restrições impostas por governadores para conter a pandemia.

Sem máscara, Bolsonaro declarou que “o Brasil tem que voltar a trabalhar” e disse que as determinações dos governadores “têm superado em muito até mesmo o que seria um estado de sítio”, pois envolvem “supressão do direito de ir e vir”.

Nem se deve perder tempo corrigindo as bobagens de Bolsonaro acerca do estado de sítio e do direito de ir e vir. O mais grave é a reiteração de declarações que prejudicam todo o trabalho de esclarecimento da população sobre os cuidados a serem tomados para evitar a covid-19.

Embora seja chocante, tal comportamento não surpreende. Bolsonaro só engoliu o tal comitê de enfrentamento da pandemia por pressão do Centrão, o grupo político que lhe dá sobrevida. Quando perceberam o potencial de letalidade da pandemia sobre seus projetos eleitorais, esses oportunistas trataram de enquadrar Bolsonaro, forçando-o não só a formar o comitê, com um ano de atraso, como a acelerar a vacinação. De quebra, o presidente, ao anunciar a iniciativa, há alguns dias, apareceu de máscara, para simular seriedade.

Mas nem o comitê é muito efetivo – afinal, não tem representantes de prefeitos e de governadores, que lidam diretamente com a pandemia – nem o presidente é sério. Enquanto Bolsonaro tiver poder para atrapalhar, a única comunicação eficiente, infelizmente, será a dos óbitos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02 de abril de 2021 | 03h00

O quadro da pandemia

Só é possível vencer a pandemia com a cooperação entre Estado e sociedade. Não há saída fora desta cooperação

O mês de março encerrou com o tristíssimo recorde de 66.868 mortos por covid-19, mais do que o dobro do número de óbitos registrados em julho do ano passado (32.912), até então o mês mais mortal para a Nação no curso desta pandemia. A média móvel de mortes diárias beira 3 mil. Na quarta-feira passada, 3.950 mortes em decorrência da doença foram registradas em apenas 24 horas, confirmando as projeções de especialistas que alertaram para o risco de o País atingir o patamar de 3 mil a 4 mil mortes por dia se medidas de contenção à disseminação do vírus, como o isolamento social, não fossem respeitadas.

Do governo federal, pouco se pode esperar para mitigar os efeitos da tragédia que a desídia do próprio presidente da República ajudou a construir. Basta dizer que a primeira reunião do comitê de crise criado pelos Três Poderes para combater a pandemia terminou em divergência num ponto que é essencial para o sucesso desta árdua empreitada. Jair Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social.

A vacinação no País também segue claudicante. Decerto há avanços no processo, mas não na velocidade necessária para frear o avanço do coronavírus, totalmente descontrolado.

Em quase todo o País, paira o risco de esgotamento iminente dos estoques de oxigênio e de insumos básicos para a boa prestação de socorro, como as medicações para intubação de pacientes. Levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios mostra que 626 cidades do País podem ficar sem oxigênio nos próximos dias. Não semanas, mas dias. É imperativa a coordenação dos esforços federais para evitar uma crueldade como a que houve em Manaus (AM) no início do ano.

Em São Paulo, o quadro da pandemia não é menos preocupante do que o quadro nacional, mas há sinais de que as medidas da fase emergencial decretada pelo governo do Estado podem estar surtindo efeito na redução do número de internações. O plano do governo estadual era justamente diminuir a pressão sobre os sistemas de saúde, tanto público como privado, de modo a evitar que pacientes morressem por falta de socorro médico.

Segundo os dados do Centro de Contingência da Covid-19 do governo de São Paulo, que faz acompanhamento diário do número de internações, há queda no fluxo de admissões hospitalares desde o dia 19 de março. Diante desse quadro de arrefecimento da ocupação de leitos de enfermaria e UTI, o governador João Doria (PSDB) cogita não estender a fase emergencial no Estado, prevista para durar até o dia 11 de abril. A ideia é que, a partir desta data, todo o Estado volte para a fase vermelha, ainda bem restritiva.

A prudência das autoridades paulistas é louvável. A covid-19 tem vitimado brasileiros demais, sobretudo em São Paulo, o Estado mais afetado pela crise sanitária. Toda e qualquer ação que vise à redução do número de mortes deve ser criteriosamente estudada e implementada. Além disso, é absolutamente fundamental o engajamento da população nestas medidas de controle. De nada elas valem entre as paredes de um gabinete de crise, por melhores que sejam. É necessário que ganhem as ruas para gerar efeitos positivos.

Na avaliação do Palácio dos Bandeirantes, a redução da pressão sobre os hospitais do Estado é resultado direto da restrição de circulação. Estima-se que apenas na Grande São Paulo 1,5 milhão de pessoas deixaram de circular no curso da fase emergencial.

A ação do prefeito Bruno Covas (PSDB) de instalar usinas geradoras de oxigênio em 19 hospitais da rede pública da capital também merece destaque. Dá aos paulistanos a segurança de que não faltará oxigênio na cidade. A primeira usina foi inaugurada dia 31 passado, no Hospital Municipal Capela do Socorro.

A covid-19 é uma doença potencialmente mortal, como a Nação tristemente constata. Mas está provado que pode ser – e será – vencida com a reação conjunta e coordenada entre Estado e sociedade. Não existe saída fora desta cooperação.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02 de abril de 2021 | 03h00

Gabeira: Cenário é desolador. Sociedade está reduzida a protestos virtuais. Mas cedo ou tarde julgaremos Bolsonaro

Enquanto os líderes mundiais lançavam um comunicado considerando a pandemia o maior problema da humanidade desde a 2.ª Guerra, aqui, no Brasil, Bolsonaro quis dar um golpe para evitar o combate eficaz contra o coronavírus. Esta é a leitura que faço dos episódios da semana.

Bolsonaro pressionou o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, não apenas para demitir o comandante do Exército, mas para ter condições de neutralizar pela força as medidas restritivas que os governadores impuseram em seus Estados para salvar vidas.

Com a demissão do ministro, os comandantes das três Armas renunciaram em protesto contra Bolsonaro. E ficou evidente ali que o Exército não se lançaria na aventura de Bolsonaro, que, em nome da economia, tinha o potencial de matar mais ainda uma população já devastada pelo coronavírus.

A divergência entre a visão do Exército e a de Bolsonaro sobre a pandemia ficou evidente na véspera da demissão do ministro Fernando Azevedo, que ao sair se limitou a dizer que manteve a instituição militar como força do Estado, e não de um governo.

Em entrevista ao Correio Brasiliense, o general Paulo Sérgio, diretor do Departamento de Pessoal do Exército, mostrou como a instituição atravessou a pandemia, obedecendo os mais estritos protocolos de segurança. Previdente, como, aliás, o são todos os governos do mundo, o Exército já se preparava para uma terceira onda. O saldo do combate, na proteção de 700 mil pessoas sob sua influência, foi muito positivo. Basta comparar o índice de mortalidade na Força, que foi de 0,13%, com o do Brasil, 2,5%.

Apesar de ter processado milhares de comprimidos de hidroxicloroquina em seus laboratórios, por influência de Bolsonaro, o Exército internamente comportou-se como grande parte da humanidade, tentando seguir protocolos de segurança. Houve também a passagem desastrosa do general Pazuello pelo Ministério da Saúde. Mas no seu pronunciamento o comandante Edson Pujol ressaltou que a ida de militares para o governo era uma escolha pessoal.

A posição de Pujol a respeito da pandemia pareceu inequívoca no seu documentado encontro com Bolsonaro em Porto Alegre. Bolsonaro estendeu a mão, Pujol ofereceu o cotovelo, que é o tipo de saudação recomendado pela OMS.

Lembro-me, naquele momento, de que escrevi sobre as ligações originárias das Forças Armadas com o positivismo, o que deve ter despertado nos militares não só um respeito, mas também uma disposição de associar seu trabalho à ciência.

Felizmente, a tentativa de envolver os militares na aventura macabra de sabotar pela força as medidas contra a pandemia fracassou. Mas Bolsonaro tinha um plano B.

Ele sabe que a instituição é mais sólida do que as PMs e logo em seguida pôs o plano em prática. Por intermédio de um deputado, tentou aprovar com urgência um projeto de mobilização nacional, que lhe daria controle de todas as PMs do Brasil. Tudo indica que ele busca desesperadamente uma força militar para impor suas ideias acerca da pandemia, uma força de intimidação dos adversários ancorados no bom senso.

Fora essa tentativa desastrada de dar um golpe para aplicar sua política de morte, Bolsonaro fez uma minirreforma ministerial, que apenas colocou o Centrão dentro do palácio, com a chave do cofre, e renovou algumas indicações familiares para cargos decisivos, como, por exemplo, o Ministério das Relações Exteriores. Poucos se lembram de que o início da crise era a pressão do Senado para derrubar o pior chanceler da nossa História, Ernesto Araújo.

Araújo apenas teorizava as ideias toscas de Bolsonaro com tintas de Steve Bannon, Olavo de Carvalho e da própria Alt Right americana. O foco do nosso isolamento internacional, diria mesmo de nossa vergonha, é o comportamento do presidente Bolsonaro, que fez do Brasil uma ameaça internacional, pela destruição ambiental e pela tragédia sanitária.

Ao escolher um modesto diplomata, que jamais ocupou uma embaixada, Bolsonaro quer mantê-lo agradecido pelo cargo e aberto à sua influência – mais precisamente, à influência do filho Eduardo, um dos grandes artífices da nossa destruidora política externa.

Bolsonaro enfrenta essa crise profunda num momento em que as próprias condições de governabilidade se diluem. Uma clara demonstração disso foi o Orçamento aprovado no Congresso. Sempre se diz que o Orçamento no Brasil é uma peça de ficção. Mas este, que foi aprovado com uma hipertrofia dos gastos militares, talvez esteja mais para um filme de horror.

Não se trata apenas de governabilidade num momento qualquer, mas durante uma pandemia de que o Brasil é o epicentro mundial, campeão indiscutível em número de mortos.

Um presidente incapaz, entregue no campo político à voracidade dos seus aliados do Centrão, buscando de todas as maneiras sabotar a luta contra a pandemia – tudo isso compõe um cenário desolador, sobretudo porque a sociedade está reduzida, no momento, a protestos virtuais.

Cedo ou tarde, julgaremos Bolsonaro.

Fernando Gabeira é Jornalista. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 02.04.2021. 

Hoje, Brasil tem 3% da população mundial e 33% das mortes por dia no mundo. Covid matou mais em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países juntos

A população mundial soma quase 7,8 bilhões de pessoas. Em 31 de março de 2021, foram registradas 11.769 mortes por covid em todos os países do mundo juntos.

O Brasil, com 212 milhões de habitantes, representa 2,7% do total da população. Em 31 de março de 2021, morreram 3.869 pessoas por covid.

Proporção de mortes por covid no Brasil em relação ao mundo. Em 31/3, Brasil registrou 3.869 óbitos pela doença; o resto do mundo totalizou 7.904.  .

Ou seja, a cada 100 pessoas no mundo, 3 são brasileiras. E de cada 100 mortes diárias no mundo, 33 ocorrem no Brasil.

Equipe trabalha em cemitério de Manaus em fevereiro de 2021 (Crédito da foto: Getty Images)

A tragédia da pandemia no Brasil atingiu números tão alarmantes que fica cada vez mais difícil dimensionar as mortes que acontecem no país e ainda compará-las ao resto do mundo. Além disso, grupos que negam a gravidade da pandemia se valem de comparações ora com dados proporcionais, ora com dados absolutos.

De todo modo, é possível afirmar hoje que o Brasil concentra um terço das mortes diárias por covid no mundo, mesmo com 3% da população mundial. Além disso, morreu mais gente em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países, que soma 1,6 bilhão de habitantes.

Além disso, dados oficiais de hospitais brasileiros apontam que o número de mortes por covid-19 já pode ter passado de 443 mil, quase 120 mil a mais que as estatísticas divulgadas pelo governo Bolsonaro. A mesma estimativa aponta que morrem cerca de 4.000 pessoas por dia no país.

300 mil mortes por covid-19? Total já pode ter passado de 410 mil no Brasil, apontam pesquisadores

A BBC News Brasil apresenta abaixo três gráficos para ajudar a entender a situação do Brasil e como ela se compara a outros países. Mortes diárias, mortes ao longo da pandemia inteira, velocidade da vacinação e quando o Brasil deve chegar a 500 mil mortes por covid.

1. Hoje, Brasil tem 3% da população mundial e 33% das mortes por dia no mundo

A população mundial soma quase 7,8 bilhões de pessoas. Em 31 de março de 2021, foram registradas 11.769 mortes por covid em todos os países do mundo juntos.

O Brasil, com 212 milhões de habitantes, representa 2,7% do total da população. Em 31 de março de 2021, morreram 3.869 pessoas por covid.

Proporção de mortes por covid no Brasil em relação ao mundo. Em 31/3, Brasil registrou 3.869 óbitos pela doença; o resto do mundo totalizou 7.904.  .

Ou seja, a cada 100 pessoas no mundo, 3 são brasileiras. E de cada 100 mortes diárias no mundo, 33 ocorrem no Brasil.

2. Covid matou mais em março no Brasil do que na pandemia inteira em 109 países juntos

Um dos principais argumentos das pessoas que minimizam a gravidade da pandemia no Brasil passa pelo tamanho da população. Afirmam que não é justo comparar o Brasil com países com menos habitantes.

Ou seja, segundo essa perspectiva, o Brasil, terceiro em número total de mortes, certamente estaria entre as nações com mais mortos por ser a sexta mais populosa do mundo.

E se o tamanho da população entrar na conta, o Brasil será o 17º em pior situação, atrás de países como Estados Unidos, Itália, Portugal, Reino Unido, Espanha e México.

Mas especialistas apontam que esse tipo de comparação esconde a situação atual do país, e mistura dados de países em fases diferentes da pandemia.

Então, seguem abaixo duas comparações levando em conta o tamanho da população e a situação atual do país.

Em 1 mês, Brasil tem mais mortes do que 109 países juntos em 1 ano. Brasil tem 212 mi de habitantes, e o grupo de 109 nações soma 1,6 bilhão de pessoas.  .

A. Em março, morreram mais pessoas de covid-19 no Brasil do que em 109 países juntos durante a pandemia inteira. Foram 66.573 mortos no Brasil, país de 212 milhões de habitantes. Em 109 países, que somam 1,6 bilhão de habitantes, foram 64.571 mortes ao longo de 12 meses.

Esse grupo de países inclui 36 países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais alto que o do Brasil e 26 com mais de 20 milhões de habitantes. Entre estes estão Coreia do Sul, Austrália, Malásia, Nigéria, Gana, Angola e Vietnã.

B. Na comparação da taxa atual de mortes a cada 1 milhão de habitantes, o Brasil tem a sexta pior situação do mundo, atrás apenas de Hungria, Bósnia e Herzegovina, Seychelles, República Tcheca e Bulgária. Todos têm menos de 11 milhões de habitantes.

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3. Brasil ocupa 18ª posição em ranking de vacinação

Há diversas formas de comparar o ritmo de vacinação entre os países. Em números totais, o Brasil estaria na quinta posição, com 18 milhões de doses distribuídas. Mas, como mencionado acima, mesmo aqueles que minimizam a gravidade da situação defendem que as comparações levem em conta o tamanho da população.

Nesse caso, o Brasil despenca para a 18ª posição global, com 9 doses para cada 100 habitantes. O líder é Israel, com 116 para cada 100 pessoas.

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Esses números não consideram quem recebeu uma ou duas doses (que garantiriam a plena eficácia da vacina). Até agora, o Brasil já vacinou 7% da sua população com pelo menos uma dose. O Reino Unido vacinou 45%, o Chile, 35%, e os EUA, 29%.

Porcentagem da população vacinada contra a covid-19. Pessoas que receberam pelo menos uma dose da vacina, em %.  .

Na comparação do ritmo atual de vacinação, o Brasil está em 13º lugar. São vacinadas duas pessoas a cada 1.000 habitantes por dia. No Uruguai, são 10 a cada 1.000.

4. Projeções do futuro próximo: 500 mil mortes até maio?

A falta de dados precisos sobre a situação da pandemia, algo que o Brasil enfrenta desde março de 2020, dificulta muito a análise do que acontece hoje e do que pode vir a ocorrer daqui um mês, por exemplo.

Mas há modelos matemáticos que tentam, com todas as limitações de falta de dados e incertezas, apresentar um retrato mais próximo da realidade que os dados oficiais.

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Oficialmente, o Brasil ultrapassou encerrou o mês de março com a marca trágica de 321 mil mortos por covid-19 durante a pandemia. Mas registros hospitalares brasileiros apontam que o número de pessoas que morreram em decorrência de casos confirmados ou suspeitos da doença no país pode já ter passado de 443 mil.

Esse número foi divulgado em 1º de abril por Leonardo Bastos, estatístico e pesquisador em saúde pública do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele lidera análises de nowcasting ("previsão do agora") numa parceria que envolve o Mave, equipe da Fiocruz de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica, e o Observatório Covid-19 BR, grupo que reúne cientistas de diversas instituições (como Fiocruz, USP, UFMA, UFSC, MIT e Harvard).

As estimativas apontam que morreram 4.000 pessoas por dia no Brasil nesta semana por casos suspeitos ou confirmados de covid em hospitais do país.

E a tendência é que a situação continue piorando. O Imperial College de Londres aponta que a taxa de contágio do país atualmente está em 1,12. A pandemia só recua quando esse número fica abaixo de 1.

Projeções do Laboratório Nacional de Los Alamos, nos Estados Unidos, apontam que é bastante provável que o pior cenário se concretize e o Brasil passe de 516 mil mortos por covid até 9 de maio.

A subnotificação, entretanto, aponta que isso pode ocorrer já em abril, caso a situação não melhore.

Matheus Magenta, da BBC News Brasil em Londres - 02.04.2021. Há 2 horas.