terça-feira, 6 de abril de 2021

A dança macabra de Bolsonaro, ‘me vacino, não me vacino’, ofende a memória dos mortos

A este ponto o falso herói que desafia a morte na pandemia e continua a brincar sobre imunizar-se ou não, como se não estivéssemos lutando contra a morte, é uma responsabilidade das instituições e do Exército que continuam tolerando seus delírios violentos

Presidente Jair Bolsonaro retira a máscara em pronunciamento no Palácio do Planalto no última dia 31. (Crédito da foto: Ueslei Marcelino / Reuters)

Por JUAN ARIAS

A atitude negacionista de Bolsonaro sobre a pandemia e a vacina é mais do que conhecida. E agora se tornou mais aguda com seu comportamento burlesco sobre se vai ou não tomar a vacina. Se não fosse dramático, poderia ser uma ópera-bufa.

Depois de zombar da vacina, dizendo que os homens se transformariam em jacarés e nas mulheres cresceriam barbas, ele afirmou enfaticamente: “Eu não vou tomar vacina e ponto final, problema meu”. Agora, não se sabe se por medo ou pressão de seus assessores correu a notícia de que o presidente enfim decidiu tomar a vacina.

O acontecimento deveria ter sido no último sábado da Paixão. De repente, o ministro da Saúde desmentiu a notícia e o presidente não se vacinou. Os fotógrafos ficaram sem a foto histórica.

Bolsonaro, com seu costume de mentir e desmentir-se, afirmou que se lhe disserem que tem que se vacinar, então, o fará quando toda a população já tiver feito isso, e se sobrar uma dose.

É uma piada, pois todos os chefes de Estado do mundo, de direita ou de esquerda, foram os primeiros a ser vacinados e em público.

Todas as atitudes de Bolsonaro sobre se deve ou não ser vacinado refletem sua idiossincrasia como político em quem é impossível confiar porque, além de mentir descaradamente, gosta de confundir a sociedade. Que confiança proporciona o presidente à nação no trágico momento que está passando, com a maior crise de saúde de sua história e quase sem mais lugar físico para enterrar os mortos?

Essa diversão de ser vacinado ou não se repete em suas ameaças de dar um golpe militar ou não. Os acontecimentos dos últimos dias em seu confronto com as forças do Exército, que deixaram o país em suspense, são mais um claro sinal de seus transtornos psíquicos e de seu gosto por ameaçar com uma guerra civil.

Ao que parece, o presidente, para desmentir que seja um militar frustrado que pretende se ressarcir da humilhação de ter sido expulso do Exército quando jovem, hoje infantilmente finge considerar as Forças Armadas como “meu Exército”.

É uma chacota que as Forças Armadas não deveriam permitir, nem que seja para não decepcionar a sociedade que desde a redemocratização tem considerado as forças militares sérias e confiáveis na defesa da democracia e das instituições do Estado.

Se a princípio os militares confiaram no capitão aposentado para lutar contra o perigo imaginário de um comunismo que não existe no Brasil, hoje esse cenário não existe e o perigo real contra a democracia é justamente o capitão complexado e complacente com a morte da qual chega a zombar.

Assim como Bolsonaro primeiro zombou da pandemia e, agora, da vacina, ele tenta hoje impor um estado de exceção para fugir de suas responsabilidades e alimentar suas hostes golpistas que diminuem a cada dia.

A este ponto o falso herói que desafia a morte na pandemia e continua a brincar sobre vacinar-se ou não, como se não estivéssemos lutando contra a morte, é uma responsabilidade das instituições e do Exército que continuam tolerando seus delírios violentos.

Amanhã a sociedade poderá se revoltar contra essas instituições que consentiram impunemente que o país continuasse nas mãos de quem zomba da dor alheia e sente repulsa pelos valores da liberdade, enquanto continua a cultivar seus sonhos de arrastar o país para aventuras autoritárias, repetindo como um mantra ‘quem manda sou eu’.

Não é verdade. Ele manda em conjunto com as demais instituições responsáveis por defender a Constituição e garantir a ordem e a prosperidade no país.

O teste importante será a reeleição de 2022, isso se antes não forem capazes de destituir o presidente por seus crimes e suas contínuas ameaças à ordem estabelecida.

Os militares vão continuar no Governo até as eleições, depois de terem constatado os delírios do capitão que se sente dono e senhor das forças da ordem, chegando mesmo a humilhá-las?

Essas forças armadas vão voltar a apoiá-lo nas próximas eleições ou vão optar por uma solução realmente democrática? Ou será que os militares não conseguem entender o que representaria para a sociedade e para eles próprios um segundo mandato desse que já deu sinais inequívocos de que despreza as instituições e pode conduzir o país a um caos sem volta?

Se as instituições do Estado e as próprias Forças Armadas continuarem pensando apenas em seus privilégios pessoais e em suas vantagens corporativas enquanto a pobreza, a fome e o desemprego aumentam, o Brasil corre o risco de se tornar parte dos países párias do mundo, quando já foi considerado um exemplo de potência mundial e de desenvolvimento econômico e social.

Há erros históricos que não têm volta. O Brasil ainda está a tempo de embarcar em um novo período de desenvolvimento e prosperidade, mas com a condição de que o capitão saia do poder quanto antes e deixe de se considerar o dono absoluto do país, como os antigos imperadores.

Tudo ainda pode mudar quando quem guia a nação deixa de desprezar os valores civilizadores capazes de criar uma sociedade unida em uma nova esperança, sem guerras fratricidas e sem pisotear os valores em que se fundamenta a verdadeira convivência mundial.

O Brasil ainda tem tempo de voltar do inferno em que o mergulhou um presidente insignificante que só sonha com armas e confrontos políticos e sociais.

Esperança não é um verbo conjugável. É um substantivo que pode ressuscitar a qualquer momento, como o sol no meio de uma tempestade.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Este artigo foi publicado originalmente no EL PAÍS, em 06.04.2021.

Brasil registra mais de 4.000 mortos de covid-19 em 24 horas pela primeira vez

O Brasil registrou nesta terça-feira um novo recorde de mortes diárias registradas na pandemia: foram 4.195 óbitos, segundo os números do Ministério da Saúde. 

Apesar de às terças a cifra costumar ser mais alta, dado o represamento da coleta de dados por causa do fim de semana, a nova marca mostra a escalada da crise sanitária no país. Foram registrados quase 87.000 novos casos.

Em novo boletim, o Observatório Covid-19 da Fiocruz adverte que abril deve manter as condições críticas de março, o mês mais mortal da pandemia no Brasil até agora. “Ao longo da última Semana Epidemiológica 13, houve uma aceleração da transmissão de Covid-19 no Brasil. Devido ao acúmulo de casos, diversos deles graves, advindos da exposição ao vírus ainda no mês de março, o vírus permanece em circulação intensa em todo o país”, diz o texto.

Vacina Sputnik, o novo cavalo de Troia entre os países do Leste e a União Europeia
Hungria e Eslováquia quebram o consenso europeu ao comprar doses russas e chinesas contra a covid-19, o que causou mudança de Governo em Bratislava enquanto cresce a tensão política na região

São Paulo registra 1.389 óbitos por covid-19 em 24 horas, novo recorde

O Estado de São Paulo registrou nesta terça-feira 1.389 óbitos por covid-19 em seu boletim sobre as últimas 24 horas. É o maior desde o início da pandemia, mas o Governo destaca que o boletim apresenta dados acumulados desde o feriado da última sexta-feira, período durante o qual habitualmente são registrados menos óbitos, por conta de limitações no efetivo responsável pelo trabalho.

Desde o início da pandemia, destaca o Governo paulista, foram registradas 78.554 mortes e 2.554.841 casos de infecção no Estado. Nas últimas 24 horas, foram notificadas mais 22.794 contaminações. Até segunda-feira, havia 29.510 pacientes internados, 12.963 deles em leitos de Terapia Intensiva. As taxas de ocupação dos leitos de UTI são de 90,7% no Estado e de 90,6% na Grande São Paulo.

Anvisa alerta para riscos da automedicação durante a pandemia

“É preciso que as pessoas se conscientizem dos riscos reais dessa prática, que pode causar reações graves, inclusive óbitos", alerta a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em comunicado divulgado na noite de segunda-feira. A mensagem não mencionaa diretamente o uso dos medicamos propagandeados pelo presidente Jair Bolsonaro, mas inclui notas já publicadas pela agência sobre o fato de não haver estudos sobre a efetividade de remédios como ivermectina e cloroquina no combate à covid-19. "Todo medicamento apresenta riscos relacionados ao seu consumo, que deve ser baseado na relação benefício-risco. Ou seja, os benefícios para o paciente devem superar os riscos associados ao uso do produto”, lembra a Anvcisa.

EL PAÍS, em 06.04.2021

Fome cresce e, pela 1ª vez em 17 anos, mais da metade da população não tem garantia de comida na mesa

São mais de 116 milhões de brasileiros nessa situação. A pandemia deixou 19 milhões em insegurança alimentar grave em 2020, quase o dobro de 2018

Moradores de rua e desempregados fazem fila para receberem suas quentinhas no Campo de Santana Foto: ANTONIO SCORZA / Agência O Globo

Pela primeira vez em 17 anos, mais da metade da população não teve certeza se haveria comida suficiente em casa no dia seguinte, teve que diminuir a qualidade e a quantidade do consumo de alimentos e até passou fome.

São 116,8 milhões de pessoas nessa situação de insegurança alimentar no Brasil, de acordo com pesquisa divulgada na segunda-feira pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), que reúne pesquisadores e professores ligados à segurança alimentar.

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A pandemia deixou 19 milhões com fome em 2020,  atingindo 9% da população brasileira, a maior taxa desde 2004, há 17 anos, quando essa parcela tinha alcançado 9,5%.  E quase o dobro do que havia em 2018, quando o IBGE identificou 10,3 milhões de brasileiros nessa situação.

“A pesquisa revela um processo de intensa aceleração da fome, com um crescimento que passa a ser de 27,6% ao ano entre 2018 e 2020. Entre 2013 e 2018, o aumento era de 8% ao ano. Chegamos ao final de 2020 com 19 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, mas podemos supor que agora no primeiro trimestre deste ano a situação já piorou ainda mais. É urgente conter essa escalada. Não se pode naturalizar essa questão como uma fatalidade sobre a qual não se pode intervir”, destaca Francisco Menezes, analista de Políticas e Programas da ActionAid. 

Mais mulheres e negros

Rosana Salles, uma das pesquisadoras responsáveis pelo levantamento da Rede Penssan e professora de Nutrição da UFRJ, diz que além do aumento da fome, o que chamou a atenção foi a “queda brusca na segurança alimentar”, quando as famílias não têm problemas para pôr comida na mesa, que caiu de 63,3% em 2018 para 44,8%. É o menor índice da série iniciada em 2004. 

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— O acesso insuficiente em quantidade e qualidade da alimentação para família cresceu muito, principalmente a insegurança leve (não há garantia de que a família será capaz de comprar comida). Esse é o primeiro prejuízo, que vem com a perda de emprego ou corte do salário. Mas não imaginávamos que menos da metade da população tivesse segurança alimentar no Brasil. 

A insegurança alimentar leve subiu de 20,7% em 2018 para 34,7%, em 2020, “mostrando que a classe média não foi poupada dos efeitos da pandemia”, afirmou Renato Maluf, coordenador da Rede PENSSAN.

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E as perspectivas não são animadoras. No último trimestre do ano passado, quando a pesquisa foi feita, ainda estava sendo pago o auxílio emergencial no valor de R$ 300. Benefício que foi cortado no início do ano e só começou a voltar nesta terça-feira, três meses depois, num valor menor e para menos famílias.

A  incidência da fome é maior nas casas onde a renda per capita é de meio a um salário mínimo, as que são chefiadas por mulheres e por negros.

Existe fome em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres. Quando a pessoa de referência é um homem, a parcela dos que passam fome é de 7,7%. Pessoas pretas ou pardas enfrentam insegurança alimentar grave em 10,7% dos lares, contra 7,5% entre os brancos.

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— Já tínhamos visto isso em dados de 2018. Quando a pessoa de referência de família é mulher, é  negra ou tem baixa escolaridade, a fome aumente ainda mais — diz Rosana. 

A pesquisa teve apoio do Instituto Ibirapitanga e parceria de ActionAid Brasil, Fundação Friedrich Ebert Stiftung  Brasil e Oxfam Brasil. 

Cássia Almeida, d'O Globo, em 06/04/2021 - 04:30 / Atualizado em 06/04/2021 - 07:27

Eliézer Rizzo de Oliveira: Bolsonaro provoca crise militar

O presidente está fragilizado, tenta mostrar uma força que não tem     

O Brasil vive uma perigosa crise de inteira responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro: a intervenção política nas Forças Armadas com o propósito de instrumentalizá-las como “partido do presidente”.

Bolsonaro teria ordenado ao general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, que se opusesse ao Supremo Tribunal Federal (STF) em razão de decisões favoráveis ao ex-presidente Lula da Silva, seu provável adversário em 2022, a exemplo do que fizera o general Villas Bôas em abril de 2018, num erro monumental. Bolsonaro não foi atendido e exigiu a cabeça do general Pujol. Nesse contexto, o general Paulo Sérgio, em entrevista ao Correio Braziliense, abordou a política de saúde da Força em consonância com os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), não com a cloroquina de Bolsonaro. Um ano antes, diante da pandemia, o general Pujol estabelecera que salvar vidas era a guerra mais importante do Exército. Bolsonaro de um lado, Exército do outro.

Bolsonaro trocou a direção do Ministério da Defesa e os comandantes da Marinha, da Aeronáutica e do Exército. A crise não se resolveu, apenas mudou de fase. Pois o seu cerne está em Bolsonaro pretender que as Forças Armadas sejam instituições de seu governo (“meu Exército”) para pressionar o processo político, ameaçar a sociedade e forçar os governadores e os prefeitos (que verdadeiramente combatem a pandemia) a abrir a economia e abandonar o isolamento social.

Até aqui encontrou resistência das Forças Armadas e tampouco tem força política para tanto. Resta-lhe ameaçar com o estado de sítio e com a mobilização nacional, instrumentos específicos diante da ameaça de agressão estrangeira.

O presidente sempre anunciou o que pretendia fazer. Ele não necessita de um golpe militar, basta-lhe operar os processos legais a seu favor: armar a população (retirando do Exército e da Polícia Federal o controle de armas), promover a militância dos seus adeptos em grupos sociais, milícias e polícias. Mais armas liberadas, mais armas disponíveis para os grupos criminosos, mais difícil se torna o monopólio estatal da violência legal.

Disse também que a invasão de propriedades rurais e urbanas passaria a ser considerada ação terrorista; que daria cobertura legal para a violência policial e militar com o excludente de ilicitude. Bolsonaro estimula o conflito social com violência. Quando tudo isto tiver sido processado, nossa democracia não será a mesma. E as Forças Armadas?

Trata-se da estratégia de “destruir antes de construir”. Ou “combater o socialismo”, que Bolsonaro avalia estar implantado desde a Presidência de Fernando Henrique Cardoso!

E Bolsonaro está destruindo mesmo: nega a identidade cultural e étnica das pessoas negras, suas famílias e seus grupos sociais; assim também as políticas indigenistas; submete as escolas públicas estaduais e municipais com o projeto “escola cívico-militar”, que se destina a formar estudantes com valores conservadores e a dar emprego a militares da reserva; confronta a liberdade de imprensa e de expressão; quer impedir a participação de professores, discentes e funcionários na escolha de reitores das universidades federais; põe em xeque as universidades federais com a direção eclesiástico-militar do MEC, do Inep e da Capes; fragiliza o SUS; faz ruir as políticas afirmativas do meio ambiente; submete as relações exteriores às convicções antigramscistas de Bolsonaro e filhos, insuflando o conflito com a China e produzindo o fracasso na compra de vacinas; abate as políticas de direitos humanos; estimula a militância bolsonarista de policiais estaduais, de modo a confrontar a autoridade dos governadores, que Bolsonaro pretende enfraquecer com nova legislação.

Bolsonaro está fragilizado, tenta mostrar uma força que não tem.

Está em jogo a preservação do regime democrático, uma tarefa das instituições (Poderes, Ministério Público, partidos, etc.) e da cidadania. Que a sociedade civil reaja a tempo, como a imprensa faz. Que o clamor das mais de 300 mil vítimas da pandemia, de seus familiares e amigos seja um oxigênio para o SUS e a ciência na saúde pública. Que os(as) reitores(as) das universidades públicas, as associações estudantis, docentes e científicas defendam as universidades e a pesquisa.

A eleição presidencial de 2022, se a ela chegarmos, será realizada no rescaldo da presente crise. Meus votos de cidadão são: que os políticos e os partidos se preparem sobre a defesa nacional, tema em que o improviso não cabe; que as Forças Armadas se orientem, efetivamente, “pelos inarredáveis preceitos constitucionais”, palavras do demitido comandante brigadeiro Bermudez aos militares da Força Aérea; que os postulantes à Presidência da República assumam a defesa da anistia de 1979, cuja constitucionalidade foi reafirmada pelo STF.

Eliézer Rizzo de Oliveira, cientista político, é Professor Titular Aposentado da Universidade Estadual de Campinas. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 04 de abril de 2021.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Senadores querem derrubar decretos de armas na quinta-feira

Se não forem anuladas, normas que flexibilizaram o acesso a armas e munições entram em vigor na semana que vem

O Senado se articula para derrubar quatro decretos do presidente Jair Bolsonaro que flexibilizaram o acesso a armas e munições no País. Os senadores decidiram pautar projetos revertendo esses atos para a próxima quinta-feira, 8. Se não forem anuladas, as novas normas editadas pelo presidente entram em vigor na semana que vem.

Após passar pelo Senado, a derrubada dos decretos ainda vai depender da Câmara dos Deputados. Todos foram assinados por Bolsonaro em fevereiro e entram em vigor no próximo dia 12. Um deles aumenta de quatro para seis o número máximo de armas que um cidadão pode ter. A possibilidade é aceita desde que a pessoa seja portadora do Certificado de Registro de Arma de Fogo. A quantidade sobe para oito no caso de profissionais da segurança pública, como policiais. Além disso, o governo passou a permitir explicitamente o porte simultâneo, ou seja, a autorização para uso fora de casa, de duas armas por pessoa. Antes, a quantidade não estava especificada. 

Além de contrariar a política do governo, os críticos dos decretos argumentam que mudanças nesse sentido só podem ser feitas por projeto de lei, com aprovação do Congresso Nacional, em razão do Estatuto do Desarmamento. "Tais inovações podem gerar condições ainda mais propícias para a atuação das milícias no Brasil", afirmou o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), na justificativa de um dos projetos pautados. "Não podemos esperar mais. Os decretos estão na última semana passível de deliberação", afirmou o líder da minoria na Casa, Jean Paul Prates (PT-RN). 

Em 2019, no primeiro ano do governo, o Senado derrubou um decreto de Bolsonaro que flexibilizava as regras para o porte de armas no Brasil. Antes que a proposta fosse analisada pela Câmara, o Executivo recuou e anulou a própria mudança, enviando na sequência projetos de lei sobre o tema. Essas propostas, porém, não andaram no Congresso. Com a troca dos presidentes  da Câmara e do Senado, em fevereiro, Bolsonaro manifestou expectativa em avançar com a flexibilização de armas.

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo, em 05 de abril de 2021 | 17h38

Brasil registra mais 1.319 mortes por covid-19

Mais de 28 mil casos de coronavírus são confirmados em 24 horas, e país supera marca de 13 milhões de infectados. Total de óbitos ligados à doença chega a 332,7 mil.

Funcionários de cemitério puxam caixão em cemitério em São Paulo

O Brasil registrou oficialmente 1.319 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta segunda-feira (05/04).

Também foram confirmados 28.645 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país superou a marca de 13 milhões, totalizando 13.013.601, enquanto os óbitos chegaram a 332.752.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números divulgados às segundas-feiras também costumam ser mais baixos, já que equipes responsáveis pela notificação trabalham em escala reduzida no fim de semana.

As cifras divulgadas pelo Conass nesta segunda-feira ainda não incluem os dados do Ceará, devido a problemas técnicos no acesso à base de dados do estado.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.357.521 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de domingo.

Com os dados de óbitos registrados nesta segunda, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 158,3 no país.

Covid-19 no mundo

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,73 milhões de casos e mais de 555 mil óbitos, segundo contagem mantida pela universidade americana Johns Hopkins.

Ao todo, mais de 131,5 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus em todo o mundo, segundo números oficiais, e 2,85 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Nesta segunda-feira, a Índia bateu um recorde de novos casos de infecção, superando 100 mil ocorrências em apenas um dia. Até então, apenas Estados Unidos e Brasil haviam atingido essa cifra no mundo. Com um total de 12,5 milhões de casos e 165 mil mortos, o país é o terceiro com mais infectados, e o quarto em número de óbitos, logo atrás do México. Autoridades indianas atribuíram a nova alta de infecções à disseminação de novas variantes, incluindo a brasileira.

Deutsche Welle / Brasil, em 05.04.2021

Lula perde processo contra jornalistas da revista Época

Ex-presidente acionou a Justiça ao alegar danos morais por causa de reportagem

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não obteve sucesso ao processar três jornalistas por causa de reportagem publicada em 2015 pela revista Época. O petista procurou a Justiça alegando ter sofrido danos morais em decorrência do teor do conteúdo veiculado na ocasião. Por isso, pediu indenização. A solicitação, no entanto, não foi atendida. Mais do que não aceitar o pedido de indenização, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal intimou Lula a pagar R$ 31,9 mil a título de honorários dos advogados dos três jornalistas que acabaram processados. 

A intimação foi publicada em 25 de março, mas ganhou vez na imprensa por meio de conteúdo divulgado no último fim de semana pelo site Poder 360

O trio de profissionais da imprensa que se tornou alvo do processo movido pela defesa do ex-presidente era formado por Filipe Coutinho, Thiago Bronzatto e Diego Escosteguy. Os dois primeiros foram os repórteres que assinaram a matéria em que Lula era classificado como “o operador”, pois, segundo a matéria, o Ministério Público entendia que ele “era suspeito de ajudar a Odebrecht a ganhar contratos na América Latina e na África”. Escosteguy era, por sua vez, o redator-chefe da publicação mantida pela Editora Globo.

A capa de revista que fez Lula ir à Justiça contra jornalistas | Imagem: Arquivo/Reprodução/Revista Época

Derrotas do ex-presidente

Diante do teor da reportagem, que foi capa da edição 882 da revista Época, Lula recorreu ao poder Judiciário e sofreu seguidas derrotas. Primeiramente, o pedido de indenização por danos morais foi negado pela 12ª Vara Cível de Brasília. Depois, os advogados do ex-presidente tiveram insucesso perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por isso, a intimação para o petista fazer o pagamento aos jornalistas.

Relator de um dos recursos apresentados pela defesa de Lula, o desembargador James Eduardo Oliveira considerou que os profissionais então contratados pela revista Época apenas explicaram ao público a ação de uma autoridade. Afinal, o ex-presidente havia sido alvo de investigação por parte do Ministério Público.

“Apenas reproduziram e contextualizaram o conteúdo da representação feita pelo procurador”

“Não se vislumbra deturpação dos fatos nem qualquer sinal de abuso da liberdade de comunicação. Os apelados [os três jornalistas] apenas reproduziram e contextualizaram o conteúdo da representação feita pelo procurador da República Anselmo Lopes, sem ataques pessoais e sem endossar as acusações que nela se continham”, afirmou Oliveira em trecho de sua decisão, lembra o Poder 360. Assim, o magistrado citou o nome do procurador responsável pela investigação noticiada há seis anos pela revista Época.

Anderson Scardoelli, do Portal Comunique-se (https://portal.comunique-se.com.br/)

Militares foram 'sábios' ao escolher Constituição em vez de Bolsonaro, diz Financial Times

A saída do comando máximo das Forças Armadas do governo Bolsonaro na semana passada é "motivo de comemoração", destacou o jornal britânico em editorial publicado na segunda-feira (5/4).

Em foto de 2018, Bolsonaro em cerimônia de graduação das Agulhas Negras; episódio da semana passada indicou cisão do presidente om a cúpula militar. (Crédito da foto: Reuters)

"Entre a lealdade a um presidente errático e imprevisível que desprezou abertamente o Congresso e os tribunais ou jurar fidelidade à Constituição do Brasil, eles sabiamente escolheram a última opção", decretou o jornal econômico.

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Fundado em 1888, o Financial Times é um dos jornais mais tradicionais do Reino Unido. O diário é conhecido por estar entre as principais leituras de líderes mundiais e por embasar debates políticos e econômicos em todo o mundo.

Na semana passada, a troca de seis ministros do governo Bolsonaro, incluindo o da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, foi seguida pela entrega de cargos, em conjunto, dos líderes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A crise sem precedentes nas Forças Armadas foi detonada às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964.

Foi a primeira vez que os três comandantes das Forças Armadas deixaram seus cargos ao mesmo tempo por discordância com o presidente da República.

Bolsonaro estaria irritado com a falta de apoio das Forças Armadas a bandeiras do governo. Por outro lado, a liderança militar estaria insatisfeita com a a condução do governo federal no combate à pandemia.

Para o Financial Times, os comandantes deram um "impulso à democracia" ao permanecerem "leais à Constituição".

O jornal destacou a "grave crise sanitária" gerada pelo presidente Bolsonaro ao minimizar a importância da pandemia, "resistindo ao uso de máscaras, zombando da vacinação e recusando-se a implementar lockdowns".

Em sua carta de demissão da pasta da Defesa, o general da reserva Fernando Azevedo e Silva disse ter preservado "as Forças Armadas como instituições de Estado" - algo também ressaltado pelo editorial do jornal inglês.

A fala foi vista como uma crítica às tentativas de Bolsonaro de "politizar" os quartéis.

Apesar de três generais e um ministro terem deixado seus postos, estima-se que 6 mil militares tenham cargos em diferentes áreas do governo Bolsonaro. (Crédito da foto: Getty Images).

Essa debandada seria um "compromisso dos chefes das Forças Armadas com a 'institucionalidade'", segundo o jornal.

Ao lado dos militares, o Financial Times também destaca o Supremo Tribunal Federal (STF) e sua "firmeza louvável" em resistir às tentativas de Bolsonaro de assumir poderes em situações de emergência ou de vetar lockdowns impostos por autoridades locais, e o Congresso, que teria assumido a postura de "sinal amarelo", exigindo uma mudança de curso de Bolsonaro sob risco de impeachment.

'Contagem regressiva para catástrofe da covid': a repercussão da crise política e de saúde do Brasil na imprensa internacional

Militares no governo Bolsonaro

O editorial desta segunda-feira foi publicado dois dias depois de o mesmo jornal publicar outro editorial apontando que o presidente Jair Bolsonaro estaria "está mais isolado do que nunca".

Sob o título "O pesadelo de coronavírus do Brasil: Bolsonaro está mais isolado do que nunca", o texto destacava que "a mudança aprofundou a crise política sobre a oposição teimosa de Bolsonaro aos bloqueios e as ameaças do ex-capitão do Exército de usar os militares contra as autoridades locais que tentaram impô-lo".

A visão publicada na segunda (05/04) pelo Financial Times sobre postura das Forças Armadas não vai de encontro à interpretação de alguns analistas brasileiros, contudo.

Apesar de três generais e um ministro terem deixado seus postos, estima-se que 6 mil militares tenham cargos em diferentes áreas do governo Bolsonaro, como a vice-presidência, cadeiras em ministérios e chefia de empresas estatais.

O próprio editorial do jornal inglês diz que as Forças Armadas foram cortejadas por Bolsonaro "com centenas de cargos no governo, bem como aumentos generosos nos gastos militares".

Durante dez meses, ou na maior parte da pandemia, o general da ativa Eduardo Pazuello esteve à frente do Ministério da Saúde em uma gestão que foi duramente criticada no Brasil. Pazuello estimulou o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e está sendo investigado por omissão durante a escassez de oxigênio hospitalar em Manaus em janeiro deste ano.

Quando deixou a pasta, o Brasil contava 270 mil mortos por covid-19.

"A troca nas Forças Armadas demonstra um distanciamento desses generais com o governo, mas não é uma crise. O apoio e participação dos militares continuam, eles escolheram fazer parte desse jogo, escolheram participar do governo e deram um aval a Bolsonaro. Vivemos um momento muito preocupante em relação à democracia", disse na semana passada à BBC News Brasil o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Juliano Cortinhas.

Então comandante do Exército, Pujol disse que pandemia 'talvez seja a missão mais importante de nossa geração'. (Crédito da foto: Getty Images)

Por outro lado, a saída dos comandantes das Forças Armadas do governo Bolsonaro mostra ao menos uma discordância pontual. O ex-comandante do Exército Edson Pujol, por exemplo, era crítico à postura do presidente em relação à pandemia.

No ano passado, quando o presidente tentou cumprimentar o general com um aperto de mão, Pujol ofereceu o cotovelo (cumprimento adotado por muitas pessoas na pandemia para evitar a contaminação por covid-19).

Pujol também havia afirmado no ano passado que o papel dos militares não é se envolver em política.

"Não queremos fazer parte da política, muito menos deixar ela entrar nos quartéis", disse Pujol em um evento online.

'Auto-golpe' e tese de fraude

"Muito ainda pode dar errado", diz o editorial do Financial Times, destacando como Bolsonaro, "abertamente fã da ditadura brasileira de 1964 a 1985, apareceu no ano passado em manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal".

"Isso despertou temores de que ele pudesse estar flertando com a ideia de suspender a democracia e governar por decreto com o apoio das Forças Armadas, como Alberto Fujimori fez no Peru em seu 'autogolpe' de 1992."

O jornal também menciona as eleições brasileiras de 2022, em que Bolsonaro possivelmente concorrerá com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e faz um alerta: "se derrotado, Bolsonaro pode tentar uma reivindicação Trumpiana de uma 'eleição roubada' e reunir seus partidários, incluindo tropas e policiais, para um ataque como o feito no Capitólio americano em Brasília".

Para o jornal britânico, Bolsonaro "demonstrou repetidamente pouca consideração pela democracia e pela vida de seus conterrâneos".

"À medida que sua popularidade diminui e suas perspectivas de reeleição diminuem, aumenta o risco de ele apostar em um desafio aberto à democracia."

"Em um ambiente tão febril", o compromisso dos comandantes militares, do Congresso e do Judiciário em defender a democracia brasileira neste "é um sinal vital e positivo", finaliza o jornal.

BBC News Brasil, em 05.04.2021

domingo, 4 de abril de 2021

Flávio Tavares: O horror se reúne em festa nacional

O fundamental vira desprezível acessório e o remotamente acessório passa a essencial   

Há momentos em que os absurdos brotam reunindo maldade e horror para atingir a todos. De um lado, a pandemia se propaga com fúria e ataca com novas cepas, fazendo da tétrica “média móvel de mortes” um hábito diário. De outro, o tumor cresce por atos dos que deveriam ser guardiães da ética, mas se portam como autores ou partícipes da balbúrdia, tal qual a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal (STF) declarando o então juiz Sergio Moro “parcial” ao condenar o ex-presidente Lula da Silva. É como se o halo de justa justiça que a Lava Jato nos trouxe (ao desnudar o sórdido conluio dos intocáveis da política com os intocáveis do grande empresariado) fosse só devaneio.

Fomos sonâmbulos ao crer que a luz havia iluminado a longa noite de falcatruas do nosso bizarro capitalismo montado no assalto ao Estado nacional. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso no STF, preparou o caminho, mas inexplicável mesmo foi a mudança de voto da ministra Cármen Lúcia, que desfez o que fizera e, de repente, entendeu que o juiz Moro foi “parcial”.

O novo entendimento do Supremo abre portas para invalidar o cerne da Operação Lava Jato. Começou anulando, de fato, o já apurado sobre Lula e pode chegar ao absurdo de que os tais “delatores premiados” reivindiquem receber o que devolveram dos milhões roubados à Petrobrás.

Sim, pois se o juiz “foi parcial” com Lula, terá sido, também, com os demais…

A decisão do STF nem sequer alega que Moro tenha cerceado os direitos do réu ou dos advogados. No fundo, o STF baseou-se em ilações e concluiu a partir delas.

Os processos sobre o triplex no Guarujá passarão à Justiça de Brasília, mas nada do já apurado vai valer. No lento recomeçar do zero, os processos prescreverão e Lula se beneficiará das prescrições.

Assim, a pandemia penetra na política e na Justiça como efeito colateral da suspeição de Sergio Moro.

A festança nacional do horror, porém, vai além da destruição da Lava Jato. O Brasil sofre o impacto da covid-19, mas o Orçamento proposto pelo governo para 2021 (e aprovado pelo Congresso) não dá maior atenção à “gripezinha” de Bolsonaro, que a cada dia mata mais.

Em vez disso, o Orçamento destina para gastos militares um quinto do total a ser aplicado em todos os demais ministérios. As verbas de defesa irão a R$ 8,3 bilhões e, além da manutenção das Forças Armadas, destinam-se a construir submarinos e comprar aviões de caça e blindados. É como se nos preparássemos para a guerra iminente, mas que não combate o inimigo real, a pandemia...

Os funcionários civis estão com salários congelados, mas o Orçamento prevê aumentos para os militares, a consumir outros bilhões de reais. Em contraste, as verbas das universidades se “reajustam’ para menos.

Nada disso, porém, foi mais absurdo e perigoso do que a demissão do ministro da Defesa e, logo, a dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, sob o pretexto de “realinhá-los” com os propósitos do presidente.

O demitido ministro da Defesa (um general) lembrou que “preservou as Forças Armadas como instituições do Estado”, forma elegante de revelar que evitou transformá-las em serviçais de Bolsonaro e saiu por isso. Impõe-se perguntar: o presidente estaria desejando o apoio (ou conivência) das Forças Armadas numa espécie de “autogolpe” que lhe desse poderes absolutos?

Terá sido simples coincidência que no mesmo dia o deputado Major Vítor Hugo, que foi líder do governo até 2020 (e íntimo de Bolsonaro), tenha proposto uma lei que, de fato, faz do presidente um ditador durante a pandemia? O projeto de lei terá sido só uma engrenagem na máquina do rei absolutista instalada no Palácio do Planalto?

Tudo é difuso ou oculto nos atos do presidente, nos quais o fundamental vira desprezível acessório e o remotamente acessório passa a essencial. Nada explica a tardia vacinação (que expandiu a covid-19) nem a insistência charlatanesca de Bolsonaro sobre o “uso curativo” da cloroquina e similares, que acabaram desmobilizando até parte do setor médico.

O combate à pandemia confundiu-se com a trapaça e em Minas e Espírito Santo houve “ofertas” de 200 mil doses falsas de vacina. A investigação da Polícia Federal evitou a consumação da fraude, mas o fato em si já revela o grotesco a que Bolsonaro nos levou desmobilizando a vigilância da população.

Só isso explica que, em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais, distintos grupos se aglomerem em festas e a peste avance.

Vivemos a tempestade da pandemia como se, num temporal, a “solução” fosse amarrar os galhos das árvores porque, ao se moverem, causariam a ventania…

Para onde nos leva o estilo difuso do governo Bolsonaro, que, quanto mais opina, menos sabemos aonde quer chegar? No fundo, será ele um simulador nato e absoluto?

Tudo isso se acumula como se o horror reunisse suas variantes em festiva convenção nacional.

Flávio Tavares, Jornalista e Escritor. Prêmio Jaboti de Literatura em 2000 e 2005. Prêmio APCA. Professor Aposentado da Universidade de Brasília. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 04.04.2021.

Miguel Reale Júnior: Aprendiz de feiticeiro

Mais poder para quê? Para confrontos e mobilização com ‘seu’ exército? Não haverá!

Entre os motivos por que alertava para não se votar em Bolsonaro, eu ressaltava, nesta página de outubro de 2018, ser o candidato pessoa que não tivera ao longo da vida relações sociais ou políticas, sendo um outsider, sem densidade e compreensão da pluralidade própria do nosso mundo e para quem o Brasil, na sua complexidade, era visto como um quartel.

No quartel não há dissidentes ou debate livre entre membros de escalões diferentes, pois, como ensina o Manual de Campanha – Ordem Unida do Exército, 4.ª edição, 2019, as principais características de uma instituição militar são a disciplina e a coesão, entendida a disciplina como o predomínio da ordem e da obediência, sendo esta pronta, espontânea e entusiástica.

Bolsonaro, formatado na ordem unida, transformou o Ministério da Saúde num quartel, com ministro general e secretário executivo coronel, imperando o que haviam aprendido na caserna: disciplina, ou seja, um manda e o outro obedece às ordens superiores, com submissão cega às determinações do presidente Bolsonaro. Conclusão: nem no prédio do ministério se usavam máscaras.

Enquanto o presidente brincava de “marcha soldado”, milhares de brasileiros morriam. Mas quando chegou a três centenas de milhar, as elites políticas e econômicas resolveram dar um basta à brincadeira.

O repertório de encenações do pretenso mito está a se esgotar. Deu, então, uma cambalhota no palco presidencial para reafirmar sua autoridade. Tosco no plano político, sem traquejo na montagem de negociação, que presume ter-se fim preciso a ser alcançado e meios a serem negociados para chegar à meta, Bolsonaro imaginou que, abandonando seus correligionários originais e se unindo ao Centrão, estava garantido no poder para o que desse e viesse.

Como o aprendiz de feiticeiro, Bolsonaro desencadeou forças sobre as quais pensou ter controle, mas que o dominam. Como só conhece as regras da ordem unida, e não a arte da mudança de rumos e da aceitação de uma pluralidade de soluções, imaginou que teria à frente da Câmara e no Senado, em razão de seu apoio, dois outros Pazuellos.

Bolsonaro é presidente, mas sente que não mais governa, só administra crises e corre atrás do prejuízo. Diante do desastre sanitário gigantesco, o Centrão resolveu intervir no governo. Forçado pelos dirigentes das Casas do Congresso, Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, mas não seguiu a orientação de nomear médica de São Paulo, para desgosto em especial de Arthur Lira, que chegou a dizer serem os remédios do Parlamento amargos, podendo mesmo ser fatais.

Bolsonaro, em vista dessa pressão decorrente do número de mortos e do desespero da situação hospitalar, resolveu convocar os chefes dos Poderes para possível pacto, deixando, contudo, de convidar governadores, prefeitos e secretários da Saúde, contra os quais se voltou em posterior reunião do comitê, para culpá-los pelo desemprego decorrente das sabidamente necessárias medidas restritivas. O presidente do Senado, ao contrário, reuniu-se com governadores e deles recebeu várias sugestões.

Há evidente parlamentarismo branco. Os presidentes da Câmara e do Senado impuseram a saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, cuja gestão fora desastrosa para o Itamaraty. Araújo pediu demissão, apesar de já demitido por Rodrigo Pacheco e Arthur Lira.

Tendo-se feito de surdos-mudos em meio à tormenta, na resistência, própria das vítimas de estelionato, a se reconhecerem enganadas, como o foram, por Bolsonaro, os agentes econômicos (Fiesp e Febraban) finalmente resolveram se juntar aos presidentes da Câmara e do Senado e tomar posição em face do presidente. Formou-se, então, um conjunto consistente de pressão sobre o governo.

Em reação, o presidente demitiu o Ministro da Defesa, que preservara as Forças Armadas como instituição de Estado, merecendo por isso o apoio dos comandantes das três Armas. No campo militar e nos ministérios da área jurídica, Bolsonaro tenta criar nichos de obediência, com ministros próximos à família, serviçais como Pazuello, a permitir-lhe até mesmo o devaneio do estado de sítio e de se afirmar como presidente.

A esquizofrenia se faz presente no governo: de um lado, caudatário do Centrão, entrega a Secretaria de Governo para inexpressiva deputada gerenciar emendas e cargos; de outro, temeroso da ingerência do Centrão, reforça com amigos a linha repressiva: delegado ligado à bancada da bala no Ministério da Justiça, o disciplinado André Mendonça na AGU e Braga Netto na Defesa. Com tal time e a possível mobilização de polícias militares pelo governo federal, concretiza-se o risco de caminho antidemocrático.

Pouca preocupação há em dotar o governo de capacidade gerencial ante a pandemia e a crise econômica que se avizinha: o que se quer é poder. E assim o aprendiz de feiticeiro tenta novos contorcionismos visando a sobrenadar no mar dos seus desatinos. Mas mais poder para quê? Para confrontos e mobilização nacional com o “seu” exército? Não haverá!

Miguel Reale Júnior, Professor Titular Sênior da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro da Justiça. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 04.04.2021

FHC: A hora se aproxima

Há que juntar as forças capazes de se contrapor a estrebuchamentos autoritários eventuais

A única vantagem que os mais velhos podem eventualmente ter é que já viveram situações difíceis. Elas não deixaram saudades. Os que se aproximam dos 90 anos (questão de três meses no meu caso), passaram pela 2.ª Grande Guerra; viram a migração do Nordeste tocada pela pobreza e, mais tarde, a do Sul, abrindo fronteiras no Oeste e ocupando terras; passaram pelo golpe de 1937, viram outra vez, de lado político distinto, o movimento de 1964 (em ambos os momentos carreiras foram cortadas e, mesmo, vidas ceifadas, às vezes pela tortura) e viram a democracia voltar a ser um valor. A liberdade é como o ar que respiramos: sem nos darmos conta, é dele que vivemos. Basta cortá-lo para aparecerem consequências nefastas.

Daí que eu veja com apreensão o momento atual. O País sofre uma crise sanitária gravíssima (talvez só comparável ao que aconteceu na “gripe espanhola” em 1918-1919); ainda está com as dificuldades econômicas, devidas não apenas à recessão, mas também à utilização de tecnologias poupadoras de mão de obra, as quais, sem que haja dinamismo na produção, mostram com clareza as dificuldades para a obtenção de empregos. E, ainda por cima, temos um governo que não oferece o que mais precisamos: serenidade e segurança no rumo que estamos seguindo.

Nem tudo se deve à condução política do presidente da República. Convém repetir: ele foi eleito pela maioria e disse o que faria... Fez. E não deu certo. Em razão disso, para onde vai o País?

Primeiro, não julgo que seja suficiente distribuir “culpas”. Há várias culpas e vários culpados, interna e externamente. Sejamos realistas: ainda que o presidente fosse capaz de conter os seus ímpetos, não nos livraríamos do vírus que nos atormenta. Mas poderia haver menos mortos. A credibilidade dos que mandam é quase tão eficaz para conter desatinos como a competência dos serviços de saúde para evitar mortes.

A semana que passou dava a sensação (a meu ver, falsa) de que corríamos o risco da volta ao autoritarismo. O símile com situações autoritárias do passado não ajuda a entender as opções disponíveis. Houve, sim, uma forte movimentação de comandos militares. Mas, para dizer em termos simples, trocamos seis por meia dúzia.

Cada chefe militar tem, é natural, suas características e suas manias. Nenhum dos atuais comandantes, antigos ou novos nos postos, imagina que “um golpe” resolva a situação. Não sei o que se passa na cabeça presidencial, mas, ainda que desejasse um “golpe”, com que roupa? Basta ler as declarações dos militares que partiram ou dos que chegaram: quase todos falam em respeitar a Constituição e agir dentro da lei.

Não me parece haver clima, no País e na parte do mundo a que estamos mais vinculados, para aventuras. Dado o porte de nossa economia e a quantidade de questões sociais e econômicas a serem enfrentadas, por que uma pessoa razoável aumentaria as nossas angústias? E as que não são razoáveis? Estas precisam dispor de um clima favorável a suas loucuras, o que não me parece ser o caso.

Sendo assim, aumenta a responsabilidade de cada um dos cidadãos: devemos dizer, com firmeza, sim ao que queremos e não ao que nos assusta. Não é hora de calar, nem de fazer algazarra. Aproveitemos o quanto possível para, com equilíbrio, mostrar a insensatez de concentrar poderes nas mãos de quem quer que seja, pessoa ou instituição.

Defendamos a Constituição da República, que é democrática, e saudemos os políticos que creem que é melhor apoiar quem possa chegar à Presidência sem representar um extremo. Apresentemos aos brasileiros, quanto antes, um programa de ação realista, que permita juntar ao redor dele os partidos e as pessoas para formar um centro que seja progressista, social e economicamente. Centro que não pode ser anódino: terá lado, o da maioria, o dos pobres; mas não só, também o dos que têm visão de Brasil e os que são aptos para produzir.

Quem personificará esse centro? É cedo para saber. É cedo para “fulanizar”, como diria Ulysses Guimarães. Mas é hora de promover a junção das forças capazes de se contrapor a eventuais estrebuchamentos autoritários, antes que surjam propostas que nos levem a eles.

Vejo que alguns políticos se dispõem a agir para evitar que a mesmice predomine. Pelo menos é o que deduzo das declarações recentes de vários líderes da vida brasileira. A eles juntarei minha voz. Sei das minhas limitações e não tenho a ilusão de que, ao escrever que a eles me juntarei, a situação mudará. Mas se cada um dos brasileiros se dispuser a falar e a agir, é de esperar um futuro melhor.

Na política, como na vida, ou se acredita que é possível mudar e obter uma algo melhor, ou se morre por antecipação. Continuemos, pois, vivendo: propondo mudanças, sempre com a expectativa de que elas possam ser realizadas e com elas o Brasil ficará melhor.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi Presidente da República. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 04 de abril de 2021 | 03h00

Segurança pública deixou de ser prioridade do governo, dizem policiais

Eles apontam diminuição de investimentos no Ministério da Justiça e nas polícias estaduais, além do abandono de pautas das categorias

Bandeira da campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018, a área de Segurança Pública deixou de ser prioridade do Palácio do Planalto, segundo coronéis, delegados de polícia, integrantes da bancada da bala no Congresso e representantes de entidades do setor. 

O anunciado superministério da Justiça e Segurança Pública perdeu relevância desde a demissão do ex-juiz Sérgio Moro da pasta, há quase um ano. Sob fogo cerrado das categorias de policiais e até da chamada bancada da bala, a pasta acaba de ganhar o terceiro titular no atual governo – o delegado da Polícia Federal (PF) Anderson Torres. 

O delegado Anderson Torres, da PF, nomeado ministro da Justiça e da Segurança Pública  Foto: GABRIELA BILÓ/ESTADÃO (26/5/2020)

Além da alta rotatividade de ministros, Bolsonaro não conseguiu tirar do papel as principais promessas para o setor, como garantir investimentos em equipamentos, tecnologia, inteligência e capacidade investigativa dos agentes, apontam especialistas e representantes da área. Logo após vencer as eleições, o então presidente eleito prometeu “carta branca” a Moro, que abandonou 22 anos de magistratura. 

O pacote anticrime, porém, foi desfigurado pelo Congresso, que também barrou a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o ministério. Criticado por falta de diálogo com secretarias estaduais de Segurança, Moro deixou o governo acusando o chefe do Executivo de interferência indevida na PF — as alegações são objeto de inquérito no Supremo Tribunal Federal. 

Sucessor de Moro, o advogado André Mendonça ficou onze meses à frente da pasta e foi transferido para a Advocacia-Geral da União. Se por um lado a passagem de Mendonça pelo Palácio da Justiça melhorou o diálogo com os Estados, por outro ficou marcada pelo uso da Lei de Segurança Nacional contra críticos e opositores do governo. 

Os números da área na gestão Bolsonaro começaram a aparecer. Dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), compilados de janeiro a novembro de 2020, apontam elevação de 6,32% no número de homicídios dolosos, na comparação com o mesmo período do ano anterior. 

A perda de prestígio do setor pode ser testada no Congresso. Uma proposta do ministério para ampliar em R$ 945 milhões seu orçamento em 2021, nas negociações na Comissão Mista de Orçamentos, resultou em R$ 300 milhões. Esse montante ainda pode ser subtraído na reavaliação das emendas de relator, que será feita para recompor o corte em despesas obrigatórias aprovado pelo Legislativo. 

“As notícias que chegam são de que os recursos não estão na ordem em que já estiveram no passado e que há muita dificuldade em se conseguir recurso nacional para tocar projetos”, disse o coronel Marlon Tezza. Presidente da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), ele avalia que as polícias estaduais foram esquecidas pela pasta. “As polícias estaduais não tiveram praticamente recurso nenhum.” 

Marlon é um dos integrantes do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, criado pela lei que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp). O conselho deve avaliar a execução do Plano Nacional de Segurança Pública. “O ‘conselhão’ deveria ter pelo menos duas reuniões por ano, e não teve nenhuma na pandemia. A última foi no início de 2020”, disse o coronel, que tem cobrado o retorno das reuniões. O ministério tampouco entregou o primeiro relatório de avaliação do Plano Nacional de Segurança, exigência da lei que criou o Susp. O prazo era dezembro de 2020. 

Perfil

Titular da pasta no governo Fernando Henrique Cardoso, José Carlos Dias observa que a Justiça tinha um perfil muito diferente. “Cuidava desde índios até a relação com o Poder Judiciário. A Secretaria de Segurança Pública era um órgão importante, que tratava de articular com secretários de Segurança do Brasil uma política que pudesse ser uniforme no combate da violência.” Outro ex-ministro, José Eduardo Martins Cardozo (gestão Dilma Rousseff), disse ser “assustador” o “amesquinhamento” do órgão no atual governo. “Atribuo isso diretamente ao presidente. Bolsonaro quer transformar a pasta em ministério da defesa dele.” 

O delegado Anderson Torres e o presidentente Jair Bolsonaro, em março de 2019  Foto: Carolina Antunes/PR

Na avaliação de especialistas, o ministério não tem planejamento. Rodrigo Azevedo, coordenador de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, afirma que a pasta não tem nem mesmo programas articulados. “Me parecem muito sérias essa desarticulação e essa falta de continuidade de uma política pública minimamente sustentável, ainda mais com as trocas de ministros”, argumentou Azevedo. 

O governo não conseguiu fazer avançar no Congresso propostas que alimentaram as redes bolsonaristas, como a tipificação de invasões de propriedades como terrorismo, a redução da maioridade penal para 16 anos e o excludente de ilicitude para policiais. A exceção tem sido a flexibilização nas regras de posse e porte de armas. 

As pautas corporativistas defendidas por Bolsonaro, quando era deputado federal, foram deixadas de lado. Para o delegado Rodolfo Laterza, presidente da Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), “o presidente devia fazer uma análise mais detida do que as forças policiais precisam. Principalmente as forças estaduais, policiais civis, militares, guardas municipais e agentes penitenciários”. Procurados pela reportagem, o Planalto e o Ministério da Justiça não se manifestaram.

Breno Pires, O Estado de S.Paulo, em 04 de abril de 2021 | 05h00 / COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA

Bolsonarismo usa covid-19 para desestabilizar PMs e governos estaduais

Objetivo seria disputa pela Segurança Pública nos Estados; ataques às ações das polícias cresceram em 2021 e são monitorados pelos comandos das corporações

Quando a Polícia Militar de São Paulo anunciou que a vacinação para seus integrantes ia começar no dia 12 de abril, no mesmo dia todos os posts publicados pela corporação em uma rede social foram atacados por bolsonaristas, que afirmaram: “Vocês são covardes! Estão batendo em trabalhadores, seus capachos do calcinha apertada”. Outro bolsonarista, crítico à vacina Coronavac, do Instituto Butantan, escreveu: “Fico em dúvida se comemoro. Orações para vocês”. 

O ataque às polícias nas redes sociais com informações falsas se multiplicaram em 2021, transformando a atuação da extremadireita no principal fator de instabilidade política para as forças de Segurança. “Já faz algum tempo que estamos sofrendo estes ataques. Alguns perfis lançam vídeos de abusos policiais de outros contextos ou mais antigos e fazem parecer que são atuais e contra a população”, disse o coronel Robson Cabanas Duque diretor da Comunicação da PM. 

(Polícia Civil de SP já abriu 23 inquéritos sobre ameaças a Doria)


Policiais militares acompanham equipes da Vigilância Sanitária durante operação em razão da covid-19 em São Paulo Foto: Governo do Estado de SP (28/3/2021)

O fenômeno não atinge apenas a polícia paulista e o governador João Doria (PSDB), mas também as polícias de outros Estados, em que os governadores adotaram medidas de restrição à circulação de pessoas para controlar a pandemia de covid-19, como a Bahia e o Rio Grande do Sul. Também são alvo os governadores adversários do presidente Jair Bolsonaro, como os do Piauí e do Maranhão. 

“Tem digitais bolsonaristas em questões locais. Eles se aproveitam para uso politiqueiro. A raiva dele (Bolsonaro) é não poder demitir ou prender governadores. Então tenta sabotar”, disse o governador Flávio Dino (PCdoB), do Maranhão. De acordo com o coronel Lindomar Castilho, comandante da PM do Piauí, há pessoas que “tentam desinformar e fazer a cabeça dos policiais” sob seu comando. 

Em São Paulo, a PM tenta identificar o centro difusor dos ataques à corporação que buscam minar a disciplina da tropa. Entre as postagens monitoradas pela polícia está uma do ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, e outra do blogueiro Allan dos Santos, ligado ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Somos fiéis à Constituição, à lei, não importam quais sejam as orientações políticas dos governos. Somos uma instituição de 189 anos. Se cumprir a lei desagradará a A ou a B, assim será”, afirmou o coronel Cabanas. 

Vacinação

Em carta divulgada dia 29, 16 governadores afirmaram que “os agentes públicos precisam de paz para prosseguir com o seu trabalho, salvando vidas e empregos”. “Estimular motins policiais, divulgar fake news, agredir governadores e adversários políticos, são procedimentos repugnantes, que não podem prosperar em um país livre e democrático”. O documento declarava ainda o apoio dos governados ao desejo das entidades de policiais de vacinação imediata de seus integrantes. A estratégia visava a retratar o bolsonarismo como responsável por opor a população aos PMs. 

“A gente procura não entrar na questão política e se manter fiel ao regulamento e à nossa missão, contra esse jogo que pretende envolver as forças estaduais e federais”, afirmou o coronel Castilho. O Piauí, governado por Wellington Dias (PT) deve começar nesta segunda-feira a vacinar seus 6.140 PMs. A covid-19 havia matado 35 policiais militares e contaminado 1.283 no Estado até sexta-feira passada. 

A reação dos governadores aconteceu após a ação coordenada do bolsonarismo de insuflar um motim na PM da Bahia em 28 de março. Naquele dia, o soldado Wesley Soares Góes teve um surto e, com um fuzil, foi ao Farol da Barra, em Salvador, onde passou a fazer disparos. Após atirar em direção aos colegas, acabou morto. De imediato, parlamentares bolsonaristas, como a deputada Bia Kicis (PSL-DF), passaram a tratá-lo como mártir por se recusar a cumprir as ordens do governador Rui Costa (PT). Mais tarde, ela removeu a publicação. 

A estratégia de provocar um motim na Bahia só não foi para frente porque a ação foi filmada, confirmando que o soldado tentara matar os colegas. “A Bahia é o lugar mais frágil, em razão dos problemas enfrentados pelo governador na Segurança. Por isso foi atacada”, disse Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre os problemas de Costa, estaria a contestação feita por sua gestão no Supremo Tribunal Federal da lei que acabou com as prisões disciplinares dos PMs. 

Risco

Se a ação do bolsonarismo incomoda as PMs, ela não seria, no entanto, suficiente para, segundo especialistas em Segurança Pública, provocar uma ruptura da ordem. “Não há possibilidade de se repetir no Brasil a situação da Bolívia (onde uma revolta policial levou à deposição de Evo Morales). Os policiais têm diversas vantagens que não vão colocar em risco por razões ideológicas”, disse Leandro Piquet Carneiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Além disso, para Piquet, a aprovação do congelamento de salários na PEC Emergencial esvaziou o discurso sindicalista de Bolsonaro, diminuindo sua capacidade de mobilização. O Estadão não conseguiu contato com Santos e Jefferson. 

Comandos das PMs pedem cautela a policiais em operações

Estabelecimento é fiscalizado pela Vigilância Sanitária em maio a fase de restrição contra a covid -9, na capital paulista Foto: Governo do Estado de SP

Os comandos das PMs estaduais estão recomendando o máximo de cautela aos seus homens no cumprimento de medidas de restrição à circulação de pessoas durante a pandemia. Temem que qualquer incidente seja usado politicamente contra as corporações. “Recomendamos aos nossos homens que tenham bom senso em todas as ações”, disse o subsecretário de Segurança Pública, coronel Alvaro Camilo. Para o coronel Lindomar Castilho Melo, comandante da PM do Piauí, “bom senso e conversa não podem faltar. O policial não pode cair em provocações. Tem de colocar como autoridade.” 

Para o oficial da PM e deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ), repercutiu mal na categoria a ação de bolsonaristas após o incidente com o soldado Wesley Góes, em Salvador. “Tentaram jogar companheiros contra companheiros, dividir a tropa”, diz Ramos. “Mas não deu certo, a repercussão (das iniciativas dos aliados de Jair Bolsonaro) foi negativa, tanto na Bahia como nos outros Estados.” Segundo ele, a identificação ideológica entre Bolsonaro e muitos PMs permanece. 

Mas as expectativas práticas se romperam. “No discurso, o presidente incentiva o confronto (entre policiais e criminosos), mas nunca esteve nessa situação ou correu riscos. Ele só empurra os outros, incentiva os outros a se expor.” Para o coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante da PM do Rio, o discurso de Bolsonaro está enfraquecido. “O que ele fez pelas polícias ou pelos policiais? É só discurso, e o discurso está enfraquecido.” 

Outra aposta para a manutenção da disciplina diante das investidas do bolsonarismo nas corporações contra é sistema de liderança e a efetividade da Justiça Militar. Diretor do Fórum Brasileiro de Segurança, Renato Sérgio d e Lima lembra que na semana passada a Justiça Militar paulista condenou a 6 anos e meio de prisão um policial que sacou um arma e ameaçou matar seu sargento no centro de São Paulo, em 2020. “A sentença do juiz Ronaldo João Roth foi dura.” 

Marcelo Godoy e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo, em 04 de abril de 2021 | 05h00 / COLABOROU FÁBIO GRELLET

À imagem e semelhança

Está claro que Jair Bolsonaro, daqui em diante, vai ter que pedir permissão ao Centrão até para respirar

O Orçamento de 2021 é o retrato fiel do descarrilamento político e moral representado pela vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2018. Convenhamos: não era possível esperar nada muito diferente de um governo cujo presidente é ergofóbico, cujo ministro da Economia promete o éden e entrega um terreno baldio e cujos supostos aliados no Congresso são profissionais do despudor.

Como se sabe, o maior problema do Orçamento de 2021 hoje nem é mais o inacreditável atraso de sua aprovação, mas o caráter absolutamente irreal de seus números. Parece ser já uma tradição brasileira elaborar orçamentos fictícios, com receitas superestimadas para acomodar emendas parlamentares. Mas no caso do Orçamento de 2021 o Congresso foi muito além, ao sumir com R$ 26,5 bilhões em despesas obrigatórias com o objetivo de abrir espaço para as emendas, acomodando-as ao teto de gastos.

Assim, o Orçamento de 2021 será o estado da arte dos crimes de responsabilidade caso venha a ser sancionado pelo presidente Bolsonaro sem vetos. Suprimiram-se verbas até da Previdência Social para engordar os recursos destinados a obras apadrinhadas por parlamentares cujo único interesse é se reeleger. Isso é obviamente irregular, pois os gastos obrigatórios, como seu próprio nome diz, não desaparecem.

Em vez de cortar as emendas parlamentares, em respeito ao momento muito difícil que o País vive, o Congresso as ampliou em nada menos que R$ 31 bilhões. Faz tempo que os parlamentares procuram meios de furar o teto de gastos – recorde-se a tentativa, durante o debate sobre a PEC Emergencial, de tirar o Bolsa Família do teto para aumentar os recursos destinados a emendas parlamentares. A ideia, que teve o aval do presidente Bolsonaro, acabou abortada em razão da reação negativa dos agentes econômicos ante a evidente ameaça às regras fiscais, mas estava claro que não seria a última arremetida dos parlamentares – e de parte do governo – contra o teto de gastos.

Para contornar a insatisfação dos parlamentares, o ministro da Economia, Paulo Guedes, aceitou a ampliação dos recursos destinados às emendas ao Orçamento. Os parlamentares envolvidos na negociação asseveram que o ministro estava a par de tudo o que foi feito daí em diante e que resultou no teratológico Orçamento de 2021.

Ao alardear que o Orçamento é “inexequível” e recomendar ao presidente Bolsonaro que o vete, Paulo Guedes dá a entender que não tem nada a ver com o desastre irresponsável produzido no Congresso, mas os fatos o desmentem.

O todo-poderoso ministro da Economia errou em muitas etapas do processo – quando não atualizou a proposta orçamentária enviada em agosto, mantendo parâmetros defasados; quando subestimou as despesas obrigatórias em pelo menos R$ 17 bilhões já na proposta original, agora, com as emendas, o déficit chega a R$ 32 bilhões; e quando deu a entender aos parlamentares que seria possível acomodar um espantoso aumento de verbas para emendas em plena pandemia.

Agora, ante a perspectiva bastante real de que se caracterize crime fiscal e de que a máquina pública entre em colapso por falta de dinheiro, os operadores políticos do governo decidiram se mexer. Mas o padrão, nesse caso, é aquele já conhecido do governo Bolsonaro. A bagunça é tanta que a deputada Flavia Arruda, que mal assumiu a Secretaria de Governo, pasta responsável pela articulação política, está atuando como ministra, despachando no Palácio do Planalto, ao mesmo tempo que ainda é presidente da Comissão Mista de Orçamento – e, portanto, coautora da lambança.

Não se sabe ainda qual será a solução mágica para o impasse em torno do Orçamento, que ameaça Bolsonaro de pelo menos duas maneiras: se sancionar como está, o presidente cometerá crime de responsabilidade, passível de impeachment – cujo andamento depende dos humores do presidente da Câmara, Arthur Lira, prócer do Centrão; se vetar, o presidente vai se indispor com esse mesmo Centrão, de quem depende para se manter no cargo. De um jeito ou de outro, portanto, está claro que Bolsonaro, daqui em diante, terá que pedir permissão ao Centrão até para respirar.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 04 de abril de 2021 | 03h00

Brasil tem 29 fábricas de veículos paradas: 'Crise sem precedentes'

Uma crise considerada "sem precedentes" no fornecimento de componentes, aliada à queda da demanda no mercado interno com o agravamento da pandemia, levou à paralisação total ou parcial de 13 das 23 montadoras de automóveis do país, que somam 29 fábricas paradas, de um total de 58. Os dados são da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

Protesto de trabalhadores do setor em Taubaté; falta de chips eletrônicos e queda de demanda deixam mais de 60 mil operários em casa. (Crédito da Foto: Reuters / Roosevelt Cassio)

Essa não é a primeira vez que parte da indústria interrompe atividades no Brasil esse ano.

Entre janeiro e fevereiro, durante a crise de falta de oxigênio em Manaus, ao menos quatro fabricantes de motocicletas da Zona Franca paralisaram temporariamente a produção, segundo a Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares). Outras indústrias da região tiveram que reduzir turnos devido ao toque de recolher imposto para conter a proliferação do vírus no Estado.

Com a parada de produção, especialistas no setor automotivo estimam que até 300 mil veículos podem deixar de ser produzidos esse ano. E entre 60% e 70% dos cerca de 105 mil empregados diretos do setor estão em casa nesse momento.

A paralisação temporária de parte da indústria piora a perspectiva para o desempenho da economia brasileira em 2021. As projeções para o PIB (Produto Interno Bruto) já vêm sendo reduzidas desde janeiro, devido ao agravamento da pandemia e lento avanço da vacinação.

No início do ano, a projeção mediana do mercado para o avanço do PIB em 2021 era de 3,4%, após queda de 4,1% registrada em 2020. No boletim Focus do Banco Central mais recente (de 29/3), a previsão de crescimento para esse ano já estava em 3,18%. Mas os mais pessimistas já apostam em números abaixo dos 3%.

Volkswagen foi a primeira montadora a anunciar a suspensão da produção no país, em 19 de março (Crédito da foto: Divulgação Volkswagen)

Paradas em cascata

A Volkswagen foi a primeira montadora a anunciar a suspensão da produção no país, no dia 19 de março. "Com o agravamento do número de casos da pandemia e o aumento da taxa de ocupação dos leitos de UTI nos estados brasileiros, a empresa adota esta medida a fim de preservar a saúde de seus empregados e familiares", informou a companhia, na ocasião.

Nos dias seguintes, os anúncios de parada se sucederam. Algumas das empresas apontaram a falta de componentes como motivo para redução da produção, caso da Volvo e da GM.

"A Volvo vai reduzir a produção de caminhões em sua fábrica de Curitiba", disse a montadora sueca. "O motivo é o alto nível de instabilidade na cadeia - global e local - de abastecimento de peças, principalmente semicondutores, combinado com o agravamento da pandemia".

No último levantamento da Anfavea (de 30/3), estavam paradas: Mercedes, Renault, Scania, Toyota, Volkswagen, Volkswagen Caminhões e Ônibus, BMW, Agrale, Honda, Jaguar e Nissan. GM e Volvo não pararam totalmente, mas reduziram substancialmente a produção.

As paralisações começaram em 24 de março e as empresas planejam voltar entre 5 de abril e o final de maio. Mas os analistas avaliam que as paradas podem ser estendidas, dependendo do andamento das medidas de isolamento social nos estados e municípios, já que em muito deles as concessionárias estão fechadas, impedindo as vendas.

China é o maior produtor de chips do mundo e tem priorizado seu mercado interno na retomada (Crédito da foto: Getty Images)

Faltam chips em todo o mundo

Conforme Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da Jato Dynamics, consultoria especializada no mercado automotivo, são dois os motivos principais que levaram à onda de paralisação nas fábricas brasileiras de automóveis.

"O primeiro motivo é a falta de peças, decorrente de logística internacional, e problemas de suprimento, principalmente de semicondutores", afirma o consultor.

Segundo o especialista, o déficit de produtos se deve à recuperação da economia chinesa. O país asiático é o maior produtor de chips do mundo e tem priorizado seu mercado interno na retomada, em detrimento da exportação para outros países.

Além disso, os semicondutores também são usados pela indústria de notebooks, computadores, consoles de videogame, televisores e celulares, produtos cujas vendas cresceram muito na pandemia, devido à permanência das pessoas em casa.

"Em paralelo a isso, há também a diminuição das vendas em função da paralisação dos grandes centros urbanos pela segunda onda da covid", diz Kalume Neto.

De acordo com dados da Fenabrave, associação que representa as concessionárias, no acumulado de janeiro e fevereiro desse ano, foram emplacados cerca de 339 mil veículos no Brasil, entre carros, comerciais leves, caminhões e ônibus.

O montante representa uma queda de 14% sobre o mesmo período de 2020, sob impacto também do aumento de ICMS sobre a venda de veículos em São Paulo, estado que responde por mais de 23% da venda de carros novos e 40% das transações de usados no país.

Cassio Pagliarini, consultor associado da Bright Consulting, cita ainda a preocupação social das montadoras em meio ao agravamento da crise sanitária. "Com o aumento no número de mortes e infecções, as montadoras decidiram, em conjunto com os sindicatos, parar as atividades e fazer um plano de recuperação da produção mais à frente", diz Pagliarini.

Analistas estimam que de 55 mil a 300 mil veículos podem deixar de ser produzidos (Crédito da Foto: Agência Brasil)

Revisão de projeções

Com a parada de produção, a Jato Dynamics revisou sua estimativa para a quantidade de carros que deve ser vendida no Brasil esse ano, de uma estimativa de 2,3 milhões a 2,4 milhões no início do ano para 2,1 milhões. Em 2020, foram vendidos 1,95 milhão de veículos.

"Vamos ter que torcer muito para que atinja 2,1 milhões, vai depender muito de quanto a paralisação vai perdurar. A cada dia que as fábricas ficam fechadas isso afeta as projeções", diz Kalume Neto.

Já a Bright Consulting cortou sua projeção de 2,45 milhões para 2,38 milhões.

"Agora estamos na mão da pandemia", diz Pagliarini. "Por causa dos lockdowns e medidas de isolamento decretadas pelos governos estaduais e municipais, as concessionárias fecharam e o cliente ficou mais arredio. Então aquilo que perder agora, não vamos conseguir recuperar, não por causa de capacidade da indústria, mas por causa da capacidade de compra."

Pagliarini destaca que, em 2020, as vendas de veículos se recuperaram rapidamente porque elas competem principalmente com reformas de casa, cursos e viagens. Embora as reformas tenham continuado, cursos e viagens foram muito reduzidos, o que levou mais consumidores a investirem em carros, também diante da percepção de insegurança do transporte público.

Fabricantes Honda, Dafra, Triumph e J. Toledo chegaram a parar temporariamente a produção em Manaus (Crédito da foto: Agência Brasil)

Parada da indústria automotiva tem efeito em cadeia

A paralisação temporária da indústria automotiva deve impactar a produção industrial e também o desempenho do PIB em 2021, avalia o economista Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Com base em dados do Sistema de Contas Nacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para 2018, Considera destaca que a fabricação de automóveis, caminhões, ônibus e autopeças representa 0,9% do PIB brasileiro e 6,7% do PIB da indústria de transformação; 0,4% do emprego total do país e 4,1% do emprego da indústria; além de 1,4% dos salários da economia e 8,8% dos salários do setor industrial.

"Acontece o seguinte: isso é só o peso direto. Porque a indústria automotiva compra plástico, laminados de aço, produtos químicos, produtos metálicos, produtos de borracha", enumera o economista. "Tudo isso deixa de ser demandado quando você para de produzir automóveis."

Em fevereiro, mesmo antes da paralisação das montadoras, a produção industrial brasileira já havia recuado 0,7%, em relação a janeiro, com queda de 7,2% da produção de veículos, segundo o IBGE.

O Ibre-FGV estima que o PIB do país deve cair 0,5% no primeiro trimestre e outro 0,5% no segundo trimestre. Ainda assim, o instituto projeta alta de 3,2% do PIB no ano, contando com o avanço da vacinação e reabertura gradual das atividades no segundo semestre.

Zona Franca de Manaus em alerta

A perspectiva de menor crescimento do PIB brasileiro este ano coloca os fabricantes do Polo Industrial de Manaus em estado de atenção.

Algacir Polsin, superintendente da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), autarquia ligada ao Ministério da Economia que administra a Zona Franca, lembra que empresas do polo tiveram a atividade afetada no início desse ano, durante a crise de falta de oxigênio no Amazonas.

"Houve paralisação do período noturno, do terceiro turno das fábricas, em virtude das restrições do governo do Estado", diz Polsin. "Também houve paradas momentâneas de produção, por decisão de algumas empresas, por segurança, falta de peças ou até mesmo pela questão do oxigênio, que é usado na indústria e foi remanejado para a saúde."

Segundo a Abraciclo, entidade que representa a indústria de motocicletas, as fabricantes Honda, Dafra, Triumph e J. Toledo (representante da Suzuki no Brasil) chegaram a parar temporariamente a produção em Manaus.

Em janeiro, quando a produção industrial do Brasil como um todo avançou 0,4%, em relação ao mês anterior, a produção no Amazonas despencou 11,8%, conforme o IBGE. Ainda não há dados regionalizados para fevereiro.

"Nesse momento, já estamos com o polo industrial funcionando em ritmo normal. Mas estamos aguardando o que está acontecendo no restante do país", diz Polsin. "É natural que qualquer redução da demanda de produtos acabados, em virtude de restrições de trânsito e de funcionamento do comércio no restante do país, possa afetar o Polo Industrial de Manaus."

O desempenho da indústria automotiva também está sendo acompanhado de perto. "Temos peças de automóveis que são fabricadas aqui em Manaus e estamos acompanhando a situação, para ver se isso pode, com o passar do tempo, impactar o polo."

Polsin destaca porém que, em 2020, a Zona Franca registrou um crescimento de 14% no faturamento, em relação a 2019, mesmo em meio ao grave efeito do coronavírus sobre Manaus.

"A produção foi muito afetada em abril e maio do ano passado, em virtude da pandemia. Mas depois, voltou a crescer", diz o superintendente.

Segundo ele, isso foi possível devido à mudança de hábitos da população brasileira, que resultou em um aumento das vendas de aparelhos de ar condicionado e itens de informática, devido ao trabalho remoto e ensino à distância. Além do forte crescimento na procura por motos e bicicletas, como resultado do avanço do delivery.

Outras montadoras podem seguir a Ford e deixar o Brasil?

Ford anunciou em janeiro o fim da produção de veículos no Brasil e o fechamento de suas fábricas (Credito da foto: Reuters / Carla Carniel) 

Diante de um ano que começou com o anúncio da saída da Ford do Brasil e que registra já em março paradas significativas na maior parte do setor automotivo, naturalmente surge a dúvida: outras montadoras podem seguir a americana e deixar o país?

Para Kalume Neto e Pagliarini, da Jato Dynamics e da Bright Consulting, esse é um cenário que não pode ser descartado, mas não é o mais provável no curto a médio prazo.

Pagliarini explica que a saída da Ford está ligada à decisão da empresa de se dedicar à produção de pick-ups, vans e SUVs (veículos utilitários esportivos), veículos eletrificados e o modelo de luxo Mustang. Com isso, a companhia decidiu abandonar a produção de hatchs e sedans, os dois modelos mais populares no Brasil.

Além disso, a empresa foi contemplada por benefícios fiscais no país durante 15 anos, entre 2003 e 2018. Com o encerramento desses benefícios, a Ford não tinha rentabilidade na fábrica de Camaçari, na Bahia.

"Veio a pandemia e acelerou tudo", diz o analista da Bright Consulting, explicando que, diante da mudança de estratégia da empresa e da falta de rentabilidade e ociosidade de suas fábricas no Brasil, a queda de demanda causada pela pandemia acelerou o processo de tomada de decisão quanto à saída do país.

Assim, Pagliarini destaca que o caso da Ford teve particularidades. Mas é preciso levar em conta que a capacidade instalada no Brasil é para a produção de 4,8 milhões de veículos por ano e estão sendo produzidos atualmente praticamente a metade disso. "Tem mais de 2 milhões de capacidade ociosa no país", destaca o analista.

"Com a diminuição do mercado, existe sempre o risco de uma empresa acabar saindo, mas não está no horizonte nenhuma fábrica ser fechada no mercado brasileiro atualmente", avalia Kalume Neto, da Jato Dynamics.

E as montadoras podem voltar a demitir?

                              


'Empresas estão em espera. Não estão demitindo, mas estão examinando o mercado', diz analista (Crédito da foto: Getty Images)

Quanto à manutenção do emprego nas fábricas, os analistas avaliam que tudo vai depender da extensão das paradas de produção.

"Historicamente, antes da última crise, a indústria nacional trabalhava com 125 mil, 130 mil funcionários", lembra Kalume Neto. "Estamos hoje entre 100 mil e 105 mil, então já houve uma diminuição e isso é muito visível quando se visita as montadoras."

Segundo o analista, a segunda metade de 2020 foi de retomada da produção e do emprego, mas esse processo agora pode ser interrompido. "Com esse novo ciclo da pandemia, as empresas estão em espera. Não estão demitindo, mas estão examinando o mercado."

Essa também é a avaliação de Renato Almeida, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e trabalhador da GM.

A montadora anunciou em março a parada de suas plantas de São Caetano do Sul (SP) e Gravataí (RS) por falta de componentes eletrônicos. Em São José dos Campos (SP), 600 trabalhadores foram colocados em lay-off por dois meses - eles se somam a outros 368 funcionários que já estavam com contratos suspensos desde o ano passado.

"Vemos com muita preocupação a atual situação econômica e política do Brasil. Soma-se a isso agora essa crise sem precedentes de falta de peças, que desorganizou todo o parque industrial brasileiro", diz Almeida.

"Fizemos o acordo de lay-off com a direção da empresa com estabilidade do emprego, o que significa que não pode haver demissões por dez meses, nem para quem está na fábrica hoje e nem para os trabalhadores do lay-off", afirma.

"Isso nos dá uma certa segurança, mas nada é certo. Quantos acordos já não foram rasgados pelas montadoras? A própria Ford tinha acordo de estabilidade até 2021 e acabou determinando o fechamento das plantas", lembra o sindicalista.

O operador de máquinas Adriano Henriques Silva, de 40 anos, dez deles passados na fábrica da GM em São José, foi um dos 600 trabalhadores incluídos no lay-off mais recente.

Ele deve permanecer em casa entre 8 de março e 2 de maio, recebendo um benefício pago pelo governo a partir de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), com complemento do salário pela empresa. Essa é a segunda vez que o funcionário é colocado em lay-off, a vez anterior foi durante a crise de 2013-2014, quando Silva ficou em casa por cinco meses.

"Como estou com previsão de volta para daqui a dois meses, os dias não estão sendo tão difíceis. Estou encarando isso como umas férias, mas como é durante a pandemia, não tem como passear", diz Silva.

"Espero que, do jeito que eu saí, daqui a dois meses quando eu voltar, esteja tudo da mesma forma, com os mesmos colegas de trabalho e que normalize a produção. É isso que eu espero."

Thais Carrança, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 4 abril 2021, 08:09 -03