segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Luiz Galvão, poeta e fundador dos Novos Baianos, morre aos 87 anos

Amigo de João Gilberto, artista foi responsável por escrever a maioria das letras das músicas gravadas pela banda


O escritor e letrista Luiz Galvão, ex-integrante dos Novos Baianos, em foto de 1997 - 
Xando Pereira/Folhapress

Novos Baianos em roda de samba no sítio em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, nos anos 1970 Arquivo Nacional

Poeta, principal letrista e fundador dos Novos Baianos, Luiz Galvão morreu aos 87 anos na noite deste sábado (22). Ele estava internado no InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), na cidade de São Paulo, onde se recuperava de um infarto. A cerimônia de cremação acontece nesta segunda (24), na capital paulista.

A morte, cuja causa não foi divulgada, foi confirmada por seu filho, Lahirí Galvão, e por Caetano Veloso, além da companheira de banda Baby do Brasil, todos no Instagram. "Vá em paz, meu papai!", escreveu Lahirí.

Baby do Brasil afirmou que nos últimos anos Galvão enfrentou diversos problemas de saúde. Ela também escreveu sobre sua relação com o artista. "Vivemos tantos anos juntos, em grupo, morando no sítio Cantinho do Vovô, na Cobertura de Botafogo e em outros endereços. Totalizamos dez anos de vida juntos. Tivemos esse privilégio, de estarmos sob o mesmo teto, vivendo uma experiência única e intransferível."

Ela se lembrou de músicas que ele escreveu para que ela cantasse, como "A Menina Dança" e "Tinindo Trincando", duas das mais conhecidas na voz da cantora. "Nos tornamos uma família, desde 1969, quando começamos. Investimos com extrema dedicação no propósito de fazermos uma música, genuína, com as melhores influências de todos os tempos e sobretudo brasileiríssima!"

Caetano Veloso, que compôs com Galvão "O Farol da Barra", também se despediu do amigo. "Galvão criou e liderou o grupo Novos Baianos, acontecimento que se coloca entre os que mudaram o rumo da história do Brasil. Sendo de Juazeiro, atraiu João Gilberto para a casa coletiva em que viviam os membros do grupo. E isso definiu o caminho rico que se pode resumir no álbum 'Acabou Chorare', mas que se desdobrou em muito mais. Vamos sentir saudade dele —e também celebrar a peculiaridade de sua pessoa."

Nascido em Juazeiro, na Bahia, Luiz Galvão se formou em agronomia, ramo em que trabalhou por alguns anos antes de conhecer em Salvador Moraes Moreira, morto em 2020, e Paulinho Boca de Cantor. Torcedor do Vasco, ele também jogou futebol profissional na cidade natal.

Galvão e Moreira moravam na mesma pensão na capital baiana, onde criaram os Novos Baianos, um dos grupos mais importantes e criativos da história da música brasileira. A banda incorporou Pepeu Gomes e Baby do Brasil, que, à época, era chamada de Baby Consuelo.

O grupo estreou em 1969 no Quinto Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, e lançou seu primeiro álbum, "É Ferro na Boneca", no ano seguinte. Mas foi em 1972, após um encontro com João Gilberto, quando já moravam no Rio de Janeiro, que os Novos Baianos marcam a história da MPB com o álbum "Acabou Chorare".

O disco, que tem no repertório faixas marcantes como "Mistério do Planeta", "Preta Pretinha" e "A Menina Dança", além da faixa-título, vendeu 100 mil cópias e se tornou um clássico no cancioneiro brasileiro. Galvão é autor das letras de todas essas canções, musicadas por Moraes Moreira. A dupla formava o principal núcleo de composição da banda.

Livro escancara a intimidade tresloucada dos Novos Baianos nos anos 1970

No Rio, eles chegaram a viver como nômades, sem dinheiro e compartilhando as roupas, comendo e dormindo na casa de amigos, como narra o livro "Caí na Estrada com os Novos Baianos", de Marília Aguiar, ex-mulher de Paulinho Boca de Cantor.

Na época de "Acabou Chorare", os baianos já moravam juntos num sítio em Jacarepaguá na zona oeste do Rio de Janeiro chamado Cantinho do Vovô. Absorvendo as influências da contracultura que vinham no exterior, a banda, que mais tinha cara de coletivo, fez do local uma espécie de comunidade hippie, com futebol, samba, choro e rock and roll.

Moravam lá os integrantes da banda, incluindo os percussionistas Bola, Jorginho e Charles, suas namoradas ou esposas com os filhos, além de agregados. Era um ambiente criativo, onde o grupo compôs a maioria de seus sucessos, lançados nos anos 1970.

Também havia muito futebol. "Quando pintava dinheiro, iam até a lojinha do Nilton Santos comprar material para o time", disse Marília em entrevista à Folha. "Levavam tudo nas turnês. Tinham uma malinha de primeiros socorros com a inscrição Novos Baianos Futebol Clube. Tinha até massagista, que era um índio argentino que morava com a gente."

Foi naquele sítio que os Novos Baianos desenvolveram a influente mistura de de samba com choro, baião, bossa nova, guitarras de rock, psicodelia e a influência da tropicália. "As pessoas me perguntam: 'Que horas vocês ensaiavam?'. A vida era um ensaio", disse Moraes Moreira, em entrevista à Folha em 2016, afirmando que tinha ouvido uma adolescente dizer que o sonho dela era ter vivido no sítio com eles. "Falei: 'Tome juízo, menina. Você não sabe o que acontecia lá'."

"Acabou Chorare", álbum definitivo desta estética, passou ao longo dos anos a ser considerado uma das maiores obras da música brasileira. O álbum, aliás, é o primeiro da lista de 500 maiores discos da música brasileira, publicada em 2007 pela versão nacional da revista Rolling Stone.

No álbum "Novos Baianos F.C.", de 1973, Galvão e Moraes assinam outras faixas memoráveis. Entre elas estão "Só Se Não For Brasileiro Nessa Hora", "Quando Você Chegar" e "Com Qualquer Dois Mil Réis", uma colaboração de Pepeu Gomes.

Os Novos Baianos lançaram "Vamos pro Mundo" e "Novos Baianos", ambos de 1974, antes da saída de Moraes Moreira, que se deu no ano seguinte. Antes de chegar ao fim. a banda ainda fez outros três álbuns —"Praga de Baiano", de 1976, "Caia na Estrada e Perigas Ver", de 1977, e "Farol da Barra", de 1978.

O grupo depois se reuniu para shows comemorativos, como a turnê "Infinito Circular", de 1995, que rendeu um disco ao vivo homônimo. Mais recentemente, todos os integrantes fizeram parte da turnê "Acabou Chorare e os Novos Baianos se Encontram", de 2016. Galvão é o segundo integrante da banda a morrer, depois de Moraes Moreira.

Após o fim da banda, em 1978, Luiz Galvão se dedicou à carreira de escritor. Em 1997, lançou o livro "Anos 70: Novos e Baianos", em que discute a banda, incluindo seu encontro seminal com Moraes Moreira na pensão de Dona Maritó, em Salvador, em 1967. No lançamento da obra, os Novos Baianos chegaram a se reunir em um show para homenagear Galvão.

Mais recentemente, já com a saúde debilitada, Galvão comentou a obra de João Gilberto e detalhou sua relação com o amigo e pai da bossa nova em "João Gilberto, A Bossa", de 2021. O livro, que vinha sendo escrito desde 1999, teve a edição final feita pela mulher do poeta, Janete Galvão.

Galvão e João Gilberto se conheceram em Juazeiro, quando ainda eram crianças. O bossanovista teve suas primeiras aulas de violão com Dagmar, irmão do poeta, e acolheu os Novos Baianos quando eles foram ao Rio, no começo dos anos 1970.

Galvão conta no livro diversas histórias curiosas, como a ocasião em que João Gilberto, pouco familiarizado com a ideia de deixar dinheiro no banco, deu uma sacola cheia de notas e disse à mulher do poeta para comprar um carro. Ela reclamava que passava muito tempo no transporte público no trajeto entre sua casa e o trabalho.

"Ninguém nunca pedia. Ele sentia a situação. Era uma percepção misteriosa", disse Paulinho Boca de Cantor à Folha quando o livro foi lançado. "Quando ele nos visitava no apartamento dos Novos Baianos no Rio, logo dava muito dinheiro para que a gente comprasse comida no mercadinho 24 horas que tinha ali perto. Ele sempre se preocupou com o nosso jeito de viver."

"João Gilberto, A Bossa" também traz diversas histórias envolvendo o uso de drogas, principalmente a maconha, chamada pelo bossanovista de "Nelson". Num desses causos, surgiu a ideia da música "Lá Vem o Brasil Descendo a Ladeira", composta por Moraes Moreira.

Moraes Moreira, Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão em show da turnê 'Acabou Chorare os Novos Baianos se Encontram' - Marcus Leoni/Folhapress

O episódio se deu durante um passeio de carro de João Gilberto com alguns dos Novos Baianos. Eles pararam para ver o nascer do sol, quando o cantor de "Chega de Saudade" viu uma mulher elegante descer o morro onde estavam, e disse "lá vem o Brasil descendo a ladeira".

Galvão também é autor dos livros "Novos Baianos: A história do Grupo que Mudou a MPB", de 2014, e "Anos 80: A História de Uma Amizade na Década Perdida", de 2021.

Lucas Breda para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 23.10.22, às 09h45

Bolsonaro renega Jefferson e tenta vincular aliado a Lula e transformar ataque em gesto de apoio à PF

Presidente relembra mensalão e quer se distanciar de ex-deputado, que atirou e jogou granadas contra policiai

Para tentar negar vínculo com o dirigente do PTB, o presidente da República chegou a mentir e dizer que nem foto com ele teria, o que não é verdade.

O político de extrema-direita também foi recebido algumas vezes no Palácio do Planalto. De acordo com a agenda oficial, Bolsonaro teve reuniões com Jefferson ao menos duas vezes.

Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno tentaram ao longo do domingo (23) afastar Roberto Jefferson (PTB) da imagem do presidente e fazer do episódio um gesto de apoio a policiais.

O aliado bolsonarista e político de extrema direita foi preso pela Polícia Federal depois de tentar resistir à ordem judicial, disparar mais de 20 tiros de fuzil e lançar duas granadas contra os agentes. Dois deles ficaram feridos, mas sem gravidade.

Jefferson, que já estava em prisão domiciliar, foi alvo da ação por determinação de Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Segundo o ministro, ele descumpriu medidas impostas pelo Supremo dentro de uma ação penal em que ele é réu por incitação ao crime e ataque a instituições.

Nas declarações ao longo do dia, Bolsonaro chamou o ex-deputado de bandido, e o ministro da Justiça, Anderson Torres, o classificou como "infrator".

Depois, tratou mais do assunto durante a sabatina da TV Record. Ele foi entrevistado sozinho porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não quis participar do que seria um debate da emissora.

"Nós não somos amigos, não temos relacionamento. E tratamento pra pessoas que são corruptas ou agem dessa maneira como Roberto Jefferson agiu, xingando uma mulher e também recebendo a bala policiais, o tratamento dispensado pelo governo Jair Bolsonaro será de bandido", disse o presidente.

Ao chegar à emissora, fez um pronunciamento a jornalistas, sem direito a perguntas, em que afirmou: "Não existe qualquer ligação minha com o Roberto Jefferson". Ele disse haver uma notícia-crime contra ele protocolada por Jefferson.

Bolsonaro chegou a chamar Jefferson de "advogado renomado", para em seguida dizer que os xingamentos contra a ministra Cármen Lúcia eram inadmissíveis.

"E depois quando chega ordem de prisão pra ele, não importa se é legal ou não, ele recebe policiais com tiro. Quem recebe policial com tiro é bandido", disse.

O chefe do Executivo também foi categórico ao vincular o aliado, que agora faz questão de tratar como ex, ao adversário petista, a quem acusou querer "tirar proveito" do episódio.

Bolsonaro tentou ligar Jefferson ao PT, retrocedendo ao escândalo do mensalão, que estourou em 2005, após entrevista em que delatou o caso à Folha.

Aliados seguiram o tom nas redes sociais e compartilhavam fotos, ao longo deste domingo, de Jefferson ao lado de Lula, no começo do governo do petista. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi um deles.

"Não tem uma uma foto dele comigo, nada", disse Bolsonaro na superlive que durou até a tarde de domingo.

Imagens dos dois juntos estão registradas e foram divulgadas pelo PTB, partido de Jefferson desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, em 2019.

Há diversas fotos deles, a exemplo das publicadas pelo PTB em abril e setembro de 2020. Nas redes sociais do ex-deputado, também há publicações com os dois, como uma foto publicada em abril de 2021.

Auxiliares do chefe do Executivo buscaram transformar o episódio envolvendo a prisão de Jefferson em uma demonstração de apoio de Bolsonaro aos policiais federais.

Alas da categoria chegaram a apoiá-lo mais fortemente no passado, mas com o tempo foram se distanciando. Bolsonaro trocou quatro vezes o diretor-geral da PF.

Assim, o gesto é, em grande parte, eleitoral. Ele busca se reeleger para a Presidência no próximo domingo (30), numa acirrada disputa contra o ex-presidente Lula.

Num gesto incomum, Bolsonaro chegou a ordenar que o ministro da Justiça, Anderson Torres, fosse ao local para acompanhar o caso e depois fosse visitar os policiais feridos. Ele ficou, contudo, em uma delegacia de Juiz de Fora (MG).

Interlocutores do chefe do Executivo disseram que sua ida era para defender a PF, uma vez que policiais foram atingidos. Torres comentou no Twitter, mais tarde, sobre o que chamou de sua solidariedade com os agentes feridos, chamou Jefferson de infrator e parabenizou a corporação pelo excelente trabalho.

Bolsonaro repetiu, durante entrevista à Record, que pediu ao ministro para que o político fosse tratado como bandido. "Ato contínuo determinei que ele fosse para o Rio de Janeiro conversar com os dois policiais e ver a situação de saúde dos policiais que sofreram ferimentos por parte de Roberto Jefferson".

Ainda na chegada à TV Record, o presidente condenou as ofensas de Jefferson à ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lucia, que a comparou a "prostitutas", "arrombadas" e "vagabundas".

Em seguida, Bolsonaro passou a enumerar situações em que "o tratamento não é o mesmo".

Bolsonaro citou situação como exemplo um episódio envolvendo a primeira-dama Michelle. "Também há poucos dias, a minha esposa, de Alagoas, foi atacada nas mídias sociais pela procuradora-geral Samya Suruagy como vagabunda. Então, essa questão de ódio não parte de nós. Muito pelo contrário", disse.

O presidente nega qualquer relação com o ex-deputado de extrema-direita, mas seu principal aliado nos debates do primeiro turno na disputa presidencial era o candidato do PTB, Padre Kelmon.

Neste domingo, ele foi à casa de Jefferson e entregou à Polícia Federal fuzis do ex-deputado de extrema-direita.

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Artur Rodrigues e Marianna Holanda, de São Paulo e Brasília para a Folha de S. Paulo, em 24.10.22, às 4h00

Do 23 ao 30: guia de sobrevivência

Caso haja debate, bote o alarme para o horário, faça pipoca, encha um copão de Coca Zero com gelo e limão e maratone 'Friends'

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 23 de Outubro de 2022, mostra o desenho de um casal jovem olhando um mapa em uma paisagem campestre. Ele usa uma roupa de escoteiro e ela carrega flores. Ao fundo, rastros de meteoros riscam o céu.

Sexta, 22h11, acabo de escrever a crônica de domingo. Releio e me descem mal palavras como "ditadura", "eletrochoque", "pedofilia". Deus do céu, Antonio, pra que isso? As pessoas já tão à beira de um ataque de nervos, você ainda vai jogar gasolina na fogueira?

Não. Joguei foi a crônica fora. De que adianta ganharmos as eleições domingo que vem se antes disso enfartarmos? Para sobrevivermos a estes sete dias, precisamos de palavras de outra ordem. Que tal "mar", "engatinhando", "pururuca", "Friends"?

O título da nova crônica vai ser, vejamos... "De 23 a 30 de outubro: guia de sobrevivência na travessia". Ou "Tocando a vida com leveza e alegria enquanto quase metade da população nacional embarca em nome de Deus e da família no apocalipse zumbi". Eita. Recomecei pra ser mais leve e a crônica já emborcou novamente. Voltemos à busca da tranquilidade possível.

Toda vez que abrir a internet e der com a cara do Bolsonaro, vá até o Google. Digite: "Bar+Grécia+beira+mar". Ou: "Fernando+de+Noronha+golfinhos". Ou simplesmente: "pururuca". Faça as mesmas buscas no YouTube. Ouça as ondas batendo sob o deck do bar grego ou o leitão pururucando como pipocas na panela. (Muita atenção pra não ler absolutamente nada que o YouTube te oferecer, ou transformar-se-á numa estátua de sal).

Toda vez que um amigo ou parente te ligar surtando "O que vai ser de nós?! O que vai ser de nós?!", mentalize: "Meu último check-up veio ok". Ou: "Tenho uma esposa (ou marido) ou namorada(o) ou conta no Tinder e isso significa que existe a possibilidade de eu fazer sexo nesta semana". Se tiver filho, vá ao rolo de fotos do celular e reveja uma imagem dele engatinhando. Pense: nem Hitler nem Stálin nem Pinochet evitaram que bebês aprendessem a engatinhar.

Procure se alimentar bem, hidratar-se, fazer esporte e, se possível, evite bebidas alcoólicas. Caso seja impossível, viva à base de cachaça com x-salada e de sobremesa vá de pudim de Frontal com Rivotril em calda.

Caso haja debate, bote o alarme para o horário, faça pipoca, encha um copão de Coca Zero com gelo e limão —e maratone "Friends". Concentrando-se na Phoebe. Tente entrar na Phoebe e ver o mundo através dos olhos dela. Compre um violão e aprenda a tocar "Smelly Cat". (Se vier o pensamento de que Joey talvez apertasse 22, mude para "Seinfeld". Ali, acredito, todos seriam Tebet no primeiro turno e Lula no segundo. Kramer, um caso clínico, não conta. Talvez fosse um ex-brizolista que votasse nulo desde a morte do Enéas).

Silencie todos os grupos de zap e, por maior que seja a tentação, não abra. Se preciso, atire seu celular na privada. Ou: baixe Tetris e sempre que passar por sua cabeça responder a um tuíte ensandecido sobre a ideologia de gênero comunista maconhista gayzista quilombolista do Paulo Freire, trate de respirar fundo e se jogar na ludoterapia.

Por fim: entre cada uma dessas atividades, converse com todos os conhecidos que acreditam que a Terra seja redonda e tente convencê-los de que mais quatro anos do energúmeno seriam uma tragédia maior do que qualquer petrolão imaginável.

É 00h24. Terminei a crônica. Google: "Bar+aberto+avenida+Paulista+30/10". Imagino-me ali, domingo, na comemoração pela vitória da democracia. Em cima de uma mesa. Uma mão dada com o Boulos e a outra com a Simone Tebet. Todos dançando cancan enquanto o Emicida canta, em parceria com a Fafá de Belém, o hino nacional.

Antonio Prata, o autor deste artigo, é escritor e roteirista. Autor de "Nú, de Botas". Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 22.10.22, às 13h26

Os cofres públicos de Bolsonaro

Uso do dinheiro público para seduzir eleitorado tipifica crime

O presidente Jair Bolsonaro durante culto em Brasília - Gabriela Biló - 17.out.2022/Folhapress

É o cúmulo do atraso em uma sociedade que o futuro de um país com 156 milhões de eleitores, ou o futuro da mais influente potência mundial, seja subordinado à difusão de informações falsas. Cá e lá, essa nova arma antidemocracia encontrou adeptos e condições favoráveis como em nenhum outro país. Cá e lá, a direita mais desvairada domina, em número e falta de escrúpulos, o uso proveitoso dessa nova criminalidade que se sobrepõe até ao Estado perplexo e impotente.

Por aqui, não basta. A imoralidade predominante no poder de governo está em nível equivalente às republiquetas e tiranias mais indecentes, do passado e do presente. O uso do dinheiro público por Bolsonaro e Paulo Guedes, para seduzir segmentos do eleitorado, tipifica crime múltiplo. A começar por transgredir a proibição legal de medidas, no período eleitoral, favorecedoras do eleitorado a seduzir.

A notícia mais recente a respeito indica R$ 21 bilhões extraordinários já comprometidos desse modo. Mas o pacotaço lá atrás, que deslanchou o compartilhamento Bolsonaro-centrão, reuniu cerca de R$ 95 bilhões com destinação sempre conectada à produtividade eleitoreira. Além disso, são quatro anos em que Bolsonaro esteve ativo sem trabalhar como governante. Talvez tenha sido melhor assim, considerado o grau extremo de sua ignorância. E os propósitos. Sua atividade, porém, sempre de promoção pessoal, com viagens de diversão e de interesses sombrios (idas a Moscou e Hungria, por exemplo) é toda bancada pelos cofres públicos.

Custo alto o desses quatro anos de campanha bolsonarista ininterrupta e repleta de ilegalidades. Diante disso, as instituições que "estão funcionando" não funcionam. Tanto que são quatro anos de abuso desavergonhado —e nada que o detivesse, sem sequer lembrar as punições determinadas pelos códigos das instituições que "estão funcionando".

E quando um ou outro na Justiça Eleitoral, no Supremo, no Tribunal de Contas, um procurador, arma-se da sua hombridade e faz funcionar uma partícula das instituições que "estão funcionando" inertes é atacado pelos que não atacam a imoralidade, a corrupção, nem mesmo a mortandade criminosa de dezenas ou centenas de milhares dos nossos próximos.

Augusto Aras aciona o Supremo contra as exclusões de fake news determinadas por Alexandre de Moraes. Logo quem. Esse fugitivo das obrigações morais e legais acusa o presidente do TSE de se atribuir superpoderes, na contenção das redes. Aras é o clone de procurador-geral da República que não demonstra caráter nem para um parecer simplório sobre as conclusões da CPI da Covid, relato criterioso das patifarias comerciais e da pregação contra medidas protetivas da população na pandemia, inclusive com induções terapêuticas falsas. Aras é o próprio crime.

Precisamos dar-nos e dar ao nosso país a oportunidade que lhe faltou: sempre, de investigar e sentenciar os responsáveis dos horrores de tantos crimes contra a população e os bens nacionais, como a pandemia incentivada e a devastação amazônica. Esses crimes, não resultando na condenação dos autores e beneficiários, consolidam a condenação do país a dirigir-se contra o que podemos ser e ter. Isso se decidirá, com a democracia, em cada voto do dia 30.

PEDÓFILO

"Pedofilia: perversão que leva um adulto a sentir atração sexual por crianças" (Caldas Aulete).

"Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, numa comunidade. Pintou um clima. Voltei, ‘posso entrar na tua casa?’ Entrei". (Bolsonaro, podcast Paparazzo Rubro-Negro, 14.out).

Menininhas de 14, 15 anos são menores, não chegaram nem à maioridade eleitoral de 16 anos. Nas duas ocasiões em que falou do clima que pintou, Bolsonaro disse que entrou na casa: o clima foi além do encontro. É indiferente que Bolsonaro não escrevesse o que se seguiu na casa. O que disse e a definição de pedofilia bastam para sustentar que a senadora Simone Tebet e outros não incorrem em inverdade e insulto ao citar Bolsonaro como pedófilo. Ele se mostrou e se disse.

Segunda parte. "Todas muito bem arrumadas, tinham tomado banho, estavam fazendo o cabelo. Venezuelanas. Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia, quer que eu fale? Para fazer programa. Qual era a fonte de sobrevivência delas? Essa". (Bolsonaro, mesmo podcast).

"Arrumadas para ganhar a vida", "para fazer programa", "fonte de sobrevivência delas". Nenhuma dúvida: as menininhas na citação de Bolsonaro vivem de prostituição. Na realidade, são refugiadas sob atenções da Caritas e, quando Bolsonaro viu pintar um clima, apenas faziam curso de estética feminina.

Nenhuma dúvida: cada uma das meninas tem direito a pesada indenização por danos morais e psíquicos. Michelle Bolsonaro e Damares Alves foram ao encontro das meninas para evitar o processo indenizatório. As meninas esperam por um advogado honesto.

Jânio de Freitas, o autor este artigo, é Jornalista. Publicado pela Foha de S. Paulo, em 22.10.22, às 14h20


sábado, 22 de outubro de 2022

Checamos a sabatina de Jair Bolsonaro no pool de imprensa do ‘Estadão’

Presidente mente ao dizer que nunca tentou ‘derrubar página de ninguém’ e que não é responsável pelo orçamento secreto   

     Jair Bolsonaro. Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro (PL) mentiu ao falar de medidas contra usuários de redes sociais e orçamento secreto durante sabatina nesta sexta-feira, 21, promovida por Estadão, Rádio Eldorado, SBT, CNN, Veja, Terra e Rádio Nova Brasil. A entrevista substituiu o debate que ocorreria entre o candidato à reeleição e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)  –  este último desistiu de participar.

Confira abaixo a checagem do Estadão Verifica sobre as principais declarações de Bolsonaro

Auxílio emergencial

O que Jair Bolsonaro disse: que seu governo concedeu auxílio emergencial para 68 milhões de pessoas.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade que o auxílio emergencial, inicialmente de R$ 600 e depois reduzido à metade, foi pago pelo governo federal a 68,2 milhões de pessoas com o objetivo de amenizar os danos econômicos causados pela pandemia de covid-19. Nem todas essas pessoas, contudo, tinham direito ao benefício. Balanço da Fiscalização do Auxílio Emergencial, do Tribunal de Contas da União (TCU), atualizado em setembro de 2022, estima que cerca de 7,3 milhões de pessoas fora dos requisitos legais teriam sido beneficiadas indevidamente.

Além disso, 6,4 milhões de mães chefes de família ganharam indevidamente uma cota excedente do benefício. A soma dos erros gerou um custo estimado de R$ 54 bilhões em pagamentos indevidos. 

Orçamento secreto

O que Bolsonaro disse: que vetou o orçamento secreto, mas que o Congresso derrubou o veto.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Como mostrou esta checagem, a primeira tentativa de aprovar o orçamento secreto, de fato, partiu do Congresso e foi vetada por Jair Bolsonaro. Em dezembro de 2019, no entanto, o chefe do Executivo recuou do próprio veto e encaminhou novo projeto de lei que criou a emenda RP9.

O esquema foi revelado pelo Estadão, que mostrou, em uma série de reportagens, que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, havia convencido o presidente de que o orçamento secreto engessaria a economia. O atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, ressuscitou a proposta e, dessa maneira, Bolsonaro voltou atrás na decisão de barrar a medida.

Índice de homicídios

O que Jair Bolsonaro disse: que, em 2021, foi registrado a menor taxa de assassinatos dos últimos 30 anos: 20 por 100 mil habitantes. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. O Atlas da Violência 2021 – mais recente mapeamento de mortes violentas no Brasil – traz dados referentes a 2019, quando foram registrados 45.503 homicídios no País, uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes. 

A taxa é a menor desde 1995  –  ou seja, em 24 e não em 30 anos  –, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que organiza o estudo, Em 1992, por exemplo, a taxa era de 19,21.

O documento destaca que uma queda acentuada de 22,1% no número de mortes violentas, observada entre 2018 e 2019, deve ser vista com cautela em função da deterioração na qualidade dos registros oficiais nos últimos anos.

Censura a páginas nas redes sociais

O que Bolsonaro disse: que nunca tentou “derrubar página de ninguém”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não é bem assim. No último 15 de outubro, a campanha do presidente pediu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que fossem derrubados todos os perfis das redes sociais do deputado federal André Janones (Avante-MG) até o fim da eleição. Segundo a coligação de Bolsonaro, Janones teria cometido abuso dos meios de comunicação para divulgar informações supostamente enganosas, incitando o compartilhamento de publicações depreciativas ao presidente.

Redução de IPI

O que Bolsonaro disse: que editou decreto para diminuir 35% do Imposto sobre Produtos Industrializados de 4 mil produtos.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdadeiro. A declaração se refere ao Decreto nº 11.182/2022 que, segundo a Casa Civil, garante a redução de 35% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da maioria dos itens fabricados no Brasil. O Agência Brasil explicou que esse imposto federal incide sobre cerca de 4 mil itens nacionais e importados que passaram por algum processo de industrialização.

Preservação do meio ambiente

O que Bolsonaro disse: que temos 84% da Amazônia preservada.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Uma análise do projeto Mapbiomas, parceria entre universidades, ONGs e instituições nacionais, apurou que imagens registradas pelos satélites Landsat desde 1985 mostram que o Brasil perdeu 18% da Amazônia entre 1985 e 2017. O Observatório do Clima afirma também que cerca de outros 20% da floresta estão degradados, tendo presença de garimpos, grileiros e madeireiros ilegais.

Além disso, dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que o desmatamento acumulado na Amazônia sob o governo Jair Bolsonaro, de janeiro de 2019 a julho de 2022, atingiu 31 mil km².

Economia na pandemia

O que Bolsonaro disse: Gastamos R$ 700 bilhões em 2020, na pandemia. Não tivemos dólar indo para cima e bolsa indo para baixo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Embora seja fato que o governo federal destinou R$ 700 bilhões para enfrentamento da covid-19 em 2020, não é verdade que o dólar não subiu. Em dezembro de 2020, o dólar registrou aumento acumulado de mais de 29%, o que deixou a moeda brasileira com o segundo pior desempenho global no ano em meio à pandemia. 

Em março de 2020, o Ibovespa despencou e acumulou desvalorização de 45%. No entanto, em dezembro, o índice reverteu as perdas no acumulado do ano e subiu 82,71%. 

Votação do Auxílio Brasil

O que Bolsonaro disse: que a bancada do PT foi contra a criação do Auxílio Brasil de R$ 400.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O Auxílio Brasil foi criado por meio de uma Medida Provisória (MP), sem passar por votação de imediato. A MP 1061 foi publicada no Diário Oficial da União em 9 de agosto de 2021, tendo efeito imediato. Posteriormente, no dia 25 de novembro, a medida foi votada pela Câmara dos e aprovada por 344 votos a favor, com apoio do PT e de outros partidos da oposição. Ninguém votou contra. No Senado, a votação foi simbólica e não teve o registro nominal dos votos. No entanto, de acordo com as notas da sessão, que ocorreu no dia 2 de dezembro de 2021, senadores do PT se manifestaram de maneira favorável.

Pagamento do Auxílio Brasil

O que Bolsonaro disse: que o Auxílio Brasil beneficia 21 milhões de pessoas e custa aproximadamente R$ 12 bilhões por mês.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade. De acordo com o Ministério da Cidadania, em outubro, o Auxílio Brasil será pago a 21,13 milhões de famílias. O investimento para o repasse mínimo de R$ 600 será de R$ 12,8 bilhões. 

Meio Ambiente

O que Bolsonaro disse: que seu governo foi muito melhor do que os anteriores (no desmatamento).

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não é bem assim. Segundo dados do Projeto Prodes, no governo de Bolsonaro, a taxa de desmatamento da Amazônia subiu 73% nos três primeiros anos da gestão (2019 a 2021). Em 2020 e 2021, o desmatamento da Mata Atlântica teve aumento de 66% em relação a 2019, e também foi registrado aumento no desmatamento do Cerrado. Esses dados foram reunidos pela BBC e divulgados em 17/10/2022.

Preservação da vegetação

O que Bolsonaro disse: que hoje 2/3 do nosso solo está preservado, da mesma forma que Pedro Álvares Cabral encontrou.

O Estadão Verifica checou e concluiu que: não é bem assim. A MapBiomas levantou que, entre 1985 e 2021, o Brasil passou de 76% de cobertura de vegetação nativa para 66%. Apesar da porcentagem, isso não significa que essas áreas sejam totalmente conservadas: segundo a pesquisa, pelo menos 8,2% de toda vegetação nativa existente é secundária, ou seja, são áreas que já foram desmatadas pelo menos uma vez nos últimos 37 anos ou já estavam desmatadas em 1985.

Valor do Bolsa Família

O que Bolsonaro disse: que o Bolsa Família, até o ano passado, pagava R$ 42. 

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não é verdade. O menor valor pago pelo Bolsa Família foi no ano de 2005, durante a gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): R$ 45,60 – em valores corrigidos pelo IPCA o benefício é de R$ 157,26. O valor mais alto da história foi durante o governo de Dilma Rousseff (PT), com média de R$ 155,90 (R$  339,90 em valores de hoje, com a correção pelo IPCA). A mesma afirmação foi checada pelo Estadão Verifica no debate entre Bolsonaro e Lula promovido pela TV Band no último dia 16. 

Política de drogas

O que Bolsonaro disse: que Lula já falou que quer a legalização das drogas.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O plano de governo de Lula não prevê legalização de drogas. No item 34 das diretrizes do seu programa de governo, é defendida uma nova política sobre drogas “focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”. No combate ao tráfico, fala de  estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência”.

Ministérios e apoio político

O que Bolsonaro disse: que não entregou cargos em ministérios em troca de apoio político.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Em 2021, Bolsonaro deu a chefia da Casa Civil para o então senador Ciro Nogueira (PP-PI) para contornar o desgaste político que vinha sofrendo. Ciro é uma das lideranças do Centrão e já foi aliado de Lula.

O presidente também já havia nomeado a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF) para chefiar a Secretaria de Governo. Ela ficou responsável por administrar a relação de sua administração com o Congresso.

Intervenção do Centrão em bancos públicos

O que Bolsonaro disse: que não entregou o comando de bancos públicos em troca de apoio político.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. No ano passado, o Estadão mostrou como a pressão de Valdemar da Costa Neto, presidente do atual partido de Bolsonaro, foi fundamental para a demissão de Romildo Carneiro Rolim da presidência do Banco do  Nordeste.

Programa de alfabetização premiado pelo Banco Mundial

O que Bolsonaro disse: que o governo federal criou o programa conhecido como Recuperação de Aprendizado, que foi premiado pelo Banco Mundial como um dos melhores do mundo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Em maio de 2022, o Conselho Diretor do Banco Mundial aprovou o projeto de Recuperação das Perdas de Aprendizagem Provocadas pela Pandemia de COVID-19 no Brasil, no valor de US$ 250 milhões. Após a aprovação, não há registro que a iniciativa também tenha sido premiada.

Alfabetização infantil

O que Bolsonaro disse: que, em gestões passadas, uma criança era alfabetizada em três anos; em seu governo, são seis meses.

O Estadão Verifica concluiu que: é enganoso. O presidente voltou a repetir o dado que dissera em debate na Band. Na ocasião, ele disse que um aplicativo de jogos seria o responsável pelo suposto sucesso na alfabetização de crianças. Mas pesquisas feitas em vários países mostraram que ele não tem nenhum efeito na aprendizagem se for usado pelo aluno sozinho.

Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, o tempo considerado ideal para a alfabetização plena é de até dois anos (1º e 2º anos do fundamental).

Gabriel Belic, Gabriela Meireles, Jorge C. Carrasco, Luciana Marschall, Maria Eduarda Nascimento e Milka Moura, os autores desta checagem, são Jornalistas. Publicada originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 22.10.22, às 00h11

Golpe à vista: Bolsonaro condiciona aceitação do resultado eleitoral à análise dos militares

Bolsonaro voltou a condicionar sua aceitação do resultado da eleição à análise dos militares. “Os militares foram convidados na defesa eleitoral, se nada for encontrado, você não tem porque duvidar”, afirmou.

O chefe do Executivo, no entanto, voltou a levantar dúvidas sobre o processo eleitoral, argumentando ter maior popularidade do que o adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A declaração foi feita durante sabatina nesta sexta-feira, 21, promovida por Estadão, Rádio Eldorado, SBT, CNN, Veja, Terra e Rádio Nova Brasil. A entrevista substituiu o debate que ocorreria entre o candidato à reeleição e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)  –  este último desistiu de participar.

Sobre a reaproximação com o senador eleito Sérgio Moro (União Brasil), Bolsonaro afirmou que ambos são “o destino do Brasil” e, por este motivo, teriam deixado de lado “qualquer equívoco ou rusgas do passado”. “Não existe qualquer convite da minha parte, nem promessa sobre ele ser ministro”, declarou.

Esta informação está publicada n'O Estado de S. Paulo, em 22.10.22

TSE amplia seus poderes para combater a enxurrada de notícias falsas

As decisões da instituição contra a desinformação provocam críticas por seu impacto na liberdade de expressão

Sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. (Crédito da foto: Evaristo Sá)

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil se rearma diante das notícias falsas. A instituição aprovou esta quinta-feira a ampliação dos seus poderes para combater a desinformação que inunda a reta final das eleições presidenciais do país . A partir de agora, as plataformas de mídia social terão no máximo duas horas para remover as postagens atingidas por uma ordem judicial, acima das atuais 24 horas. Além disso, o TSE pode estender a aplicação de seus pedidos a outros usuários que tenham replicado conteúdo semelhante ao já removido. As ações do tribunal contra postagens na Internet já levantaram preocupações sobre seu impacto na liberdade de expressão.

O objetivo da resolução é acelerar a remoção de conteúdo falso. Antes, o TSE só ordenava a retirada de publicações feitas por usuários denunciados pelas campanhas. Isso não afetou as pessoas que replicaram esse mesmo conteúdo, mas que não fizeram parte da reclamação original. Para cobrir esse novo buraco, o denunciante teve que apresentar outra queixa na justiça, o que era complicado e permitia que as notícias falsas se tornassem virais sem parar.

Agora, por outro lado, o TSE poderá ordenar imediatamente a eliminação de todas aquelas publicações que replicam conteúdos já suprimidos. Os prazos para remoção desse conteúdo pelas redes sociais serão bem mais curtos: duas horas para os próximos dias e apenas uma hora durante o período de 48 horas antes da eleição até três dias depois. As multas em caso de descumprimento variam entre 100.000 e 150.000 reais por dia, entre 19.000 e 28.000 dólares. A produção “sistemática” de desinformação também pode justificar a suspensão temporária de perfis e contas.

A prorrogação de poderes ocorre um dia após o ministro-presidente do TSE, Alexandre de Moraes, se reunir com representantes de plataformas como Facebook e Google para notificá-los de que iriam apertar as medidas. “Graças ao apoio das plataformas e redes sociais, tivemos uma primeira rodada razoável, talvez até melhor do que esperávamos. Porém, neste segundo turno estamos cada vez pior nesse aspecto”, afirmou, em declarações coletadas pela mídia brasileira.

Denúncias contra publicações de veracidade duvidosa em plataformas digitais aumentaram 1.671% nessas eleições em relação às eleições municipais de 2020, segundo o TSE. Entre as notícias falsas mais notórias está a acusação de que o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva vai fechar as igrejas se vencer, um disparate que tem sido espalhado pelos próprios filhos de Bolsonaro e que tem muito eco entre os eleitores evangélicos. A Justiça Eleitoral ordenou a remoção desse tipo de conteúdo toda vez que foi denunciado.

Lula também não está isento das decisões do TSE. Sua campanha divulgou recentemente propaganda baseada em uma entrevista em que o atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro se refere em termos sensuais a um encontro com adolescentes venezuelanos . O TSE proibiu o uso dessas declarações, a pedido da campanha de extrema-direita, por terem sido "retiradas do contexto" e por tentarem vincular o candidato a um crime sexual.

O ativismo do TSE tem causado atritos com políticos e a mídia. A linha entre a censura e os esforços anti-fake news é delicada, dizem alguns. Em editorial na semana passada, o importante jornal Folha de São Paulo pediu que o TSE seja mais “parcimonioso” e encontre um equilíbrio. “Não há tribunal independente sem democracia, mas não há democracia sem liberdade de expressão”, destacou. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) manifestou nesta quarta-feira sua preocupação com a “escalada de decisões judiciais que interferem na programação das emissoras”. Alguns dias antes, o TSE ordenou que a rádio Jovem Pan cedesse espaço a Lula, tendo em vista que alguns comentaristas haviam manifestado opiniões tendenciosas contra o candidato.

Às vezes, o TSE retirou conteúdos que nem eram falsos, como o fragmento de entrevista com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello que havia sido utilizado pela propaganda eleitoral de Bolsonaro. Na gravação, Mello disse que a justiça não declarou Lula inocente dos casos de corrupção, mas anulou as condenações por vícios formais do processo, o que é verdade. Resta saber se o TSE usará seus novos poderes como arma de precisão contra a desinformação ou como bazuca.

Jon Martin Cullell, o autor deste artigo, é editor da delegação do EL PAÍS no México desde 2018. Escreve principalmente sobre economia, energia e meio ambiente. É graduado em Ciência Política pela Sciences-Po Paris e mestre em Jornalismo pela Escola UAM-El PAÍS. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 21.10.22, às 7h:15

Os sociopatas de colarinho branco estão aí e têm mentes muito perigosas

Quando um indivíduo muito sintomático é colocado em posição de poder e influência, seus sintomas podem se propagar à população por meio de ligações emocionais, amplificando patologias pré-existentes e afetando até indivíduos previamente saudáveis

(crédito: Kleber/CB/D.A Press )

A coluna Neurônios em Dia da semana passada tratou do perfil psicológico de indivíduos que querem a destruição dos modelos institucionais vigentes, um ativismo disruptivo a que foi dado o nome de Necessidade de Caos por cientistas políticos da França e da Dinamarca, este ano. Os pesquisadores se somaram a um grande corpo de evidências que estuda a escalada de líderes populistas nas democracias ocidentais nos últimos anos. Hoje, falaremos um pouco mais sobre esses personagens.

No ano de 2021, o presidente da Coalizão de Saúde Mental Mundial rejeitou a orientação da Associação Americana de Psiquiatria ao dar um diagnóstico psiquiátrico a uma pessoa pública, no caso, Donald Trump, sem examiná-lo pessoalmente. A Coalizão se valeu da Declaração de Genebra, que defende que médicos podem se expressar frente a governos destrutivos — Declaração criada após a experiência do nazismo.

De acordo com a Coalizão, o fenômeno Trump e seus seguidores está embasado em um narcisismo simbiótico e uma psicose compartilhada. Por narcisismo simbiótico devemos entender que um líder, faminto por adulação para compensar sua baixa autoestima, projeta uma onipotência grandiosa, enquanto seus seguidores, carentes pelo estresse social e econômico, buscam ansiosamente por uma figura parental. Quando esses indivíduos assumem posições de poder, eles elicitam a mesma patologia numa parte da população com encaixe perfeito, como uma chave feita para aquela fechadura.

Quanto à psicose compartilhada, eles a chamam também de folie à million. Folie à deux (loucura a dois) é um fenômeno descrito na psiquiatria desde o século XVII e refere-se a sintomas delirantes compartilhados por duas pessoas, geralmente da mesma família ou próximas. A folie à deux também é chamada de transtorno psicótico induzido, e folie à million, socorro! Quando um indivíduo muito sintomático é colocado em posição de poder e influência, seus sintomas podem se propagar à população por meio de ligações emocionais, amplificando patologias pré-existentes e afetando até indivíduos previamente saudáveis. E o fator delirante provavelmente é mais forte do que um cálculo estratégico, pois ele se dissemina mais facilmente.

É importante salientar que os indivíduos com transtornos mentais como um grupo não são mais perigosos que a população geral, mas quando o transtorno mental vem acompanhado de componentes destrutivos, esses indivíduos são mais perigosos, sim. E de onde vem esse elemento destrutivo? Simplificando, se uma pessoa não recebe amor, ela busca respeito. Se ela não tem o respeito, ela realiza ameaças. Trump viveu a rejeição, e a violência é uma compensação à perda de poder.

Essa não é uma história de ficção e qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real aqui nos trópicos não é mera coincidência. Em 2021, um grupo de renomados advogados e professores pediram ao Supremo Tribunal Federal que o presidente Jair Bolsonaro fosse submetido a exames para avaliar se ele é mentalmente apto a exercer as funções de presidente.

Poucos meses antes, o psiquiatra forense Guido Arturo Palomba, autoridade com mais de 30 anos de dedicação ao assunto, apontou que o presidente apresenta traços inequívocos de transtorno mental, com sinais de desvio de personalidade e condutopatia, termo este cunhado por ele para deformidade de conduta — uma sociopatia em que a pessoa não apresenta ética e valores morais.

O quadro foi descrito pela primeira vez em 1855 sob o nome de “Loucura Moral”. "Diante do comportamento do senhor Jair, eu acho que há elementos suficientes para que se possa dar uma hipótese diagnóstica. Se acham os grandes poderosos, e aí vem a tirania, porque só eles que estão certos. Essas pessoas não deveriam nunca ter esse poder de mando, mas quando têm é sempre uma lástima", diz Palomba.

Desconheço qualquer posicionamento da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sobre a saúde mental de Bolsonaro. Conheço, sim, o manifesto de mais de mil profissionais da psiquiatria contra as medidas conduzidas pelo governo Bolsonaro e denúncia de aliança entre governo, Conselho Federal de Medicina (CFM) e ABP favorecendo o desmonte da reforma psiquiátrica brasileira e o fim das políticas antimanicomiais.

A ABP se defende com nota de repúdio dizendo ter ficado “totalmente surpresa” com as mudanças propostas pelo Ministério da Saúde. Já o CFM recebeu o manifesto “Este CFM não me representa” de milhares de médicos após visita de Bolsonaro à entidade em julho deste ano. O mandatário defendeu medicações comprovadamente ineficazes contra a covid-19, ridicularizou os senadores da CPI da Covid e declarou com orgulho que não se vacinou. Ao final, foi aplaudido de pé e alguns gritaram mito. O jornal The Lancet apontou, ainda em 2021, que o kit covid foi encorajado pelo CFM, ação que anda na contramão das evidências científicas, e a entidade é cobrada a proibir oficialmente essa prática. No ano de 2022, ainda permanece a autonomia do médico em prescrever cloroquina na covid-19, mesmo após ação movida pela Defensoria Pública da União e pelo Ministério Público Federal.

É obrigatório, para entender melhor o caso Bolsonaro, assistir ao documentário Quebrando Mitos, de Fernando Grostein Andrade, o mesmo diretor de Quebrando o Tabu (acesso livre no YouTube). O documentário explicita brilhantemente o que tentei expressar aqui e muito mais.

Dr. Ricardo Teixeira, o autor deste artigo, é neurologista e diretor clínico do Instituto do Cérebro de Brasília. Publicado originalmente no Correio Braziliense, em 20.10.22, àa 14:06.

Sarney defende STF: "Sem um Supremo forte não há democracia"

Ex-presidente destacou integridade da Corte e importância de se respeitar a separação dos Poderes

O ex-presidente da República José Sarney divulgou uma nota nesta sexta-feira (21/10), em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF) e da separação dos Poderes. No comunicado, ele destacou que o Judiciário é essencial para assegurar a democracia e os direitos individuais no país e garantir o cumprimento da lei.

"O Supremo Tribunal Federal nunca faltou à nação. É sobretudo nos momentos difíceis como o que vivemos que ele assegura os direitos humanos, individuais, difusos e sociais, o Estado de direito, o governo das liberdades e sobretudo a democracia, que não existe sem a Justiça", escreveu Sarney.

O político disse que, “sem um Supremo forte e íntegro, não há democracia e os direitos individuais desaparecem”. “Devemos nos reunir todos, sem partidarismo ou ideologia, e prestigiar o Supremo Tribunal Federal. É ele que guarda a Constituição, nossa garantia como nação democrática”, acrescentou.

"Na sofrida história brasileira foram fechados o Executivo e o Legislativo, nunca o Judiciário. Rui Barbosa declarou: ‘Eu instituo esse tribunal venerando, severo, incorruptível guarda vigilante desta terra’. A estrutura do país repousa sobre o Supremo Tribunal Federal, que será sempre a base da democracia e da liberdade", ressaltou o ex-presidente.

Luana Patriolino é repórter do Correio Braziliense. Publicado originalmente em 21.10.22, àa 16:39.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Desespero no arraial depois do clima que pintou

 Veja e ouça o que a Xuxa tem a dizer

Depois dessa, o mais que se diga querendo explicar o sentimento do sexagenário motoqueiro ("pintou um clima") quando viu as jovens refugiadas venezuelanas num arrebalde pobre de uma cidade-satélite de Brasília-DF,  é abstracionimo. 

O “pintou um clima” entre um homem de 66 anos e uma menina pobre

O Brasil com toda sua riqueza cultural é pródigo em expressões e gírias. Antes mesmo de aprender o português formal, o vocabulário de qualquer criança está recheado de frases que expressam o cotidiano e a cultura do brasileiro. 

Qual garoto ou garota não sabe o que significa quando alguém diz: o negócio vai esquentar pro seu lado. Todo mundo já deve ter ouvido: estou tão bonzinho com você hoje.

Qualquer tentativa de descaracterizar expressões que se aprende desde cedo, é uma evidente forma de distorcer significados que são parte do senso comum do brasileiro. Esse preâmbulo serve para chegarmos à frase usada pelo presidente, “pintou um clima”, em referência ao contato que teve com meninas venezuelanas de 14 e 15 anos.

O absurdo do relato tem raízes fortes. Não é novidade que Bolsonaro é machista declarado. O desrespeito pelas mulheres está expresso em toda sua vida como militar e político. Os exemplos vão de homenagens a torturadores, como Brilhante Ustra, que estuprou e espancou mulheres na ditadura; agressões a parlamentares, quando afirmou que a deputada federal Maria do Rosário (PT) não merecia ser estuprada por ser feia; até o extremo de afirmar que a única filha mulher foi decorrente de uma fraquejada.

A cultura de que as mulheres são pessoas de menor valor que homens está presente na humanidade, com destaque para países com alto nível de desigualdade e forte influência da moral religiosa. Por esse motivo, muitas práticas criminosas de Bolsonaro são aceitas por parcela significativa da sociedade, que entende os motivos no pecado original que é ser mulher.

A mulher é vista como inferior socialmente e toda conduta que de alguma forma fuja dos parâmetros estabelecidos pelos conservadores, será interpretada como uma porta aberta para violências e assédios, independentemente da idade e condição física. Adultas, crianças, deficientes físicas, dopadas numa cirurgia, hospitalizadas, recém-nascidas e até mortas estão passíveis de violações.

É com base nessa moral criminosa que Bolsonaro e sua legião de seguidores julgam a vítima e absolvem o criminoso. Nesse grupo, curiosamente, existem muitas mulheres que reforçam os preconceitos e se portam de forma ainda mais desumana que homens, a exemplo da própria primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Na hora que o presidente do Brasil relata que durante um passeio de moto em uma comunidade do Distrito Federal, foi observado por meninas de 14 anos e que retornou para manter contato, porque deduziu que “pintou um clima”, deixou claro até onde vai sua visão sobre a mulher. Assim como tantas outras expressões que aprendemos muito cedo, não existe qualquer dúvida sobre o significado da utilizada por Bolsonaro, muito menos do que implica à propagação dessa postura.

O “pintou um clima” entre um homem de 66 anos e uma menina pobre, em situação de completa vulnerabilidade, na condição de refugiada, com apenas 14 anos de idade deveria ser mais que suficiente para o entendimento generalizado, que a conduta é criminosa, com o agravante que o criminoso é o presidente do Brasil.

Aqueles que entendem de outra forma não fazem isso por omissão, ignorância ou acharem que não existe qualquer intenção de cunho sexual na expressão utilizada por Bolsonaro. Isso fica mais que claro, quando ele continua e relata que ao entrar no local existia na verdade um grupo de meninas todas arrumadas e de maneira leviana, questiona: o que meninas de 14 e 15 anos fazem todas arrumadinhas num sábado?

O local referido por Bolsonaro era na verdade um projeto social, que naquele dia estava recebendo refugiadas venezuelanas para aprenderem noções de maquiagem e moda. Além da pedofilia explícita, o presidente insinua que existiria ali uma casa para promoção de prostituição. Dessa forma, ele como macho predador, foi na verdade vítima da promiscuidade juvenil, que assola o mundo pobre e representa um risco para o Brasil.

O episódio escancara toda cultura que o bolsonarismo representa. Os valores pervertidos de quem enxerga em meninas a possibilidade de conquistas sexuais. Os que corroboram com isso são aqueles que usam expressões também de fácil entendimento, como: “essas meninas de hoje não têm jeito”, ou “já começam desde cedo” e tantas outras que qualquer um sabe seus significados.

É essa cultura que Bolsonaro quer banalizar no Brasil, mas que sempre existiu, faltava apenas o que chamamos na comunicação de Discurso Autorizado. A pedofilia, o assédio, a violência sexual e o machismo são aceitos por muito mais gente na sociedade do que se imagina, homens e mulheres.

Pior ainda quando parte disso é prática do Estado. Quem não conhece relatos de mulheres constrangidas pela forma que são tratadas por policiais, enfermeiras, médicos, juízes, promotores e seus chefes no trabalho? Da mesma forma dentro de casa e por suas famílias.

O “pintou o clima” de Bolsonaro tem uma capacidade de síntese jamais vista. Porque da mesma forma que ele demonstra os seus valores, a moral que propaga, o preconceito e a forma doentia como enxerga até meninas, reflete também quem lhe absolve. São aqueles que compõem o rescaldo cultural que aceita esse tipo de conduta e contribui para que pedofilia, estupro e todo tipo de agressão seja passível de julgamento moral. São tão doentes, que desconsideram que a próxima vítima pode ser a mãe, a irmã, a esposa ou a filha.

Anderson Pires, o autor deste artigo, é formado em comunicação social – jornalismo pela UFPB, publicitário, cozinheiro e autor do Termômetro da Política. / Publicado originalmente em https://www.pragmatismopolitico.com.br/2022/10/pintou-clima-entre-homem-idoso-menina-pobre.html

A recalcitrância da Defesa

Demora em divulgar conclusão dos testes nas urnas indica instrumentalização das Forças Armadas por Bolsonaro    

A obstinada resistência do Ministério da Defesa em divulgar o resultado do trabalho de “fiscalização” do processo eleitoral no primeiro turno autoriza a inferência de que as Forças Armadas foram instrumentalizadas em nome do interesse privado de um dos candidatos à Presidência, o incumbente Jair Bolsonaro. À luz da Constituição, isso é inadmissível.

Ganhando ou perdendo, é quase certo que Bolsonaro contestará o resultado da eleição no próximo dia 30. Por isso, postergar a divulgação de um relatório que decerto não apontará uma nesga de vulnerabilidade na segurança do sistema eleitoral é uma prestação de serviço à litania golpista do atual mandatário.

No dia 18 passado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou que a Defesa apresentasse o relatório dos testes realizados no primeiro turno em 48 horas. O prazo venceu e nenhum resultado foi apresentado. A justificativa da pasta beira a chicana, explorando a acepção das palavras “auditoria” e “fiscalização”. À Defesa não caberia fazer uma “auditoria” do sistema eleitoral; logo, não haveria razão para divulgar o resultado de um trabalho que a pasta simplesmente não poderia realizar. Um acinte à inteligência alheia.

Em documento enviado ao TSE, a Defesa alegou que “a emissão de um relatório parcial, baseado em fragmentos de informação”, isto é, os boletins de urna do primeiro turno, “pode resultar inconsistente com as conclusões finais do trabalho, razão pela qual não foi emitido”. A pasta informou que só divulgará a conclusão do trabalho 30 dias após o segundo turno.

Essa recalcitrância só seria explicável por duas razões, e nenhuma delas lisonjeira: ou os técnicos designados pela pasta revelaram-se incompetentes para realizar a tarefa que lhes foi atribuída – algo difícil de acreditar – ou a aferição da higidez da votação no primeiro turno pelos militares não correspondeu àquilo que Bolsonaro gostaria de ver divulgado.

Pouco depois do término da votação, o TSE informou que os testes biométricos realizados com 2.044 eleitores de 58 seções eleitorais comprovaram a lisura do processo. Nenhuma divergência entre votos digitados e votos totalizados foi encontrada. Esse processo não foi feito às escuras por técnicos da Corte. Muitos puderam acompanhá-lo, inclusive militares. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União, que também realizou testes de certificação da segurança do sistema eleitoral, chegou à mesma conclusão. Ora, é extremamente improvável que só os testes realizados pela Defesa teriam apresentado inconsistências. E, caso houvesse discrepâncias, Bolsonaro teria sido o primeiro a alardeá-las. Não o fez porque não há, é tão simples quanto isso.

Há poucos dias, o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que “o resultado das eleições, feitas por urna eletrônica, será respeitado pelo Congresso, pelas instituições brasileiras, pelos parlamentares e pelo povo”. Isso revela que Bolsonaro está sozinho em sua cruzada antidemocrática. Resta tentar obter o respaldo das Forças Armadas – que, em nome da Constituição e da reputação construída na Nova República, não podem se prestar a essa baixeza. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 21.10.22, às 03h05

Interferir no Supremo é estratégia de governos autoritários

Aumento de número de cadeiras em tribunais constitucionais e destituição de ministros foram práticas usadas pelos chavistas na Venezuela, pelos nacionalistas na Polônia e na Hungria e pela ditadura militar brasileira.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em 7 de outubro, durante entrevista a um canal bolsonarista do YouTube, que "recebeu propostas" para aumentar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e que poderia discutir o tema após as eleições. Uma das ideias mencionadas por Bolsonaro contempla aumentar a composição de 11 para 16 ministros.

No mesmo dia, o atual vice-presidente e senador eleito Hamilton Mourão (Republicanos) defendeu que o Congresso discuta a possibilidade de aumentar o número de vagas no Supremo e levantou outras ideias para interferir na Corte, como alterar a idade de aposentadoria (que hoje é de 75 anos) e limitar o alcance de decisões monocráticas dos ministros do STF.

Nesta quarta-feira (19/10), Mourão voltou ao assunto durante uma entrevista, afirmando que é preciso alterar a Constituição para que as decisões da Corte só possam "ser tomadas ou pelo conjunto da turma ou pelo plenário do STF" – algo que minaria diretamente a influência individual dos ministros.

Nos últimos anos, vários parlamentares alinhados ao bolsonarismo defenderam ideias semelhantes e outras estratégias para enfraquecer o Judiciário, que travou uma relação tensa com o governo Bolsonaro nesses quatro anos de mandato.

O deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), por exemplo, chegou a apresentar um projeto para facilitar o impeachment de ministros que "usurparem a competência" do Congresso Nacional.

Já a deputada bolsonarista Bia Kicis (PL-DF) defende a redução da idade de aposentadoria dos ministros de 75 para 70 anos. A aprovação de tal medida acabaria garantindo ao presidente eleito em 2022 indicar três nomes extras ao STF no próximo mandato, além de dois que já têm aposentadoria prevista.

Bolsonaro, por sua vez, tratou de minimizar o tom de ameaça ao STF nos dias posteriores a sua primeira declaração. No debate presidencial, ele afirmou que se compromete a não mexer no número de cadeiras na Corte, mas evitou falar que ele mesmo havia suscitado o tema dias antes.

Aumento de cadeiras, antecipação de aposentadoria, destituição de ministros e limitação de prerrogativas de Cortes superiores normalmente são estratégias usadas por governos autoritários para minar a independência do Judiciário e sedimentar seu poder.

Nenhuma dessas ideias é original. Todas já foram colocadas em prática por diversos regimes ditatoriais ou governos ultranacionalistas. Entre eles estão a Hungria e a Polônia, países governados por partidos de ultradireita, a Venezuela chavista, o governo populista de El Salvador e até mesmo a ditadura militar brasileira (1964-1985).

Veja os (maus) exemplos a seguir:

Hungria

Em 2010, ao retornar ao poder após um hiato de oito anos, o premiê da Hungria, Viktor Orbán, começou a governar com uma maioria confortável no Parlamento, o que lhe permitiu aprovar uma série de medidas para enfraquecer o Judiciário.

Elas incluíram o aumento de vagas na Corte Constitucional, mudanças no formato de indicação de membros do tribunal, esvaziamento de suas atribuições e alterações na idade de aposentadoria dos magistrados.

A primeira medida colocada em prática foi a alteração do processo de indicação. Antes a seleção de nomes para a Corte Constitucional precisava ser negociada em plenário, com partidos da oposição. Pelo novo desenho de Orbán, isso passou a ser delegado a pequenas comissões dominadas por aliados, praticamente excluindo membros de partidos rivais do processo.

O passo seguinte foi aumentar de 11 para 15 o número de membros da Corte do país. Contando ainda com uma vaga aberta pela aposentadoria de um juiz, o governo assegurou rapidamente a nomeação para cinco cadeiras – que foram logo preenchidas com figuras próximas do premiê.

Orbán também adotou outras ferramentas para emparedar o Judiciário. Em 2012,  uma nova Constituição aprovada pelo Parlamento dominado por aliados determinou a redução de idade compulsória de aposentadoria dos juízes do país de 70 para 62 anos, afetando quase 300 magistrados no processo, incluindo muitos presidentes de cortes inferiores.

A medida, que provocou críticas da União Europeia, acabou sendo revertida no mesmo ano. Mas no meio-tempo as vagas já haviam sido preenchidas com magistrados próximos do governo. Aos juízes aposentados precocemente não foram oferecidas garantias de que eles voltariam a ocupar seus velhos postos. Em vários casos, foram oferecidas vagas em posições inferiores. Como resultado, muitos não voltaram.

Em outros momentos, Orbán usou a idade de aposentadoria no sentido oposto. Em 2013, quando o governo já havia assegurado uma maioria de aliados nas 15 vagas da Corte Constitucional, o Parlamento determinou que os membros do tribunal não precisavam mais se aposentar aos 70 anos, permitindo que eles exercessem seus mandatos de 12 anos até o final, o que, na prática, acabou prorrogando a presença de aliados de Orbán.

Em 2013, novas emendas na Constituição trataram de esvaziar os poderes da Corte Constitucional. Uma delas determinou que a Corte não teria mais poder para declarar inconstitucional emendas e leis aprovadas por uma maioria de dois terços do Parlamento. Isso teve efeito imediato em medidas promovidas pelo governo que anteriormente haviam sido barradas pelo tribunal, como a criminalização dos sem-teto – em 2012, a Corte barrou uma lei de Orbán que previa punições para moradores de rua. Em 2019, quando o governo já controlava firmemente o Judiciário, a Corte julgou a medida constitucional, provocando críticas de ONGs.

Polônia

Em 2015, o partido nacionalista Lei e Justiça (PiS) da Polônia venceu as eleições presidenciais e parlamentares e se envolveu imediatamente numa crise constitucional. Antes que o novo Parlamento tomasse posse, a legislatura cessante indicou cinco novos juízes para o Tribunal Constitucional do país.

No entanto, o novo presidente do país, Andrzej Duda, alinhado ao PiS e que já havia tomado posse, recusou-se a garantir que eles prestassem juramento e assumissem suas cadeiras, ganhando tempo para que o novo Parlamento fosse instalado e indicasse outros cinco nomes. Duda concedeu posse para os novos indicados do PiS em poucas horas.  

Durante a crise, Jarosław Kaczyński, fundador do PiS e eminência parda do novo governo, afirmou que o Tribunal Constitucional era o "bastião de tudo que era ruim na Polônia".

Com o Parlamento e o Senado sob seu poder, o PiS também aprovou uma série de medidas que acabaram por paralisar as atividades do tribunal. Uma delas estabelecia que todas as decisões da Corte deveriam contar com uma maioria de dois terços, acabando com a regra da maioria simples. Em 2016, o Tribunal Constitucional decidiu que as novas regras eram inconstitucionais, mas o governo simplesmente não acatou o veredicto.

Em 2017, uma nova ofensiva. Dessa vez contra a Suprema Corte (semelhante ao STJ no Brasil). Naquele ano, o governo aprovou uma lei reduzindo a idade de aposentadoria dos juízes de 70 anos para 65, tentando apressar a saída de 27 dos 72 membros da Corte.

Em 2019, foi a vez de o governo polonês aprovar a criação de um Painel Disciplinar dentro da Suprema Corte para facilitar a demissão de juízes críticos ao governo.

Todas essas ofensivas contra o Judiciário provocaram reações da União Europeia (UE). No ano passado, o Tribunal de Justiça do bloco condenou a Polônia a uma multa diária de 1 milhão de euros se o painel não fosse suspenso. O valor a ser pago já passa de 325 milhões de euros, mas a Polônia ainda resiste em acatar a medida.

O polônes Jaroslaw Kaczynski, fundador do PiS. Em 2015, ele disse que o Tribunal Constitucional era o "bastião de tudo que era ruim na Polônia"Foto: Hubert Mathis/ZUMA/dpa/picture alliance

Venezuela

Ao longo de mais de duas décadas no poder, o regime chavista da Venezuela pôs em prática diferentes estratégias para minar a independência do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Entre elas o aumento do número de cadeiras na Corte, a prorrogação de mandatos de ministros leais ao regime e a destituição de figuras que tomaram decisões que desagradaram o governo.

Em 2004, o regime chavista ampliou o número de vagas na Corte de 20 para 32, preenchendo as vagas com figuras leais ao regime. A reforma foi possível por causa de mudanças que permitiram fazer alterações no Supremo contando apenas com maioria simples na Assembleia Nacional.

Uma das cláusulas da reforma também permitiu que a Assembleia destituísse ministros que adotassem "decisões que atentem contra ou lesem os interesses da nação". Poucas semanas após a reforma entrar em vigor, os chavistas destituíram o primeiro juiz da Corte com base na nova cláusula.

Hugo Chávez também aumentou o número de cadeiras no Supremo da Venezuela. Seu sucessor, Nicolás Maduro, reverteu o aumento, mas pelas mesmas razões: para manter o tribunal sob controleFoto: Chico S/dpa/picture-alliance

Como cabe ao Supremo o poder de indicar e remover juízes de cortes inferiores, o chavismo usou seu poder sobre o TSJ para se livrar de centenas de juízes de outras instâncias não alinhados ao regime.

Em 2010, depois de eleições legislativas que reduziram a maioria chavista na Assembleia Nacional, o regime também modificou o prazo de aprovação para indicação de vagas na Corte, atropelando ritos para assegurar nove nomeações antes que a nova composição do Legislativo tomasse posse. Os novos ministros foram arregimentados entre ex-deputados chavistas e ex-embaixadores leais ao governo.

Em 2015, o chavismo voltou a usar a mesma tática quando perdeu novamente espaço para a oposição na Assembleia Nacional, nomeando 13 novos ministros para a Corte antes da posse do novo Legislativo, novamente passando por cima dos prazos regimentais.

Em 2017, o Supremo dominado pelos chavistas suspendeu as prerrogativas da Assembleia Nacional controlada pela oposição e assumiu suas funções, numa ação descrita como "golpe de Estado" pelos críticos do regime.

Em 2022, um novo rearranjo promovido pelo regime: o número de cadeiras do TSJ foi reduzido de 32 para 20. Mas longe de diminuir a interferência do Executivo chavista, a nova reforma só foi uma mudança de tática.

Ela embutia uma "prorrogação" irregular para os mandatos dos ministros. Antes, eles eram limitados a 12 anos de atividade no tribunal, que não poderiam ser renovados. No entanto, a reforma permitiu que membros que já ocupavam cargos ficassem por mais um mandato de 12 anos, em direta violação da Constituição. Pelo menos 60% dos membros da Corte de 20 integrantes já ocupavam cadeiras antes da reforma.

Em um relatório de 2014, um diretor da ONG Human Rights Watch descreveu o Supremo venezuelano como um "mero adendo do Executivo" e "um dos exemplos mais toscos da falta de independência judicial na região".

El Salvador

Em maio de 2021, contando com uma maioria de 56 das 84 cadeiras no Parlamento do país, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, ordenou a destituição de todos os cinco juízes da Corte Suprema de Justiça e do procurador-geral do país, que eram críticos ao crescente autoritarismo do governo. O argumento usado pelo governo foi que eles haviam "tomado decisões arbitrárias".

A Corte apontou que a medida era inconstitucional, mas o governo simplesmente ignorou a decisão. O tribunal foi rapidamente preenchido com aliados do presidente.

No mesmo ano, em mais uma ofensiva para expurgar significativamente o Judiciário de qualquer oposição, parlamentares alinhados ao governo aprovaram um projeto que acabou por destituir pelo menos 156 promotores e juízes com mais de 60 anos de idade ou que tivessem mais de 30 ou mais anos de serviço

A nova composição da Corte Suprema prontamente começou a fornecer decisões favoráveis ao governo. Em setembro de 2021, autorizou Bukele a concorrer a um novo mandato consecutivo em 2024, em clara violação à Constituição do país.

O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, é mais conhecido no exterior por seu entusiasmo por criptomoeda, mas ele também faz parte do clube de autoritários que enfraqueceram o JudiciárioFoto: Jose Cabezas/REUTERS

A ditadura militar brasileira

Mas não é preciso olhar para outros países para observar que a interferência em tribunais superiores é uma prática de regimes autoritários. A história recente do Brasil é suficiente para exemplificar o objetivo da estratégia.

O Ato Institucional número 2 (AI-2), publicado em outubro de 1965 pelo regime militar brasileiro (1964-1985), é menos célebre que o posterior AI-5, de 1968.

O AI-2, quando citado, costuma ser resumido como o instrumento baixado pela ditadura para oficializar a extinção de eleições diretas para presidente da República e dissolver o multipartidarismo. Mas ele continha outra faceta: a intervenção direta do regime no Judiciário.

Com o AI-2, o número de cadeiras no Supremo Tribunal Federal foi aumentado de 11 para 16 – exatamente o número citado por Bolsonaro –, o que assegurou aos generais da ditadura uma maioria folgada na Corte e reduziu o número de decisões que desagradavam o regime. Posteriormente, a Constituição de janeiro de 1967, desenhada pelo regime, confirmou o acréscimo de cadeiras.

O AI-2 ainda esvaziou boa parte da competência do STF, determinando que crimes contra a "segurança nacional" fossem julgados pelo Superior Tribunal Militar (STM).

De 11 para 16 Aumento de cadeiras do STF brasileiro não seria novidade. Já foi colocado em prática pela ditadura. Costa e Silva (no centro da foto) também perseguiu ministros do tribunalFoto: Arquivo Nacional

Mas o golpe final do regime no STF ocorreu com a aplicação do AI-5, em 1968. Considerado o mais repressivo da ditadura, o ato institucional forneceu uma fachada legal para que os generais destituíssem três ministros da Corte: Vítor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva – que haviam sido todos nomeados antes da ditadura, nos governos João Goulart e Juscelino Kubitschek. Um quarto, o então presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, renunciou em protesto.

Em 1969, após as cassações dos ministros, o general Artur da Costa e Silva editou o AI-6, que restaurou no STF o formato de 11 cadeiras. O regime já não precisava mais das cinco vagas extras: dos 11 ministros remanescentes, dez haviam sido nomeados pelos generais, e o único indicado antes de 1964 era um entusiasta da "revolução".

Jean-Philip Struck, repórter, para a Deutsche Welle Brasil, em 20.10.22

Políticos defendem senadora evangélica repudiada por igreja ao defender Lula

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que é evangélica, filha de pastor e membro da Assembleia de Deus no Maranhão, foi hostilizada por Convenção


   

 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press                                  )

(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press )

Diversas figuras políticas usaram as redes sociais para manifestar solidariedade à senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que foi hostilizada por fiéis após declarar apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Evangélica, filha de pastor e membra da Assembleia de Deus no Maranhão, a senadora chegou a ser alvo de uma nota de repúdio do Conselho Político da Convenção das Assembleias de Deus no Maranhão.


Uma das defesas veio do próprio Lula. “Os ataques contra a senadora Eliziane Gama após sua declaração de voto são inaceitáveis. Reflexo da intolerância bolsonarista que tenta invadir o ambiente sagrado das igrejas evangélicas. Minha solidariedade à senadora e aos evangélicos que estão sofrendo pressão”, escreveu o ex-presidente. 



“Dos mesmos criadores/defensores da "escola sem partido", agora vemos a "igreja com partido". A perseguição contra os cristãos começou e começou dentro da igreja!”, escreveu a deputada federal eleita Marina Silva (REDE-SP).



O presidente do Cidadania, legenda da qual a senadora faz parte, também se manifestou. “O Cidadania saúda a grande senadora Eliziane Gama pela luta na defesa da liberdade e por um Brasil mais justo. A politização da religião está prestando um desserviço à liberdade religiosa no país ao criar um clima de intolerância que divide famílias. Eliziane, nossa solidariedade”, tweetou Roberto Freire.



Nota de repúdio

Após o posicionamento da senadora, o Conselho Político da Convenção das Assembleias de Deus no Maranhão divulgou uma nota em que dizia repudiar o apoio de Eliziane. Segundo o texto, a manifestação está em “discordância com o posicionamento da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) e da Ceadema", que declararam apoio ao atual chefe do Executivo.


“É público e notório que a grande maioria dos posicionamentos da Senadora caminha na direção contrária ao que a CEADEMA defende e acredita, como a preservação dos bons costumes, da família tradicional, do combate à corrupção e do apoio ao Governo que defende os princípios e pautas conservadoras”, diz a nota.

Em Resposta

A Senadora Eliziane Gama divulgou a seguinte Nota:

Taísa Medeiros, a autora do texto é repórter do Correio Braziliense, que o publicou em 20.10.22, àa 21:08. A nota da Senadora Eliziane Gama não integra a matéria do jornal. 

Xuxa faz vídeo contra Bolsonaro e fala de abuso infantil que viveu

Em postagem no Instagram, a artista repudiou as falas do presidente Bolsonaro sobre meninas venezuelanas. "Isso é exploração", afirmou, ao dar relato pessoal

A apresentadora Xuxa Meneghel postou nas redes sociais um vídeo em repúdio às falas do presidente Bolsonaro (PL) sobre as adolescentes venezuelanas que moram em São Sebastião, no Distrito Federal. “Eu estou enojada”, comentou a apresentadora. 

“Família tradicional ou não tradicional: não se cale, não aceite, vote contra esse senhor”, escreveu Xuxa na legenda da postagem, feita nessa quarta-feira (19/10). “Eu estou enojada. Ali é exploração sexual. Eu não vou me calar. Estou aqui pedindo para não deixar isso em branco. Não votem nesse homem. Meu voto ele nunca vai ter.”

"Nenhuma menina de 14 ou 15 anos se prostitui. Isso é exploração"

Xuxa tem sido bastante atacada por bolsonaristas por ter estrelado o filme Amor Estranho Amor ainda no início da carreira. Lançado em 1982, o longa de Walter Hugo Khouri aborda o tema da exploração sexual infantil. Apoiadores do presidente têm usado as redes sociais para criticar a apresentadora e afirmar que o filme promove a pedofilia, mesmo não sendo verdade.

“Quem fala aqui não é aquela menina que fez o papel no filme. Estou aqui como apresentadora, filha, mulher e mãe. Queria deixar claro para vocês que nenhuma menina de 14 ou 15 anos se prostitui. Isso é exploração”, afirmou Xuxa.

No mesmo vídeo, a “rainha dos baixinhos” conta um relato pessoal de como foi abusada sexualmente quando ainda era criança. “Nossa cultura, em vez de apontar o dedo na cara desses velhos, culpa as meninas por estarem naquele lugar e daquele jeito”, criticou.

A apresentadora também voltou a criticar a fala do presidente Jair Bolsonaro, que afirmou ter pintado um clima com adolescentes venezuelanas e que elas estariam “ganhando a vida”, insinuando que as meninas eram garotas de programa. “Nenhuma criança de 13 e 14 anos se prostitui. Isso é exploração sexual”, reforçou a cantora.

Meneghel já tinha condenado a fala do presidente em outra postagem. “Eu fiz um filme, ou seja, FICÇÃO e sou chamada de pedófila pelos bolsominions. E esse senhor diz que ‘pinta um clima’ com uma adolescente de 13/14 anos (isso não é filme tá?) e é chamado de que???”, postou.

Xuxa destacou que a fala de Bolsonaro não pode cair no esquecimento e relembrou o testemunho de Damares sobre casos de exploração sexual que ocorrem na Ilha de Marajó. A senadora eleita afirmou, sem provas ou denúncias ao Ministério Público, supostos casos de turismo sexual infantil, na região paraense. “Isso vai continuar existindo no nosso país enquanto pessoas que sabem disso através de fotos, como aconteceu com a ministra (se referindo a Damares), não denunciarem. Peço muito as pessoas que denunciem”, apelou Xuxa no vídeo.

Mariana Albuquerque, a autora deste texto, é estagiária do Correio Braziliense, sob supervisão de Andreia Castro. Publicado originalmente em 20.10.22, às 14:22.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Apoio à democracia atinge maior patamar desde 1989, mostra Datafolha

A dez dias das eleições, são 79% os que apoiam o regime, contra 5% que dizem aceitar uma ditadura a depender das circunstâncias — percentual que é de 9% entre bolsonaristas

Manifestação no pelotis da PUC do Rio pela democracia também teve leitura da carta  — Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Ato de lançamento de manifesto pela democracia em frente à Faculdade de Direito no Largo São Francisco, em 11 de agostoAto de lançamento de manifesto pela democracia em frente à Faculdade de Direito no Largo São Francisco, em 11 de agosto Bruno Rocha/Agencia Enquadrar/Agencia O Globo

O apoio dos brasileiros à democracia atingiu o maior patamar já registrado pelo Datafolha desde 1989, o primeiro ano após o fim do regime militar no país. De acordo com dados divulgados nesta quinta-feira da pesquisa contratada pela TV Globo e pelo jornal "Folha de S.Paulo", são 79% os que consideram que a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo. O recorde anterior era de 75%, registrado em junho de 2020 e em agosto deste ano.

O apoio a ditaduras, por outro lado, baixou ao menor nível histórico. Disseram que esse regime pode ser preferível em certas circunstâncias 5% dos entrevistados pelo instituto. Para 11%, tanto faz se o país estiver sob um governo democrático ou ditatorial.

Os níveis de apoio à democracia são semelhantes entre os eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PL), os dois adversários no segundo turno da eleição presidencial. No grupo que declara voto no petista, 78% dizem apoiar o regime, enquanto 3% consentem com a instauração de uma ditadura a depender das circunstâncias. Já entre os que querem reeleger o atual presidente, 80% defendem o regime democrático, e 9% declaram que podem vir a preferir uma ditadura.

Ao longo de sua carreira política, Bolsonaro já exaltou em diversos momentos a ditadura militar no Brasil. Lula, por sua vez, é associado por seus opositores a regimes autoritários na Nicarágua e na Venezuela.

De acordo com o Datafolha, o apoio à democracia é maior nas camadas mais escolarizadas e mais ricas da população. Os percentuais chegam a 92% entre os que cursaram o ensino superior e a 93% no grupo que recebe mensalmente valores acima de dez salários mínimos. As taxas caem para 62% entre os eleitores que só frequentaram a escola até o ensino fundamental e a 72% na parcela de brasileiros que ganha até dois salários mínimos por mês.

A pesquisa Datafolha ouviu 2.898 pessoas entre os dias 13 e 14 de outubro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. O levantamento foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral sob o número BR-01682/2022.

Publicado originalmente n'O Globo,  em 20.10.22, às 15h13.