sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A recalcitrância da Defesa

Demora em divulgar conclusão dos testes nas urnas indica instrumentalização das Forças Armadas por Bolsonaro    

A obstinada resistência do Ministério da Defesa em divulgar o resultado do trabalho de “fiscalização” do processo eleitoral no primeiro turno autoriza a inferência de que as Forças Armadas foram instrumentalizadas em nome do interesse privado de um dos candidatos à Presidência, o incumbente Jair Bolsonaro. À luz da Constituição, isso é inadmissível.

Ganhando ou perdendo, é quase certo que Bolsonaro contestará o resultado da eleição no próximo dia 30. Por isso, postergar a divulgação de um relatório que decerto não apontará uma nesga de vulnerabilidade na segurança do sistema eleitoral é uma prestação de serviço à litania golpista do atual mandatário.

No dia 18 passado, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, determinou que a Defesa apresentasse o relatório dos testes realizados no primeiro turno em 48 horas. O prazo venceu e nenhum resultado foi apresentado. A justificativa da pasta beira a chicana, explorando a acepção das palavras “auditoria” e “fiscalização”. À Defesa não caberia fazer uma “auditoria” do sistema eleitoral; logo, não haveria razão para divulgar o resultado de um trabalho que a pasta simplesmente não poderia realizar. Um acinte à inteligência alheia.

Em documento enviado ao TSE, a Defesa alegou que “a emissão de um relatório parcial, baseado em fragmentos de informação”, isto é, os boletins de urna do primeiro turno, “pode resultar inconsistente com as conclusões finais do trabalho, razão pela qual não foi emitido”. A pasta informou que só divulgará a conclusão do trabalho 30 dias após o segundo turno.

Essa recalcitrância só seria explicável por duas razões, e nenhuma delas lisonjeira: ou os técnicos designados pela pasta revelaram-se incompetentes para realizar a tarefa que lhes foi atribuída – algo difícil de acreditar – ou a aferição da higidez da votação no primeiro turno pelos militares não correspondeu àquilo que Bolsonaro gostaria de ver divulgado.

Pouco depois do término da votação, o TSE informou que os testes biométricos realizados com 2.044 eleitores de 58 seções eleitorais comprovaram a lisura do processo. Nenhuma divergência entre votos digitados e votos totalizados foi encontrada. Esse processo não foi feito às escuras por técnicos da Corte. Muitos puderam acompanhá-lo, inclusive militares. Por sua vez, o Tribunal de Contas da União, que também realizou testes de certificação da segurança do sistema eleitoral, chegou à mesma conclusão. Ora, é extremamente improvável que só os testes realizados pela Defesa teriam apresentado inconsistências. E, caso houvesse discrepâncias, Bolsonaro teria sido o primeiro a alardeá-las. Não o fez porque não há, é tão simples quanto isso.

Há poucos dias, o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que “o resultado das eleições, feitas por urna eletrônica, será respeitado pelo Congresso, pelas instituições brasileiras, pelos parlamentares e pelo povo”. Isso revela que Bolsonaro está sozinho em sua cruzada antidemocrática. Resta tentar obter o respaldo das Forças Armadas – que, em nome da Constituição e da reputação construída na Nova República, não podem se prestar a essa baixeza. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 21.10.22, às 03h05

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