sábado, 22 de outubro de 2022

TSE amplia seus poderes para combater a enxurrada de notícias falsas

As decisões da instituição contra a desinformação provocam críticas por seu impacto na liberdade de expressão

Sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. (Crédito da foto: Evaristo Sá)

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil se rearma diante das notícias falsas. A instituição aprovou esta quinta-feira a ampliação dos seus poderes para combater a desinformação que inunda a reta final das eleições presidenciais do país . A partir de agora, as plataformas de mídia social terão no máximo duas horas para remover as postagens atingidas por uma ordem judicial, acima das atuais 24 horas. Além disso, o TSE pode estender a aplicação de seus pedidos a outros usuários que tenham replicado conteúdo semelhante ao já removido. As ações do tribunal contra postagens na Internet já levantaram preocupações sobre seu impacto na liberdade de expressão.

O objetivo da resolução é acelerar a remoção de conteúdo falso. Antes, o TSE só ordenava a retirada de publicações feitas por usuários denunciados pelas campanhas. Isso não afetou as pessoas que replicaram esse mesmo conteúdo, mas que não fizeram parte da reclamação original. Para cobrir esse novo buraco, o denunciante teve que apresentar outra queixa na justiça, o que era complicado e permitia que as notícias falsas se tornassem virais sem parar.

Agora, por outro lado, o TSE poderá ordenar imediatamente a eliminação de todas aquelas publicações que replicam conteúdos já suprimidos. Os prazos para remoção desse conteúdo pelas redes sociais serão bem mais curtos: duas horas para os próximos dias e apenas uma hora durante o período de 48 horas antes da eleição até três dias depois. As multas em caso de descumprimento variam entre 100.000 e 150.000 reais por dia, entre 19.000 e 28.000 dólares. A produção “sistemática” de desinformação também pode justificar a suspensão temporária de perfis e contas.

A prorrogação de poderes ocorre um dia após o ministro-presidente do TSE, Alexandre de Moraes, se reunir com representantes de plataformas como Facebook e Google para notificá-los de que iriam apertar as medidas. “Graças ao apoio das plataformas e redes sociais, tivemos uma primeira rodada razoável, talvez até melhor do que esperávamos. Porém, neste segundo turno estamos cada vez pior nesse aspecto”, afirmou, em declarações coletadas pela mídia brasileira.

Denúncias contra publicações de veracidade duvidosa em plataformas digitais aumentaram 1.671% nessas eleições em relação às eleições municipais de 2020, segundo o TSE. Entre as notícias falsas mais notórias está a acusação de que o esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva vai fechar as igrejas se vencer, um disparate que tem sido espalhado pelos próprios filhos de Bolsonaro e que tem muito eco entre os eleitores evangélicos. A Justiça Eleitoral ordenou a remoção desse tipo de conteúdo toda vez que foi denunciado.

Lula também não está isento das decisões do TSE. Sua campanha divulgou recentemente propaganda baseada em uma entrevista em que o atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro se refere em termos sensuais a um encontro com adolescentes venezuelanos . O TSE proibiu o uso dessas declarações, a pedido da campanha de extrema-direita, por terem sido "retiradas do contexto" e por tentarem vincular o candidato a um crime sexual.

O ativismo do TSE tem causado atritos com políticos e a mídia. A linha entre a censura e os esforços anti-fake news é delicada, dizem alguns. Em editorial na semana passada, o importante jornal Folha de São Paulo pediu que o TSE seja mais “parcimonioso” e encontre um equilíbrio. “Não há tribunal independente sem democracia, mas não há democracia sem liberdade de expressão”, destacou. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) manifestou nesta quarta-feira sua preocupação com a “escalada de decisões judiciais que interferem na programação das emissoras”. Alguns dias antes, o TSE ordenou que a rádio Jovem Pan cedesse espaço a Lula, tendo em vista que alguns comentaristas haviam manifestado opiniões tendenciosas contra o candidato.

Às vezes, o TSE retirou conteúdos que nem eram falsos, como o fragmento de entrevista com o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello que havia sido utilizado pela propaganda eleitoral de Bolsonaro. Na gravação, Mello disse que a justiça não declarou Lula inocente dos casos de corrupção, mas anulou as condenações por vícios formais do processo, o que é verdade. Resta saber se o TSE usará seus novos poderes como arma de precisão contra a desinformação ou como bazuca.

Jon Martin Cullell, o autor deste artigo, é editor da delegação do EL PAÍS no México desde 2018. Escreve principalmente sobre economia, energia e meio ambiente. É graduado em Ciência Política pela Sciences-Po Paris e mestre em Jornalismo pela Escola UAM-El PAÍS. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 21.10.22, às 7h:15

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