quarta-feira, 27 de julho de 2022

Simone Tebet reúne apoio da maioria em convenção do MDB após derrota de Renan

Senadora deverá ser homologada como candidata à Presidência da República nesta quarta-feira depois de pacificar o partido

Senadora Simone Tebet deve ser homologada candidata com o apoio de ampla maioria do partido 

Após o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, indeferir pedido do prefeito de Cacimbinhas (AL), Hugo Wanderley, aliado do senador Renan Calheiros (MDB-AL), para adiar a convenção do MDB, a senadora Simone Tebet (MS) deve ser homologada com o apoio de ampla maioria do partido como candidata à Presidência da República nesta quarta-feira, 27.

Segundo integrantes da ala pró-Lula no MDB, o movimento de Renan Calheiros foi um ato isolado e um gesto para “mostrar serviço” ao ex-presidente. Na prática, os diretórios regionais emedebistas estão liberados nos Estados para apoiar quem quiserem.

Convenção do MDB

Com apoio do presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), Simone Tebet conseguiu pacificar a legenda institucionalmente e evitar uma disputa fratricida no dia da convenção. “Atuamos para reposicionar o MDB desde 2019. Lutamos por uma Câmara e o Senado independentes, e recusamos qualquer participação no governo. A candidatura da Simone é o resultado de todo esse processo de renovação democrática do MDB. Ela sempre foi emedebista, tem experiência no Executivo e no Legislativo e fez um grande trabalho no Senado”, disse Baleia Rossi ao Estadão.

Pela primeira vez na história do partido, uma convenção presidencial do MDB será no formato virtual, o que gerou protestos de integrantes da sigla. Mesmo assim, o voto será secreto e o encontro será transmitido ao vivo pelo Youtube..

O PSDB e o Cidadania também realizam suas convenções nesta quarta-feira e vão formalizar o apoio à candidata emedebista, apesar de ainda existirem pendências regionais entre os partidos, em especial no Rio Grande do Sul. A expectativa entre os dirigentes era de que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fosse anunciado como candidato a vice, mas o tucano desistiu, nesta terça-feira, 26, de concorrer. A preferida para a vaga é a senadora Eliziane Gama (Cidadania -DF).

“A Justiça Eleitoral devolveu a tranquilidade ao partido e tirou o clima de disputa. Essa será uma convenção homologatória”, disse o ex-deputado federal Lucio Vieira Lima (MDB-BA), que integra o grupo pró-Lula no partido.

A leitura entre caciques do MDB é que o partido deve se manter em rota de aproximação com Lula e apoiar o ex-presidente no 2° turno. Os petistas mantém canais de diálogos abertos até com o ex-presidente Michel Temer, que apoiou o movimento pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Depois da convenção, MDB e PSDB esperam realizar mais dois eventos juntos de lançamento da chapa: um em Três Lagoas (MS), cidade natal de Simone Tebet, e outro em São Paulo. Aliados da candidata esperam que ela conte com R$ 40 milhões dos cerca de R$ 400 milhões do Fundo Eleitoral do MDB, o que seria equivalente a 10% dos 30% reservados à cota de mulheres.

Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo, em 27.07.22

Maior grupo armado do País, CACs lançam 34 candidatos ao Congresso e organizam partido político

Bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados


Clube de tiro em São Paulo; CACs querem eleger bancada formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados Foto: Gabriela Biló/Estadão - 9/1/19

Os CACs (colecionadores de armas, atiradores e caçadores) se articulam para a partir de 2023 formar uma bancada no Congresso. Em todo o País, há 34 pré-candidaturas a deputado federal, senador e governador de nomes ligados à Associação Proarmas, a mais representativa da classe. Para os legislativos estaduais e distrital, há mais 23 nomes sendo preparados. Nos planos do maior grupo armado do País também está a criação de um partido político. É a primeira vez que esse agrupamento, que supera todos os policiais militares em quantidade de membros (e em arsenal particular registrado em nome desses PMs), se organiza nos Estados e com o Palácio do Planalto para eleger representantes.

A entrada dos armamentistas oficialmente na política é incentivada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). O candidato à reeleição tem recebido lideranças e pré-candidatos do movimento no Planalto para vídeos e fotos manifestando apoio a esses aliados. A estratégia conflita com o que o núcleo da campanha tem se queixado: falta de interlocução de Bolsonaro com apoiadores de outros segmentos, como o meio empresarial.

Graças à política pró-armamento do governo, o total de CACs registrado saltou de 117.467, em 2018, para 673.818 este ano. O montante supera todos os 406 mil policiais militares da ativa que atuam em todo o País e ainda é maior que o efetivo de cerca de 360 mil homens das Forças Armadas.

A movimentação política é vista com preocupação por policiais e por especialistas em segurança pública. Ao contrário da Polícia e das Forças Armadas, os CACs não possuem a hierarquia do meio militar e têm no presidente e no deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) suas maiores referências. Líder do Proarmas, o advogado Marcos Pollon anunciou sua candidatura à Câmara pelo Mato Grosso do Sul dias depois de ser recebido por Jair Bolsonaro no Planalto.

Em vídeo publicado por Pollon no dia 6 de julho, três dias antes de uma grande manifestação dos CACs na Esplanada dos Ministérios, Bolsonaro acenou mais uma vez à classe. “A todos vocês CACs, um grande abraço, parabéns pelo momento, por essa oportunidade, pela iniciativa”, disse. “E parabéns também quem? Marcos Pollon. Parabéns, Marcos.”

O objetivo do movimento Proarmas é eleger candidatos ao Legislativo, em Brasília e nos Estados, para flexibilizar leis que tratam de armamentos. A atuação política, entretanto, já funciona há meses, sob a coordenação de Eduardo. Como mostrou o Estadão, o filho do presidente articulou armamentistas nos Estados para aprovar leis que facilitam o porte de arma aos CACs. Apesar de eles poderem circular armados, o deslocamento tem regras específicas e deve sempre ter um clube de tiro como destino. Com o direito ao porte, as restrições diminuiriam.

O Estadão identificou 27 candidaturas à Câmara e ao Senado de armamentistas e políticos regionais que querem formar em Brasília a “bancada dos CACs”. Além desses, há outros nove políticos com mandato no Congresso que recebem oficialmente o apoio do Pró-Armas para disputas ao Senado a governos estaduais, com a condição de tratar a pauta armamentista com absoluta prioridade. Há ainda 23 candidatos às assembleias estaduais e distritais. Todos estão distribuídos por PL, PMN, Podemos, PP, PRTB, PSC, PTB, PTC e Republicanos, partidos que formam o Centrão.

A bancada que os CACs querem eleger no Congresso e nos Estados é formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados.

Propostas



O principal alvo do grupo é a revogação completa da Lei 10.826/03, o Estatuto do Desarmamento. Há outras propostas em estágio avançado de tramitação, mas que ainda estão em debate, como o projeto 3723/2019, enviado por Bolsonaro. O texto regulamenta as atividades de atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas e revoga um artigo do Estatuto que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e de armas com dispositivo de segurança e de identificação gravado no corpo da arma.

A proposta foi aprovada com mudanças pela Câmara em novembro de 2019 e agora tramita no Senado. Em uma live na semana passada, Pollon citou dois textos alternativos de senadores e um terceiro que é “o nosso substitutivo”. “O 3723, por conta das eleições, ele está meio quieto. Evidente que se ele for pautado, eu tenho que ir lá cuidar”, disse o comandante do Proarmas, que não tem cargo público.

Clube de tiro em São Paulo; CACs querem eleger bancada formada por instrutores de tiro, donos de clubes, policiais e advogados

Nas Assembléias, além da facilitação do porte para CACs, a ideia é ampliar o acesso por meio do barateamento dos preços. No dia 9 de julho, durante encontro do Pró-Armas em Brasília, Eduardo Bolsonaro comemorou, no carro de som, a redução do ICMS para compra de armas em Alagoas. “Um gol de bicicleta”, afirmou. “Atenção, deputados estaduais, segunda-feira, missão: entrar com projeto de lei igual do Cabo Bebeto (PL-AL).”

Candidatos confidenciaram que o crescimento substancial no número de CACs sob Bolsonaro deu à pauta armamentista um potencial para atrair votos. O contingente de mais de 600 mil pessoas não leva em conta os familiares e amigos que também podem ser convencidos a votar nos candidatos do segmento.

“O momento deles é forte. A pauta pró-armas é defendida por centenas de milhares de pessoas, a maioria evangélicas. Eles me escolheram porque conhecem minhas pautas”, afirmou o vereador Devanir Ferreira (Republicanos-ES), que tentará uma vaga na Câmara, à reportagem.

As lojas de armas e os clubes de tiros são vistos pelos articuladores como importantes propagadores das candidaturas. Esses estabelecimentos também cresceram exponencialmente no governo Bolsonaro. Hoje, existem 2.066 clubes em todos os Estados. Alguns têm em seus nomes inspiração nacionalista: Patriotas do Brasil, Pátria Armada, Brasil Atividades de Tiro e Armas Brasil.

“Temos uma rede integrada de apoiadores. Temos representatividade em mais de 300 municípios, entre clubes de tiros, vereadores e lojas. Com o apoio do Proarmas, a gente consegue chegar a mais gente. A pauta não é só armamentista, mas a base é”, disse o Samurai Caçador (PRTB-SP) ao Estadão. Vereador de Monte Azul Paulista, ele vislumbra que o crescimento da pauta lhe renderá pela primeira vez uma cadeira na Assembleia.

A título de ilustração, o número de clubes de tiros no País é maior do que a quantidade de diretórios de dois jovens partidos com representação na Câmara: a Rede e o Novo, ambos deferidos pelo TSE em 2015. O Novo tem 29 e a Rede, 147, segundo dados da Corte Eleitoral. A quantidade de clubes e associações de tiros é quase semelhante ao número de diretórios do PL. A sigla pela qual o presidente Jair Bolsonaro vai concorrer ao Palácio do Planalto tem 2.250 unidades partidárias, das quais 99,2% são provisórias.

Embora os partidos não tenham mais de um diretório por cidade e os clubes não tenham essa restrição, a comparação mostra a velocidade com que as associações crescem no País. São Paulo é a cidade com maior quantidade de clubes, segundo os dados do Exército. São 53. A cidade é seguida por Brasília e Rio. Ambos com 32 clubes, cada.

Partido dos CAC’s

A organização presidida por Marcos Pollon nasceu em 2020 e já é a mais representativa do Brasil. Os próximos planos são ainda mais ambiciosos. “Quando batermos 1 milhão (de apoios), vamos criar um partido político. ‘Ah, por que 1 milhão?’ Porque estou sendo otimista. Estou trabalhando com índice de conversão de 50%”, disse em um entrevista, em fevereiro.

O interesse político de Pollon, anunciado somente após um encontro com Bolsonaro no Palácio do Planalto, contrasta com o perfil de atuação de Bené Barbosa, um outro líder armamentista no qual Pollon se inspirou para criar o seu movimento. Barbosa hoje se dedica a vender cursos de segurança pessoal e domiciliar, mas já foi a principal voz armamentista no Brasil. Ele usou a visibilidade para investir em seus negócios e não migrou para a política de representação. Procurado pelo Estadão para comentar o avanço dos CACs em Brasília, ele preferiu não se manifestar.

Na avaliação de especialistas, são grandes as chances de alguns CACs serem eleitos. O movimento, pautado “não é sobre armas, é sobre liberdade”, ganhou espaço no eleitorado conservador e evangélico. O lema costuma vir acompanhado pelo de “defesa da família” e dos “valores cristãos”. A pauta pró-armas pega carona no bolsonarismo. E vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam temas como “voupraguerracombolsonaro”.

Contudo, a real força ainda precisará ser testada nas urnas. “É possível que essas pessoas votem em candidatos pró-armas, embora as pesquisas indiquem que maioria da população brasileira não acredita que com as pessoas se armando terão segurança. Mas tem o financiamento pelos clubes de tiro, o aumento do discurso de que significa liberdade. Aumentou a organização do grupo e o governo estabelecido apoia essa pauta. Tem movimento fortalecido, mas ainda não sabemos se vai garantir votos”, disse Carolina Ricardo.

CAC’s x bancada da bala

A tradicional “bancada da bala” da Câmara também defende o armamento, mas avança para temas como endurecimento de penas, tipificação de novos crimes e estruturação das polícias nos Estados. A pauta apresentada pelos candidatos do movimento em geral é restrita ao armamentismo, ao apoio a Bolsonaro e ao antipetismo. Ela pega carona no bolsonarismo, e vice-versa. Nas redes sociais, os candidatos usam expressões como “voupraguerracombolsonaro”.

“Eles não tem uma agenda programática de segurança pública, não é uma agenda de pensamento no País. É uma agenda armamentista e que pega carona com o Bolsonaro para reduzir a esquerda. Dificilmente, se eleitos, trarão ganhos para a ‘bancada da bala’. Possivelmente, vai aderir à agenda tradicional”, opinou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Os petistas já planejam mudanças na política de acesso a armas, caso ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seja eleito em outubro. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse ao Estadão que a posição histórica do partido “é pelo controle (das armas) nos termos que estão no Estatuto do Desarmamento”.

O parlamentar é o responsável por planejar o tema da segurança pública no programa de governo de Lula. “Certamente, haverá uma reversão dessas medidas que relaxaram o controle de armas no Brasil. A ponto de vender fuzil para integrante do PCC”, disse.

Vinícius Valfré e Julia Affonso / O Estado de S. Paulo, em 26.07.22.

Celso de Mello não lerá, mas assina, a nova edição da Carta aos Brasileiros

No dia 11/8, ocorrerá na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo a leitura do texto "Carta aos Brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito". A princípio, o documento seria lido por Celso de Mello, que classificou o convite como "motivo de profunda e imensa honra e, também, de inexcedível distinção". No entanto, o ministro aposentado do STF teve de rejeitar a oportunidade.

SCO/STF  O ministro aposentado do STF Celso de Mello não lerá o documento no dia 11

Em conversa com o ex-procurador-geral de Justiça de São Paulo Luiz Antônio Marrey, Celso afirmou que é "necessário reagir aos pronunciamentos de um político menor (e medíocre) que busca permanecer na regência do Estado , mesmo que esse propósito individual, para concretizar-se,  seja transgressor do postulado da separação de poderes  e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de nosso País !".

A importância do evento, portanto, não pode ser exagerada. Para o magistrado, ex-aluno da USP, "a  escolha do solo sagrado das Arcadas reveste-se de altíssimo significado simbólico , pois nelas , historicamente, sempre floresceram e  têm sido permanentemente cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia".

Celso de Mello relembra ainda que, em momentos delicados para o Brasil, torna-se essencial execrar publicamente posturas antidemocráticas e que ameaçam o Estado Democrático de Direito. "Bolsonaro , além de sua distorcida visão de mundo (“Weltanschauung”) , sustentada e exposta por quem ele realmente é , desnuda-se ante a Nação como um político medíocre e  que,  além de possuir desprezível espírito autocrático,  também expôs-se, em plenitude,  em sua conduta governamental ,  como a triste figura de um Presidente menor ,  sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado,  capaz de respeitar a autoridade suprema da Constituição da República !!!", diz, na troca com Marrey.

Apesar da recusa em relação à leitura da nova "Carta aos Brasileiros", o ex-ministro pediu para ser incluído entre os signatários do documento.

Leia, abaixo, o texto enviado por Celso de Mello a Luiz Antônio Marrey:

"Caríssimo MARREY ,   O convite feito pelos organizadores  do importantíssimo evento que se realizará, na São Francisco , no próximo dia 11 de agosto  -  e que  me foi gentilmente transmitido por você  -  constituiu , para mim, motivo de profunda e imensa honra e, também,  de inexcedível distinção , seja como antigo Aluno da Faculdade de Direito da USP  (Turma de 1969) , seja como cidadão ,  seja  como Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal !  

Recentemente, escrevi que o presente momento histórico vivido pelo Brasil revela-nos , em tom de grave admonição  , que as instituições democráticas de nosso País e as liberdades fundamentais dos cidadãos  ,  porque expostas a ataques dos hunos que as assediam com o subalterno (e corrosivo) propósito de vulnerá-las , sofrem risco imenso em sua integridade  !!! 

Neste momento delicado , em que o Brasil se situa entre o seu passado e o seu futuro,  avizinha-se, perigosamente, a aproximação de tempos procelosos e nublados , impregnados , por seu efeito desestabilizador , de extrema gravidade e de sérias consequências para o regime democrático ! 

Torna-se importante , por tal razão, que aqueles que respeitam a institucionalidade e que prestam fiel reverência à nossa Constituição reajam - e reajam sempre com apoio e sob o amparo da Lei Fundamental do Brasil -  às  sórdidas manobras golpistas , às  sombrias conspirações autocráticas e às  inaceitáveis tentações pretorianas de submeter o nosso País a um novo e ominoso período de supressão das liberdades constitucionais e de degradação e conspurcação do regime democrático !!!  

Necessário, pois, reagir aos pronunciamentos de um político menor ( e medíocre ) que busca permanecer na regência do Estado , mesmo que esse propósito individual  , para concretizar-se,  seja transgressor do postulado da separação de poderes  e revelador de uma irresponsável desconsideração das instituições democráticas de nosso País ! 

 A resposta do povo brasileiro às graves (e ameaçadoras) manifestações  do atual Presidente da República , indignas da majestosa importância da Lei Fundamental de nosso País, além de necessária e imprescindível , só poderá  ser uma:  insurgir-se  contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam , deformam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da própria Constituição ! 

Tal objetivo traduz justa razão para que a  sociedade civil  -  valendo-se dos meios  legítimos proporcionados pela Constituição da República e atuando por intermédio dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público  - insurja-se contra os excessos governamentais , contra as conspiratas urdidas por setores retrógrados infensos à necessidade de respeito pela ordem constitucional ,  contra os comportamentos políticos desviantes e contra o arbítrio dos governantes indignos e desprezíveis ! 

A Faculdade de Direito do Largo São Francisco é a minha “alma mater” ! 

A  escolha do solo sagrado das Arcadas reveste-se de altíssimo significado simbólico , pois nelas , historicamente, sempre floresceram e  têm sido permanentemente cultuados e preservados o espírito da liberdade e o respeito pela democracia !  

O “espírito das Arcadas” não sofre solução de continuidade! Envolve as gerações de ontem, de hoje e de sempre !!! Elas exprimem o indelével sentimento de perenidade ...  Esse “espírito das Arcadas” - de que você também se acha impregnado - traduz o signo luminoso de nossa identidade comum , o vínculo poderoso que nos transforma , historicamente, em uma comunidade concreta sob a égide dos valores comuns da liberdade, da democracia e do respeito ao Direito  e  que conferem identidade e homogeneidade ao nosso sentimento de "pertencimento",   à nossa percepção de que integramos , orgulhosamente, um ente místico  destituído de temporalidade, que reflete, aqui e agora, todos os momentos que compõem o itinerário histórico de nossa "alma mater"...  

São os vultos do passado (e também do presente ) que nos inspiram nessa jornada mágica pelos caminhos da vida pessoal, acadêmica  e profissional  , inclusive aqueles que, mesmo havendo ingressado e cursado as  Arcadas, nelas não  se graduaram :  Castro Alves, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, José Antonio Pimenta Bueno (Marquês de São Vicente), Lafayette Rodrigues Pereira (Conselheiro Lafayette ), Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Ruy Barbosa, José Bonifácio, o Moço, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Affonso Penna, Campos Salles, Rodrigues Alves, Prudente de Morais, Washington Luis, Arthur Bernardes, Wenceslau Braz, Bernardo Guimarães, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia , Monteiro Lobato , Miguel Reale ,  Goffredo da Silva Telles Junior (meu Professor e vulto inspirador e inesquecível dos tempos acadêmicos ) e os 13 (treze) Presidentes da República (entre eleitos ou empossados) que passaram pelias Arcadas do Largo de São Francisco, entre outros vultos notáveis ! Os pronunciamentos do atual Presidente da República, que muitas vezes se vale do sentimento do medo e da utilização da  ameaça  como instrumentos inidôneos e ilegítimos de ação política , parecem resvalar , perigosamente , para o terreno pantanoso das palavras sediciosas !!!  

Vejam-se, entre outras , por expressivas , suas manifestações em Sete de setembro do ano passado e o recentíssimo discurso de aceitação , neste domingo de julho , de sua candidatura presidencial !!! 

Bolsonaro , além de sua distorcida visão de mundo (“Weltanschauung”) , sustentada e exposta por quem ele realmente é , desnuda-se ante a Nação como um político medíocre e  que,  além de possuir desprezível espírito autocrático,  também expôs-se, em plenitude,  em sua conduta governamental ,  como a triste figura de um Presidente menor ,  sem noção dos limites éticos e constitucionais que devem pautar a conduta de um verdadeiro Chefe de Estado,  capaz de respeitar a autoridade suprema da Constituição da República !!!  

Falece-lhe o  valor fundamental da “gravitas”, que era uma nobre qualidade exigida pelos Romanos em relação aos que exerciam funções abrangidas pelo “cursus honorum “ !  

Na realidade, Bolsonaro - que constantemente insinua a possibilidade de um “coup d’État”, tal a sua profunda aversão à ideia eticamente superior de democracia constitucional  -  traduz, em sua trajetória política , a imagem de um governante que não está, como jamais esteve, à altura do cargo que exerce, pois lhe faltam estatura presidencial e senso de estadista ,  de “statesmanship” !!! 

Todas essas razōes levar-me-iam a aceitar o honrosíssimo convite que me foi dirigido , pois se torna imprescindível que a cidadania se pronuncie, de forma vigorosa e inequívoca,  pela defesa intransigente da intangibilidade do regime democrático e de todos os consectários que lhe são inerentes  !!! 

Ocorre, no entanto, que ,  infelizmente para mim , ainda subsistem as graves razões que lhe expus há poucos dias, impossibilitando-me  a altíssima honra e o enorme privilégio que eu teria de proceder à leitura, no próximo dia 11 de agosto, da “Carta aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” ! 

Peço-lhe, no entanto, que me conceda a honrosa possibilidade de registrar o meu nome como signatário de tão relevante e essencial documento na defesa institucional da democracia em nosso País ! Se necessários outros dados identificadores (CPF e RG) , basta avisar-me que eu lhos enviarei ! 

Uma última observação : retardei, até agora, a aceitação de tão honroso convite, na justa expectativa de que pudesse superar os problemas que me afligem  há algum tempo ! 

Tal, porém, não se fez possível , a despeito de todo o esforço e tentativa que fiz ! 

Rogando a sua compreensão, despeço-me , cordial e afetuosamente, com as nossas tradicionais Saudaçōes acadêmicas !  CELSO"

Sabrina Brito para o Consultor Jurídico. Publicado originalmente em 26.07.22 (No  título da matéria o editor do blog acrescentou ao "não lerá" o "mas assina". A foto do Ministro estampada aqui nesta publicação também não é a mesma, embora seja igualmente dos arquivos da Assessoria de Comunicação do STF).

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.


Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo - Largo de S. Francisco

Lançamento da Carta aos Brasileiros em 11 de agosto de 1977

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

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Assine a Carta em defesa do Estado Democrático de Direito - copie o link abaixo:

https://direito.usp.br/noticia/809469c6c4fb-carta-as-brasileiras-e-aos-brasileiros-em-defesa-do-estado-democratico-de-direito

domingo, 24 de julho de 2022

STF vê bravata e estratégia eleitoreira em ataques de Bolsonaro durante convenção

Presidente da República tenta apontar a Corte como inimiga do Palácio do Planalto para justificar a sua incompetência como gestor

STF vê bravata e estratégia eleitoreira em ataques de Bolsonaro durante convenção. Jair Bolsonaro discursa em convenção do PL no Maracanãzinho Gabriel de Paiva/ Agência O Globo

Ninguém dentro do Supremo Tribunal Federal (STF) ficou surpreendido com os novos ataques disparados pelo presidente Jair Bolsonaro ao Poder Judiciário e a incitação para que seus apoiadores se mobilizem em peso nas ruas no próximo 7 de Setembro.

Dentro do STF, o discurso beligerante de Bolsonaro na manhã deste domingo (24), em convenção do PL que confirmou a sua candidatura à reeleição, foi encarado como mais uma “bravata” – e uma estratégia eleitoreira para emplacar a narrativa de que a Corte atua como inimiga do Palácio do Planalto.

Essa estratégia também serviria para afastar a imagem de incompetência de Bolsonaro, tirando a responsabilidade do presidente por erros que ele mesmo cometeu em sua gestão.

Conforme mostrou a uma pesquisa interna do PT apontou que o “despreparo” é o maior defeito que os eleitores associam à figura do presidente.

Por ora, a avaliação de ministros do STF é que não é o caso de vir a público para rebater o presidente, porque alimentar a polêmica é entrar no ringue eleitoral – e fazer o jogo de Bolsonaro.

“Esses poucos surdos de capa preta têm de entender o que é a voz do povo. Têm de entender que quem faz as leis é o poder Executivo e o Legislativo. Todos têm de jogar dentro das quatro linhas da Constituição”, esbravejou Bolsonaro no Maracanazinho, sob aplausos da claque.

O verdadeiro trabalho que precisa ser feito, avaliam integrantes da Corte, é mostrar os fatos e explicar o que está por trás dos reiterados ataques de Bolsonaro ao tribunal.

Uma retrospectiva da conturbada relação STF-Bolsonaro ajuda a esclarecer a questão. Em três anos e meio de governo Bolsonaro, o STF atuou como principal ator político na defesa da democracia e na imposição de limites aos arroubos autoritários do atual ocupante do Palácio do Planalto.

Coube ao STF, por exemplo, garantir a autonomia de Estados e municípios imporem medidas de distanciamento social, enquanto Bolsonaro menosprezava os riscos da Covid-19 – chamada de “gripezinha” por ele.

Também foi o STF quem obrigou o Ministério da Saúde a continuar divulgando diariamente os dados de infectados e mortos pelo coronavírus, além de determinar que o governo apresentasse um plano de vacinação.

“A pandemia não é culpa de Bolsonaro, mas a forma como ele conduziu a pandemia sim. Foi catastrófico”, disse à coluna um ministro em caráter reservado.

Esse magistrado ressalta que se o STF não tivesse feito o que fez, o Brasil teria milhares de Manaus, em referência à capital do Amazonas, onde dezenas de pacientes morreram asfixiados devido à falta de oxigênio em hospitais.

O STF também impôs duros reveses político ao clã Bolsonaro, ao condenar a oito anos de prisão o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) e fechar o cerco sobre o chamado “gabinete do ódio” em inquéritos que estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, considerado inimigo público pelos bolsonaristas.

"A resposta do povo brasileiro só pode ser uma: insurgir-se contra as tentações autoritárias e as práticas governamentais abusivas que degradam e deslegitimam o sentido democrático das instituições e a sacralidade da Constituição”, disse à coluna o ex-decano do STF Celso de Mello.

Alerta: Brasileiros devem reagir às tentações autoritárias de Bolsonaro, diz Celso de Mello

Agora, os temores do STF se concentram nos desdobramentos do 7 de Setembro, que já fizeram o tribunal adiar a posse da nova presidente do tribunal, Rosa Weber, conforme revelou a coluna.

A solenidade foi empurrada para a semana seguinte, dia 12 de setembro, uma segunda-feira, tentando descolar o evento dos protestos programados para ocorrer em todo o país daqui a dois meses.

Bastidores: Marina, ambientalistas e o ‘alvoroço’ com a aliança de Lula com o agronegócio

A expectativa dos organizadores do 7 de Setembro é a de que o público seja maior do que em anos anteriores devido ao bicentenário da independência e à proximidade da eleição, com milhares de apoiadores de Bolsonaro se concentrando no centro da capital federal.

“O sistema vai saber se defender”, disse um ministro. É o que se espera.

Rafael Moraes Moura, de  Brasília, DF, para O Globo, em 24.07.22

Bolsonaro acumula 21 derrotas no STF e novo ataque não surpreende ministros

Os ataques de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e a convocação para o ato de 7 de setembro não surpreenderam ministros da Corte, que foram chamados de “surdos de capa preta”. 


No tribunal, não havia a expectativa de que o tema ficasse de fora do lançamento de candidatura do presidente, hoje, no Rio.

Segundo levantamento de um dos gabinetes do Supremo, o órgão julgou de maneira colegiada contra os interesses do governo federal ao menos 21 vezes desde a posse de Bolsonaro, em 2019. Isso inclui decisões como a determinação pela instalação da CPI da Covid no Senado. É o que alguns ministros apontam como causa da irritação de Bolsonaro.

ORADORA. Ao contrário do marido, que foi pautado e não seguiu o roteiro, Michelle Bolsonaro não recebeu um script. Orientada a fazer uma oração ou agradecimento às mulheres, ela improvisou e fez o discurso considerado mais contundente do dia. Aliados avaliam que ela traz o componente que falta ao presidente: emoção.
      
Beatriz Bulla / O Estado de S. Paulo online, em 24.07.22

Em discurso na convenção do PL, Bolsonaro faz ao menos 7 alegações enganosas

Presidente repetiu informações imprecisas sobre temas como auxílio emergencial, covid-19 e corrupção   

Bolsonaro durante discurso na convenção do PL, no Maracanãzinho, neste domingo, 24. Foto: MAURO PIMENTEL / AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez um discurso de pouco mais de 1h na convenção do Partido Liberal (PL) neste domingo, 24, no qual repetiu ao menos sete alegações enganosas sobre temas como auxílio emergencial, covid-19 e corrupção. Veja abaixo um compilado de checagens do Estadão Verifica e de reportagens do Estadão sobre os assuntos mencionados pelo presidente.

Auxílio Emergencial x Bolsa Família

O que Bolsonaro disse: que em 2020 o governo gastou com o Auxílio Emergencial o equivalente a 15 anos de Bolsa Família.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é impreciso. O governo federal gastou com auxílio emergencial em 2020, contando o pagamento residual, cerca de R$ 293 bilhões. Conforme levantamento do Estadão Verifica, de 2004 a 2018 o orçamento do Bolsa Família reajustado pela inflação, com mês de referência de dezembro de 2020, equivale a cerca de R$ 390 bilhões — uma diferença de quase R$ 90 bilhões. Já em valores nominais — isto é, sem o reajuste inflacionário — o valor total é de R$ 269 bilhões.

Brasil alimenta 1 bilhão

O que Bolsonaro disse: que a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP) garantiu a segurança alimentar de 1 bilhão de pessoas no mundo.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: o presidente repetiu um dado controverso, já mencionado durante discurso na Cúpula das Américas. Ocorre que um estudo divulgado pela Embrapa em março de 2021 aponta que a produção agrícola do Brasil é responsável por alimentar 800 milhões de pessoas no mundo, cerca de 10% da população mundial. A metodologia do estudo, no entanto, foi contestada por especialistas ouvidos em reportagem do portal UOL. Um dos pontos levantados é que a conclusão parte do pressuposto que todos os grãos exportados pelo Brasil são usados para alimentação, mas eles podem ser usados para rações de animais e outras finalidades.

No Brasil, a fome voltou a patamares registrados na década de 1990. Segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no País atualmente; 14 milhões a mais do que no ano passado. Mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderado ou grave).

Decisão do STF sobre responsabilidade no combate à covid

O que Bolsonaro disse: que a condução do combate à covid-19 passou a ser de governadores e prefeitos por decisão judicial.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela competência concorrente dos entes federativos em relação à saúde. Especialistas em Direito Constitucional consultados pelo Estadão Verifica nesta checagem esclarecem que, na verdade, a atuação do STF visa apenas à garantia do cumprimento da Constituição de 1988, que trata das competências para legislar sobre saúde pública, mesmo em estado de calamidade.

Os ministros do STF entenderam que a União pode legislar sobre saúde pública, mas que também deve resguardar a autonomia dos demais entes federativos a respeito do tema. O artigo 23 da Constituição define como “competência comum” entre União, Estados, municípios e Distrito Federal “cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”. 

Governo sem corrupção

O que Bolsonaro disse: que seu governo está há três anos e meio sem corrupção.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O mandato de Bolsonaro registra denúncias e suspeitas do crime envolvendo nomes importantes da gestão federal e aliados, que geraram investigações como a que levou à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro, da Educação. Veja a lista publicada pelo Estadão com dez acusações de corrupção nas quais integrantes ou aliados do governo Bolsonaro foram ou são acusados de envolvimento.

Lula e roubo de celulares

O que Bolsonaro disse: que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende o roubo de celulares como um direito do bandido de “tomar uma cerveja”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Lula não defendeu que bandidos deveriam poder roubar celulares para “tomar cerveja”. A origem da desinformação é um vídeo editado do petista que circula nas redes desde pelo menos 2021. A peça traz série de frases recortadas e desconexas uma das outras, retiradas de uma entrevista concedida por Lula em 2017.

Em um determinado momento da fala, o ex-presidente diz o seguinte:  “É uma coisa que está intimamente ligada. Ou seja, o cidadão teve acesso a um bem material, a uma casinha, a um emprego, e de repente o cara perde tudo. Então, vira uma indústria de roubar celular. Para que ele rouba celular? Para vender, para ganhar um dinheirinho. Eu penso que essa violência que está em Pernambuco é causada pela desesperança.”

Em uma outra parte da entrevista, Lula afirma sobre rivalidades entre torcidas de futebol: “É preciso distensionar para a sociedade perceber que a torcida do Santa Cruz e do Sport não são inimigas. São adversárias durante o jogo, depois vão para o bar tomar cerveja juntos. E ainda deixam o pessoal do Náutico batendo palma do lado.” 

Lula e legalização de drogas

O que Bolsonaro disse: que Lula quer legalizar as drogas no Brasil.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Como mostrou esta reportagem do Estadão, o documento com diretrizes para a criação de um programa para um eventual novo governo de Lula menciona o termo “drogas” uma única vez e não trata de legalização. O documento propõe substituir a atual “guerra” contra o narcotráfico por estratégias de enfrentamento baseadas em “conhecimento e informação”, além de focar em redução de riscos.

Teto de gastos

O que Bolsonaro disse: que foi o primeiro presidente a ter que lidar com o teto de gastos, que limita o investimento público.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O teto de gastos foi aprovado durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2016. O novo regime fiscal passou a valer no ano seguinte, com duração prevista de 20 anos. Bolsonaro só assumiria a Presidência em 2019.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Presidência e atualizará esta publicação se houver resposta.

O Estado de S. Paulo online, em 24.07.22

Bertha Deleon, de advogada do presidente de El Salvador a refugiada no México: "Bukele é muito imaturo e vingativo"

Ela fez parte da equipe jurídica do presidente salvadorenho, posteriormente candidato da oposição, e no final de 2021 teve que fugir do país devido à perseguição do governo e seus aliados.

Bertha María Deleón, ativista e ex-advogada de Nayib Bukele, na Cidade do México, em 13 de julho de 2022. (Inak Malvid)

No dia em que perdeu as eleições como candidata a deputada em El Salvador, em 28 de fevereiro de 2021, a advogada e ativista Bertha Deleon conversou com uma amiga próxima para discutir sua situação. “Olha, você tem que ir, e você tem que ir agora,” sua amiga disse a ela. Não que ela não soubesse.

“Eles estavam me seguindo de moto, grampearam meus telefones, hackearam meu e-mail, colocaram drones no meu pátio. Em questão de três meses, perdi 80% dos meus clientes”, diz Deleon agora, numa tarde de meados de julho, na Cidade do México. Embora já fosse uma advogada reconhecida, ninguém queria problemas com o presidente. E ela, que representou Nayib Bukele em diferentes processos entre 2016 e 2019, o confrontou totalmente durante a campanha. "Você disse que dinheiro é suficiente quando ninguém rouba, seu dinheiro não é mais suficiente para você", ele começou dizendo em um vídeo que postou nas redesuma semana antes da votação. No local, ele acusou Bukele de ter enchido o governo de amigos e familiares, o culpou por casos de corrupção e pediu aos eleitores que não permitissem que "uma pessoa incapaz, um mentiroso e um manipulador acumule mais poder".

Uma afronta regular em qualquer disputa eleitoral em outras democracias, mas um desafio inimaginável para Bukele, um político obcecado pelas redes sociais e pela imagem que construiu de si mesmo, que não tolera ser questionado publicamente. “Um adolescente com poder, incapaz de conversar sobre os assuntos mais importantes sem olhar constantemente para o telefone”, descreveu Deleón na época , dois dias antes das eleições. Foi o ponto final de um relacionamento que havia rompido há um ano e que levou o advogado a fugir de El Salvador e buscar refúgio em outro país.

'Você jogou merda em mim no Twitter'

A ligação entre Deleon e Bukele foi quebrada no mesmo lugar onde nasceu no final de 2015: no Twitter. Bukele era então prefeito de San Salvador e uma estrela em ascensão na política salvadorenha. Deleón teve destaque e não apenas na rede social: naquele ano ele conseguiu, junto com outros colegas, incluir o crime de lavagem de dinheiro em um processo aberto contra o ex-presidente Francisco Flores, aparecendo como demandante. “Ele começou a me escrever por DM [Mensagem Direta] no Twitter e me fez perguntas sobre esse caso e outros casos, e eu respondi a ele como respondia a outros. Nunca o tinha visto pessoalmente, parecia-me alguém progressista”, diz Deleon.

Ela construiu uma reputação como litigante em um país onde "o direito penal é uma selva" e logo conquistou a confiança de Bukele, que em 2016 a convidou para fazer parte de sua equipe jurídica. Ela era a única mulher em um grupo de 12 advogados e se tornou a figura que o acompanhou durante os complicados processos judiciais. Em 2019, quando Bukele já havia vencido as eleições presidenciais, mas ainda não havia assumido o cargo, Deleon o representou nas audiências por um caso de difamação. Eles tinham um diálogo aberto, diz o advogado, e às vezes falavam sobre seu próximo governo. Em uma dessas ocasiões, ela lhe disse que estava interessada em ser Ministra da Segurança, que poderia lhe apresentar um plano, que estava pronta para isso.

"Por que alguém iria querer ser ministro da segurança?"

—Primeiro porque eu realmente pensei que Nayib iria seguir uma política diferente. Ou seja, eu acreditava que era progressista, que seria capaz de inovar e que, por exemplo, se abriria para dialogar com as gangues de forma... aberta. Quer dizer, agora que digo isso, dói-me dizer isso, porque me sinto tão estúpido... Mas foi isso: eu realmente acreditava que seria um novo começo e que talvez eu tivesse chance de tentar algo que não havia sido feito antes. Conheço o sistema penitenciário de El Salvador, trabalhei na justiça... Desde 2005, quando comecei a fazer carreira, me movi no meio criminal. Eu sei que a segurança não é apenas a questão criminológica, que engloba outras coisas, mas em El Salvador isso é uma grande parte do problema e é nisso que ninguém quer entrar. E eu conheço o sistema prisional,

Em junho de 2019, Bukele assumiu o cargo de presidente. Deleon não fazia parte do gabinete. Para muitos no governo – e fora dele – esse foi o motivo do rompimento, que levou o advogado a se tornar uma voz crítica. Mas Deleon diz que depois disso eles ainda falaram com confiança. Por isso, escreveu-lhe no WhatsApp dois dias antes de domingo, 9 de fevereiro de 2020, quando começou a dizer que iam assumir a Assembleia se não aprovassem um empréstimo de segurança que o Governo queria, e perguntou-lhe por que ele estava fazendo isso. E que lhe escreveu novamente no mesmo domingo, quando viu que Bukele chegou à Assembleia com os militares e fez uma grande encenação, uma exibição de autoritarismo diante das câmeras. "Você estragou tudo", escreveu Deleon. E ele ligou e postou no Twitter o que achou.Deleon escreveu naquela tarde. "Temos que ter paciência para aguentar quatro anos de birras e excessos do presidente mais legal ."

O presidente não foi tão legal no que diz respeito ao Twitter, seu habitat digital favorito, a plataforma onde ele demitia pessoas e dava ordens a seus funcionários. Deleon lembra que Bukele tirou uma captura de tela de seu tweet e enviou para ele no Whatsapp. “Ele me disse: você já jogou merda em mim no Twitter, eu nunca vou te perdoar por isso. Foi a última vez que tive uma troca direta.” Para alguém tão preocupado com sua imagem, isso era inaceitável. O presidente bloqueou seu ex-advogado no Twitter e em seus telefones, que o defenderam no tribunal e o tiraram de problemas, e a partir de então outros meninos de recados ficaram encarregados de tentar colocá-la em seu lugar.


Foto: Inaki Malvid

O assédio contra ela cresceu e se aprofundou quando Delón começou a fazer campanha para se candidatar a deputado nas eleições legislativas de fevereiro de 2021, um ano depois. Mais de 19.000 pessoas marcaram seu rosto na cédula no dia da votação, mas não foi suficiente para ele entrar. O partido de Bukele, Nuevas Ideas, conquistou um número sem precedentes de cadeiras, o que lhe deu maioria absoluta na Assembleia Legislativa . Naquele dia Deleon conversou com a amiga e ouviu seus conselhos, mas resistiu à ideia de fugir do país. Primeiro foram seus dois filhos. E eu pensei que poderia esperar até o final do ano. Sua amiga não pensava o mesmo.

Dois meses depois, em 1º de maio, a nova Assembleia tomou posse e a primeira coisa que fez foi exonerar os magistrados da Sala Constitucional do Supremo Tribunal e depois o Procurador-Geral da República, que foi substituído por um homem fiel a Bukele. Quando alguns países condenaram a virada autoritária de seu governo, o presidente convocou diplomatas para lhes dizer que não havia nada a condenar, que sua imagem positiva havia crescido dois pontos depois de varrer a separação de poderes. Antes do final de maio, Deleon foi intimado ao Ministério Público. "Eles me leram cinco acusações diferentes", diz ele. Os arquivos da investigação criminal já haviam sido abertos. “O promotor de fato”, denunciou então, "começou a cumprir o papel de perseguir aqueles que o governo ou o presidente consideram desconfortáveis". Logo, até sua mãe começou a lhe dizer que ele tinha que ir.

O tempo que passou até ele sair de El Salvador, em agosto do ano passado, foi um período de exaustão e paranóia, diz o advogado. "Eu não dormi mais, você me entende?" Deleón explica que ela tinha que ir ao Ministério Público três vezes por semana, que eles a seguiam explicitamente para intimidá-la, que o assédio nas redes não parava. Em setembro, quando já estava em uma casa segura no sul do México, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu-lhe medidas cautelares , considerando que se encontrava em "uma situação grave e urgente de risco de dano irreparável a seus direitos em El Salvador". ". Vigilância com drones, monitoramento e assédio em redes de funcionários e pessoas ligadas ao Governo, estimou a CIDH, traduziu-se em “uma situação de risco à sua vida e integridade”.

As razões pelas quais ele teve que deixar o país pareciam claras. Mas era um pouco mais difícil entender a crueldade da perseguição. Não que fosse inédito: o bukelismo já atacava o jornalismo que tirava a roupa suja de seu governo, contra organizações civis, contra políticos de outros partidos, contra diplomatas, mas era evidente que Deleon não tinha uma estrutura por trás disso. .

— Que risco político você poderia representar se tivesse perdido a eleição? Qual foi a utilidade do governo colocá-la na cadeia?

—Olha, se pensarmos razoavelmente, com bom senso, não adianta perder tempo e recursos assim. Nunca detive qualquer tipo de poder, nem econômico nem social, porque fui um ativista independente. Eu nunca estive em uma organização de direitos humanos como tal. Quer dizer, eu estava fajando sozinho. E ele sabe disso. Mas o problema com uma pessoa como Bukele é que ele é muito imaturo, muito visceral e vingativo.

Deleon nunca acreditou que a perseguição chegaria a esse ponto: "Sempre pensei que ele respeitaria a relação profissional que tive com ele e os resultados que lhe dei", explica. Em agosto de 2021, ela deixou El Salvador com a filha para a Califórnia e foi aconselhada a não retornar. A Iniciativa Mesoamericana de Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos a ajudou a encontrar um lugar para se abrigar no sul do México, enquanto ela solicitava refúgio no país. No começo foi muito difícil, ela conta: o desenraizamento, ficar longe do filho adolescente, explicar para a filha de seis anos que eles estavam fugindo. “E ela me disse: Mas por que vamos fugir? Você roubou alguma coisa?" Agarravam-se ao menor: o sabor de tortilhas, chocolate quente, dois novos amigos, alguns passeios de moto. Em fevereiro deste ano, Dois anos depois de Bukele invadir a Assembleia, ele foi notificado de que havia recebido o status de refugiado e residência permanente neste país. Agora você tem que começar de novo.

Eliezer Budassoff, da Cidade do México para o EL PAÍS. O autor desta reportagem, é editor de projetos especiais para o EL PAÍS na América e no México. Foi diretor editorial do The New York Times em espanhol e editor das revistas Black Label e Green Label. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 24.07.22

Putin desperta sentimento de identidade na Ucrânia

Pesquisas e especialistas confirmam que a invasão russa desencadeou a unidade nacional em um país independente por apenas 30 anos. A agressão de Moscou também alimenta o ultranacionalismo

Um menino com uma bandeira ucraniana no centro de Lviv em março (Luís de Vega)

A Ucrânia é um estado jovem que, desde que conquistou sua independência há 30 anos, vive com um vizinho que nega sua existência. Este vizinho, a Rússia, quer subjugar militarmente a antiga república soviética desde 2014. O sentimento nacional ucraniano vem crescendo exponencialmente desde que Vladimir Putin ordenou a anexação da Crimeia naquele ano e promoveu a revolta dos separatistas em Donbas (no leste). A invasão que começou em fevereiro despertou ainda mais a afinidade da população por uma identidade ucraniana, tanto nas províncias ocidentais quanto naquelas mais próximas da cultura russa, as do leste.

Andrew Wilson, professor de estudos ucranianos da University College London , escreveu na última edição de seu aclamado The ucranianos, nação inesperada (2015, Yale University Press) que a identidade nacional ucraniana ainda está em processo de construção após séculos de sujeição. para potências poderosas, países estrangeiros — Polônia, Império Austro-Húngaro, Rússia czarista e União Soviética. "As nações são formadas por circunstâncias e oportunidades", escreveu Wilson. “Os ucranianos gostam de falar sobre uma 'ideia nacional'. Conceitos como 'nação' pertencem ao domínio da imaginação política e cultural”, refletiu este acadêmico. Putin, segundo sua tese, foi a circunstância determinante para construir o novo cidadão ucraniano.

Em 2014, segundo dados coletados por Wilson em seu livro, o sentimento de pertencimento à Rússia Mundial (Russki Mir) na Ucrânia representava 12% da população, enquanto nas províncias orientais de Donetsk e Lugansk —no Donbas pró-russo—, foi de 24% e 33%, respectivamente. Oito anos depois, e com a invasão varrendo o país, uma das principais instituições de pesquisa da Ucrânia, a Rating, informou nesta primavera que a porcentagem de ucranianos que ainda se consideravam essencialmente russos havia caído de 12% para 8%. Nas regiões orientais, ainda era de 23%, mas o mais significativo sobre o estudo da Rating é que as pessoas que se consideram acima de todos os cidadãos da Ucrânia passaram de 75% para 98% em apenas seis meses.

"A Ucrânia nunca foi considerada uma sociedade fortemente coesa", diz um estudo publicado em abril por Oleksandra Deineko e Aadna Asland, pesquisadores em diversidade regional da Universidade Metropolitana de Oslo. Ruth Ferrero, professora da Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense de Madri, assim coloca no livro Ucrânia, da revolução de Maidán à guerra de Donbas:"O desenvolvimento da nação ucraniana precedeu a fundação do estado ucraniano, o que impede o desenvolvimento adequado de uma adesão nacional cívica." Os dados coletados no estudo de Deineko e Asland, realizado nos primeiros meses da invasão, confirmaram que houve uma virada de 180 graus: 80% dos cidadãos afirmaram estar participando de tarefas de defesa do país; Antes da invasão, e com o conflito aberto no Donbas e na Crimeia, apenas 20% disseram estar envolvidos como voluntários na sobrevivência da Ucrânia.

Liubomir Marchenko é um empresário de 29 anos de Dnipro, a quarta maior cidade da Ucrânia (970.000 habitantes). No Dnipro, eixo entre as províncias do leste e do oeste, a maioria da população fala russo como língua principal, lembra Marchenko: “Em 2014 não houve mudança substancial na abordagem da cultura russa porque era vista como algo positivo; as estrelas da televisão e da música ou da literatura eram russas”. A ofensiva atual forçou uma mutação neste empresário e seus amigos: “Em 2014 a paixão pela Rússia começou a declinar, mas agora a filiação russa foi quase completamente perdida. Agora estamos plenamente conscientes de que somos ucranianos.” Marchenko salienta que esta mutação não se deve tanto à violência que a Rússia provoca, mas à forma como o país reagiu: “Em 2014, fizemos asneira na Crimeia, Donetsk e Lugansk, mas desta vez a unidade da sociedade e das instituições foi incrível. Isso é o que nos deixa orgulhosos”.

A independência da Ucrânia envolveu a chamada "desrussificação" do novo Estado, um processo que foi acelerado pela revolução pró-europeia que derrubou o presidente pró-russo Viktor Yanukovych em 2014. La apuesta por potenciar el ucranio, lengua reprimida durante siglos, y por revisar la historia nacional fue recibida también con suspicacia desde sectores del este y en las grandes ciudades orientales y del sur —con una población que en buena parte procede de olas migratorias de la União Soviética-. A invasão fez com que muitos ucranianos abandonassem a língua russa .

Controvérsia com o ultra Bandera

Maxim Kultishev é do norte de Kiev e admite que em 2014 ainda estava alheio a qualquer sentimento nacional. A guerra em Donbas e a anexação da Crimeia estavam longe, explica ele, em províncias culturalmente mais próximas da Rússia. “Mas minha vida mudou em março, quando minha casa foi bombardeada”, explicou este homem de 31 anos no último sábado. O exército russo sitiou Kiev sem sucesso, deixando um rastro de morte e destruição nos subúrbios da capital . Kultishev se considera um patriota pela primeira vez.

O homem assistiu a um concerto no último sábado do poeta e músico mais icônico do patriotismo ucraniano contemporâneo, Serhiy Zhadan . A atuação de Zhadan foi uma homenagem ao amigo Taras Bobanich, comandante do batalhão paramilitar Pravi Sektor - sob ordens do Ministério da Defesa - que morreu em combate em abril. Pravi Sektor é um grupo ultranacionalista que atingiu seu maior ápice de influência na revolução Maidan. A propaganda do Kremlin em que a Ucrânia é descrita como um estado nazista foca em casos como esse grupo ou o mais conhecido Batalhão Azov. Mas a verdade é que a extrema direita não conseguiu representação no Parlamento contra a maioria absoluta que tem o Servo do Povo, o partido do presidente Volodímir Zelenski.

Para Pravi Sektor, mas também para patriotas liberais como Zhadan, Zelensky antes da invasão era pouco mais que um político indesejável. Muito próximo e conciliador com a Rússia, em sua opinião. O próprio Zhadan compôs uma música em 2019 na qual pediu a Zelensky que fugisse para Rostock (Rússia), como Yanukovych. Quando a guerra começou, em fevereiro, o poeta retirou a música de seu repertório. Zhadan tem reconhecimento internacional sem dúvida e além de sua qualidade literária. Em junho, ele recebeu o Prêmio Hannah Arendt de Pensamento Político da Fundação Heinrich Böll dos Verdes Alemães. Também em 2022 recebeu o prestigioso Prêmio da Paz dos Livreiros Alemães.

Isso não impede o poeta e músico de dizer durante o concerto que sempre apoiará o Pravi Sektor. Em primeiro lugar, pessoas como Zhadan apreciam que estão lutando na linha de frente e que no Maidan enfrentaram a polícia do governo de Yanukovych.. O público do concerto era uma mistura de jovens de classe média altamente conscientes nacionalmente e elementos radicais do Pravi Sektor. O EL PAÍS viu grupos fazendo a saudação nazista, numerosos membros do batalhão com apetrechos de extrema-direita, até com elementos identificadores da SS nazista. Uma barraca foi montada para vender retratos e livros dedicados ao líder histórico Stepán Bandera e outros referentes de sua organização, a OUN (Organização dos Nacionalistas Ucranianos), emblema do ultranacionalismo ucraniano. Se Bandera é visto no resto da Europa como um ultra e aliado do nazismo na Segunda Guerra Mundial, na Ucrânia ele é considerado pela maioria como um dos primeiros combatentes pela independência da Ucrânia — o invasor alemão o deportou para a concentração de Sachsenhausen acampamento para reivindicá-la.

Bandera dedicou ruas em Kyiv e em Lviv. O ex-embaixador ucraniano na Alemanha, Andrij Melnik, provocou uma polêmica em julho deste ano ao defender que Bandera não realizou assassinatos em massa de judeus e poloneses. Zelensky o removeu do cargo. Apesar disso, é improvável encontrar declarações das autoridades ucranianas que rejeitem o legado de Bandera: para muitos ele é, acima de tudo, um herói nacional diante do inimigo russo.

Zhadan não respondeu aos pedidos do EL PAÍS para uma reunião. Em uma entrevista de 2019, ele afirmou que não é nacionalista, embora tenha amigos que são, "porque a Ucrânia é muito mais complexa". Considerado um referente da cultura urbana pós-soviética dos anos 1990, Zhadan acrescentou que nas circunstâncias atuais “ser de esquerda ou de direita na Ucrânia não faz sentido. Dividir as pessoas em esquerda ou direita hoje na Ucrânia não é construtivo."

Não muito longe do show, Anastasia Lazarova, uma funcionária do banco de 40 anos, estava sentada no terraço de um bar. Ela admitiu se sentir desconfortável com o que Pravi Sektor representa. “ A invasão russa exacerbou a rejeição da cultura e da língua russas , até denegrindo a vitória soviética na Segunda Guerra Mundial”, disse esta filha de russos que emigraram para a Ucrânia durante a União Soviética. "Mas os radicais aqui são uma minoria, não como na Rússia", acrescentou, "o problema não são eles, o problema é Putin".

Cristian Segura, enviado especial a Kyiv / Ucrânia, escreve para o EL PAÍS desde 2014. Formado em Jornalismo e diplomado em Filosofia, exerce sua profissão desde 1998. Foi correspondente do jornal Avui em Berlim e depois em Pequim. É autor de três livros de não-ficção e dois romances. Em 2011 recebeu o prêmio Josep Pla de narrativa. Publicado originalmente em 23.07.22

Bolsonaro oficializa candidatura à reeleição e ataca STF

Ao lado de caciques do Centrão, militares saudosos da ditadura, líderes evangélicos ultraconservadores e figuras da extrema direita, presidente convocou apoiadores para novo ato golpista contra o STF.

Com a presença de caciques do Centrão, militares saudosistas da ditadura, líderes evangélicos ultraconservadores, políticos e influenciadores de extrema direita, o PL oficializou em convenção realizada neste domingo (24/07), no Rio de Janeiro, a candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro e a escolha do general Walter Braga Netto como vice na chapa.

O evento, num ginásio do Rio de Janeiro repleto de apoiadores com as cores verde e amarelo, também foi usado como palco pelo presidente para lançar novos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e convocar um novo ato golpista contra o Judiciário.

A abertura da convenção coube ao deputado pastor Marco Feliciano (PL-SP), que comandou uma oração. Depois, o microfone foi passado para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, que tem trânsito entre igrejas evangélicas conservadoras e cuja imagem vem sendo instrumentalizada pela campanha como forma de diminuir a forte rejeição que o presidente sofre entre o eleitorado feminino.

"A reeleição não é por um projeto de poder, como muitos pensam, não é por status, porque é muito difícil estar desse lado. A reeleição é por um projeto de libertação", disse Michelle, numa fala carregada de tom religioso. "Declaramos que o Brasil é do Senhor. (...) Ele [Bolsonaro] é o escolhido de Deus."

Falando pouco depois, Jair Bolsonaro também fez uso de linguagem religiosa, adicionando ainda retórica anticomunista e elogios às Forças Armadas. "Esse é um país cristão, de valores, do presente e do futuro."

Na sequência, Bolsonaro passou a repetir falas golpistas e incitou seus apoiadores contra o STF. "Nós temos que respeitar a Constituição", disse Bolsonaro, em um primeiro momento. Pouco depois, uma primeira menção ao STF feita por Bolsonaro provocou fortes vaias e gritos entre os apoiadores. "Supremo é o povo", gritou o público. 

Era apenas um ensaio. Minutos depois, Bolsonaro foi mais explícito, convocando seus apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no feriado de 7 de Setembro, tal como ocorreu na data de 2021, quando o presidente atacou o Tribunal em eventos que reuniram milhares de pessoas em Brasília e São Paulo.

"Convoco todos vocês agora para que todo mundo no 7 de Setembro vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse.

"Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da constituição", disse Bolsonaro, que passou a distribuir ataques ao STF depois que ministros da Corte ordenaram a prisão de aliados do governo e tomaram algumas iniciativas para impedir que o governo tumultue as eleições.

Em outro momento, ao se voltar para Braga Netto, Bolsonaro ecoou seu discurso golpista que tenta minar a confiança no sistema eleitoral. Após afirmar que seus apoiadores "são nosso exército", ele disse: "É o exército que não aceita fraude. É o exército que quer, merece e terá respeito, formado por 210 milhões de brasileiros".

O presidente ainda chegou a pedir que seus apoiadores gritassem "juro dar minha vida pela minha liberdade". "Repitam", disse Bolsonaro, que foi atendido pelos presentes.

A convenção do PL ocorre 70 dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. No momento, o presidente de extrema direita aparece em grande desvantagem nas pesquisas e seu governo é reprovado por 48% dos brasileiros - somente 26% tem uma visão positiva. Levantamento Datafolha divulgado no final de junho mostra que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está 19 pontos à frente de Bolsonaro, marcando 47% contra 28%, e com chances de ganhar já no primeiro turno. O PT oficializou a chapa de Lula na última quarta-feira.

Durante o evento deste domingo, Bolsonaro atacou Lula, repetindo várias mentiras e elementos da cartilha bolsonarista, demonstrando que deve continuar a apostar na propagação de fake news contra adversários nesta campanha. Bolsonaro, por exemplo, afirmou falsamente neste domingo que Lula quer "descontruir a heteronormatividade" e que "criou a ideologia de gênero" para que "crianças a partir dos 5 anos de idade" sejam estimuladas a "fazer sexo".

Convenção mais "recheada" que em 2018

Entre os participantes da convenção estavam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL); o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro; o ex-presidente e senador Fernando Collor; o ex-ministros Eduardo Pazuello, Onyx Lorenzoni e Tarcísio de Freitas; o senador Romário; e figuras do baixo clero da extrema direita bolsonarista como os deputados Daniel Silveira, Hélio Lopes e Carla Zambelli, além do advogado Frederick Wassef, que ganhou notoriedade em 2020 após esconder o antigo "faz-tudo" do presidente, Fabrício Queiroz, em um sítio em Atibaia quando este era investigado pela Justiça. O ex-PM Queiroz, por sua vez,  chegou a publicar nesta semana nas redes sociais convocações para a convenção deste domingo, mas não apareceu no evento.

A convenção que oficializou a candidatura à reeleição neste domingo contrastou com o evento que marcou o lançamento do nome de Bolsonaro em 2018. No último pleito, o ato foi organizado pelo então nanico PSL e não contou com a participação de figuras políticas relevantes, acabando por ser dominado por uma mistura de militares da reserva e membros desconhecidos da extrema direita que ainda projetavam seus nomes. Naquela campanha, Bolsonaro só viria a conseguir fechar uma aliança com o também insignificante PRTB, sigla que à época abrigava seu atual vice, Hamilton Mourão, hoje no Republicanos.

Desta vez, com o poder da máquina federal, Bolsonaro oficializou um leque de alianças mais robusto. Saiu de cena o nanico PRTB, entraram o PL, PP, Republicanos e PTB - siglas que somam 179 deputados federais e 19 senadores no Congresso. Caciques do Centrão - grupo de legendas sem ideologia definida que se aproxima de governantes em busca de cargos e verbas - também marcaram presença, entre eles Valdemar Costa Neto (presidente do PL), Ciro Nogueira, (presidente licenciado do PP); e Marcos Pereira (presidente do Republicanos).

Em 2018, vários desses partidos apoiaram a candidatura do então tucano Geraldo Alckmin à Presidência. Na ocasião, Bolsonaro atacou o ex-governador, afirmando que sua aliança reunia "a nata do que há de pior do Brasil". Uma das cenas mais célebres da convenção de 2018 foi o registro do general Augusto Heleno, no palco, ao lado de Bolsonaro, cantarolando "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão". Desta vez, Heleno nem participou da convenção.

Embora a rejeição retórica contra o Centrão tenha arrefecido nas fileiras bolsonaristas, isso está longe de ser um sinal de moderação do presidente. Diante da desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro tem multiplicado ataques ao sistema eleitoral, especialmente às urnas eletrônicas, espalhando mentiras sobre a segurança dos equipamentos e direcionando críticas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao STF.

A estratégia vem sendo encarada por observadores como um ensaio para uma eventual tentativa de golpe de estado no caso de uma derrota, a exemplo do que ocorreu nos EUA após o pleito de 2020, quando o republicano Donald Trump - ídolo de Bolsonaro - espalhou falsas acusações de fraude na votação e instigou uma violenta insurreição contra o Congresso americano após fracassar na sua tentativa de reeleição.

Embora os principais políticos do Centrão tenham evitado abraçar na totalidade os ataques às urnas e a retórica golpista de Bolsonaro, os caciques partidários têm mostrado pouco incômodo com as ações do presidente. Ciro Nogueira, por exemplo, chegou a afirmar nesta semana que Bolsonaro tem o "direito de criticar" as urnas eletrônicas.

Braga Netto oficializado como vice

Enquanto a modesta convenção de 2018 foi marcada pela ausência de anúncio do companheiro de chapa presidencial, o evento deste domingo tratou logo de oficializar quem será o vice de Bolsonaro: o general Walter Braga Netto. Desta vez, o presidente decidiu não concorrer ao lado do atual vice, general Hamilton Mourão.

General quatro estrelas de 65 anos, Braga Netto ganhou projeção quando chefiou a operação militar de intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, em 2018, durante o governo do presidente Michel Temer. No período, o estado registrou melhora em alguns índices de criminalidade, mas o saldo final foi alvo de críticas: o número de tiroteios teve um aumento robusto e o número de mortes causadas pela polícia explodiu. A intervenção também foi marcada por episódios trágicos como o assassinato da vereadora de esquerda Marielle Franco por dois ex-policiais ligados ao crime organizado.

Braga Netto (esq.) defendeu ditadura militar de 1964 quando comandou pasta da DefesaFoto: EVARISTO SA/AFP

Sob o governo Bolsonaro, Braga Netto ganhou ainda mais destaque. Em 2020, ele assumiu o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo. Na pasta, coordenou as ações do governo federal no primeiro ano da pandemia, período que foi marcado pela explosão de casos da doença, atrasos na compra de vacinas e promoção de tratamentos ineficazes e até potencialmente perigosos.

Braga Netto, no entanto, foi em grande medida poupado pela CPI da Pandemia, que evitou antagonizar de frente com as Forças Armadas cooptadas por Bolsonaro. Em 2021, quando passou para a comandar o Ministério da Defesa, o general chegou a divulgar uma nota em tom de ameaça contra o presidente da CPI, senador Omar Aziz, após este apontar que "membros da parte podre das Forças Armadas" estavam "envolvidos com falcatrua dentro do governo".

Ainda em 2021, dez dias após assumir a pasta da Defesa, Braga Netto divulgou uma ordem do dia direcionada aos quartéis no qual defendeu a celebração do golpe militar de 1964. No texto, o então ministro chamou o golpe de "movimento de 31 de março de 1964" e não fez qualquer menção à ditadura que foi instalada posteriormente ou à dura repressão ocorrida neste período, onde reinou a censura e perseguição política.

Braga Netto repetiu a dose em 2022, desta vez afirmando que o golpe "fortaleceu a democracia" e foi "um marco histórico da evolução da política brasileira".

Jean-Philip Struck, do Rio de Janeiro, RJ, para Deutsch Welle, em 24.07.22

sábado, 23 de julho de 2022

Varíola dos macacos: quais os sintomas? Tem cura? Como é a transmissão?

A OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou neste sábado (23) que a varíola dos macacos é uma emergência sanitária global. A decisão foi tomada depois de semanas de uma indefinição por parte dos especialistas diante da expansão da doença e do potencial risco de contaminação.

Com mais de 600 casos no Brasil, a varíola dos macacos tem causado alerta na comunidade científica e gerado perguntas entre a população. Quais os sintomas da doença? Como é a transmissão? Ela pode matar?

A seguir, dois infectologistas tiram dúvidas sobre o assunto que tem gerado preocupação em médicos e cientistas pelo mundo com o surto de casos fora da África, algo raro para a doença que costumava se limitar ao continente.

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O que é a varíola dos macacos?

É uma zoonose viral, isto é, uma doença infecciosa que passa de animais para humanos, causada pelo vírus de mesmo nome (varíola dos macacos). Este vírus é membro da família de Orthopoxvirus, a mesma do vírus da varíola, doença já erradicada entre os seres humanos.

Onde surgiu a varíola dos macacos?

A varíola dos macacos foi identificada pela primeira vez em 1958 entre macacos de laboratório. O primeiro caso em humanos foi notificado em 1970, na República Democrática do Congo, e desde então a doença tem sido detectada em países nas regiões central e ocidental da África, sendo considerada endêmica lá, ou seja, com incidência relativamente constante ao longo dos anos.

Somente em 2003 a doença foi registrada fora daquele continente —naquele ano, ocorreu um surto nos Estados Unidos entre pessoas que tinham como animal de estimação cão-da-pradaria (um tipo de roedor) e que haviam tido contato próximo com um grupo de animais importados da África. Não se sabe se os macacos são a espécie onde este vírus surgiu precisamente.

Por que surgiram muitos novos casos da varíola dos macacos?

Uma investigação epidemiológica está em andamento para tentar explicar o motivo do surgimento dos surtos atuais. Existem algumas hipóteses, entre elas:

O vírus sofreu uma mutação, o que tornou sua capacidade de transmissão muito mais eficiente;

A diminuição na proteção gerada pela vacina contra varíola desde que os programas de vacinação foram suspensos há cerca de 40 anos;

Um nicho populacional novo propício para a disseminação.

Quais os sintomas da varíola dos macacos?

A doença começa com febre, fadiga, dor de cabeça, dores musculares, ou seja, sintomas inespecíficos e semelhantes a um resfriado ou gripe. Em geral, de a 1 a 5 dias após o início da febre, aparecem as lesões cutâneas (na pele), que são chamadas de exantema ou rash cutâneo (manchas vermelhas). Essas lesões aparecem inicialmente na face, espalhando para outras partes do corpo.

Elas vêm acompanhadas de prurido (coceira) e aumento dos gânglios cervicais, inguinais e uma erupção formada por pápulas (calombos), que mudam e evoluem para diferentes estágios: vesículas, pústulas, úlcera, lesão madura com casca e lesão sem casca com pele, completando o processo de cicatrização. Vale ressaltar que uma pessoa é contagiosa até que todas as cascas caiam —as casquinhas contêm material viral infeccioso— e que a pele esteja completamente cicatrizada.

Os casos atuais têm apresentado alguns elementos atípicos, como a ausência dos sintomas de mal-estar iniciando o quadro clínico, e também a manifestação do exantema que começa na área genital e perianal e pode não se espalhar para outras partes do corpo.

Como é a transmissão da varíola dos macacos?

A varíola dos macacos não se espalha facilmente entre as pessoas —a proximidade é fator necessário para o contágio. Sendo assim, a doença ocorre quando o indivíduo tem contato muito próximo e direto com um animal infectado (acredita-se que os roedores sejam o principal reservatório animal para os humanos) ou com outros indivíduos infectados por meio das secreções das lesões de pele e mucosas ou gotículas do sistema respiratório.

A transmissão pode ocorrer também pelo contato com objetos contaminados com fluídos das lesões do paciente infectado —isso inclui contato a pele ou material que teve contato com a pele, por exemplo as toalhas ou lençóis usados por alguém doente.

Qual o tempo de incubação do vírus?

O tempo de incubação —intervalo entre o contato com uma pessoa infectada e o aparecimento do primeiro sintoma— é entre 5 e 21 dias.

Como é feito o diagnóstico da varíola dos macacos?

O diagnóstico clínico, baseado em sinais, sintomas e história, pode ser facilmente confundido com outras condições, como catapora ou molusco contagioso.

O diagnóstico definitivo requer teste de laboratório específico, o PCR que detecta o vírus nas lesões de pele, mas essa ferramenta não está disponível em laboratórios clínicos, somente em alguns laboratórios de referência fora do Brasil, e, ainda assim, em quantidade limitada.

Qual o tratamento para a varíola dos macacos?

A varíola dos macacos tende a ser leve e, geralmente, os pacientes se recuperam em algumas semanas sem tratamento específico, apenas com repouso, muita hidratação oral, medicações para diminuir o prurido e controle de sintomas como febre ou dor.

Existem medicamentos antivirais, como o tecovirimat e o cidofovir, que podem ser usados em pessoas sob risco de complicações, mas que não são facilmente disponíveis comercialmente.

A varíola dos macacos tem cura?

Sim, como na maioria das viroses agudas, o próprio sistema imunológico é capaz de eliminar o vírus e o paciente ficar completamente curado, sem intervenção alguma. No entanto, é essencial controlar e quebrar as cadeias de transmissão por meio da identificação de casos, com orientação de isolamento, a fim de se reduzir o número total de infectados.

A vacina da varíola humana protege contra a varíola dos macacos?

Sim, estudos apontam que a vacinação prévia contra varíola pode ser eficaz contra a varíola de macacos em até 85% —isso ocorre porque ambos os vírus pertencem à mesma família e, portanto, existe um grau de proteção cruzada devido à homologia genética entre eles. Entretanto, como a varíola humana foi erradicada há mais de 40 anos, atualmente não há vacinas disponíveis para o público em geral.

Qual a diferença entre a varíola dos macacos e a varíola humana?

As duas doenças têm sintomas semelhantes, porém a varíola dos macacos parece ser mais leve e menos contagiosa do que a versão humana. A varíola humana foi um flagelo de grandes proporções, com mortalidade em 30% dos casos de infecção —ela foi erradicada em 1980.

Varíola dos macacos pode matar?

Pode, mas o risco é baixo. Existem dois grupos distintos do vírus da varíola de macacos circulando no mundo, agrupados com base em suas características genéticas: um predominantemente em países da África Central —com taxa de fatalidade de cerca de 10%—, e outro circulando na África Ocidental, com taxa bem menor, de 1%. A vigilância genômica ainda incipiente mostra que o vírus em circulação fora do continente africano é o menos letal.

Complicações podem ocorrer, principalmente infecções bacterianas secundárias da pele ou dos pulmões, que podem evoluir para sepse e morte ou disseminação do vírus para o sistema nervoso central, gerando um quadro de inflamação cerebral grave chamado encefalite, que pode ter sequelas sérias ou levar ao óbito.

Além disso, como toda doença viral aguda, a depender do estado imunológico do paciente e das condições e acesso à assistência médica adequada, alguns casos podem levar à morte.

Fonte: Ana Luíza Gibertoni Cruz, médica infectologista da UK Health Security Agency e pesquisadora no Departamento de Saúde Populacional da Universidade de Oxford, na Inglaterra; José David Urbaez Brito, médico infectologista, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Texto de Bárbara Therrie. Publicado originalmente no UOL, em 23.07.23

Brasil registra 153 mortes por Covid e 24 mil casos da doença neste sábado (23)

A média móvel de casos ficou em 42.147 infecções por dia, uma queda de 28% em relação ao dado de duas semanas atrás

Sepultadores paramentados enterram caixão no Cemitério Vila Formosa, em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 27.abr.2021/Folhapress

O Brasil registrou 153 mortes por Covid-19 e 24.268 casos da doença neste sábado (23). Com esta atualização, o país chega a 676.979 vidas perdidas e a 33.578.741 pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 desde o início da pandemia.

A média móvel de casos ficou em 42.147 infecções por dia, uma queda de 28% em relação ao dado de duas semanas atrás. Já a média de mortes agora é de 232 por dia, o que representa uma situação de estabilidade, ou seja, sem variações superiores a 15%, também em relação ao dado de duas semanas atrás.

Os dados do país, coletados até 20h, são fruto de colaboração entre Folha, UOL, O Estado de S. Paulo, Extra, O Globo e G1 para reunir e divulgar os números relativos à pandemia do novo coronavírus.

As informações são compiladas pelo consórcio de veículos de imprensa diariamente com as Secretarias de Saúde estaduais.

O consórcio de veículos de imprensa deixou de atualizar os números de vacinados contra a Covid-19 nos fins de semana e feriados. Nos dias úteis, os dados serão atualizados normalmente. A medida visa evitar imprecisões nos números informados ao leitor.

A mudança ocorre devido a problemas na consolidação dos dados de vacinação pelas secretarias estaduais. Diversos estados não atualizam o total de vacinados aos fins de semana e feriados, e mesmo os que o fazem, por vezes, informam números desatualizados, que não correspondem à realidade e costumam ser corrigidos nos dias seguintes.

Publicado originalmente pela Folha de S. Paulo online em 23.07.22