segunda-feira, 4 de abril de 2022

Maioria prefere democracia com toda a sua bagunça a seguir China num novo tipo de totalitarismo', diz Niall Ferguson

"A maioria das pessoas no mundo, tendo a possibilidade de escolher, preferiria aceitar a democracia com toda a sua bagunça, complexidade e decepções do que seguir a China rumo a um novo tipo de totalitarismo", afirmou o especialista em entrevista à BBC News Brasil.

Putin e Xi Jinping reunidos em 4 de fevereiro de 2022, em Pequim (GETTY IMAGES)

Com a invasão russa à Ucrânia e a forte reação dos Estados Unidos e da Europa às ações de Vladimir Putin, observam-se importantes e decisivas mudanças na geopolítica global. Mas, para o historiador britânico Niall Ferguson, a democracia deve prevalecer como modelo dominante em todo o mundo.

"Por isso, minha esperança é que a democracia prevaleça."

Segundo Ferguson, que é pesquisador da Universidade de Stanford, na Califórnia, e já foi professor em Harvard, Oxford e na London School of Economics, as democracias resistiram muito bem até o momento porque são "economicamente, tecnologicamente e militarmente dominantes".

"Há países que podem optar pelo modelo chinês, mas eles precisam estar cientes de que isso implica um controle muito mais drástico do indivíduo pelo governo", diz o autor de 16 livros, dos quais seis se tornaram best-sellers.

Na entrevista concedida em 24 de março, o historiador que será um dos palestrantes especiais do Fórum da Liberdade 2022, tratou também das muitas possibilidades para o futuro do conflito na Ucrânia que, segundo ele, pode durar anos até que o país seja reduzido a escombros.

'Minha esperança é que a democracia prevaleça', diz Niall Ferguson

"Meu medo é que essa guerra se estenda primeiro por semanas, depois por meses e depois por anos. E no final, a Ucrânia será reduzida a escombros e se transformará em um país independente que foi amplamente despovoado", avalia.

De acordo com Ferguson, o mundo deveria estar preocupado com "o perigo da guerra na Ucrânia se transformar em um confronto maior e, potencialmente, em uma guerra nuclear".

À BBC News Brasil, o historiador disse ainda esperar um futuro brilhante para o Brasil, desde que o país consiga superar o choque da pandemia, impulsione reformas e se mantenha como economia de mercado.

"O Brasil é a economia mais importante da América Latina e um país que nunca se deve subestimar por seus recursos naturais, sua população e seu ambiente de negócios cada vez mais favorável ao mercado", diz.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Niall Ferguson à BBC News Brasil.

BBC News Brasil - Estamos realizando esta entrevista no dia 24 de março, ou seja, um mês depois do início da guerra na Ucrânia. O senhor acredita que ainda há espaço para uma resolução diplomática?

Niall Ferguson - Tem que haver. As guerras geralmente terminam quando há um impasse que leva a negociações ou quando um lado é derrotado. No momento, não há sinal de uma vitória decisiva ou de um impasse definitivo. Creio que provavelmente ainda teremos mais algumas semanas de guerra pela frente.

Mas estamos chegando a um ponto em que será muito difícil para a Rússia manter sua iniciativa, pois suas linhas de suprimento estão sobrecarregadas, o país sofreu muitas baixas importantes para uma guerra tão curta e o ritmo de seus avanços claramente diminuiu. É difícil ver Kiev caindo tão cedo. Portanto, espero que negociações sérias comecem quando os russos realmente não puderem avançar mais.

E já podemos ver os contornos de um acordo em alguns aspectos. Está claro que a Ucrânia não vai se tornar um membro da OTAN e será um país neutro, mas com garantias de segurança de algumas potências externas. A parte difícil está na divisão territorial, porque a Ucrânia teve um desempenho superior até agora e há um sentimento de que o país não deveria fazer concessões reconhecendo a anexação da Crimeia de 2014 ou cedendo [as províncias separatistas de] Donetsk e Luhansk. E esse é o problema com as guerras: quanto mais duram, mais difícil se torna chegar a um acordo, porque muitas vidas foram perdidas e as apostas aumentaram.

Me preocupo que tenhamos perdido a oportunidade de acabar com essa guerra há duas semanas e que tudo só tenha ficado mais difícil desde então. Também tenho sentido falta da presença dos Estados Unidos nas negociações. Creio que será difícil chegar a qualquer tipo de cessar-fogo ou acordo de paz até que os EUA estejam diretamente envolvidos.

BBC News Brasil - Como o senhor acredita que os historiadores no futuro verão o momento atual? Como os principais personagens dessa guerra serão retratados nos livros de história?

Ferguson - Os futuros historiadores podem dizer foi assim que a Terceira Guerra Mundial começou. Em outras palavras, eles podem comparar a situação atual com a de 1939 na Europa, quando a Polônia foi invadida após receber promessas de apoio das potências ocidentais que provaram ser praticamente inúteis. Ou então dirão que esta foi a primeira 'guerra quente' de uma segunda Guerra Fria. Eu tendo a acreditar mais nessa segunda analogia, pois creio que já estamos na vivendo a segunda Guerra Fria. Acho que a Ucrânia é hoje o que a Coreia foi para a primeira Guerra Fria.

Mas há muitas outras analogias que podem ser mais apropriadas. A verdade é que não se pode escrever a história com antecedência, tudo o que se pode fazer é oferecer cenários com mais ou menos plausibilidade e tentar atrair probabilidades. E o que acontece a seguir dependerá muito da China, assim como dos Estados Unidos

Temo que a guerra possa durar anos e a Ucrânia seja reduzida a escombros, diz Neill Ferguson (REUTERS)

Meu medo - e esta é a última observação que farei - é que essa guerra se estenda primeiro por semanas, depois por meses e depois por anos. E no final, a Ucrânia será reduzida a escombros e se transformará em um país independente que foi amplamente despovoado.

BBC News Brasil - Como esse conflito afeta o confronto entre EUA e China e a posição de Pequim em relação a Taiwan?

Ferguson - Do ponto de vista do governo [americano de Joe] Biden, a China é mais importante do que a Rússia em ordem de magnitude. Creio que há uma crença em Washington de que se a situação atual na Ucrânia acabar mal para [o presidente russo Vladimir] Putin, isso impedirá a China de tentar assumir o controle de Taiwan.

Há relatos de que a China planejava invadir Taiwan já em outubro deste ano e isso provavelmente não ocorrerá mais depois dos últimos acontecimentos. Mas não acho que o país vá desistir da ideia, porque Xi Jinping fala sobre isso há anos e quer inclusive estender seu mandato para dar continuidade ao plano.

Mas este é o momento da verdade para a China, pois se Xi Jinping está mesmo decidido a assumir o controle de Taiwan não pode demorar muito. Nos próximos anos, o Ocidente vai aprender muitas lições com a Ucrânia e vai armar Taiwan até os dentes para impedir uma invasão da China.

BBC News Brasil - E o resto do mundo? Haverá uma mudança nas forças geopolíticas após o conflito?

Ferguson - Já estamos vendo uma tremenda mudança ocorrer com a demonstração de força e unidade do Ocidente. A importância da Otan também foi realçada, pois afinal de contas nada do que estamos vendo hoje aconteceria se a Ucrânia já estivesse na aliança. A outra grande transformação que observo é a aproximação entre Rússia e China. Se eu estiver certo, estamos vivendo uma segunda Guerra Fria - e está bem claro quem está do lado de quem no Hemisfério Norte.

Mas ainda há algumas alguns quebra-cabeças na região sul. No Oriente Médio, o Irã está do lado da Rússia e da China, enquanto os Estados árabes e Israel se mostram desapontados com a política do governo Biden de tentar ressuscitar o acordo nuclear iraniano. Já a Índia, que deveria ser uma aliada americana, não está interessada em tomar partido contra a Rússia. E cada vez mais países da Ásia estão se perguntando: importa mais a uma aliança com os EUA em prol da segurança nacional ou uma aliança com a China pelo bem da economia? Essa é uma questão para o Brasil e muitos outros países da América Latina também.

Felizmente, o Brasil está longe do conflito e pode adotar uma abordagem mais relaxada, evitando escolher lados. Há inclusive vantagens, pois o aumento dos preços das commodities pode ser uma boa notícia economicamente. Mas a desvantagem é que a inflação não para de subir em todo o mundo e pode ser uma dor de cabeça.

BBC News Brasil - No início dos anos 2000 falava-se muito sobre a ascensão econômica de países como Brasil, China, Rússia, Indonésia e outros. Na sua opinião, essa ainda é uma possibilidade?

Ferguson - Sempre fui um pouco cético em relação aos Brics e as teorias de que Brasil, Rússia, Índia e China eram as economias do futuro. Quando adicionaram a África do Sul foi ainda mais difícil de acreditar. Meu principal argumento é que há diferenças enormes entre a China e os outros. O crescimento chinês pôde ser sustentado e envolveu a criação da maior economia industrial do mundo. Estamos vendo uma desaceleração causada por fatores demográficos e pelo peso da dívida, mas ainda é concebível que a China possa ser a maior economia do mundo nos próximos 10 ou 20 anos.

A situação dos demais Brics sempre foi diferente. A Índia tem grandes problemas com sua população grande, porém pouco educada, e provavelmente não se tornará uma potência manufatureira como a China se tornou. Já a Rússia preferiu ressuscitar seu império por meio da força militar e se fechou para a economia global como resultado dos eventos das últimas quatro semanas.

'Sempre fui um pouco cético em relação aos Brics' (VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL)

A situação do Brasil sempre foi distinta. O Brasil é a economia mais importante da América Latina e um país que nunca se deve subestimar por seus recursos naturais, sua população e seu ambiente de negócios cada vez mais favorável ao mercado.

O Brasil de hoje é muito diferente daquele da minha infância nos anos 1960 e tem um caminho relativamente brilhante pela frente. Estou otimista sobre os rumos do Brasil caso o país consiga superar o choque da pandemia, aproveitar algumas das reformas que estavam sendo feitas no início do mandato do presidente Bolsonaro e lembrar à sua população que tem um futuro excepcional como economia de mercado.

BBC News Brasil - O pensamento Ocidental permanecerá dominante nas próximas décadas?

Ferguson - Uma das grandes lições que a História nos ensinou é que existem alternativas à democracia, ao livre mercado e ao Estado de direito. O único problema é que elas não são boas alternativas. Podemos experimentá-las, inclusive mais de uma vez, mas o resultado será sempre o mesmo. Uma sociedade que restringe a liberdade será uma sociedade menos inovadora do que uma sociedade que permite a liberdade.

Não estou dizendo que o modelo americano seja perfeito. Há muitas coisas erradas nos Estados Unidos - às vezes olho para nossa política e nossos debates culturais e me desespero, porque usamos nossa liberdade para dizer coisas sem sentido. Mas sempre vou concordar com Winston Churchill, que disse que a democracia era o pior dos sistemas políticos, à exceção de todos os demais.

BBC News Brasil - Mas veremos a democracia prevalecer nos próximos anos ou novos regimes autoritários e antidemocráticos ganharão força?

Ferguson - As democracias resistiram muito bem até agora. Periodicamente ouvimos dizer que elas estão em recessão, mas não é como se o autoritarismo tivesse ganhado muito espaço desde a década de 1990. Houve uma enorme onda de democratização após a queda da União Soviética. Mesmo que a Rússia e algum países do antigo bloco soviético tenham recuado, outros se saíram tremendamente bem, particularmente aqueles como os Países Bálticos que entraram na União Europeia.

Se olharmos para o mundo com cuidado, veremos que as democracias são economicamente, tecnologicamente e militarmente dominantes e que as opções autoritárias são muito menos atraentes. Há países que podem optar pelo modelo chinês, mas eles precisam estar cientes de que isso implica um controle muito mais drástico do indivíduo pelo governo.

Uma das razões pelas quais os chineses conseguiram bloquear e controlar a propagação da covid foi justamente o poder draconiano que o Partido Comunista tem sobre a vida cotidiana. A China tem um sistema de vigilância que invade a liberdade individual de maneiras que nós, nos países ocidentais, consideraríamos intoleráveis. Portanto, não creio que existam muitos países que estejam realmente ansiosos para aderir a um sistema de governo de partido único e vigilância total.

A maioria das pessoas no mundo, tendo a possibilidade de escolher, preferiria aceitar a democracia com toda a sua bagunça, complexidade e decepções do que seguir a China rumo a um novo tipo de totalitarismo. Por isso, minha esperança é que a democracia prevaleça.

BBC News Brasil - Na sua opinião, onde a América Latina e o Brasil se encaixam nesse mundo dividido entre Oriente e Ocidente?

Ferguson - Hoje em dia são as perguntas fáceis que as pessoas parecem achar mais difíceis. É claro que a América Latina faz parte do Ocidente. Assim como a América do Norte, o continente foi colonizado por europeus e suas instituições foram essencialmente importadas da Europa Ocidental. Apesar das instituições de Portugal e Espanha serem diferentes daquelas da Inglaterra ou França, o ponto de origem é muito semelhante.

As Américas como um todo são, em muitos aspectos, a parte mais dinâmica do que chamamos de mundo Ocidental. E estou relativamente otimista sobre o que pode ser alcançado na América Latina nas próximas décadas desde que as pessoas não se esqueçam das lições da História e não apostem mais uma vez em experimentos socialistas que sempre fracassam economicamente. Como economia de mercado, a América Latina tem muito a seu favor.

Contanto que se invista na educação e se proporcione às pessoas que nascem na pobreza a chance de sair dela, o futuro de um país como o Brasil deve ser muito brilhante. Considerando minhas chances de uma vida pacífica e próspera, eu certamente preferiria nascer hoje no Brasil do que no Leste Europeu.

BBC News Brasil - Segundo o Banco Mundial, a pandemia ampliou a desigualdade de renda mundial. O senhor disse no passado que a crise financeira de 2008 ajudou a abrir os olhos das pessoas para o tema. O que será preciso agora para que a redução da desigualdade volte a ser importante para a população e para os governos?

Ferguson - Acho que é justo dizer que a desigualdade subiu na hierarquia de relevância com a pandemia. Em alguns países, houve uma mudança em direção à esquerda na política. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos em 2020 - a covid-19 foi a razão pela qual Donald Trump não foi reeleito. E isso provavelmente vai acontecer no Brasil também.

Portanto, talvez a principal consequência da pandemia tenha sido deslocar a política um pouco mais para a esquerda e, dessa forma, aumenta-se a probabilidade de políticas fiscais mais redistributivas.

BBC News Brasil - O senhor afirmou no passado que muitos dos erros que levaram ao agravamento da pandemia não podem ser inteiramente atribuídos a presidentes ou primeiros-ministros. Mas é difícil para o público não culpar aqueles que estão no topo da cadeia de comando por eventos como a pandemia. Na sua opinião, como a atual crise de saúde pode afetar as eleições?

Ferguson - Em 2020, quando a pandemia se espalhou pelo mundo, foi muito tentador culpar o presidente [americano] Donald Trump, o presidente Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro [britânico] Boris Johnson ou Narendra Modi da Índia pelas altas taxas de mortalidade nos países em que governavam. E muita gente fez isso. Esses líderes cometeram todo o tipo de erro, e não quero subestimar isso - às vezes parecia que havia uma competição para ver qual deles poderia ser o mais estúpido em relação à saúde pública.

Mas se analisarmos com cuidado, vemos que houve mortalidade alta em muitos países que não tinham líderes populistas no poder. A realidade é que o fracasso de vários países ocidentais, do Hemisfério Norte e Sul, teve maior relação com as falhas cometidas por aqueles [que ocupam cargos] na burocracia da saúde pública do que com decisões tomadas pelos presidentes.



O presidente Jair Bolsonaro (,MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL)

Como tudo isso vai influenciar no Brasil é difícil de prever. Neste momento, meus amigos brasileiros parecem esperar a volta de Lula à Presidência e a derrota de Bolsonaro, mas não sou especialista em política brasileira. Direi apenas que, nos Estados Unidos, certamente foi a covid-19 que garantiu que Donald Trump não cumprisse um segundo mandato. Ele teria sido reeleito se não fosse a pandemia.

BBC News Brasil - Depois de ler seu livro mais recente sobre desastres globais (Catástrofe, da Editora Planeta), algumas pessoas o chamaram de pessimista. No momento atual, considerando tudo o que vivemos nos últimos anos e as previsões para o futuro, o senhor se sente pessimista?

Ferguson - Não creio que 'Catástrofe' seja um livro pessimista, pois inclusive ressalto que a possibilidade do mundo acabar é muito pequena. Os desastres que temos que enfrentar - e teremos que enfrentar novos desastres no futuro - não vão matar grandes proporções da humanidade ou acabar com nossa existência na Terra.

Mas posso pensar em algumas razões para preocupação no momento, entre elas o perigo da guerra na Ucrânia se transformar em um confronto maior e, potencialmente, em uma guerra nuclear. Posso pensar ainda em um cenário de nova pandemia, com uma doença ainda pior e mais mortal. Mas a mensagem do livro é que se estivermos cientes dos riscos, poderemos desenvolver tecnologia e conhecimento científico para lidar com eles.

O verdadeiro inimigo do sucesso é o fatalismo. Posso estar ciente dos riscos que enfrentamos, mas não sou fatalista. Sempre podemos agir para reduzir nossa vulnerabilidade e melhorar as chances de uma vida longa, próspera e feliz.

Julia Braun, da BBC News Brasil em São Paulo, em 2 abril 2022


sexta-feira, 1 de abril de 2022

Recuo de Moro e vaivém de Doria mudam xadrez da 3ª via e podem fortalecer polarização

Movimentações repentinas geram desconfianças e são vistas como benéficas por aliados de Lula e Bolsonaro


O governador de São Paulo, João Doria, entrega a medalha Ordem do Ipiranga, no grau Grã-Cruz, ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, em 2019 - Eduardo Knapp - 28.jun.2019/Folhapress

O vaivém de João Doria (PSDB-SP) e a desistência de Sergio Moro (União Brasil) de disputar a Presidência da República ampliaram as indefinições na terceira via para criar uma candidatura competitiva às de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

A mudança no xadrez político das eleições deste ano ocorreu com movimentações repentinas dos dois postulantes no mesmo dia.

Moro saiu do Podemos, se filiou à União Brasil e, em meio a resistências dentro do novo partido, anunciou que abria mão, neste momento, da disputa à Presidência.

Doria ensaiou se manter no cargo de governador de São Paulo e abandonar a pretensão de concorrer ao Planalto, mas recuou horas depois e manteve a candidatura —vista com desconfiança após a oscilação que irritou inclusive seus apoiadores.

Na avaliação de aliados de Lula e Bolsonaro, as mudanças fortalecem a polarização entre os dois primeiros colocados nas pesquisas. Apesar disso, na terceira via, alguns setores consideram haver a oportunidade de unificação em torno de algum nome mais competitivo.

Se for mantida a decisão de Moro de não se candidatar à Presidência, restam no campo da terceira via Ciro Gomes (PDT), Doria, a senadora Simone Tebet (MDB) e o deputado federal André Janones (Avante).

Eduardo Leite (PSDB-RS) também corre por fora para tentar se viabilizar. A ideia desses partidos é tentar escolher alguém até meados do ano para fazer frente a Lula e Bolsonaro. ​

Moro filiou-se à União Brasil sob pressão de ala do partido para desistir de disputar a Presidência, e teve de ceder, mesmo que momentaneamente, para evitar que sua filiação fosse questionada e até mesmo inviabilizada.

"A troca de legenda foi comunicada à direção do Podemos, a quem agradeço todo o apoio. Para ingressar no novo partido, abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor", afirmou o ex-juiz em declaração pública.

O ex-juiz chegou a redigir uma primeira nota informando a respeito da filiação no partido, mas que não mencionava a desistência na corrida pelo Palácio do Planalto.

Esse primeiro documento chegou às mãos de integrantes da ala da União Brasil que resiste ao ex-ministro, capitaneada pelo secretário-geral do partido, ACM Neto (BA). Insatisfeito com o teor do texto, o grupo decidiu divulgar posicionamento com veto à candidatura presidencial do ex-ministro.

Após a divulgação da nota, Moro mudou de posição e resolveu anunciar a retirada, neste momento, de seu nome na disputa pela Presidência da República.

Moro assina ficha de filiação da União Brasil - Arquivo pessoal

Embora o recuo seja lido como definitivo por alguns dirigentes da União Brasil, aliados de Moro admitem, sob reserva, que ele não desistiu por completo do plano de se candidatar ao Planalto.

A declaração do ex-ministro foi dada, então, como forma de driblar as resistências internas e evitar, por ora, um questionamento à sua filiação.

Após se filiar à União Brasil, Moro conversou com ACM Neto, que expôs a ele as divergências.

O grupo que resiste ao ex-juiz aceita que ele dispute o Senado ou uma vaga de deputado federal por São Paulo, para onde o ex-magistrado transferiu seu domicílio eleitoral, que antes era no Paraná.

Esta ala fará frente à outra da União Brasil, que é entusiasta do ex-juiz.

"É um privilégio ter Moro no partido. Ele vai agregar eleitoralmente em qualquer cargo que ele venha a disputar", afirmou o deputado Júnior Bozella (União Brasil-SP), um dos principais fiadores e articuladores da migração de Moro à União Brasil. .

O coordenador da campanha presidencial do ex-juiz, Luís Felipe Cunha, afirmou que ele não poderia entrar na sigla fazendo exigências.

"Você não chega em um partido exigindo posições. Moro tem o desprendimento necessário para participar da construção de um projeto de país", disse o coordenador à Folha.

A decisão de Moro irritou a cúpula do Podemos, partido ao qual o ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro havia se filiado em novembro do ano passado.

"Para a surpresa de todos, tanto a Executiva Nacional quanto os parlamentares souberam via imprensa da nova filiação de Moro, sem sequer uma comunicação interna do ex-presidenciável", afirmou a presidente do Podemos, em nota divulgada nesta quinta.

Apesar da declaração, o ex-magistrado estava sendo pressionado também no Podemos a desistir da candidatura presidencial. Uma das razões seria a falta de recursos do partido em sustentar uma campanha robusta ao Palácio do Planalto.

A saída de Moro, ainda que não seja considerada definitiva pelo ex-juiz, foi celebrada por outros partidos da chamada terceira via, já que afunila a quantidade de candidaturas.

Em outro movimento relevante no campo que quer se opor a Lula e Bolsonaro, Doria protagonizou um vaivém que acabou por ampliar o racha no próprio partido.

Ele chegou a comunicar seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB-SP), na quinta-feira (30), que ficaria no cargo e desistiria de disputar a Presidência. A decisão gerou um alvoroço no PSDB, já que Doria tinha um acordo com Garcia para deixá-lo assumir o governo a partir de abril para disputar a sua sucessão.

À tarde, Doria anunciou que havia desistido de ficar no governo e que sairia candidato ao Planalto.

Entre dirigentes de partidos que querem se opor a Lula e Bolsonaro, a avaliação é que o tucano sai enfraquecido no dia por demonstrar instabilidade.

A leitura é que o gesto aumenta a desconfiança e a descrença sobre a candidatura de Doria, tornando difícil que outros partidos queiram endossar sua candidatura. Para aliados de Eduardo Leite, isso abre espaço para uma eventual candidatura do gaúcho.

Aliados de Doria discordam que ele tenha perdido força e avaliam que ele sai maior por ter conseguido apoio do presidente da sigla à sua candidatura. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, divulgou uma carta dizendo que o tucano deixaria, sim, o governo e disputaria a Presidência da República.

O gesto de Araújo, porém, foi lido por outras alas do PSDB mais como uma forma de salvar a candidatura de Rodrigo Garcia ao Governo de São Paulo, já que ele seria prejudicado com a decisão de Doria.

Na prática, o vaivém do governador tucano ampliou o racha no PSDB e fortaleceu a intenção de integrantes do partido de impulsionar a candidatura de Leite, que perdeu as prévias internas da sigla.

Os aliados do gaúcho apostam que Doria não vai decolar e já pensam numa programação de viagens para Leite para que ele chegue a um patamar de 5% nas intenções de voto em meados do ano.

A ideia é torná-lo competitivo para ser considerado como uma opção de presidenciável pelas siglas cujas cúpulas buscam uma terceira via: PSDB, União Brasil, Podemos e MDB.

O PSD também quer lançar um candidato, mas ainda não tem um nome definido e não participa das conversas com as outras legendas.

Para outros candidatos, o vaivém de Doria e o recuo de Moro mudam pouco o cenário de polarização entre Lula e Bolsonaro. Pelo contrário. A instabilidade e indefinição nessas candidaturas podem até reforçar a briga entre o presidente e o ex-mandatário e antecipar para o primeiro turno uma disputa de votos úteis —isto é, anti-Lula ou anti-Bolsonaro.

"O segundo turno já começou", afirmou o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) à Folha.

"Cada vez mais a terceira via vai ficando mais distante. O juiz venal lançou candidatura simplesmente para tentar puxar voto para o partido dele. E o Doria mostra que a confusão está grande no PSDB, fragilizando o partido e acho que tem dificuldade de crescer depois dessa bravataria", diz o deputado Rui Falcão (PT-SP). "Vai ficando mais claro que a disputa será entre Lula e Bolsonaro", avalia.

Integrantes de outras campanhas avaliam que o PT pode sair prejudicado pela saída de Moro pelo fato de que o voto do ex-juiz tende a ir para Bolsonaro. Isso, porém, terá de ser medido em pesquisas, avaliam petistas.

Aliados do presidente Jair Bolsonaro viram na desistência de Sergio Moro na disputa pelo Planalto mais um passo para a polarização ainda no primeiro turno. Como a Folha mostrou, o entorno do mandatário aposta todas as fichas no antipetismo para a reeleição.

Ainda que João Doria se mantenha na disputa, a leitura é de que os votos do lava-jatismo, que eram de Moro, estão mais próximos de Bolsonaro do que dos demais concorrentes. Avaliam ainda que o antipetismo falará mais alto nas urnas.

Auxiliares palacianos e ministros sempre apostaram suas fichas que Moro eventualmente desistiria. Seja pela falta de estrutura e recursos na campanha pelo Podemos, seja por simplesmente não decolar, como esperava.

Nas redes bolsonaristas, a desistência fortaleceu a tese de que o ex-juiz da Lava Jato é traidor. Primeiro, de Bolsonaro. Agora, do Podemos.

Na visão do presidente do PDT, Carlos Lupi, a saída de Moro fortalece a candidatura de Ciro. "O eleitor que estava apoiando o Moro é um eleitor que é ex-Bolsonaro, mas jamais será Lula. Então é mais natural eles virem para a gente do que para outra via. A gente quer mostrar nosso projeto, nossa proposta, nossa independência. Então acho que isso vai se dar naturalmente", disse.

Por Julia Chaib , Marianna Holanda , Matheus Teixeira , Danielle Brant e Renato Machado para a Folha de S. Paulo, em 31.03.22, às 23 hs.

quinta-feira, 31 de março de 2022

MPF pede na Justiça retirada 'urgente' de nota do Ministério da Defesa em comemoração ao golpe de 1964

Em fevereiro, órgão já tinha acionado Justiça para que governo federal não fizesse manifestações elogiosas na data, como em anos anteriores. À ocasião, Executivo disse que não havia 'perigo de prática, repetição ou continuação do equívoco'.

Ministro da Defesa, Walter Braga Netto — Foto: Marcos Corrêa/PR

O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça que determine a retirada "urgente" de uma nota publicada nesta quinta-feira (31), pelo Ministério da Defesa, em comemoração ao golpe militar de 1964, que completa 58 anos nesta data.

O pedido foi reiterado na ação, que já havia sido ajuizada no mês passado, na qual o MPF solicitava que o governo federal não fizesse publicações elogiosas à data. À ocasião, o Executivo disse que não havia "perigo de prática, repetição ou continuação do equívoco".

Até a tarde desta quinta, não havia decisão sobre a ação. Questionado sobre o pedido, o Ministério da Defesa não tinha se manifestado até a última atualização desta reportagem.

Nota da Defesa

Miriam Leitão: Nota do Min. da Defesa sobre golpe de 1964 é uma ‘coleção de mentiras’

O texto publicado nesta quinta-feira no site da pasta é assinado pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e afirma que o golpe militar "é um marco histórico da evolução política brasileira, pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época".

Alega ainda que "a história não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização". Segundo o MPF, a conduta adotada pelo ministro da Defesa "desrespeita o princípio da moralidade instituído pela Constituição brasileira".

"Não condiz com o conteúdo desse princípio o agente público valer-se da função pública exercida para fazer, em canal oficial de comunicação, menções elogiosas ao regime de exceção instalado no País por meio do golpe militar de 1964, que violou, de forma sistemática, direitos humanos, valendo-se, inclusive, da prática de tortura e execuções de pessoas, e que, reconhecidamente, levou à responsabilização do Brasil em âmbito internacional", afirma o órgão.

O Ministério Público diz ainda que "é patente a reiteração do ato ilícito objeto da presente ação civil pública, demonstrando verdadeiro menoscabo por parte do governo federal e seus agentes em relação à Constituição da República, às leis, bem como ao Estado Democrático de Direito".

Ação na Justiça

Em fevereiro, ao propor a ação que pedia que o governo não fizesse publicações elogiosas ao regime, a Procuradoria da República no Distrito Federal argumentou que comemorações referentes à data são atos inconstitucionais.

O processo foi motivado por uma publicação feita em 31 de março de 2019, quando o golpe completou 55 anos. À ocasião, um vídeo em defesa do regime foi distribuído por um dos canais de comunicação do Palácio do Planalto.

O vídeo, divulgado em um grupo de WhatsApp voltado para distribuição de informações a jornalistas, negava que um golpe de estado instaurou a ditadura militar no Brasil. A Secretaria de Imprensa da Presidência não soube dizer quem enviou para o canal.

Planalto divulga vídeo sobre o golpe de 64, dizendo que o Exército salvou o Brasil

Na gravação, um homem não identificado fala de uma época em que havia no Brasil "um tempo de medo e ameaças" provocadas pelo comunismo. E que "jornais, rádios, TVs e principalmente o povo na rua" apelaram ao Exército.

O vídeo termina com a imagem da bandeira nacional e a inscrição "31 março", e um locutor afirmando que "o Exército não quer palmas nem homenagens. O Exército apenas cumpriu o seu papel".

O procurador responsável pela ação, Pablo Coutinho Barreto, afirmou no pedido que o material ofensivo "causou um dano com proporções nacionais".

Segundo o integrante do MPF, o material divulgado é "incompatível com os valores democráticos na Constituição de 1988", e a consequência do vídeo é um "incomensurável constrangimento às incontáveis famílias que perderam familiares em razão das nefastas e arbitrárias práticas levadas a efeito ao tempo do regime ditatorial".

Na ação, o procurador pediu pagamento de multa, responsabilização das pessoas que produziram e divulgaram o vídeo, e instauração de "procedimento administrativo disciplinar" contra agentes públicos, civis ou militares, que promovam publicações sobre celebrações ao golpe de 1964.

Segundo o MPF, após a apresentação do pedido, o governo federal alegou no processo que a proibição não precisava ser atendida, já que a publicação era de 2019 e que, entre outras coisas, continuavam sendo adotadas medidas cabíveis para evitar novos episódios.

Publicado originalmente por g1 DF, em 31.03.22

Para cúpula tucana, 'blefe' de Doria esvazia candidatura e ajuda a impulsionar articulação por Leite

O resultado concreto da ameaça, segundo avaliação desses tucanos, é que o movimento considerado “errático” do governador acabou esvaziando a candidatura.

João Doria oficializa saída do governo de SP e se mantém na corrida presidencial

Integrantes da cúpula do PSDB ouvidos pelo Blog avaliam que a ameaça do governador João Doria de retirar a pré-candidatura a presidente e não renunciar ao mandato de governador acabou produzindo efeito contrário — na tarde desta quinta, Doria oficializou a saída do governo de São Paulo e disse que a pré-candidatura à Presidência está mantida.

Além disso, ressaltam dirigentes do partido, o movimento impulsionou internamente o nome do governador gaúcho Eduardo Leite para a corrida presidencial.

A ameaça de Doria foi classificada pelas principais lideranças tucanas como um “blefe” para tentar arrancar uma garantia de que seria o candidato da legenda.

Ao vazar que ficaria no cargo até o final do mandato, Doria conseguiu extrair uma nota do presidente do PSDB, Bruno Araújo, na qual ele afirmou que as prévias seriam respeitadas e que Doria seria o candidato do partido.

Segundo tucanos, essa carta foi negociada com interlocutores de Doria a fim de garantir que ele deixasse o cargo para o vice Rodrigo Garcia assumir o Palácio dos Bandeirantes.

“Mas, sem a caneta, a sobrevida de Doria será curta. Ele saiu extremante fragilizado do episódio e não há qualquer garantia de candidatura presidencial. Pelo contrário”, disse ao Blog uma importante liderança do PSDB que participou da negociação da carta.

Ainda na madrugada, os caciques tucanos ficaram preocupados com o estrago que Doria poderia fazer na candidatura de Rodrigo Garcia ao governo paulista se permanecesse no Palácio dos Bandeirantes.

Por isso, a operação no ninho tucano nesta quinta-feira foi para garantir a renúncia dele ao cargo de governador.

“Em São Paulo, os 'doristas' abandonaram ele com essa pixotada”, disse outro dirigente tucano que acompanhou as negociações. “Doria foi o maior impulsionador de Leite com essa atitude”, reforçou.

'Mais cedo, o Blog já tinha informado que a avaliação reservada no PSDB é que os movimentos do governador e do ex-ministro Sergio Moro devem fortalecer o projeto presidencial do governador Eduardo Leite como o candidato da terceira via — Moro deixou o Podemos, se filiou ao União Brasil e anunciou que abriu mão da pré-candidatura a presidente.

Moro e Doria sinalizaram precocemente fragilidade na corrida presidencial. A percepção é que a rejeição elevada se tornou o maior obstáculo para ambos. E o governador de São Paulo já estava esvaziado antes mesmo desse movimento.

Gerson Camaroti para o g1, em 31.03.22

Sergio Moro abre mão de pré-candidatura à Presidência

Ex-juiz deixa o Podemos, se filia ao União Brasil e desiste por ora de disputar o Planalto. No novo partido, Moro estaria sendo pressionado a concorrer ao Congresso, mas cargo ainda não está definido.

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro assinou nesta quinta-feira (31/03) sua filiação ao União Brasil e anunciou que abriu mão da pré-candidatura à Presidência da República.

"O Brasil precisa de uma alternativa que livre o país dos extremos, da instabilidade e da radicalização. Por isso, aceitei o convite do presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, para me filiar ao partido e, assim, facilitar as negociações das forças políticas de centro democrático em busca de uma candidatura presidencial única", escreveu Moro em rede social.

"A troca de legenda foi comunicada à direção do Podemos, a quem agradeço todo o apoio. Para ingressar no novo partido, abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor", completou

A cerimônia de filiação ocorreu em um hotel em São Paulo, para onde Moro transferiu seu domicílio eleitoral. Presente na assinatura, o deputado e vice-presidente do União Brasil, Junior Bozzella, afirmou que o partido vai definir o "melhor lugar pertinente onde ele possa se encaixar".

"Ele estava habilitado a concorrer a diversos cargos, trouxe o domicílio eleitoral para São Paulo. Ele vem para somar, tem 10% nas pesquisas", declarou Bozzella, citado pela imprensa brasileira.

O ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro havia se filiado ao Podemos em novembro do ano passado, um ano e meio depois de deixar o governo federal, oficializando sua entrada de vez na política partidária. À época, Moro assumiu uma postura de pré-candidato à Presidência, embora não tenha feito um anúncio específico sobre concorrer a esse cargo, afirmando que "estava à disposição" do Brasil para assumir um papel de liderança de um "projeto nacional" de "reconstrução".

Possível candidato a deputado

Agora no novo partido, Moro estaria sendo pressionado a disputar o Congresso. Nesta quinta-feira, o deputado federal Alexandre Leite, do União Brasil, disse que o ex-juiz será candidato a deputado federal por São Paulo. Segundo o jornal O Globo, a equipe de comunicação de Moro primeiro confirmou a decisão dele de concorrer ao Congresso, mas depois recuou dizendo que o cargo ainda não está definido.

Em nota, a assessoria de imprensa de Leite informou que "Moro vem para o União com a expectativa de ser um dos deputados mais votados da história do país. Daremos todas as condições para isso". A informação também foi confirmada pelo deputado ao jornal Folha de S. Paulo.

Leite, também tesoureiro do União Brasil (resultante da fusão entre DEM e PSL), é um dos líderes do partido em São Paulo, juntamente com o pai, o vereador Milton Leite, que é presidente da Câmara Municipal paulistana, e Antonio Rueda, presidente do diretório estadual.

Nas pesquisas eleitorais para presidente da República, Moro aparecia bem atrás de Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Enquanto o petista obteve 43% das intenções de voto na última sondagem do Datafolha, na semana passada, o atual presidente apareceu em segundo lugar, com 26%. Empatados em terceiro lugar pela margem de erro estavam Moro (8%) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT, com 6%).

Lava Jato e governo Bolsonaro

Sergio Moro teve seu nome projetado nacionalmente pela Operação Lava Jato, que provocou um terremoto no mundo político brasileiro. Em 2018, ele oficialmente entrou para a política ao aceitar integrar o atual governo como um superministro da Justiça, levantando questionamentos sobre sua conduta como magistrado.

Afinal, ele havia sido diretamente responsável por tirar do páreo nas eleições de 2018 o ex-presidente Lula, beneficiando diretamente o político de extrema direita Bolsonaro, com quem o então juiz viria a se aliar oficialmente meses após a prisão do petista.

Moro finalmente rompeu com Bolsonaro em abril de 2020, após permanecer tumultuados 16 meses no cargo de ministro. Ele deixou o Ministério da Justiça acusando o presidente de interferência política na Polícia Federal.

Mas o ex-juiz também acumula desgastes, tendo sua própria carga de escândalos e uma trajetória política tumultuada. Nos últimos anos, Moro acumulou sucessivas derrotas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que macularam ainda mais sua conduta na Lava Jato.

Em março de 2021, o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações de Lula no âmbito da operação, incluindo a notória sentença do triplex elaborada por Moro que abriu a porta para que o petista ficasse de fora do pleito de 2018. Em junho, foi a vez de o plenário do STF manter uma decisão que declarou que Moro era suspeito para julgar Lula.

Os ministros se basearam especialmente nas revelações feitas pelo site The Intercept Brasil, que em julho de 2019 divulgou diálogos privados entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol. As conversas indicaram conluio e várias condutas ilegais executadas pela dupla para assegurar a condenação de Lula e outros réus.

Também pesou no entendimento da maioria dos ministros do STF o fato de Moro ter aceitado um cargo de ministro no governo Bolsonaro poucos meses após ter determinado a prisão de Lula.

Desde que deixou o governo, Moro adicionou mais questionamentos sobre sua conduta ética. Ele também perseguiu iniciativas mais lucrativas, tornando-se membro da Alvarez & Marsal, empresa de consultoria com sede nos Estados Unidos que atua – e lucra – como administradora judicial de empreiteiras emparedadas pela Lava Jato.

No final de outubro, a Alvarez & Marsal e Moro encerraram a parceria, deixando o ex-juiz livre para se filiar ao Podemos.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 31.03.22

Doria renuncia ao governo paulista para disputar Presidência

Tucano recua e mantém pré-candidatura ao Planalto após carta do presidente nacional do PSDB. Vice Rodrigo Garcia vai assumir o governo de São Paulo e será o candidato tucano ao cargo.

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta quinta-feira (31/03) sua renúncia ao cargo para concorrer à Presidência da República nas eleições deste ano.

Em pronunciamento para mais de 600 prefeitos no Palácio dos Bandeirantes, o tucano fez um aceno a outros candidatos da chamada "terceira via" e afirmou ser hora de "virar uma frente ampla e um tipo poderoso pelo Brasil e pelos brasileiros".

"Sim, serei candidato à Presidência da República pelo PSDB. Nosso partido. O Partido da Social Democracia Brasileira. E junto, ao lado de outros partidos valorosos, de políticos e de pessoas que têm respeito pela democracia, pela vida e pelos cidadãos, nós vamos vencer, vamos vencer o populismo, a maldade, a adversidade, a corrupção. E juntos, todos nós, vamos ter um novo Brasil", declarou.

Com a saída de Doria, o vice-governador Rodrigo Garcia, ex-DEM, assume o governo paulista a partir de 2 de abril e será o candidato do PSDB a governador do estado. "Daqui pra frente, nosso trabalho continua pelas mãos de Rodrigo Garcia, que, a partir do próximo dia 2, será governador do estado de São Paulo e será reeleito governador do estado de São Paulo", disse Doria.

O governador ainda aproveitou para criticar o presidente Jair Bolsonaro e as gestões petistas no governo federal, que configuram seus principais adversários na disputa pelo Planalto.

"Nesses três anos e três meses da nossa gestão no governo de São Paulo, enfrentamos grandes desafios. A continuidade da crise econômica, iniciada nos governos do PT. A volta da inflação, o aumento do desemprego, o crescimento da fome e da pobreza no governo Bolsonaro. Para piorar, o mundo foi surpreendido pela gravíssima pandemia da covid-19. E, o Brasil, surpreendido pelo negacionismo", atacou o tucano.

Recuo

A renúncia ao governo paulista veio em meio a discussões sobre uma possível desistência de Doria de disputar a Presidência. O anúncio de que, por fim, ele manteria a pré-candidatura ocorreu após o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo, reafirmar o apoio do partido a ele em uma carta.

"Sentia a necessidade de ter um apoio explícito do meu partido que foi dado pelo Bruno Araújo, presidente nacional do PSDB. Uma carta incontestável, agora não dá para nenhum outro imaginar que pode surrupiar ou pode copiar as prévias do PSDB. Prévias significam democracia e partidos devem seguir a democracia. Agora estou tranquilo", declarou.

Em novembro de 2021, Doria venceu as prévias do PSDB para concorrer à Presidência, derrotando o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

Mas o governador paulista não teve sucesso nas pesquisas eleitorais desde então. Na última sondagem do instituto Datafolha, na semana passada, Doria aparece com apenas 2% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT, 43%), Bolsonaro (PL, 26%), Sergio Moro (então Podemos, 8%) e Ciro Gomes (PDT, 6%).

Na mesma pesquisa, ele foi ainda o terceiro candidato mais rejeitado, com 30% de rejeição, atrás apenas de Bolsonaro (55%) e Lula (37%)..

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 31.03.22

"Putin se deu conta que pode não haver saída", diz magnata

Exilado e crítico do presidente russo, Mikhail Khodorkovsky diz que Putin "está encurralado" na Ucrânia e tem apenas duas opções: uma escalada do conflito ou negociações de paz sérias.

Khodorkovsky ficou uma década preso na Rússia (Foto: DW)

Mais de um mês após Moscou invadir a Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, entendeu que "pode não haver solução militar", afirmou em entrevista à DW o magnata russo do petróleo exilado Mikhail Khodorkovsky.   

Crítico proeminente do presidente russo, Khodorkovsky passou uma década na prisão na Rússia sob acusações amplamente consideradas como uma vingança por desafiar o regime de Putin.

As tropas russas iniciaram a guerra na Ucrânia em 24 de fevereiro, com Putin anunciando como objetivos a "desmilitarização" e a "desnazificação" do ex-estado soviético, além da proteção dos falantes de russo no país.

Mas, com o fracasso da Rússia em ocupar rapidamente o país devido à forte resistência ucraniana, Moscou anunciou recentemente uma mudança em seus objetivos de guerra, dizendo que se concentrará na "libertação" da região de Donbass, no leste da Ucrânia. O Ocidente, porém, vê com ceticismo a versão. 

"Putin está encurralado quando se trata da operação militar", disse Khodorkovsky. "Agora, ele tem duas opções: ou aumenta a escalada, o que pode significar a introdução de mobilização ou o uso de armas nucleares táticas, ou estabiliza a situação e começa negociações de paz sérias".

Posição do Ocidente precisa ser clara

À DW, Khodorkovsky também enfatizou a importância de um discurso ocidental unificado. "A posição do Ocidente precisa ser clara, o que significa apoio abrangente à Ucrânia se a guerra continuar e caso Putin use armas nucleares táticas ou outras armas de destruição em massa", destacou. "Esse tipo de posição clara do Ocidente vai, digamos, ajudar Putin a tomar a decisão certa".

Desde o início da agressão militar de Moscou, o Ocidente impôs sanções econômicas sem precedentes à Rússia e começou a fornecer ajuda militar à Ucrânia. Enquanto os EUA e o Reino Unido proibiram as importações russas de petróleo e gás, vários bancos russos foram banidos do sistema interbancário Swift.

No entanto, muitos países europeus, como a Alemanha, dependem fortemente do fornecimento de energia russa, motivo pelo qual não houve sanções internacionais generalizadas sobre o comércio de combustíveis fósseis com a Rússia. Por outro lado, a guerra levou vários governos a buscar formas de reduzir a dependência de Moscou.

Khodorkovsky acredita que, para Putin levar as negociações de paz a sério, "deve perceber que está preso na Ucrânia".

"Depois de um mês de guerra, ele se deu conta que pode não haver solução militar. É uma tentativa de transição para um processo de negociação real".

Mudança de estratégia

Os serviços de inteligência do Reino Unido e dos Estados Unidos afirmaram na quarta-feira que Putin está mal informado sobre a real situação na da guerra na Ucrânia, pois seus assessores tem medo de lhe dizer a verdade.

Nesta quinta-feira, o Kremlin negou as alegações, afirmando que eram evidências de que o Departamento de Estado americano e o Pentágono não "têm informações reais sobre o que está acontecendo no Kremlin".

"Eles não entendem o presidente Putin, não entendem o mecanismo de tomada de decisões e não entendem o estilo de nosso trabalho", disse a repórteres o porta-voz de Putin, Dmitry Peskov.

Khodorkovsky  também acredita que Putin lançou a guerra com base em falsas suposições sobre as capacidades militares russas e a sociedade ucraniana.

"Estou completamente convencido de que, desta vez, Vladimir Putin recebeu uma quantidade significativa de informações falsas tanto sobre a situação na Ucrânia quanto sobre a condição de suas próprias forças armadas".

Chamando Putin de "bandido", Khodorkovsky disse: "Qualquer tentativa de chegar a um acordo com esse tipo de homem sem primeiro mostrar-lhe força é um grande erro. Isso apenas o provoca a dar mais um passo em direção a um ataque".

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 31.03.22

Urgente: Moro decide migrar para União Brasil

Presidenciável vai anunciar saída do Podemos nas próximas horas; convite de Luciano Bivar tem como condição abrir mão da pré-candidatura neste momento

Foto: Saulo Rolim / Sérgio Lima / Danilo Martins - Podemos

Há tempos não se via um 31 de março tão agitado. Depois de João Doria dizer a aliados que não vai mais concorrer à Presidência da República, outro que anunciará seu destino nas próximas horas é Sergio Moro (Podemos). O ex-juiz decidiu aceitar o convite de Luciano Bivar e se filiar à União Brasil. 

Como já publicamos, Bivar tem conversado também com Doria, Eduardo Leite e Simone Tebet sobre a candidatura única do chamado Centro Democrático. A condição prévia é que todos abandonem suas pré-candidaturas neste momento e passem a trabalhar em prol de um projeto comum.

O candidato à Presidência seria escolhido dentro de dois ou três meses, seguindo critérios a serem estabelecidos, não apenas a liderança nas pesquisas. Na segunda-feira, Moro jantou com Bivar e ensaiou um gesto de desprendimento ao dizer que o cacique “seria um ótimo vice ou cabeça de chapa“.

É um terremoto político.

Cláudio Dantas / O Antagonista,  em 31.03.22 às  09:51

Em contra-ataque, Doria ameaça implodir PSDB

Governador se sentiu traído por parte do partido e sinalizou que deve desistir da candidatura à Presidência para continuar no Palácio dos Bandeirantes – minando a pré-candidatura de Rodrigo Garcia à sua sucessão.

Rodrigo Garcia (à esquerda) e João Doria durante evento no Palácio dos Bandeirantes em setembro de 2021. — Foto: Secom/GESP

A sinalização de João Doria de que vai desistir da disputa pela Presidência em 2022 mostra que o governador de São Paulo, após se sentir isolado dentro do PSDB, decidiu implodir o partido – começando por São Paulo.

Doria, que sempre foi visto com um estranho no ninho tucano, venceu as prévias para disputar a presidência da República pelo PSDB.

Para tanto, Doria precisaria anunciar a desistência do cargo de governador de SP até o fim desta semana, entregando o cargo para Rodrigo Garcia – que é o pré-candidato do PSDB ao governo de São Paulo.

Uma parte do partido, entretanto, está disposta a driblar Doria e fazer com que o PSDB lance o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ao Planalto.

E a ideia desse grupo era, segundo aliados de Doria, esperar o governador de SP deixar o cargo para só então iniciar formalmente o movimento para sagrar Eduardo Leite candidato – deixando Doria sem mandato e sem candidatura ao Planalto.

Sentindo-se traído, Doria resolveu contra-atacar, abandonando a disputa presidencial e ficando no cargo de governador.

Com isso, a candidatura de Rodrigo Garcia, principal aposta do PSDB nos estados, está comprometida. Aliados como PP e do União Brasil, por exemplo, já discutem migrar para a campanha de Tarcísio Freitas, apoiado por Bolsonaro.

A avaliação é a de que sem candidatura forte do governo do estado, PP e União Brasil e não conseguem fazer bancada de deputados federais em SP - principal objetivo de partidos aliados de candidaturas a governos, por exemplo.

Sem ser consultado e com seu futuro político em meio a esse tiroteio entre Doria e Aécio, Garcia decidiu entregar o cargo de secretário de governo de Doria.

Aliados de Garcia tentam convencer Doria a renunciar ao governo de São Paulo. Um grupo de tucanos também tenta demovê-lo da ideia permanecer no cargo.

Por Andréia Sadi e Julia Duailibi / g1, em 31.03.22

Uma nota mentirosa e assinada também pelos três comandantes de tropas. Comentário de Miriam Leitão n'O Globo hoje

A nota comemorando a ditadura militar de 64, divulgada ontem à noite pelo Ministério da Defesa, é a pior já divulgada neste governo. Ser assinada pelo general de pijama Walter Braga Netto, que está saindo do cargo para ser candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, era de se esperar. Mas o grave é ter as assinaturas do general, do almirante e do brigadeiro que comandam as tropas. Nesse ponto é uma ameaça ao país.

Rio de Janeiro (RJ) - 26/06/1968 - Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar - Da esquerda para a direita: Pascoal Carlos Magno (de capa, gravata, ao lado de mulher com vestido branco) Nelson Motta, desconhecida, Edu Lobo, Itala Nandi, Chico Buarque de Holanda, desconhecido, Renato Borghi, José Celso Martinez Correa, desconhecido, Caetano Veloso (de costas), Nana Caymmi, Gilberto Gil e Paulo Autran.| Foto Arquivo / Agência O Globo - Neg : 50836

 Não se pode esquecer o contexto. Bolsonaro é um defensor de ditaduras, sente “embrulho no estômago” como disse outro dia, de respeitar a Constituição, e passou três anos e três meses no poder vomitando ameaças golpistas. Bolsonaro está disputando a reeleição, em situação desfavorável nas pesquisas, e ontem mesmo voltou a fazer ameaças. Esse contexto piora muito a nota.

Uma solitária verdade na nota é que “não se pode reescrever a história”. De fato. Mas é isso que eles tentam fervorosamente. Há um trecho que diz: “Nos anos seguintes ao dia 31 de março de 1964, a sociedade brasileira conduziu um período de estabilização, de crescimento econômico e de amadurecimento político”. Uma coleção de mentiras. Não foi a sociedade, foram os militares que conduziram o país. Tanto que quando houve a possibilidade de um vice assumir, Pedro Aleixo, quando Costa e Silva ficou incapacitado e morreu, o país passou a ser dirigido por uma junta militar. Os generais conduziram o país para 21 anos de ditadura militar e não um período de estabilização. O país cresceu no começo dos anos 70, mas houve duas recessões, calote da dívida externa e no fim o país estava com uma hiperinflação que foi debelada apenas na democracia. O governo fechou o Congresso, aposentou ministros do Supremo, cassou e exilou, censurou a imprensa. É triste ter que lembrar de novo, de novo, de novo.

Os fatos históricos são inarredáveis. O que eles querem dizer com o trecho em que afirmam que “as Forças Armadas” observaram “estritamente o regramento constitucional”. Eles rasgaram a Constituição, fizeram outra e também a rasgaram com os atos institucionais, principalmente o AI-5 que suspendeu todos os resquícios de democracia. As Forças Armadas instalaram dentro dos seus quartéis máquinas de prisão, tortura, morte e ocultação de cadáveres. Em vez de pedirem desculpas ao país, afrontam ano a ano a verdade histórica.

Nesse ano, repito, é mais grave porque as ameaças à democracia por parte do presidente têm a chancela de militares da ativa que mentem, mentem novamente, sobre fatos que aconteceram há 58 anos. O Brasil é um caso único. As Forças Armadas dos nossos vizinhos não têm o desplante de mentir sobre a História e afrontar os seus países, da forma que fazem as Forças Armadas brasileiras.

Míriam Leitão / O Globo, em 31/03/2022 • 08:17

Aliados de Garcia ameaçam Doria com impeachment caso fique no governo

A intenção de João Doria de não renunciar ao governo de São Paulo e cumprir o mandato até o fim abriu uma guerra no PSDB. Aliados do vice-governador Rodrigo Garcia dizem que, caso confirme a especulação e fique, Doria sofrerá impeachment em tempo recorde na Assembleia Legislativa.

João Doria, (PSDB) Governador de São PauloJoão Doria, (PSDB) Governador de São Paulo | Roberto Casimiro/Agência O Globo

Seria uma carnificina a céu aberto no Estado que os tucanos governam desde 1995 ininterruptamente — na verdade, a única seção em que o PSDB ainda é de fato um partido grande.

Garcia trocou o antigo DEM pelo PSDB no ano passado num movimento arquitetado pelo próprio Doria. Seu plano era ter em São Paulo uma plataforma forte para sua candidatura presidencial.

O que nenhum dos dois contava era com a rejeição consolidada do governador paulista, que não só impediu que sua candidatura sequer ameaçasse decolar até aqui como também virou uma bigorna no pé do próprio Garcia.

E é por isso a revolta com sua ideia de ficar no cargo e apoiar o vice à sua sucessão direto da cadeira. Isso tiraria de Garcia a chance de fazer campanha como governador, se tornando conhecido e, principalmente, dissociando sua imagem da de Doria.

Aliados do governador, no entanto, que confirmam a informação dada pela Folha de S.Paulo de que ele cogita a sério não renunciar, afirmam que ele precisa desses 9 meses até o fim do governo para “reorganizar sua vida”.

Acontece que isso significaria a desorganização completa do PSDB, que já perdeu Geraldo Alckmin e aliados recentemente justamente por incompatibilidade com Doria.

Vera Magalhães / O Globo, em 31/03/2022 • 07:45

Doria anuncia hoje que vai abandonar sua candidatura a presidente

João Doria decidiu abandonar a sua pré-candidatura à presidência da República pelo PSDB e vai continuar no governo de São Paulo até o dia 31 de dezembro.

O governador de São Paulo, João Doria O governador de São Paulo, João Doria | Edilson Dantas

Pelo menos foi essa a decisão comunicada hoje cedo aos seus auxiliares mais próximos e será anunciada pelo próprio Doria numa entrevista coletiva que dará no Palácio dos Bandeirantes, às 16h. 

A saída de Doria do páreo é uma consequência da falta de apoio que sua pré-candidatura vinha sofrendo desde o início do ano dentro do PSDB. Os resultados das pesquisas de intenção de votos também não ajudavam em nada: nelas, Doria aparecia com 2%, em média.

Todo esse contexto ajudou a que sua candidatura não saísse do ponto morto.

Nas últimas semanas, o movimento anti-Doria no PSDB ficou mais forte. Essa turma se alinhou a Eduardo Leite, derrotado nas prévias de novembro, para virar a mesa e fazer do governador gaúcho o candidato do partido a presidência.

Doria sentiu o golpe. Nos últimos dias, ele tem afirmado que está sendo traído pelo partido.

 Por Lauro Jardim / O Globo, em 31/03/2022 • 07:37

A expressão alemã que vale para carros e políticos

‘Profil durch kontrast’ diz que é preciso um contraste para se ganhar um perfil


Um pelo outro

A o fim da era petista, Lula era o líder popular que desperdiçou uma chance histórica (o ciclo das commodities), presidiu o maior esquema de corrupção da história brasileira e apontou uma sucessora inepta que levou o Brasil à maior recessão enfrentada por um país que não estava em guerra. Hoje, recuperou de maneira formidável a imagem e é tido por ex-adversários como salvador da democracia.

Esse perfil vem pelo contraste com o seu principal adversário, Jair Bolsonaro. Lula nunca foi um radical e continua não sendo. Nunca foi um político de grandes ideias, seu “movimento” político é ele mesmo e mais ninguém. O lulismo (como o varguismo, o peronismo) é a figura de quem lhe empresta o nome, e não deixa sucessores. Sua “genial” jogada política de conquistar um ex-adversário para ter “o centro” a bordo é apenas o óbvio de quem sabe que, sozinho, não ganha.

(‘Papel dos militares não é puxar saco dos Bolsonaro’, diz Lula)

A “fortuna” de Lula, no sentido que Maquiavel deu à expressão, é Bolsonaro. O atual presidente desperdiçou uma rara onda disruptiva, em boa parte nascida do antipetismo, que expressava um profundo desejo de mudança. Sem saber fazer política, além de vociferar boçalidades para seguidores nos cercadinhos físicos (porta do palácio) e mentais, ressaltou o patrimonialismo, cedeu instrumentos de poder do Executivo para o Legislativo e deixa o País governado por aqueles que estavam envolvidos com Lula nos piores momentos da “política”.

Vale a pena repetir: o Centrão, e o que ele possa significar (moralmente, inclusive), está perfeitamente à vontade com Lula ou com Bolsonaro. Seus caciques estão empenhados em garantir seu próprio poder, o que significa formar bancadas nutridas sem as quais nenhum dos dois líderes das pesquisas será capaz de governar. 

Nesse sentido, para citar o sociólogo Bolívar Lamounier, a “armadilha da renda média” na qual o Brasil se encontra, com produtividade e crescimento estagnados há décadas, é a armadilha perfeita. Ela gerou um sistema político e de governo que sustenta e é sustentado pelo patrimonialismo que não tem noção de nação ou sequer da urgência de se combater desigualdade e injustiças sociais – as mazelas de sempre, da qual falamos sempre.

Vale a pena repetir: o Centrão, e o que ele possa significar (moralmente, inclusive), está perfeitamente à vontade com Lula ou com Bolsonaro. Foto: Amanda Perobelli/REUTERS e Dida Sampaio/ESTADÃO

De novo parece estar se fechando uma janela de oportunidade para se livrar do que Lula e Bolsonaro representam. Ao se fechar, ela favorece Lula em duas medidas importantes. A inflação é o arrasto que torna Bolsonaro um favorito a perdedor. E a guerra lá fora dá ao Brasil, paradoxalmente, algumas vantagens típicas de um país isolado.

A fortuna está com Lula. 

William Waack é Jornalista e Apresentador do Jornal da CNN. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 31.03.22.

Como derrotar Putin na Ucrânia e salvar o planeta; leia o artigo de Thomas Friedman

É a enésima vez que confrontamos um petroditador cuja ferocidade e inconsequência é possível somente por causa da riqueza petrolífera que ele extrai do subsolo

Ataque russo nos arredores de Kiev em 26 de março  Foto: AP / AP

É impossível prever como a guerra na Ucrânia terminará. Espero fervorosamente que acabe numa Ucrânia livre, segura e independente. Mas o que sei com certeza é que os Estados Unidos não devem desperdiçar esta crise. É a enésima vez que confrontamos um petroditador cuja ferocidade e inconsequência é possível somente por causa da riqueza petrolífera que ele extrai do subsolo. Independentemente da maneira que a guerra na Ucrânia terminar, ela precisa acabar finalmente, formalmente e irreversivelmente com o vício dos EUA em petróleo.

Nada distorceu nossa política externa, nossos compromissos com direitos humanos, nossa segurança nacional e, acima de tudo, nosso meio ambiente mais do que nossa dependência de petróleo. Que esta seja a última guerra que nós e nossos aliados financiamos ambos os lados, pois é isso o que fazemos.

Países ocidentais financiam a Otan e ajudam o Exército da Ucrânia com os dólares de nossos impostos, e — já que as exportações de energia da Rússia financiam 40% do orçamento do governo do país — nós financiamos o Exército russo com nossas compras de petróleo e gás natural da Rússia.

Qual será a magnitude dessa estupidez?

Estratégia do Kremlin se opõe ao ‘plano A’ de Zelenski e Biden: fazer a Ucrânia resistir em uma espécie de ‘empate militar’ com os russos

Russian President Vladimir Putin, left, and Chinese President Xi Jinping enter a hall for the talks in the Kremlin in Moscow, Russia, Wednesday, June 5, 2019. Chinese President Xi Jinping is on visit to Russia this week and is expected to attend Russia's main economic conference in St. Petersburg. (AP Photo/Alexander Zemlianichenko, Pool)

Xi, Putin, Trump e a loucura dos autocratas

Deus sabe que as democracias têm seus problemas, mas elas ainda têm algo que falta às autocracias: a capacidade de mudar de rumo

Na guerra de Putin na Ucrânia, espere pelo inesperado

Toda guerra traz surpresas, mas o elemento mais marcante a respeito desta é a quantidade de surpresas ruins para Putin

Verão na Antártida

Nossa civilização simplesmente não pode mais arcar com isso. As mudanças climáticas não entraram de folga por causa da guerra na Ucrânia. Você tem checado os boletins meteorológicos dos Polos Norte e Sul ultimamente? Ondas de calor atingiram simultaneamente este mês partes da Antártida, elevando as temperaturas 21º Celsius acima da média por lá, e do Ártico, elevando em 10º Celsius a temperatura média.

Não se trata de erros de digitação. Tratam-se de superextremos absurdos.

“São estações opostas — não vemos os Polos Norte e Sul derretendo ao mesmo tempo”, afirmou recentemente à Associated Press Walter Meier, pesquisador do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo. “É uma ocorrência sem dúvida incomum.” E na última sexta-feira, para nenhuma surpresa, cientistas anunciaram que uma geleira do tamanho da cidade de Nova York se desprendeu do leste da Antártida no início desse período de calidez aberrante.

Foi a primeira vez que humanos observaram “que a região gelada teve um desprendimento de geleira”, notou a AP, acrescentando que, se a água congelada no leste da Antártica derreter, o nível do mar se elevará em cerca de 50 metros em todo o mundo.

A aposta de Biden no petróleo

Por todas essas razões, tenho me desapontado ao testemunhar o presidente Joe Biden e o secretário de Estado Antony Blinken dobrando a aposta na nossa dependência em petróleo, em vez de triplicar a aposta em fontes renováveis de energia e mais eficiência.

Aparentemente assustada com as falaciosas alegações dos republicanos de que as políticas de energia de Biden são responsáveis pelos altos preços da gasolina, a equipe do presidente foi mendigar em algumas das maiores petroditaduras do mundo — Venezuela, Irã e Arábia Saudita, em particular — implorando a esses países que extraiam mais petróleo e baixem o preço da gasolina.

A verdade é que, mesmo se permitirmos que empresas petroleiras americanas extraiam petróleo de todos os parques nacionais, o efeito a curto prazo nos preços da gasolina não seria tão significativo. Conforme noticiou a CNN Business na semana passada, na última década, a oscilante indústria petroleira americana gastou zilhões financiando um crescimento franco na produção, o que ajudou a manter os preços baixos, mas “sustentando lucros que se provaram fugidios. Centenas de petroleiras foram à falência durante várias quedas no preço do petróleo, levando investidores a exigir mais comedimento dos CEOs do setor da energia”.

Então, hoje, a maioria dos executivos e investidores das petroleiras americanas “não querem adicionar tanta oferta, para não causar outra saturação que derrube os preços. E acionistas querem que as empresas retornem os lucros exagerados na forma de dividendos e recompras — e não os reinvistam em aumento de produção”.

O país com capacidade mais barata, à disposição e flexível para influenciar os preços globais do petróleo no curto prazo é a Arábia Saudita. Mas a Rússia também é um grande player deste mercado. É por isso que, apenas dois anos atrás, o ex-presidente Donald Trump implorava para Arábia Saudita e Rússia cortarem dramaticamente sua produção, porque o preço do barril de petróleo havia caído para cerca de US$ 15 nos mercados globais — prejudicando seriamente as petroleiras americanas, cujo custo de extração estava entre US$ 40 e US$ 50 por barril. O preço havia despencado porque Arábia Saudita e Rússia se engalfinharam numa briga de preços em razão da diminuição das fatias de mercado durante a pandemia.

Agora, Biden está implorando aos sauditas que aumentem dramaticamente sua produção para baixar os preços. Mas os sauditas estão bravos com Biden porque Biden está bravo com eles em razão do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi — e, relata-se, não atendem aos telefonemas de Biden.

Mendigando por energia suja

Mas o denominador comum entre Biden e Trump é o verbo “mendigar”. É este o futuro que queremos? Enquanto continuarmos dependentes de petróleo, sempre imploraremos a alguém, normalmente um sujeito do mal, para que aumente ou abaixe o preço, porque nós, sozinhos, não somos mestres do nosso próprio destino.

Isso tem de parar. Sim, é preciso haver uma fase de transição, durante a qual continuaremos usando petróleo, gás e carvão. Não somos capazes de parar subitamente com o vício. Mas devemos nos comprometer em dobrar o ritmo dessa transição — e não em dobrar a aposta nos combustíveis fósseis.

Nada ameaçaria Putin mais do que isso. Afinal, foi a queda nos preços globais do petróleo entre 1988 e 1992, ocasionada por uma superprodução saudita, que ajudou a quebrar a União Soviética e acelerou seu colapso. Podemos criar os mesmos efeitos hoje aumentando a produção de energia a partir de fontes renováveis e intensificando a ênfase em eficiência energética.

Reações à negociação pela paz entre Rússia e Ucrânia

Volodymyr Zelensky, destacou 'sinais positivos' nas conversas, mas o secretário de Estado, Antony Blinken, se mostrou cético com a seriedade russa na tratativa.

Uma rede elétrica mais limpa

A maneira melhor e mais rápida de fazer isso, argumenta Hal Harvey, diretor-executivo da Energy Innovation, uma consultoria especializada em energia limpa, é aumentando os padrões de energia limpa no fornecimento de eletricidade. Ou seja, exigir que a rede de transmissão de eletricidade dos EUA reduza suas emissões de carbono mudando para fontes renováveis de energia a uma taxa de 7% a 10% ao ano — um ritmo jamais visto.

Utopia? Que nada. O diretor-executivo da American Electric Power, que já foi totalmente dependente do carvão, promete agora que a empresa vai zerar as emissões de carbono até 2050, apoiando-se principalmente no gás natural. Trinta e um Estados já estabeleceram padrões de aumento de uso de fontes limpas de energia em suas redes públicas de fornecimento de eletricidade. Cheguemos agora a todos os 50.

Ao mesmo tempo, temos de aprovar uma lei nacional que conceda a cada consumidor a capacidade de se juntar a essa briga. Seria uma lei que eliminaria o limite regulatório sobre a instalação de sistemas de energia solar ao mesmo tempo que conferiria a cada lar americano um estímulo fiscal para instalar os painéis, de maneira similar ao que fez a Austrália — país que aumenta seus mercados de energia limpa per capita mais rapidamente do que China, Europa, Japão e EUA.

Quando carros, caminhões, prédios, fábricas e residências forem movidos a eletricidade e a rede de fornecimento utilizar principalmente fontes renováveis: abracadabra! — nos livraremos cada vez mais dos combustíveis fósseis, e Putin obterá cada vez menos dólares.

Os americanos estão entendendo isso. Carros elétricos estão desaparecendo das concessionárias. O Estado que mais produz energia eólica no país é o republicano Texas, que gera mais eletricidade com o vento do que os três Estados seguintes do ranking (Iowa, Oklahoma e Kansas) somados. Mas tornar isso uma missão verdadeiramente nacional nos levaria a uma economia de energia limpa com muito mais rapidez.

Na 2.ª Guerra, o governo dos EUA pediu aos cidadãos do país que plantassem “jardins da vitória” para cultivar suas próprias frutas e legumes — e reservar a comida enlatada para os soldados. Cerca de 20 milhões de americanos responderam plantando hortas por todo lado, de quintais a telhados. Bem, aqueles jardins da vitória representaram para o nosso esforço de guerra naquela época o que os painéis solares representam para a luta da nossa geração contra as petroditaduras.

Se você quiser baixar os preços imediatamente, o método mais infalível — e climaticamente correto — seria reduzir o limite de velocidade nas autoestradas para 100 km/h e pedir para todas as empresas dos EUA permitirem que seus funcionários trabalhem de casa e não tenham de se deslocar para o trabalho todos os dias. Essas duas coisas cortariam imediatamente a demanda por gasolina, o que faria baixar o preço do combustível.

Seria muito pedir uma vitória contra petroditadores, como Putin, cujo subproduto seja ar limpo, em vez de tanques em chamas?

“As alternativas limpas são agora mais baratas do que as poluentes”, notou Harvey. “Hoje custa mais caro arruinar o planeta do que salvá-lo” e também “é mais barato nos livrarmos de petroditadores do que continuarmos escravizados por eles”.

É isso aí. A tecnologia chegou. E torna Putin um alvo fácil. A questão é apenas de liderança e vontade nacional. O que estamos esperando?

O autor deste artigo, Thomas Loren Friedman (nascido em 20 de julho de 1953), é um jornalista estadunidense, atualmente editorialista do jornal The New York Times. Suas colunas, concentradas principalmente no tema relações internacionais, são publicadas nas quartas e sextas. Publicado originalmente pelo New York Times, em 31.03.22. Reproduzido na mesma data no Brasil pelo O Estado de S. Paulo, conforme tradução de Guilherme Russo.

Vladimir Putin e os crimes contra a paz

A criação de um tribunal internacional para perseguir a agressão contra a Ucrânia é necessária. A impunidade dos crimes é um convite à sua repetição

Vladimir Putin, na quarta-feira em Moscou. (MIKHAIL KLIMENTYEV / AFP)

Ao conquistar a independência em 1991, a Ucrânia herdou um estado corrupto e ineficiente. Sua verdadeira identidade nacional foi forjada na revolução pela dignidade de 2014, quando os ucranianos se livraram de Viktor Yanukovych, um satélite de Moscou que reprimiu violentamente os manifestantes de Maidan . A Rússia então reagiu tomando a Crimeia e iniciando o conflito armado em Donbas. A invasão que começou em 24 de fevereiro marca o culminar de um processo cujo objetivo final é colocar sob seu controle um território que os russos consideram seu.

Com um aparato de segurança e justiça obsoleto, controlado majoritariamente por partidários do regime anterior, o governo ucraniano aceitou a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, dando-lhe competência por meio de duas declarações, em 2014 e 2015, para processar crimes internacionais cometidos em seu território. . Além disso, 41 Estados membros —entre eles a Espanha— apresentaram recentemente uma queixa ao Ministério Público, que já anunciou a abertura de um inquérito.

No entanto, não investigará todos os crimes. A Corte tem competência para julgar crimes de guerra e crimes contra a humanidade —o genocídio não está previsto, por enquanto—. Os crimes de guerra são definidos como graves violações das Convenções de Genebra, construídas sobre o princípio da distinção: na guerra há alvos legítimos —combatentes inimigos— e pessoas protegidas —população civil, pessoal médico, jornalistas, prisioneiros—. O ataque deliberado e desnecessário contra pessoas protegidas constitui um crime de guerra. Se os ataques são cometidos na execução de um plano ou política generalizado ou sistemático contra a população civil, são considerados crimes contra a humanidade. Até onde sabemos, eles estão se comprometendo.

O Estatuto de Roma não concede imunidade a ninguém, nem mesmo a chefes de Estado. Não está fora de questão que Vladimir Putin seja processado, mas é improvável que ele seja processado, porque a Rússia nunca o entregará e os julgamentos não podem ser realizados à revelia. Sim, poderíamos assistir ao julgamento dos responsáveis ​​pelos crimes que são capturados na Ucrânia ou em um Estado Parte, que possivelmente o entregará ao Tribunal.

Há outro crime internacional, o mais grave de todos, que paradoxalmente não pode ser julgado, o da agressão: o uso da força armada por um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro. A Carta das Nações Unidas só permite o uso da força quando autorizado pelo Conselho de Segurança ou em caso de legítima defesa, para responder quando for atacado. A defesa antecipada contra um ataque iminente que ainda não ocorreu também é reconhecida. É o que conhecemos como guerra preventiva: o uso da força é legítimo em casos de necessidade imediata e inevitável.

A guerra preventiva foi invocada pelos Estados Unidos em 2003 perante o Conselho de Segurança para autorizar a invasão do Iraque, assegurando que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça, acrescentando ao Reino Unido que Saddam tinha mísseis que podiam chegar a Londres em 45 minutos. A autorização foi negada.

Foi também o argumento do marechal Keitel e do general Jodl em Nuremberg para se defenderem da acusação de agressão por invadir a Noruega em 1940. Eles argumentaram que o Reino Unido também pretendia ocupar o país escandinavo para atacá-los de lá. O tribunal rejeitou a alegação afirmando que estava provado que os alemães desconheciam os planos britânicos e que seu propósito em invadir a Noruega não era defensivo. Eles foram condenados à morte.

O presidente Putin está construindo sua estratégia com argumentos de guerra preventiva, justificando sua agressão com as supostas intenções genocidas e as armas bacteriológicas que a Ucrânia teria. Não o provou, e é por isso que o Tribunal Internacional de Justiça acaba de ordenar à Federação Russa que suspenda imediatamente as suas operações militares.

Não é a primeira vez que Putin usa a força, desconsiderando os mecanismos políticos e diplomáticos para a resolução pacífica de conflitos. Ele desencadeou a segunda guerra chechena destruindo Grozny e causando milhares de baixas civis. Mais tarde, ele favoreceu a guerra de secessão das regiões russas da Geórgia. Apoiou o regime genocida de Bashar al-Assad na Síria. E agora está atacando a Ucrânia depois de anexar a Crimeia e alimentar o conflito de Donetsk e Luhansk.

A adesão da Ucrânia à OTAN é inquestionavelmente uma preocupação legítima da Rússia, mas não justifica o uso da força. Um Estado não pode se sentir legítimo para atacar militarmente outro cada vez que tem uma disputa com ele, porque dessa forma mina a ordem global estabelecida na Carta das Nações Unidas. A agressão contra a Ucrânia é uma agressão contra todos. É por isso que o jurista Philippe Sands propôs a criação de um tribunal internacional para perseguir a agressão contra a Ucrânia. Concordo: a impunidade dos crimes é um convite a repeti-los. Se a comunidade internacional não responder a essa agressão, quando e onde será cometida a próxima?

Carlos Castresana, o autor deste artigo, é procurador do Tribunal de Contas do Reino da Espanha. Publicado originalmente por EL PAÍS, em 31.03.22.

quarta-feira, 30 de março de 2022

Leia a íntegra do depoimento de Sérgio Moro na Polícia Federal

Saiba todos os principais pontos relatados pelo ex-ministro de Justiça e Segurança Pública no inquérito que apura suas acusações de 'interferência política' do presidente na corporação

 O ex-ministro de Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Foto: Adriano Machado / Reuters

O ex-ministro Sérgio Moro afirmou à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro insistia, desde janeiro, trocar o comando da corporação no Rio de Janeiro. Em mensagem, afirmou ao ex-ministro que: ‘Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’. Leia a íntegra do depoimento abaixo:

Documento

DEPOIMENTO DE MORO À PF  

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Em outro trecho, Moro afirmou que Bolsonaro teria dito que iria interferir em todos os Ministérios e, quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça.

Moro alega que conseguiu demover o presidente de substituir a chefia do Rio ‘por algum tempo’, mas o assunto ‘retornou com força’ em janeiro deste ano quando Bolsonaro afirmou que gostaria de colocar Alexandre Ramagem na chefia da Polícia Federal. O então diretor, Maurício Valeixo, indicado por Moro, iria para cargo de adido no exterior. A reunião ocorreu no Palácio do Planalto, com a presença do ministro Augusto Heleno (GSI).

Segundo Moro, a troca de comando da PF era assunto ‘de conhecimento de várias pessoas’. Inicialmente, o ex-juiz afirmou que pensou em concordar com a troca ‘para evitar conflito, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa’, ressaltando também as ligações de Ramagem com a família Bolsonaro.

Moro afirmou que, ainda em janeiro, sugeriu os nomes de Fabiano Bordignon (chefe do Depen) e Disney Rosseti (número dois da PF) para substituir Valeixo, alegando que a troca nestes termos geraria desgastes a ele, mas não abalaria a credibilidade da Polícia Federal. Os outros dois nomes cotados para o cargo eram Anderson Torres (secretário de Segurança Pública) do Distrito Federal e Carrijo – ambos sem história profissional na PF e próximos da família Bolsonaro.

‘Moro, Você tem 27 superintendentes, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro’

Em março, durante viagem aos Estados Unidos junto de Valeixo, Moro afirmou ter recebido mensagem de Bolsonaro solicitando, novamente, a substituição da superintendência do Rio de Janeiro, então comandada pelo delegado Carlos Henrique. Segundo o ministro, a mensagem tinha o teor: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”.

Moro disse ter esclarecido Bolsonaro que não nomeia e nem é consultado sobre as escolhas de superintendentes, que tal prerrogativa é de competência do diretor-geral da PF. Ainda na viagem, a troca de Valeixo do comando voltou a ser mencionada e Moro alega que até aventou a ‘possibilidade de atender o presidente para evitar uma crise’.

Porém, Moro relatou que ‘não poderia aceitar a troca da Superintendência Regional do Rio de Janeiro’. “A partir de então, cresceram as insistências do presidente para a substituição tanto do diretor-geral quanto do superintendente”, disse o ex-ministro.

Valeixo então declarou a Moro que ‘estava cansado’ da pressão que sofria para a sua substituição e para a troca de comando da PF no Rio e que por esse motivo que concordaria em sair. O ex-juiz afirma que não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro. Por essa razão, apesar das resistência, Moro concordou em trocar o comando da PF desde que o novo diretor-geral fosse de sua escolha técnica e pessoa não próxima do presidente.

Ao ser questionado se as trocas solicitadas por Bolsonaro estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente ou seu grupo político, Moro disse que desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto elas evoluíam.

O ex-ministro disse que, à medida que cresciam as pressões para trocar os comandos da Polícia Federal, Bolsonaro lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que ‘precisava de pessoas de sua confiança para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência’. Questionado se haviam desconfianças do Planalto em relação a Valeixo, Moro disse que isso deve ser indagado diretamente ao presidente.

‘O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios’

Moro relatou à PF que o presidente retomou a cobrança pela troca de comando da PF em reunião ministerial no dia 22 de abril – dois dias antes do ex-juiz anunciar sua demissão.

“O presidente afirmou que iria interferir em todos os Ministérios e quanto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o Superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, trocaria o Diretor Geral e o próprio Ministro da Justiça”, relatou Moro.

As reuniões foram gravadas e o próprio Bolsonaro ameaçou divulgar as gravações, mas recuou. O encontro contou com a presença de todo o primeiro escalão do governo e servidores da assessoria do Planalto.

Segundo Moro, as alegações de Bolsonaro de não receber informações da PF não é verdadeira. O ex-ministro alega que informava as ações realizadas pela PF, resguardando o sigilo das informações e comunicando operações sensíveis após deflagração das operações de buscas e prisões.

Isso ocorreu, por exemplo, durante operações que miraram o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, indiciado no esquema do Laranjal do PSL, e o senador Fernando Bezerra, ‘mas que essa informações não abrangiam dados sigilosos’.

Quanto a relatórios de inteligência de assuntos estratégicos e de segurança nacional são inseridas pela diretoria de inteligência no SISBIN e que a ABIN consolida essas informações juntamente com dados de outros órgãos e as apresenta ao presidente da República.

Segundo Moro, a acusação de Bolsonaro que não tinha acesso a relatórios da PF ‘não procede, pois os relatórios de inteligência estratégica da Polícia Federal eram disponibilizados ao Presidente da República via SISBIN e ABIN’.

Segundo Moro, Bolsonaro nunca solicitou a produção de um relatório de inteligência estratégico da PF sobre um conteúdo específico, causando estranheza que isso tenha sido invocado como motivo de demissão de Maurício Valeixo na chefia da PF. Moro diz que o presidente nunca pediu relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais porque ele e Valeixo ‘jamais violariam o sigilo de investigação policial’.

‘Mais um motivo para a troca’

No dia seguinte à reunião ministerial, Bolsonaro enviou a Moro mensagem pelo WhatsApp com um link de notícia do portal O Antagonista sobre inquérito que mirava aliados políticos do Planalto.

Acompanhado do link, a mensagem: ‘Mais um motivo para a troca’. Moro disse que ficou ‘apreensivo’ com a mensagem e que se reuniu com Bolsonaro no mesmo dia, às 9h, e que neste encontro o presidente afirmou que demitira Valeixo a pedido ou por ofício, e que Ramagem seria indicado por ‘uma pessoa de confiança do presidente, com o qual ele poderia interagir’.

Moro disse que informou ao presidente que isso representaria uma interferência política na PF, com o abalo da credibilidade do governo, isso tudo, durante uma pandemia. O ex-ministro disse que poderia trocar Valeixo, ‘desde que houvesse uma causa’, mas não havia nada disso.

Bolsonaro teria lamentado, mas disse que ‘a decisão estava tomada’.

Moro afirmou que se reuniu com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Walter Braga Netto (Casa Civil) e informou que os motivos pelos quais não aceitaria a substituição de Valeixo, também declarou que deixaria o governo e seria obrigado a falar a verdade

Na ocasião, Moro também falou dos pedidos de relatórios de inteligência da PF e que inclusive teria sido objeto de cobrança de Bolsonaro nas reuniões do conselho ministerial, ocasião na qual o ministro Augusto Heleno informou que o relatório que o presidente queria não tinha como ser fornecido.

Os ministros se comprometeram a demover o presidente da ideia e que retornou ao Ministério da Justiça ‘na esperança da questão ser solucionada’. À tarde, após a imprensa noticiar o atrito entre Moro e Bolsonaro e seu ultimato ao governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos ligou para saber ‘se seria possível uma solução intermediária’, citando os nomes de Fabiano Bordignon ou Disney Rosseti.

Antes de dar uma resposta definitiva, Moro disse que procuraria Valeixo, que concordou com o nome de seu número dois, Disney Rosseti, para assumir o cargo. Moro então retornou a Ramos, afirmando que essa seria a única mudança e que não concordava com trocas no comando da PF do Rio. O ministro palaciano ‘ficou de levar a questão para o presidente’ e dar um retorno, que não veio.

Quando a notícia da exoneração de Valeixo foi publicada na noite do dia 23 de abril, Moro questionou Ramos sobre o caso, que alegou não ter informações oficiais. A saída de Valeixo foi confirmada durante a madrugada, quando da publicação da exoneração no Diário Oficial da União – ‘o que tornou irreversível’ a demissão de Moro.

Moro frisou, à PF, que não assinou o decreto que exonera Valeixo e que não passou por ele nenhum pedido escrito ou formal do ex-diretor-geral pedindo demissão. Segundo Moro, Valeixo o contou que teria recebido ligação do Planalto informando que ele seria demitido no dia seguinte, e foi perguntado se poderia ser ‘a pedido’.

Avaliação de crimes de Bolsonaro ‘cabe às instituições competentes’, afirmou Moro

Durante o depoimento, Moro explicou que após o decreto com a exoneração de Valeixo tornar ‘irreversível’ sua permanência no governo, decidiu prestar as declarações no seu pronunciamento público para esclarecer as circunstâncias de seu pedido de demissão.

O ex-ministro disse à PF que ‘narrou fatos verdadeiros, mas, em nenhum momento, afirmou que o Presidente da República teria praticado um crime e que essa avaliação cabe às instituições competentes’.

No entendimento do ex-juiz da Lava Jato, havia ‘desvio de finalidade’ na demissão de Valeixo, seguida posteriormente pela nomeação de Alexandre Ramagem, pessoa próxima à família Bolsonaro, e as trocas de superintendentes regionais da PF.

“Tudo isso sem causa e que viabilizaria ao Presidente da República interagir diretamente com esses nomeados para colher, como admitido pelo próprio presidente, o que ele chamava de relatórios de inteligência, como também admitido pelo próprio presidente”, disse Moro.

O ex-ministro afirmou que Bolsonaro, em pronunciamento na tarde do dia 24 de abril, após seu anuncio de demissão, ‘não esclareceu o motivo pelo qual realizaria essas substituições’.

Caso Adélio: ‘Polícia Federal fez amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao Presidente

Sérgio Moro rebateu as acusações de que teria ‘obstruído’ as apurações do caso Adélio Bispo, que ainda investigam se houve suposto mandante do atentado contra o presidente, em setembro de 2018. O primeiro inquérito apontou que o esfaqueador agiu sozinho. Um segundo está travado na Justiça devido à liminar que impede a análise do advogado Zanone Oliveira, que defendeu Adélio no caso.

Segundo Moro, a Polícia Federal de Minas fez ‘um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019’. As informações foram repassadas em reunião no Palácio do Planalto com a presença do ex-ministro, Maurício Valeixo, o superintendente da PF em Minas e delegados responsáveis pelo caso.

As informações deste caso, excepcionalmente, foram repassadas à Bolsonaro devido à sua condição de vítima e por ser um caso de Segurança Nacional. Moro relatou que o presidente tinha ‘pleno conhecimento’ que as investigações sobre supostos mandantes do crime estavam travadas por ‘óbice judicial’ e que, sem a conclusão das apurações, ‘não é possível concluir se Adélio agiu ou não sozinho’.

Ao contrário do que acusou Bolsonaro, Moro disse que ‘jamais obstruiu essa investigação’. Ao contrário, o ex-ministro alega que pediu ‘máximo empenho’ da Polícia Federal na investigação e informou a Advocacia-Geral da União, então chefiada por André Mendonça, que ingressasse na ação judicial que bloqueia a quebra do sigilo do ex-advogado de Adélio. O caso está no STF.

Segundo Moro, as requisições foram feitas ‘não pelo interesse pessoal do presidente, mas também pelas questões relacionadas à Segurança Nacional’.

Em relação ao caso do porteiro do condomínio Vivendas da Barra, ouvido nas investigações do assassinato de Marielle Franco e que implicou Bolsonaro, Moro afirmou que as acusações de ‘falta de empenho’ feitas pelo presidente não são verdadeiras. O ex-ministro relembrou que foi ele mesmo quem pediu, pelo procurador-geral da República, que oitivas fossem conduzidas com o porteiro, que acabou se retratando.

As nove provas de Moro contra Bolsonaro

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública relatou à Polícia Federal que tem nove provas que confirmariam as suas acusações de ‘interferências políticas’ do presidente Jair Bolsonaro no comando da corporação.

Entre as provas indicadas por Moro, além do seu próprio depoimento, estão as mensagens trocadas com Bolsonaro, na qual o presidente encaminha notícia do portal O Antagonista sobre inquérito da PF mirar aliados políticos do Planalto e diz: ‘Mais um motivo para troca’. Segundo Moro, outras mensagens também foram disponibilizadas à PF.

Moro cita protocolos de relatórios de inteligência produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), produzidos com base em informações repassadas pela Polícia Federal e que eram entregues ao presidente, que provariam que Bolsonaro já tinha acesso a informações de inteligência que legalmente tinha direito.

Os depoimentos futuros do ex-diretor-geral Maurício Valeixo e do ex-superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, poderiam provar as acusações de Moro sobre a insistência de Bolsonaro em trocar o comando da corporação fluminense. No ano passado, Saadi foi exonerado do cargo por motivo familiar e o presidente tentou emplacar um nome de sua confiança alegando que a exoneração era por ‘falta de produtividade’, justificativa rechaçada pela cúpula da PF.

Moro também lista ‘todo o histórico’ de declarações públicas de Bolsonaro em que pressionava a troca de comando da PF Rio, desde agosto do ano passado, e as recentes, sobre as mudanças na direção-geral da corporação.

O ex-juiz afirmou à Polícia Federal que deletou mensagens antigas do seu aparelho após sofrer uma invasão hacker, em 2019. Segundo Moro, a atitude ocorre ‘não por ilicitude, mas para resguardar privacidade e mesmo informações relevantes sobre a atividade que exercia, inclusive questões de interesse nacional’.

Fausto Macedo, Paulo Roberto Netto, Pepita Ortega/SÃO PAULO, Rafael Moraes Moura e Vinicius Valfré / BRASÍLIA. Publicado n'O Estado de S. Paulo, em 05.05.20