segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Negociações sobre cessar-fogo terminam sem decisão; veja os últimos acontecimentos da guerra na Ucrânia

Os dois lados ainda não tinham se reunido desde que o começo da guerra, mas as expectativas de um cessar-fogo não eram altas.

Primeira reunião para negociar acordo de paz foi realizada em Belarus (EPA)

A invasão da Ucrânia pela Rússia entrou nesta segunda-feira (28/2) no seu quinto dia com o primeiro encontro entre representantes de Kiev e Moscou em Belarus para discutir um armistício entre os dois países.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, havia dito antes do encontro que seu país queria um cessar-fogo imediato e a retirada das tropas russas do seu território.

O Kremlin afirmou, por sua vez, que não anteciparia sua posição — os negociadores russos falaram apenas em fechar um acordo que seja do interesse de ambos os lados.

Mas o próprio Zelensky disse mais cedo não acreditar que as discussões produzam resultados. E declarou que as "próximas 24 horas serão cruciais" para o país.

Agora, ambos os lados retornarão às suas capitais para consultas antes de uma segunda rodada de negociações, que pode ocorrer nos próximos dias, segundo a agência de notícias Reuters.

A BBC News Brasil apresenta a seguir os acontecimentos mais recentes e importantes do conflito e as perspectivas do que está por vir.

Capital segue sob controle ucraniano, mas russos se aproximam

Militares patrulham as ruas da capital (EPA)

Kiev, a principal cidade do país ainda permanece nas mãos da Ucrânia, mas as tropas russas vêm se aproximando e estão posicionadas a somente 30 km de distância.

O toque de recolher foi suspenso na manhã de segunda-feira (28/2), quando milhares de pessoas puderam deixar seus abrigos subterrâneos, como porões e estações de metrô, onde a maioria da população procurou se proteger.

Mas, apenas meia hora depois, as sirenes de ataque aéreo soaram, e elas precisaram voltar correndo.

O prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, chegou a dizer que a capital estava "cercada" por tropas russas e que a retirada de civis da cidade era um desafio porque todas as rotas de saída estavam bloqueadas.

Após a repercussão da entrevista, dada à agência de notícias AP, Klitschko escreveu em um post no Telegram não ser aquela a situação: "Publicações russas na internet espalham informações atribuídas a mim de que Kiev está supostamente cercada e a evacuação de pessoas é impossível. Não acreditem em mentiras! Confie apenas em informações de fontes oficiais".

Batalhas estão sendo travadas em outras cidades do país

Russos e ucranianos disputam controle de Kharkiv (EPA)

A cidade de Chernihiv, no nordeste da Ucrânia, enfrentou fortes bombardeios das tropas russas durante a noite de domingo (27/2), e um edifício residencial foi atingido por um míssil.

A cidade permanece, no entanto, sob controle ucraniano até o momento.

Relatórios sinalizam que militares russos tomaram a cidade de Berdyansk, no sul do país.

Também foram registradas explosões nesta manhã em Kharkiv, no leste do país, onde dezenas de civis foram mortos e centenas ficaram feridos, segundo as autoridades ucranianas.

Kharkiv é a segunda maior cidade ucraniana. O governo local declarou que os militares conseguiram recuperar o controle após ataque de tropas russas.

A situação é bastante fluida, no entanto, e é difícil verificar de forma independente quem está controlando a cidade de fato.

Alguns civis também disseram à BBC que Kharkiv está sob controle ucraniano e que o conflito nas ruas está diminuindo.

Anton Herashchenko, conselheiro do ministro do Interior de Kiev, escreveu no Facebook que as tropas russas atacaram áreas residenciais com mísseis.

Não é possível dizer neste momento exatamente quantos civis já foram mortos.

A alta-comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, informou mais cedo que pelo menos 102 civis morreram, e outras 304 pessoas ficaram feridas.

"A maioria destes civis foi morta por armas explosivas com uma ampla área de impacto, incluindo bombardeios de artilharia pesada e sistemas de multilançamento de foguetes e ataques aéreos. Os números reais são, eu receio, consideravelmente mais altos", afirmou Bachelet.

Ministro do Interior da Ucrânica: 'Situação é grave, mas estável'

O ministro do Interior ucraniano falou à BBC

O ministro do Interior ucraniano, Denys Monastyrskyy, disse à BBC que seu país está se preparando para um ataque russo ainda mais poderoso, incluindo em Kiev e em outras cidades.

"Todos os dias o presidente me pergunta, todos os dias coordenamos nossos esforços, sobre a situação e o que está acontecendo, e todos os dias respondemos que a situação é grave, mas estável", disse ele.

"Sim, de fato, todos os dias o inimigo envia mais e mais forças. Mas nossas gloriosas forças armadas estão basicamente destruindo tudo o que chega a Kiev. Kiev continua sendo o local do ataque principal..."

"Estamos criando grupos móveis para procurar e capturar sabotadores. Temos até 100 desses grupos ativos em Kiev, dependendo da hora do dia. Você pode ouvir tiros na cidade [enquanto eles operam]. Muitas pessoas são capturadas, nossos especialistas estão trabalhando com elas."

Europa envia armas à Ucrânia

Ursula von der Leyen anunciou novas sanções da UE à Rússia

A União Europeia está tomando a medida sem precedentes de enviar armas para a Ucrânia, fechar o espaço aéreo para aeronaves russas e proibir os meios de comunicação estatais russos.

Será a primeira vez em sua história que o bloco comprará armamentos para entregar a uma nação em guerra.

Ao anunciar a medida, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também divulgou uma série de novas sanções contra a Rússia, entre elas o fechamento do espaço aéreo europeu também para aeronaves de Belarus, que ajudou na invasão russa.

A Suécia anunciou o envio de 5 mil lançadores de mísseis antitanque, 5 mil coletes, 5 mil capacetes e 135 mil pacotes de ração militar à Ucrânia.

Segundo a primeira-ministra do país, Magdalena Andersson, esta é a primeira vez que a Suécia manda armas para uma região em conflito desde a invasão soviética à Finlândia em 1939.

Ministros europeus se reúnem para debater a crise

O representante da União Europeia para assuntos externos e política de segurança convocou uma reunião com os ministros da Defesa do bloco para discutir o conflito na Ucrânia.

A agenda se concentrará em "necessidades urgentes" e na coordenação da assistência do bloco aos ucranianos.

Baixas nas forças russas

A Ucrânia divulgou uma estimativa de perdas russas que teriam sido provocadas pelos ucranianos até agora.

A BBC não conseguiu verificar de forma independente essas alegações — e a Rússia não divulgou números de vítimas.

Segundo post publicado no domingo no Facebook da vice-ministra da Defesa da Ucrânia, Hanna Malyar, os russos perderam: 4,3 mil soldados, 27 aviões, 26 helicópteros, 146 tanques, 706 veículos blindados de combate, 49 canhões, 1 sistema de defesa aérea Buk, 4 sistemas de lançamento de foguetes múltiplos Grad, 30 veículos, 60 veículos de abastecimento, 2 drones e 2 barcos.

Ucrânia pede para entrar imediatamente na União Europeia

Presidente ucraniano fez pedido formal à UE

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pediu à União Europeia (UE) para que seu país seja admitido "imediatamente" como membro do bloco.

"Estamos gratos aos aliados que estão do nosso lado. Mas o nosso objetivo é estar com todos os europeus e, acima de tudo, sermos iguais", disse Zelensky em um vídeo publicado na segunda-feira (28/2).

"Eu tenho certeza de que isso é justo. Eu tenho certeza de que merecemos. Eu tenho certeza de que é possível."

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, respondeu dizendo que há "diferentes opiniões e sensibilidades dentro da União Europeia sobre o alargamento", segundo a agência de notícias AFP.

No domingo, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou em entrevista à TV EuroNews que a Ucrânia é "um de nós e queremos eles conosco" na UE, mas não definiu um horizonte concreto para ingresso do país no bloco.

"Nós temos um processo com a Ucrânia que é, por exemplo, a integração do mercado ucraniano ao mercado único" e "uma cooperação muito estreita na rede de energia, por exemplo. Portanto, há muitas questões sobre as quais trabalhamos muito próximos juntos", disse ela sem dar mais detalhes.

Fontes da comunidade diplomática disseram no domingo que "neste momento não há unanimidade na perspectiva europeia" sobre o ingresso ucraniano no bloco, noticiou a Agência EFE.

Para que a Ucrânia faça parte do bloco europeu, é preciso haver unanimidade no Conselho.

Por que Ucrânia pede entrada imediata na União Europeia

Moscou tenta conter impacto de sanções

Moscou está lutando para atenuar o impacto das severas sanções ocidentais em sua economia, proibindo corretores de vender títulos de propriedade estrangeira e aumentando as taxas de juros.

Mais notavelmente, a União Europeia, os Estados Unidos, Reino Unido e aliados concordaram em remover bancos russos selecionados do sistema de mensagens Swift, que permite a transferência tranquila de dinheiro através das fronteiras.

A medida visa cortar a Rússia do sistema financeiro internacional e "prejudicar sua capacidade de operar globalmente".

Os líderes ocidentais também concordaram em congelar os ativos do banco central da Rússia, para limitar sua capacidade de acessar suas reservas internacionais em dólares de US$ 630 bilhões.

Grandes bancos russos estão tendo seus ativos congelados e sendo excluídos do sistema financeiro do Reino Unido. Isso os impede de acessar a libra esterlina e liberar pagamentos no Reino Unido.

E os governos ocidentais também impuseram sanções a alguns indivíduos, incluindo o presidente russo Vladimir Putin, o ministro das Relações Exteriores Sergei Lavrov e vários membros da elite oligárquica russa.

A União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos e Canadá lançaram uma força-tarefa transatlântica para identificar e congelar os bens de indivíduos e empresas sancionados, visando mais "funcionários e elites próximos ao governo russo, bem como suas famílias".

Rússia reprime protestos

Manifestantes contrários à guerra foram presos em cidades da Rússia (Getty Images)

A polícia russa prendeu no domingo mais de 900 pessoas que protestavam contra a invasão da Ucrânia em 44 cidades, de acordo com dados divulgados por um grupo de monitoramento independente.

O grupo OVD-Info diz que 4 mil manifestantes antiguerra foram detidos na Rússia desde que o conflito começou, há quatro dias.

A BBC não conseguiu verificar de forma independente esses números.

Os protestos de hoje coincidiram com o sétimo aniversário do assassinato do político da oposição e crítico de Putin, Boris Nemtsov.

ONU faz reunião de emergência

O Conselho de Segurança das Nações Unidas realiza uma reunião de emergência da Assembleia-Geral da ONU para discutir a invasão russa à Ucrânia.

O encontro na segunda-feira (28/2) reúne seus 193 países-membros.

A Rússia é membro permanente do Conselho de Segurança - Estados Unidos, França, Reino Unido e China são os outros quatro - e, portanto, tem poder de veto.

O país de fato votou contra a realização da reunião, mas, por conta de uma das resoluções da organização de cooperação internacional, sua posição não teve poder de veto nesta ocasião.

O presidente da Assembleia Geral, Abdulla Shahid, foi o primeiro a falar. Ele disse que a assembleia representa a consciência coletiva da humanidade e sua força está enraizada em sua autoridade moral.

Shahid pediu a todas as nações que demonstrem coragem moral e usem o debate nos próximos dias não para "incitar a retórica da guerra, mas para dar uma chance à paz".

Ele reforçou que a ONU foi fundada para tomar medidas coletivas eficazes para a prevenção e remoção de ameaças à paz.

Esta é apenas a 11ª sessão especial de emergência da Assembleia Geral da ONU desde a primeira, em 1956. A natureza rara desta reunião ressalta a enorme preocupação em torno desta crise.

O Conselho de Segurança da ONU convocou esta sessão depois de ter sido impedido de agir quando a Rússia vetou um projeto de resolução dos Estados Unidos na sexta-feira, que condenava a ação russa e exigia a retirada imediata de todas as suas tropas do país.

Diplomatas esperam a votação de um projeto de resolução - que ainda está sendo negociado - na quarta-feira (2/3).

Espera-se que o projeto seja aprovado porque nenhuma nação tem poder de veto nesta câmara, mas não é juridicamente vinculativa como as resoluções do conselho de segurança.

Rússia deixa arsenal nuclear a postos

Presidente russo reagiu a declarações de membros da Otan (Getty Images)

No domingo, Vladimir Putin, anunciou que está colocando as forças nucleares do país em alerta máximo.

A ação foi um protesto contra "declarações agressivas" sobre a Ucrânia por líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar liderada pelos Estados Unidos, e contra sanções econômicas aplicadas contra a Rússia.

Muitos acreditam, no entanto, que o gesto tem um valor mais simbólico do que indica uma intenção real de usar tais armas, porque Putin sabe que, caso ative as armas, sofrerá uma retaliação nuclear por parte do Ocidente.

União Europeia alerta para crise humanitária

Ucranianos se refugiaram em países vizinhos para fugir da guerra (EPA)

A União Europeia declarou que o continente está diante de uma crise humanitária de grandes proporções.

O bloco estima que até 7 milhões pessoas tenham sido desalojadas até agora com a invasão do território ucraniano.

"Estamos testemunhando o que pode vir a se tornar a maior crise humanitária no nosso continente europeu em muitos, muitos anos", afirmou em coletiva de imprensa Janez Lenarčič, comissário europeu para ajuda humanitária e gerenciamento de crises.

Segundo ele, estimativas preliminares apontam que 18 milhões de ucranianos podem ser afetados do ponto de vista humanitário e que cerca de 4 milhões deixem o país.

Dados da ONU apontam que, até o momento, 368 mil pessoas entraram em nações vizinhas vindas da Ucrânia.

Brasileiros fogem da Ucrânia

O Itamaraty informou que 80 brasileiros conseguiram até o momento sair da Ucrânia e entrar nos países vizinhos, especialmente Polônia e Romênia.

"Ainda constam cerca de 100 brasileiros, registrados na lista da embaixada brasileira em Kiev, que permanecem em solo ucraniano", afirmou o comunicado divulgado na noite de domingo.

Estima-se que, no total, haja 500 brasileiros no país.

Ainda segundo o Itamaraty, há funcionários da embaixada brasileira em Chernivtsi, perto da fronteira ucraniana com a Romênia.

"Diplomata da embaixada do Brasil na Romênia também se deslocou para a fronteira para auxiliar o traslado, em ônibus providenciado pela Embaixada, de brasileiros para a capital Bucareste."

Bolsonaro: 'Brasil será neutro no conflito'

Em coletiva dada à imprensa do Guarujá, em São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou que o Brasil adotaria um posicionamento neutro no conflito, para evitar "prejuízos para o Brasil".

"O Brasil depende de fertilizantes", declarou o presidente.

Segundo o portal G1, Bolsonaro disse ter falado por duas horas ao telefone com Putin e afirmou que o povo ucraniano "confiou em um comediante".

"O comediante que foi eleito presidente da Ucrânia, o povo confiou em um comediante para traçar o destino da nação. Eu vou esperar o relatório da ONU para emitir a minha opinião."

Publicado originalmente por BBC Brasil, em 28.02.22, às 14:20 hs

Os russos precisam derrubar Putin

É Zelensky que cerca Moscou. Diante da derrota moral, da ruína econômica que se avizinha e do risco nuclear, a Rússia tem de enxotar o carniceiro do Kremlin. Mário Sabino, d'O Antagonista, analisa a invasão da Ucrania pela Russia de Vladimir Putin.


Volodymyr Zeleinsky, Presidente da Ucrânia. (Foto: Reprodução, Twitter)

Vladimir Putin acha que cerca Kiev, mas é Kiev que o cerca. O carniceiro russo esperava fazer uma blitzkrieg na Ucrânia agredida, mas encontrou uma resistência não menos do que heroica do exército oponente, comandada por um presidente que conta hoje com a aprovação de 94% dos ucranianos. 

Volodymyr Zelensky se tornou um símbolo de coragem e resiliência para os seus compatriotas e para o mundo. O Ocidente, temeroso de uma guerra prolongada que também lhe seria custosa, ofereceu-lhe uma rota de fuga. Ele recusou-se a abandonar a luta, como Vladimir Putin esperava que fizesse — e, com o seu comportamento inspirador e impressionante capacidade de comunicação nas redes sociais, obrigou os líderes ocidentais a mostrar os dentes para a Rússia, seja na forma de sanções econômicas mais duras do que as previstas, seja por meio de ajuda militar efetiva. 

Ainda que o rolo compressor russo atinja os seus objetivos militares, já está claro que os ucranianos não se dobrarão aos invasores e estão dispostos a transformar o seu país numa espécie de Afeganistão para os russos. Na Europa, a cifra fornecida por Kiev, de que o seus exército matou 3.500 soldados inimigos em cinco dias de conflito, começa a ser levada a sério, depois de ser considerada mera propaganda. Se a informação for mesmo verdadeira,  é algo assombroso. Será espantoso ainda que seja um terço disso. Para se ter ideia, em 10 anos de guerra, os russos perderam 14,5 mil homens em território afegão. Moscou anunciou hoje que vai desacelerar a ofensiva.

Volodymyr Zelensky é um ex-comediante que foi subestimado no Kremlin e no Ocidente — e só continua a sê-lo pelos idiotas.  Com um simples celular, ele já derrotou Vladimir Putin e a sua máquina de censura e fake news. O carniceiro russo perdeu a batalha de comunicação, como se pode ver pelas manifestações de rua contra a invasão da Ucrânia que ocorrem nos países ocidentais e na própria Rússia. Pelos boicotes esportivos de imensa repercussão. 

Pelas sanções ocidentais aos canais de notícias falsas patrocinados pelos russos que vinham operando livremente no Ocidente. O mundo livre e moderno constata a diferença entre um Volodymyr Zelinsky, que transmite de lugares públicos de Kiev e sabe se comunicar pelo Twitter (quase 4 milhões de seguidores neste momento) e pelo Instagram (quase 13 milhões de seguidores), e um Vladimir Putin, isolado no cavernoso Kremlin e que faz uso apenas de um TV estatal que lhe é inteiramente submissa, da censura e das fake news. 

Como disse o jornalista americano Dan Rather no Twitter, “Putin deve estar se mordendo ao ver Zelensky tornar-se um herói mundial, o líder forte e corajoso que se eleva moralmente sobre o pária russo. Isso torna o destino de Zelensky ainda mais precário. E a situação na Ucrânia ainda mais preocupante”.

O ex-agente obscuro da KGB achou que poderia cancelar a Ucrânia como nação, com um discurso montado numa retórica velha da época da Guerra Fria, mas acabou fortalecendo o sentimento nacional ucraniano expresso admiravelmente pelo presidente ex-comediante. Hoje, enquanto a Ucrânia é objeto de solidariedade e ajuda financeira e militar, a Rússia se vê sob um carniceiro que, roído pela vaidade, pela inveja e pela vingança, ameaça não apenas a Ucrânia, mas a humanidade, dizendo que pode lançar mão de armas nucleares, para liquidar um mundo que não reflete a imagem que ele acha ter de si próprio.

Só há um caminho a seguir para a Rússia. Depois do desmoronamento moral do seu líder e da degradação da imagem do país, da possibilidade de se atolar em outro Afeganistão, mas na Europa, da ruína econômica que se avizinha — o rublo desabou 40%, a taxa de juros foi a 20%, a bolsa de valores não abriu hoje — e, principalmente, do risco de o carniceiro lançar mão de armas atômicas para destruir não somente a Ucrânia, mas a inteira civilização, o que ainda compreende a Rússia, cabe aos próprios russos se livrar de Vladimir Putin. É preciso que eles o derrubem. 

Zelensky é um líder corajoso e admirável na sua modernidade; Putin é um ditador covarde e perigoso no seu anacronismo. Ele foi longe demais para que a sua palavra possa ser crível em qualquer negociação.

Publicado originalmente por Mario Sabino n'O Antagonista, em 28.02.22, às 06:59

Rússia x Ucrânia. Um conflito por direitos humanos?

Entenda a origem dos ataques e os fatores que envolvem o conflito no âmbito do Direito Internacional.

Mais de 30 mil mortos em cinco dias de conflito. Enquanto países adotam sanções e negociações avançam para frear o ataque de tropas russas à Ucrânia, as nações vizinhas já receberam mais de 500 mil refugiados desde o início das invasões militares.

No cenário de mortes, destruição, ameaça nuclear e possível aumento das pressões inflacionárias e redução das perspectivas de crescimento econômico em todo o mundo, a equipe do Âmbito Jurídico conversou com a professora de Direito Internacional e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia, Tatiana Cardoso Squeff, sobre a guerra que acontece em plena escala no segundo maior país  da Europa. 


Tatiana Cardoso Squeff é professora de Direito Internacional e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Uberlândia, doutora em Direito Internacional pela UFRGS, com período-sanduíche junto à University of Ottawa, mestre em Direito Público pela Unisinos, com período de estudos junto à University of Toronto. Membro da ILA-Brasil e da ABRI.

ÂMBITO JURÍDICO: Qual a origem dos conflitos entre Rússia e Ucrânia?

O conflito atual entre Rússia e Ucrânia remontam às tensões iniciadas ainda em novembro de 2013, quando o então presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, negou-se a assinar um tratado de livre comércio com a União Europeia. Essa situação levou centenas de manifestantes às ruas, culminando em protestos sangrentos contra as forças do governo, que se desdobraram até fevereiro de 2014, quando os confrontos em Kiev deixaram mais de 100 mortos na capital Kiev.

Esse fato levou a destituição de Yanukovich, cuja base eleitoral era largamente formada por descendentes de russos e russos étnicos situados ao sul e à leste do país, em especial na região da Criméia e na região de Donbas, onde ficam províncias de Luhansk e Donetsk. Em 2014, essas regiões declararam-se independentes, tendo a Criméia obtido certo sucesso na sua reivindicação, culminando, inclusive, na sua anexação à Rússia. Por outro lado, as forças separatistas de Luhansk e Donetsk mergulharam em um conflito armado contra as forças ucranianas (governamentais). Já morreram mais de 14.000 nessas províncias desde então

AJ: O que está em jogo atualmente? Seria um conflito por direitos humanos?

Enquanto a Ucrânia defende a manutenção de suas fronteiras e, logo, de sua soberania sobre a totalidade de seu território, forjado ainda em 1991 quando da sua independência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e referendado em 1994 pela assinatura do Memorando de Budapeste entre Ucrânia, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Rússia, para justificar a sua entrada no pais vizinho, a Rússia baseia-se na defesa dos direitos humanos (especificamente, na proibição de genocídio) e no direito de autodeterminação das pessoas situadas em Luhansk e Donetsk, as quais tiveram a sua declaração de independência de 2014 reconhecida pela Rússia em 21 de fevereiro de 2022.

AJ: Qual o interesse no Leste Ucraniano?

Além de uma relação histórico-cultural para com a região e as pessoas que habitam Donbas, é possível dizer que o interesse da Rússia na região poderia estar baseado em outros critérios, a exemplo do econômico-energético e do político-geográfico.

Quanto ao econômico-energético, cumpre dizer que o leste ucraniano é uma região industrial baseada na exploração do carvão, sendo a 4a maior da Europa, com reservas que beiram 10 milhões de toneladas. Assim, controlar essa região significa ter um poder de barganha ainda maior frente aos europeus, os quais já são largamente dependentes da energia proveniente da Rússia, significando, ao mesmo tempo, um potencial incremento para a economia do Estado em termos de estoque, afinal, sabe-se que os altos custos de produção do carvão em Donbas fazem com que o mesmo não seja tão competitivo mercadologicamente. Além disso, não se pode esquecer que os gasodutos que ligam a Rússia à Europa passam pela Ucrânia, a qual recebe uma verba pela concessão de seu território para tal fim, de modo que a eventual anexação de Donbas – seguindo os passos da Criméia – poderia gerar uma redução de gastos.

Quanto ao segundo, político-geográfico, tem-se que a Ucrânia funciona como um estado-tampão às influências ocidentais, de maneira que o alinhamento da Ucrânia à União Européia ou mesmo à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) poderia significar o seu próprio enfraquecimento político e cultural. Esse “cinturão de influência” não ocorre apenas com a Ucrânia: veja-se o exemplo da Armênia que se juntou à União Econômica Eurasiática em 2015 – organização composta ainda por Rússia, Bielorrússia, Cazaquistão e Quirguistão.

AJ: Os EUA estariam envolvidos?

Dificilmente os Estados Unidos de Joe Biden enviarão tropas para a Ucrânia. O governo americano não vê com bons olhos o envolvimento do país em outro conflito após a trágica saída do Afeganistão em 2021. Isso só ocorreria caso algum membro da OTAN fosse alvo das incursões russas, pois o tratado constitutivo da OTAN prevê a legítima defesa coletiva em caso de ataque armado cometido contra outro membro da Organização, tal como ocorreu em 2001, após o 11 de setembro, contra o Afeganistão. Joe Biden limitar-se-á ao envio de ajuda militar para a Ucrânia avaliados em 350 milhões de dólares, já aprovados em 26 de fevereiro de 2022.

AJ: Do ponto de vista do Direito Internacional e relembrando o referendo conduzido na região da Crimeia em 2014, houve violações no decorrer dos conflitos? Estaria a Rússia por trás deste fato? Quais os pontos críticos a serem destacados a respeito do Direito Internacional?

A grande questão relativa à Criméia é que esta região declarou-se independente em 11 de março de 2014 e cinco dias depois, em 16 de março, realizou um referendo em que questionava a sua população formada largamente por russos étnicos se estes gostariam de ser anexados pela Rússia. O referendo foi massivo: 93% apoiaram essa idéia, tendo a Rússia, então, anexado a região.

Esse ato estaria fundado no princípio de autodeterminação, o qual, segundo o direito internacional, permite a secessão estatal quando a população local está sendo oprimida pelo governo central, que, no caso, seria a Ucrânia. Não apenas isso, para que seja considerado válido, a argüição da autodeterminação deve partir da própria população, não podendo esta estar sob influência externa. Nesse passo, o que se argumenta em relação a Criméia é que, mesmo se a população estivesse mesmo sofrendo de diversas e massivas violações de direitos humanos desde o acirramento dos protestos em meados de 2014, ainda há duvidas quanto a real independência e autonomia da população da Criméia em solicitar a autodeterminação, pois há indícios de que os Russos estariam por trás de tais reivindicações. Afinal, a Criméia tem uma grande importância estratégica em função da sua posição geográfica, na medida em que garante acesso – inclusive de embarcações comerciais – ao Mar Negro desde o Mar de Azov, que banha o sudoeste russo. Além disso, a Rússia já detinha uma base militar na Criméia, em Sevastopol, de modo que o acesso a base, com o controle do território, restaria facilitado.

AJ: O que seria o acordo Acordo Minsk II, assinado em 2014? O não cumprimento do acordo estaria no centro do conflito?

O Acordo de Minsk II é uma tentativa de por fim aos conflitos na região de Donbas entre as tropas do governo ucraniano e os separatistas de Luhansk e Dontesk. Este acordo, conjecturado por Ucrânia, Rússia, Alemanha e França, além de ter sido “referendado” pelo Conselho de Segurança, previa 13 pontos centrais: 1) o cessar-fogo, 2) o desarmamento da região; 3) o apontamento da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) como entidade fiscalizadora; 4) o avanço dos diálogos em prol de maior autonomia e eleições nas províncias de Donbas; 5) a anistia às partes envolvidas; 6) a libertação de prisioneiros de guerra; 7) a garantia da chegada de ajuda humanitária à região; 8) o restabelecimento de relações econômicas entre a região de Donbas e o governo central ucraniano; 9) o restabelecimento do controle ucraniano sobre a fronteira russo-ucraniana; 10) a retirada de mercenários e outros agentes externos da região; 11) a continuação da reforma constitucional ucraniana para a garantia de maior autonomia à Luhansk e Dontesk; 12) realização de eleições locais, com a supervisão da OSCE; 13) a criação de um ponto de contato entre separatistas, ucranianos, russos e OSCE.

Apesar de as partes terem concordado com os seus ermos em 12 de fevereiro de 2015, as autoridades ucranianas não estariam realizando as medidas relativas à garantia de maior autonomia à região de Donbas ou mesmo a realização de eleições locais, o que teria sido um dos argumentos para que os russos reconhecessem a autonomia de Luhansk e Donetsk em 21 de fevereiro de 2002 e, logo, acolhessem o seu pedido de ajuda, culminando no ingresso no território ucraniano em 24 de fevereiro de 2022.

AJ: Em 2015 o governo assumiu o regime autônomo provisório na região de Donbas. Qual seria a estratégia?

O governo provisório tinha como objetivo fazer com que a Ucrânia demonstrasse estar disposta a atender os pleitos de parte de sua população por maior autonomia. Este argumento é de suma importância, vez que impede a argüição do princípio de autodeterminação por parte dos separatistas, pois, materialmente, estes somente poderiam pleitear a sua independência perante o direito internacional caso estivessem sofrendo opressão no plano doméstico – o que seria, então, afastado diante desse quadro. Por isso, em outras palavras, a garantia de um governo autônomo provisório em Donbas é favorável ao governo ucraniano para a manutenção da integridade territorial.

AJ: Vladimir Putin afirma que o leste ucraniano vem sendo reprimido desde 2014, fazendo referência a um genocídio. Qual o papel do Direito Internacional, neste caso?

O Direito Internacional já apontou, desde a construção da Convenço para a Prevenção e Punição do Crime de genocídio, de 1948, que esta conduta é inadmissível no plano internacional, fazendo com que os Estados-Parte do tratado não só se abstenham de condutas genocidas, como também previnam que atos genocidas ocorram. Trata-se, assim, de uma obrigação inter partes, a qual a Rússia se vincula desde 1954. Desta forma, na medida em que Putin alega estar ocorrendo um genocídio na região de Donbas e intervém na Ucrânia com o propósito de evitar o cometimento de um crime de genocídio, ele estaria amparado pela obrigação internacional derivada da citada Convenção.

AJ: Haveria legitimidade das declarações de independência da região de Donbas?

Consoante a Corte Internacional de Justiça, o direito internacional não proíbe declarações de independência, desde que elas sejam feitas por pessoas legítimas e que a sua realização esteja conectada a violações de Direito Internacional geral. No caso, para afirmar se as declarações foram legítimas, ter-se-ia que verificar quem foram aqueles que declararam Lohansk e Donetsk independentes em 2014 e a sua legitimidade para tanto. No tocante a violações de direito internacional geral, não parece ter havido nenhuma transgressão nesse sentido.

AJ: Qual o papel do conselho de segurança da ONU neste conflito?

De acordo com a Carta das Nações Unidas, edificada em 1945 ao final da Segunda Guerra Mundial, o Conselho de Segurança deteria a função de lidar com situações que ameacem a paz e a segurança internacional. Desta forma, quando se vislumbra essa possibilidade de ameaça o Conselho se reúne em sua sede, em Nova York, para debater o tema e aprovar resoluções contendo diretrizes para as partes em litígio.

Ocorre que para a aprovação de uma medida, é necessário obter-se 9 votos favoráveis de um total de 15, sem que haja vetos de membros permanentes (Rússia, Estados Unidos, França, China e Reino Unido). Logo, estado a Rússia dentre os membros permanentes, ela poderá inibir a tomada de decisão neste órgão por meio do seu veto, tal como ocorreu no dia 26 de fevereiro de 2022.

Salienta-se, porém, que o bloqueio de resolução sobre a paz e a segurança internacional no âmbito do Conselho de Segurança, torna possível que a Assembléia Geral das Nações Unidas se reúna em caráter especial e emergencial para debater o tema. Esta medida está ancorada na resolução de n. 377A(V), de 3 de novembro de 1950. Apesar disso, ressalta-se que, apesar de reunir os 193 Estados Membros da ONU e não haver poder veto, as medidas aprovadas nesse órgão são meramente sugestivas (uma soft law), não tendo força de lei, diferentemente de uma resolução aprovada no âmbito do Conselho de Segurança, pautada no capítulo VII da Carta da ONU.

AJ: Por que se fala em guerra híbrida?

Guerra híbrida é aquela que contempla meios tradicionais e não tradicionais, edificado por Frank Hoffman em 2007, em um artigo intitulado ‘Conflict in the 21st Century: The Rise of Hybrid Wars‘. Dentre os meios não tradicionais incluir-se-ia, por exemplo, a guerra cibernética, a qual envolve o uso da internet como meio de batalha. E a Rússia teria agido também por meio desta frente em sua incursão armada à Ucrânia iniciada em 24 de fevereiro de 2022, na medida em que ela teria hackeando sistemas bancários e do próprio governo ucraniano.

AJ: Recentemente a Rússia vetou a resolução do Conselho de Segurança da ONU que condenava a invasão da Ucrânia. Quais os próximos passos no esforço para cessão ao ataque?

Outras medidas estão sendo implementadas, como, por exemplo, as sanções econômicas. Estas ‘contramedidas’ são consideradas tentativas legítimas de fazer com que um país cesse com certa violação de direito internacional, estando prevista nos Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados de 2001, em seu artigo 49 e seguintes.

No caso, países como Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido, Países Baixos, etc. têm argüido que a Rússia estaria violando o princípio da não intervenção, contido no artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas e o princípio das soluções pacíficas de controvérsia, previsto no artigo 2(3) do mesmo documento. Assim, eles entendem que teriam o poder legítimo de agir contra a Rússia por serem indiretamente atingidos pela sua conduta em relação à Ucrânia, impondo-lhe embargos econômicos, tais como restrições à importação de produtos russos, ou mesmo realizando outras medidas como o congelamento de bens de autoridades e pessoas influentes russas, a exclusão de certos bancos russos do sistema swift ou a proibição de circulação de navios e aeronaves russos, públicos e/ou privados.

Salienta-se que o Conselho de Segurança também poderia autorizar sanções econômicas com base no artigo 41 da Carta das Nações Unidas, muito embora esta decisão esteja igualmente submetida à aprovação de uma Resolução, a qual não deve ocorrer em função do poder de veto que a Rússia detém.

Apesar disso, registra-se que essas medidas acabam por prejudicar mais a população – no caso, a russa – do que o próprio governo (ou pessoas influentes), especialmente em tempos de criptomoedas e de aquisição de nacionalidades por investimentos, os quais fazem com que os principais alvos destas medidas não sofram diretamente com as restrições impostas. Outrossim, as sanções econômicas servem justamente para ocasionar uma grande insatisfação interna, a ponto de fazer com que as lideranças do Estado cedam e ajam de acordo com o direito internacional.

AJ: Uma possível reunião entre os presidentes da Rússia e Ucrânia foi sinalizada. O que seria discutido nesta reunião? Há a possibilidade de recuo de Putin?

Em uma eventual reunião entre o líder ucraniano e o líder russo, além da suspensão das hostilidades, a autonomia de Luhansk e Dontesk certamente estariam sob a mesa de negociações.

AJ: Como você avalia o comportamento dos EUA durante o conflito?

Os EUA não estão interferindo diretamente no conflito em função dos acontecimentos envolvendo a sua saída do Iraque e, mais recentemente, do Afeganistão, os quais geraram um enfraquecimento político interno muito grande. A insatisfação da população, assim como os altos gastos em conflitos no exterior foram temas centrais nos debates das últimas duas eleições presidenciais.

AJ: O precedente do presidente Ucraniano como ator e comediante integra um estereótipo “showman”, repetido por líderes populares de outros países, como Trump e Bolsonaro. O que explicaria a popularidade destas figuras? Poderia existir uma relação propensa a conflitos?

A popularidade de pessoas sem passado político normalmente está atrelada a uma insatisfação da população para com os políticos ou mesmo para com a política tradicional. Este é o exemplo da  eleição de Tirirca, no Brasil, para a Câmara dos Deputados em 2011. Não acredito ter uma relação destes com conflitos.

AJ: Em que condição seria possível que o conflito evolua para uma 3ª guerra mundial?

Uma eventual evolução só seria possível caso Estados Membros da OTAN sejam alvo das incursões armadas russas, pois consoante o tratado constitutivo desta Organização demanda uma resposta conjunta dos demais em nome e ao lado daquele que sofrera da violação. Ainda, ouso em dizer que também dependeria de qual membro da OTAN fora atingido, pois inegavelmente existe um imperialismo no Direito Internacional, que coloca países da Europa Ocidental e os Estados Unidos no centro do ordenamento internacional.

AJ: Qual o papel do Brasil neste conflito? O não pronunciamento perante o mundo pode trazer quais consequências?

O Brasil sempre teve uma agenda diplomática pacífica, voltada a solução de litígios por meios diplomáticos, políticos e jurídicos, tal como previsto no artigo 33 da Carta das Nações Unidas. O voto do embaixador do Brasil para a ONU, Ronaldo Costa Filho, em favor da resolução no Conselho de Segurança (que foi vetada pela Rússia) no dia 25 de fevereiro de 2022 é uma fiel representação deste modelo, na medida em que este é um órgão político e a sua aprovação representaria a necessidade de um cessar-fogo por parte das autoridades russas, tal como proposto no documento.

Apesar disso, Jair Bolsonaro, em 27 de fevereiro de 2022, manifestou-se em relação ao conflito pela primeira vez, defendendo uma posição neutra brasileira em virtude de o Brasil ser importador de petróleo e fertilizantes russos. As conseqüências desta posição é eventualmente o de ocasionar um maior isolamento do Brasil dos centros decisórios mundiais, tal como indiretamente já alertou a porta-voz da Casa Branca.

AJ: Sobre o papel das embaixadas, quais os direitos dos brasileiros na Ucrânia?

A Lei de Migrações de 2017, pela primeira vez, trouxe a proteção do brasileiro no exterior como sendo um princípio que rege a política migratória brasileira (art. 3, inc. XIX). Além disso, em seu art. 77 e seguintes, a citada Lei impõe a proteção e a prestação de assistência consular a brasileiros por meio das representações do Brasil no exterior, sendo este um dever do Governo Federal.

Desta forma, tem-se que as autoridades brasileiras deveriam prestar auxílio e promover a repatriação dos brasileiros que busquem sua ajuda, tal como realizado desde fevereiro de 2020 em função do fechamento de fronteiras e das medidas de distanciamento social impostas em virtude da pandemia de Covid-19 por diversos países.

Especificamente, essa regra está prevista no art. 79 da Lei de Migrações, que está assim redigido: “Em caso de ameaça à paz social e à ordem pública por grave ou iminente instabilidade institucional ou de calamidade de grande proporção na natureza, deverá ser prestada especial assistência ao emigrante pelas representações brasileiras no exterior”. 

Entrevista concedida a Flávia Peres, Diretora de Comunicação do Âmbito Jurídico. Publicada originalmente em 28 de fevereiro de 2022 - às 13:01

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Moro nega embate com PF, mas diz que 'combate à corrupção está estacionado'

Ex-juiz participa em SP de debate com os pré-candidatos ao Planalto Simone Tebet e Luiz Felipe d'Avila

Simone Tebet, Sergio Moro e Luiz Felipe d'Avila em evento organizado pelo Lide - Leco Viana/TheNews2/Agência O Globo

O pré-candidato à Presidência da República Sergio Moro (Podemos) negou nesta sexta-feira (18) que tenha travado um embate público com a Polícia Federal, mas afirmou que "houve queda na qualidade" da corporação e que, atualmente, o "combate à corrupção no país está estacionado".

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública comentou a troca de críticas entre ele e a PF durante conversa com jornalistas após um debate com os pré-candidatos ao Planalto Simone Tebet (MDB) e Luiz Felipe d'Avila (Novo). Os políticos participaram de um evento organizado pelo grupo empresarial Lide, em um hotel da zona sul de São Paulo.

Em nota oficial, nesta semana, a corporação rebateu as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça de que o órgão não tem atuado para combater a corrupção no país e que isso seria um resultado direto das nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em postos-chave da PF, com a troca de superintendentes.

Questionado pelo UOL, Moro atribuiu apenas ao diretor-geral da PF, Paulo Maiurino, as críticas abertas que recebeu. Para Moro, "houve uma tentativa do diretor da Polícia Federal de interferir no debate eleitoral". "Meu embate não é com a instituição", reafirmou.

"O que existe, assim, é um fato que é inegável de que o combate à corrupção hoje no país está estacionado", criticou Moro.

"Houve uma queda de qualidade. Eu duvido que você consiga lembrar um nome de uma pessoa relevante que foi investigada e presa por corrupção em 2021. Quando eu falo isso é que a gente valorizar a Polícia Federal", concluiu o ex-juiz, que disse ter respeito por todos os servidores do órgão.

Moro saiu do governo Bolsonaro em abril de 2020, após o presidente ter demitido o então diretor-geral da PF, Maurício Leite Valeixo. Moro chegou a acusar Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para ter informações de inquéritos do órgão.

A reportagem procurou a Polícia Federal, e o texto será atualizado caso um posicionamento seja enviado.

CRÍTICAS A LULA E BOLSONARO

O presidente Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram os alvos das críticas nos discursos dos pré-candidatos que se veem como "terceira via" na disputa ao Planalto.

No evento desta sexta, os pré-candidatos citaram supostos casos de corrupção da gestão de Lula e atacaram Bolsonaro usando termos como "populista", "incontrolável" e "negacionista".

Foi um "almoço-debate" para os empresários do grupo Lide —que tem o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) como um dos fundadores do grupo empresarial. Mas ele não compareceu. Quem apresentou o evento foi seu filho, João Doria Neto.

As críticas mais ácidas vieram do ex-juiz Sergio Moro e de D'Avila, que é cientista político. Tebet, senadora pelo MDB, não deixou de dar opiniões contra o petista e o capitão reformado, mas as fez de forma mais amena.

Ela centrou suas considerações na ideia de uma união de candidaturas como alternativa a Lula e Bolsonaro. "Não podemos continuar com esse radicalismo. Nós entendemos de política para saber que o centro, lá na frente, tem de caminhar junto. O Brasil é governado por alguém incontrolável, que flerta com regimes autoritários e faz discursos de ódio", disse.

Já Moro abriu sua fala avisando aos convidados que faria críticas. "Temos que parar com essa história de que a eleição está dada porque começamos a ver isso se concretizar. Temos vários meses até outubro. Tenho visto uma insatisfação entre esses dois extremos."

Para o ex-juiz, a candidatura de Lula é "baseada numa mentira" e Bolsonaro é um "governo que não deu certo".

Moro criticou os ministros do Supremo Tribunal Federal pela anulação das condenações de Lula, ao ser questionado sobre como seria sua relação com a Corte.

"Tenho um respeito institucional pelo Supremo, que tem ótimos ministros. Mas essa anulação da condenação do presidente Lula é um baita erro judiciário. [Anular o processo] com base numa fantasia? Por que foi perseguido? Foi escondida alguma prova? Fraudada alguma prova?", questionou Moro, que foi aplaudido pelos empresários.

D'Avila também desaprovou Lula e Bolsonaro ao longo de seu discurso, chamando-os de populistas. "Temos que destruir o populismo no Brasil. Não tem como o Brasil crescer de forma sustentável com o populismo", afirmou.

Para os três candidatos, a ideia é seguir em campanha separadas, por enquanto. Mas, antes do primeiro turno, eles defendem que as candidaturas de centro se unam em torno de apenas um nome, para não dividir votos e conseguir chegar ao segundo turno.

Leonardo Martins, de S. Paulo para o UOL. Publicado na edição online da Folha de S. Paulo, em 19.02.22.

Contra fake news

Razoáveis, acordos do TSE com redes, à exceção do Telegram, ainda geram dúvidas

O bom funcionamento da democracia depende de um eleitor bem informado que escolhe de forma livre seus dirigentes e representantes. Novas escolas da ciência política relativizam essa ideia de estirpe iluminista, mas ninguém em sã consciência defenderá que a circulação maciça de fake news seja virtuosa ou mesmo inofensiva.

Nesse contexto é bem-vindo o acordo entre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e empresas que administram redes sociais para tentar conter a desinformação durante a campanha para o pleito de outubro. Assinaram a parceria Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai.

O Linkedin já está em negociações com a corte, mas o Telegram, plataforma na qual o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores têm grande peso, não tem representação no Brasil e continua sem responder às solicitações.

Se as medidas acordadas —que incluem filtragens para identificar informações enganosas, rotulagem e até a remoção de conteúdos que violem as regras da própria empresa— bastarão para diminuir significativamente o volume de fake news ainda é uma incógnita.

É positivo, de todo modo, o fato de que os gigantes da tecnologia tenham começado a aceitar suas responsabilidades como editores de informação. Preocupa, porém, que estejam adotando por aqui políticas menos rigorosas do que as que utilizaram no pleito americano de 2020, como noticiou a Folha.

No caso do TikTok, prevalece a percepção de que o entendimento foi firmado de forma displicente. Os termos de uso sobre integridade eleitoral adotados pela empresa são uma tradução descuidada do documento utilizado no pleito dos Estados Unidos —fala-se até em voto pelo correio, modalidade de sufrágio que não existe no Brasil.

A grande questão no momento, ou pelo menos a que mobiliza as atenções, é o tratamento que será dado ao Telegram. Como a empresa não tem representação nem ativos no Brasil, não está ao alcance fácil da Justiça nacional.

Se o TSE decidir enfrentar a plataforma, só o que poderá fazer é tentar bloquear o aplicativo, o que não é uma resposta consensual, além de apresentar desafios técnicos.

Melhor que não se chegue a essa situação. O que o tribunal está pedindo aos administradores de rede é perfeitamente razoável e não parece contrariar os interesses de médio e longo prazo da empresa.

Ela, afinal, deverá enfrentar dificuldade para monetizar os dados que coleta de seus usuários se passar a ser vista globalmente como um covil virtual, no qual párias de todo o planeta se reúnem para propagar o ódio e cometer crimes.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 19.02.22

editoriais@grupofolha.com.br

Homens encapuzados intimidam e expulsam Sergio Fajardo de evento de campanha na Colômbia

O candidato do centro à Pesidência da República teve que deixar a Universidade Tecnológica de Pereira após ser assediado por quatro homens. Houve detonações perto do político e sua equipe

Sergio Fajardo durante evento de campanha em Bogotá, em 4 de fevereiro (Raul Arboleda (AFP)

A um mês das eleições presidenciais na Colômbia, a violência e a sabotagem, um dos grandes temores do país, começam a ficar mais evidentes nas campanhas. Nesta quinta-feira, o pré-candidato Sergio Fajardo foi obrigado a deixar a Universidade Tecnológica de Pereira, intimidado por quatro homens encapuzados.

“É algo que nunca tinha acontecido conosco em nenhuma universidade. É uma pena que a violência política e o ódio façam com que alguns impeçam o livre exercício da democracia”, disse Fajardo, um dos candidatos presidenciais da coalizão Centro Esperanza .

Fajardo realizou um evento com alunos desta universidade pública, localizada na região cafeeira do país, e segundo fontes de sua campanha, ele se dirigia ao palco onde eram esperados quando, a dois metros dele e de sua equipe, o que é conhecido como uma bomba de batata detonou. Minutos depois, os homens encapuzados apareceram.

A intimidação do candidato foi registrada em vídeo e ficou conhecida pelas redes sociais. Nele você pode ver como eles se aproximam dele, ele tira a máscara e troca algumas palavras com eles, mas à insistência para que ele saia, ele a coloca de volta e vai embora com sua equipe. O candidato perguntou para onde deveria ir e eles insistiram que não o queriam na universidade e que o acompanhariam até a saída. Minutos depois, outro tiro foi ouvido.

De acordo com a campanha, um jovem voluntário foi ferido no rosto por estilhaços durante uma detonação que ocorreu antes de Fajardo entrar na universidade.

O ex-prefeito de Medellín, que também foi candidato à presidência em 2018, reuniu-se com professores e estudantes universitários que, em meio aos homens encapuzados, se envergonharam da intimidação e lhes disse que os “capuz” não representavam todos os alunos do corpo docente da universidade.

Ao sair da universidade, o candidato foi para outra reunião e naquela noite viajou para a cidade de Manizales para continuar com sua agenda de campanha. A partir daí, ele insistiu que vai continuar. “Não vamos parar, vamos nos encontrar novamente com os alunos da UTP em outra ocasião. As universidades devem ser lugares de encontro, de debate, de argumentos e ideias; nunca de violência ou opressão”, escreveu ele.

Outros candidatos, como Juan Manuel Galán , que concorre com Fajardo na coalizão de centro, manifestaram sua solidariedade e rejeitaram o fato. “As universidades devem ser fóruns abertos para discussão, nunca espaços para violência”, disse Galán, cujo pai Luis Carlos Galán foi assassinado durante sua campanha à presidência em 1990.

“A boa notícia: continuo firme no meu compromisso com a educação, principalmente a educação pública. Minha convicção foi, é e será a educação como motor da transformação social. Resumindo: a educação é a revolução”, disse Fajardo em sua conta no Twitter.

Catarina Oquendo, autora deste artigo, é Correspondente do EL PAÍS na Colômbia. Jornalista e bookholic ao núcleo. Comunicadora pela Universidad Pontificia Bolivariana e Mestre em Relações Internacionais pela Flacso. Recebeu o Prêmio Gabo 2018, com o trabalho coletivo Venezuela em fuga, e outros reconhecimentos. Co-autora de Jornalismo para mudar o Chip da guerra. Publicado em 18.02.22

A vida de Lula está em perigo?

O fato de personalidades do mundo jurídico terem denunciado a possibilidade de um atentado contra o ex-presidente adiciona mais tensão a uma campanha já acalorado

O ex-presidente brasileiro Lula da Silva, em entrevista em São Paulo, em 17 de dezembro de 2017. (Amanda Perobelli (Reuters)

No mundo político brasileiro começa a se temer um possível ataque ao ex-presidente Lula da Silva, que aparece como o único candidato capaz de destronar o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro. Estes não são apenas rumores das redes sociais. Foram publicações conceituadas, como a revista Forum , que publicou entrevistas com duas figuras proeminentes da vida pública nas quais afirmam sem meias medidas que a vida de Lula pode estar em perigo.

A jornalista Daniela Pinheiro, do portal de noticias Uol , entrevistou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa. O magistrado que havia sido nomeado para o cargo pelo então presidente Lula tornou-se popular por ter sido o relator do processo do escândalo do mensalão, que levou à prisão de toda a direção do Partido dos Trabalhadores (PT). Hoje Barbosa é uma figura respeitada e vários partidos tentaram em vão tê-lo como candidato presidencial. Na entrevista, Barbosa afirma que não duvida que Lula possa ser assassinado durante a campanha eleitoral: “Não duvido. Eles são sanguinários, não têm limites.”

Ao lado do popular ex-magistrado, outra personalidade importante, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragón, hoje advogado da campanha do PT, tem insistido nos mesmos temores de Barbosa. Em entrevista ao Jornal Fórum ele afirma: “Não podemos ser infantis. Sabemos que a vida de Lula está em perigo. Sabemos que essas pessoas não jogam. Há um milhão de bolsonaristas armados até os dentes em eleições que vão ser violentas.” E acrescentou: “Não podemos dizer que o jogo já está ganho. Bolsonaro está longe, longe de ser derrotado."

Quem teme a possibilidade de um atentado contra a vida de Lula, que ainda não é candidato oficial embora pareça o vencedor em todas as pesquisas, acha que um dos motivos da estranha visita de Bolsonaro a Putin em Moscou há alguns dias atrás poderia estar pedindo “ajuda” ao líder soviético para usar as redes sociais a seu favor na campanha eleitoral. Algo semelhante ao que a Rússia fez com o candidato Trump nos Estados Unidos.

Que o PT realmente teme um possível ataque contra Lula ficou claro com a forte proteção que, desde o início da campanha informal para as eleições presidenciais, vem sendo tomada contra um possível ataque. Na verdade, Lula ainda não compareceu fisicamente a nenhuma manifestação pública. Todas as suas intervenções no Brasil se reduzem a entrevistas online com a mídia. Ele ainda não foi visto saindo às ruas nas mãos de seus fiéis seguidores como sempre estava acostumado. E não se sabe o que pode ser respondido quando, depois de ter decidido publicamente e legalmente ser candidato, a campanha eleitoral começa a sério.

O fato de personagens de total solvência no mundo jurídico como Barbosa e Aragón terem querido denunciar sem meias palavras a possibilidade de um atentado à vida de Lula acrescentou ainda mais tensão, se possível, ao clima já acalorado de uma campanha eleitoral que na realidade já começou e está cheio de incógnitas e possíveis surpresas.

Tudo isso está criando um clima de ceticismo e instabilidade política no país que continua afetando os rumos de uma economia já gravemente ferida, com milhões de desempregados e passando fome. Enquanto o presidente continua armando as pessoas, favorecendo economicamente as forças policiais e contando cada vez mais com as forças armadas. Os militares, embora divididos, puderam, em um momento de grave crise e possibilidade de retorno da esquerda ao poder, ao lado do capitão aposentado que já colocou mais de 6.000 soldados em seu governo e nas quadrilhas do Estado.

Enquanto isso, o presidente continua insistindo dia após dia que as urnas eletrônicas, usadas no Brasil nas eleições há mais de 20 anos e nas quais os últimos presidentes foram eleitos, inclusive ele próprio, não são seguras e podem ser manipuladas. Na verdade, com suas declarações contra a segurança das urnas, ele se prepara para, no caso de uma possível derrota, anular o resultado e organizar algum tipo de golpe autoritário. E esse é o grande medo das forças progressistas diante de eleições em que tudo pode acontecer e sobre as quais nenhum dos maiores analistas políticos se atreve a fazer profecias.

Juan Árias, o autor deste artigo, é correspondente do EL PAÍS. Publicado em 18.02.22.

Arquivos Nacionais confirmam que Trump levou material confidencial da Casa Branca para sua mansão

O órgão público encaminha o caso das 15 caixas recuperadas de Mar-a-Lago ao Ministério da Justiça

Mansão do ex-presidente Donald Trump em Mar a Lago, Flórida. (Joe Raele, AFP)

Ao deixar o cargo de presidente dos Estados Unidos, Donald Trump levou documentos confidenciais e informações valiosas para a segurança nacional da Casa Branca para sua mansão em Mar-a-Lago, na Flórida, conforme confirmado pela Administração dos Arquivos Nacionais na sexta-feira. NARA). O órgão público encarregado de guardar os registros dos presidentes norte-americanos apontou que o republicano não entregou determinados registros das redes sociais e que encaminhou o caso ao Departamento de Justiça. Trump tentou impedir a divulgação dos documentos, mas a Suprema Corte o obrigou a devolvê-los 

O Comitê de Supervisão da Câmara enviou uma carta ao Arquivo Nacional para descobrir se as 15 caixas que eles recuperaram de Trump continham material classificado. Na carta de resposta, o arquivista dos Estados Unidos, David S. Ferriero, responsável pela agência, responde que sim e ressalta que o governo republicano não mantinha determinados registros das redes sociais. A lei exige que os registros presidenciais sejam de propriedade do governo, não do presidente.

“Em junho de 2018, a NARA soube por um artigo do Politico que o ex-presidente Trump estava rasgando os registros presidenciais e que os funcionários da Casa Branca estavam tentando colá-los”, escreveu Ferriero à congressista democrata Carolyn Maloney, presidente do comitê. Maloney já havia alertado em dezembro de 2020 suas “sérias preocupações” de que o governo republicano não estava “preservando adequadamente os registros” e poderia estar “se livrando deles”.

A agência observou que alguns funcionários da Casa Branca repetidamente conduziram negócios oficiais usando contas pessoais de telefone e mensagens, violando a Lei de Registros Presidenciais. Essa falta é comum entre os funcionários do governo. O próprio Trump atacou Hillary Clinton em 2016, quando eles estavam concorrendo à presidência dos EUA, por ela ter manipulado incorretamente seu e-mail para lidar com questões de segurança nacional.

Entre os documentos estavam cartas do líder norte-coreano Kim Jong-un e a nota deixada para ele por seu antecessor, Barack Obama, em seu último dia no Salão Oval. Trump disse que as 15 caixas continham "cartas, registros, jornais, revistas e itens diversos" que ele pretendia exibir na Biblioteca Presidencial Donald J. Trump aberta ao público.

Antonia Laborde, de Washington, DC, para o EL PAÍS, em 18.02.22. Antonia Laborde é Correspondente em Washington desde 2018. Trabalhou na Telemundo (Espanha), no jornal econômico Pulso (Chile) e no meio online El Definido (Chile). Mestre em Jornalismo pelo EL PAÍS.

Uma casa para Gabriel Boric, um presidente não convencional

O futuro presidente chileno busca residência em bairros inusitados, longe das ricas comunas em que seus antecessores vive

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, posa com seu cachorro Brownie para uma foto postada em suas redes sociais.

Gabriel Boric está procurando uma casa para morar. Ele não pode mais fazê-lo no pequeno apartamento alugado que ocupou como deputado em Santiago do Chile. Nem nos bairros ricos que sobem a serra, onde abundam as mansões dos ricos. Não seria a melhor decisão para um jovem presidente, que incentiva a informalidade e surgiu da briga estudantil de rua. Boric queria um bairro popular, próximo ao povo, mas descartou a ideia por questões de segurança.

Esta semana, o presidente eleito do Chile voltou seus olhos para Yungay, uma comuna central de ruas de paralelepípedos e prédios baixos. Fundado em 1840, é um dos bairros mais antigos do centro de Santiago, lar de intelectuais durante a fundação da República e hoje pontilhado de grandes casarões do final do século XIX, bares, bibliotecas e praças tranquilas. Perto há uma casa tradicional com 13 cômodos, com espaço suficiente para ele trabalhar nela e, ao mesmo tempo, morar sob sua guarda. Se a operação finalmente se concretizar, Boric levará menos de 10 minutos de carro para chegar a La Moneda, sede do governo. E menos de meia hora se você optar por ir a pé. Na segunda-feira, Boric visitou Yungay junto com sua parceira, Irina Karamanos;conversou com o dono de um bar e comprou discos de rock em uma loja de vinil.

Para um presidente do Chile, escolher uma casa é uma questão de estado. O país sul-americano não tem residência oficial para o presidente e a última pessoa a morar em La Moneda foi Carlos Ibañez, em meados dos anos cinquenta do século passado. Patricio Aylwin em 1990 e Eduardo Frei, em 1994, viveram em suas casas permanentes em Santiago. Mas Boric é de Punta Arenas, no extremo sul do Chile, e agora mora em um apartamento alugado no bairro turístico de Bellas Artes.

Procurando uma casa para o novo presidente do Chile

A residência do presidente do Chile deve atender a pelo menos cinco requisitos: duas entradas, que não haja prédios altos nos arredores para atirar, ter um hospital próximo, espaço suficiente para realizar reuniões de trabalho e salas para a guarda. Boric encontrou tudo isso naquela velha casa de herança em Yungay.

A fachada da mansão em que o presidente do Chile, Gabriel Boric, pretende morar quando tomar posse em 11 de março de 2022. (Portal Imobiliário)

Já no final de dezembro, o urbanista chileno Miguel Laborde destacou ao EL PAÍS os benefícios do bairro Yungay, sem suspeitar que acabaria sendo o favorito de Boric. “Foi o primeiro bairro criado na República, projetado pelo primeiro arquiteto oficial do Governo, José Vicente Larraín. Sempre foi o bairro acolhedor, para provincianos e imigrantes. E hoje tem boa saúde e educação pública, além de casas de bom tamanho”, disse.

A casa em questão foi recentemente reformada e foi oferecida para aluguel por seis semanas. Até recentemente, uma pequena clínica de trauma operava lá. De acordo com a publicação da agência imobiliária, trata-se, na verdade, de “duas casas numa, cada uma com acesso próprio e independentes uma da outra, interligadas internamente com um empilhador para se deslocar entre os pisos”. Tem 500 metros quadrados, 13 quartos e nove banheiros. O Estado pagará por isso o equivalente em pesos chilenos a 4.100 dólares por mês.

Boric já confirmou a alguns vizinhos que estava pensando em se mudar para a casa. Ele se movia como quando era um jovem líder estudantil passeando em uma tarde ensolarada. Vestindo um boné com viseira e uma camisa pólo, ele foi a um bar perto de sua futura casa e comprou vinil. O dono da loja, Eduardo Brieba, postou fotos do novo cliente em sua conta no Instagram. “É a primeira vez que vejo, não costumo tirar fotos minhas, mas agora fiz porque me chamou a atenção. Ele é uma pessoa muito afável, muito calmo", disse Brieba ao jornal chileno La Tercera . "Ele foi ver discos de rock e pop chilenos e levou alguns discos Sui Generis."

Federico Rivas-Molina, de Buenos Aires para o EL PAÍS em 18.02.22. Federico Rivas-Moli  é editor de América do EL PAÍS de Buenos Aires, onde é correspondente do jornal desde 2016. É formado em Ciências da Comunicação pela Universidade de Buenos Aires e mestre em Jornalismo pela Universidade Autônoma de Barcelona.

Chuvas em Petrópolis deixam ao menos 136 mortos e 191 desaparecidos

Fortes chuvas que caíram em Petrópolis (RJ), na região Serrana do Rio, provocaram enchentes e deslizamentos na noite de terça (15/2), com pelo menos 136 mortos contabilizados até o fim da manhã deste sábado (19/2), segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Desastre deixou vítimas fatais (EPA)

De acordo com a Polícia Civil, os corpos já foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) de Petrópolis. Dos mortos, 84 são do sexo feminino e 52, do sexo masculino. Desses, 97 já foram identificados

Segundo a Prefeitura de Petrópolis, até o fim da manhã deste sábado 65 vítimas da chuva já haviam sido sepultadas em um cemitério da cidade.

Há 191 registros de pessoas desaparecidas na cidade, segundo dados da Delegacia de Descoberta de Paradeiros (DDPA).

A Prefeitura de Petrópolis decretou estado de calamidade pública após o temporal. Nos últimos dias, as buscas chegaram a ser suspensas em algum período em decorrência de novas chuvas na região.

Equipes de resgate trabalham na região desde a noite de terça-feira, ajudando famílias e buscando corpos em meio a escombros. Diversas casas foram completamente destruídas. Algumas ruas do Centro Histórico de Petrópolis perderam o asfalto, e o trânsito ficou interditado.

 Equipes de resgate passaram a noite ajudando famílias (Reuters)

Verão de extremos: por que Brasil vive picos de chuvas e calor em 2022

Diversas ruas da cidade ficaram intransitáveis após o temporal e inúmeras casas foram destruídas em diferentes trechos do município. Uma das áreas mais devastadas foi o Morro da Oficina, no bairro Alto da Serra. Ali, segundo estimativas de autoridades locais, ao menos 80 casas foram atingidas por uma barreira que caiu na região.

Chuva causou enchentes e deslizamentos (EPA)

"A Prefeitura de Petrópolis está com todas as equipes mobilizadas para o atendimento às ocorrências. As pessoas estão acolhidas nos pontos de apoio que funcionam em escolas da cidade", informou o governo municipal em seu site no Facebook logo após o temporal.

Fortes chuvas que caíram em Petrópolis (RJ), na região Serrana do Rio, provocaram enchentes e deslizamentos na noite de terça (15/2) (Reuters)

"Nos locais, a população recebe o suporte de profissionais de Assistência Social, Educação, Saúde, além da Defesa Civil, que está totalmente dedicada ao atendimento aos casos com vítimas. Os agentes atuam em conjunto com o 15º Grupamento do Corpo de Bombeiros. Equipes da Companhia Municipal de Desenvolvimento de Petrópolis e Companhia Petropolitana de Trânsito e Transportes também atuam por toda a cidade."

Na semana passada, a Secretaria de Defesa Civil havia colocado a cidade em Estágio Operacional de Atenção devido à previsão de fortes chuvas. No entanto, como não houve o volume esperado, o governo municipal retornou a cidade para o Estágio Operacional de Observação na segunda-feira (14/2).

Mas na terça-feira o volume de chuvas aumentou muito, provocando grandes estragos pela cidade.

'Rio voador', o fenômeno que ajuda a explicar as tempestades de verão no Brasil

Autoridades no local

O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, e o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, André Ceciliano, se deslocaram para o município para acompanhar os trabalhos de resgate na manhã de quarta-feira.

Moradores observam destruição causada pela chuva (Reuters)

"As imagens são muito fortes e, provavelmente, vamos amanhecer com imagens tão ou mais fortes. É realmente uma tragédia grande. [...] O que nós vimos é uma cena muito triste, cena praticamente de guerra", disse o governador na noite de terça-feira à TV Globonews.

Segundo o governador, o volume de chuvas "é praticamente como nunca foi visto na cidade" antes.

O presidente Jair Bolsonaro, que estava em visita oficial à Rússia, tuitou logo após a tragédia para afirmar que fez telefonemas a ministros para envio de auxílio às vítimas. ( Reuters)

De acordo com a Prefeitura de Petrópolis, equipes da Defesa Civil têm trabalhado no atendimento a ocorrências e têm apoiado o Corpo de Bombeiros em áreas onde há suspeita de vítimas.

Segundo o prefeito da cidade, Rubens Bomtempo, todas as pastas do município estão "empenhadas no atendimento a ocorrências e ações de recuperação da cidade".

Conforme a gestão local, a Defesa Civil tem feito vistorias em locais onde há deslizamentos e avaliado riscos estruturais em ruas e imóveis, "além de vistorias preventivas e rondas pela cidade".

A Defesa Civil, segundo a gestão local, também tem dado suporte para a população por meio de orientações de segurança, avaliação das estruturas e apoiando com a destinação de suprimentos que têm sido doados para os moradores da região.

As aulas estão suspensas e as escolas da rede pública se tornaram pontos de apoio e atendimento às famílias por profissionais da Assistência Social, Saúde, Educação e Agentes Comunitários.

BBC News Brasil, em 19.02.2216 / Atualizado Há 1 hora

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Religiosos que apoiaram Bolsonaro em 2018 agora indicam afastamento

Movimentações recentes de importantes líderes evangélicos sugerem que segmento não terá o mesmo engajamento massivo na candidatura à reeleição do presidente

     Bolsonaro com RR Soares em 2020; ‘País está em crise’, diz pastor. Foto: Isac Nóbrega/PR

Pastores que apoiaram a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, começaram a rever suas posições e a preparar terreno para conversas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa de outubro. Movimentações recentes de líderes evangélicos dão sinais de que Bolsonaro não terá o mesmo engajamento massivo desse segmento para se reeleger.

A tendência de figuras proeminentes de igrejas pentecostais e neopentecostais é a de adotar uma posição mais reservada, diferente da campanha escancarada de quatro anos atrás. Líderes dessas instituições mantêm interlocução com o Planalto, levando demandas por isenções tributárias, perdão de dívidas e maior espaço no governo, mas estão dispostos a negociar com quem for eleito em outubro. Ainda ontem, o Congresso promulgou a emenda constitucional que estende a templos religiosos alugados a isenção de pagamento do IPTU (mais informações nesta página).

O pastor José Wellington Bezerra da Costa, líder da Assembleia de Deus do Belém, a mais tradicional dessa denominação, afirmou ter simpatia por Bolsonaro, mas indicou que não pedirá votos para ele neste ano. Além disso, disse estar aberto para um diálogo com o vencedor, mesmo se for Lula. O pastor já foi próximo dos governos do PT, mas apoiou Bolsonaro em 2018.

A reaproximação de Lula com o segmento tem sido promovida em várias frentes e conta com a ajuda do pastor Paulo Marcelo – que faz parte da ramificação liderada por José Wellington – e do ex-governador Geraldo Alckmin, nome cotado para vice na chapa.

A Assembleia de Deus tem 12 milhões de fiéis no Brasil, segundo o IBGE, divididos entre diferentes alas que foram se separando ao longo dos últimos anos. “Nós nunca tivemos problema pessoal. O presidente Lula é uma pessoa nordestina como eu, e a mim não interessa falar mal dele e de nenhum deles. Política é muito mutável, muito dinâmica. Hoje você entende uma coisa e amanhã pode entender outra. Estamos caminhando e pedindo para que Deus dê o melhor para o Brasil”, afirmou José Wellington.

Como mostrou o Estadão/Broadcast, o pastor admitiu que a Assembleia de Deus faz a intermediação de emendas para três de seus filhos, que são parlamentares. A declaração causou mal-estar entre líderes evangélicos, mas mostrou a prioridade das igrejas em 2022, que é a de aumentar a bancada no Congresso. A Frente Evangélica quer ter pelo menos 30% das vagas na Câmara e no Senado. “Para os meus deputados, faço isso (peço voto). Para presidente, não precisa. Eles têm uma mídia tremenda e dinheiro. Não há necessidade de a igreja se envolver nessa altura”, afirmou José Wellington.

Em dezembro, pesquisa Ipec mostrou empate entre Bolsonaro e Lula nas intenções de votos entre os evangélicos: o petista com 34% e o atual presidente, com 33%. 

Desgaste

A atuação de Bolsonaro na pandemia de covid-19 provocou perda de apoio em diferentes segmentos. “Já existe uma migração. Bolsonaro faz uso político da ideia de família tradicional, mas isso se desgastou porque você não tem ações que sejam diferentes de governos anteriores”, disse o reverendo Valdinei Ferreira, da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.

Frequentador do Planalto, o missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, também tem filhos na política. Um deles é o deputado David Soares (DEM-SP), autor de um projeto que perdoou dívidas de igrejas. O missionário é um dos pioneiros entre os pastores televangelistas. A igreja tem programas diários na TV aberta, um canal próprio e mais de 3 mil templos. “Faz tempo que não falo com ele (Bolsonaro). O País está nessa crise da pandemia, fecharam as coisas, o povo ficou desempregado”, disse Soares. 

Ex-bolsonarista, o pastor Carlito Paes, da Igreja da Cidade, de São José dos Campos (SP), puxa agora críticas ao governo e ao PT e se aproxima do presidenciável do Podemos, Sérgio Moro. “Quando a política vira religião, a crítica consciente desaparece e cede lugar à alienação”, escreveu Paes.

Daniel Weterman e Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 18.02.22

Pesquisa Ipespe em SP: Lula tem 34%; Bolsonaro, 26%; Moro, 11%

Na pesquisa espontânea, Lula teve 30% das intenções de voto, Bolsonaro, 24%, Moro, 9%, Ciro, 6% e Doria, 4%. André Janones, Alessandro Vieira, Felipe D´Ávila, Simone Tebet e Rodrigo Pacheco foram mencionados, mas não chegaram a 1% de citações.

Pesquisa Ipespe em SP: Lula tem 34%; Bolsonaro, 26%; Moro, 11%. Foto: Reuters e Estadão

Pesquisa Ipespe divulgada nesta sexta-feira (18) mostra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como candidato favorito entre os eleitores de São Paulo, com 34% das intenções de voto no levantamento estimulado. O presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece na sequência, com 26%. Sérgio Moro (Podemos) acumula 11% e Ciro Gomes (PDT), 7%.

O governador do Estado, João Doria, pré-candidato do PSDB, aparece com 5% das intenções de voto. André Janones (Avante), Simone Tebet (MDB) e Luiz Felipe d'Avila, que também disputam a vaga ao Planalto, aparecem com 1% cada um. Rodrigo Pacheco (PSD) fica abaixo disso.

Na pesquisa espontânea, Lula teve 30% das intenções de voto, Bolsonaro, 24%, Moro, 9%, Ciro, 6% e Doria, 4%. André Janones, Alessandro Vieira, Felipe D´Ávila, Simone Tebet e Rodrigo Pacheco foram mencionados, mas não chegaram a 1% de citações.

Segundo turno

Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista teria 46% dos votos contra 34% do adversário entre os eleitores de SP. Se Lula enfrentasse Moro, ele acumularia 46% dos votos no Estado, enquanto o ex-juiz ficaria com 33%.

Se o petista enfrentasse Doria, teria 47% de intenções, e o governador paulista, 26%, próximo dos votos brancos e nulos, que chegariam a 25% neste cenário.

Em uma possível disputa entre Doria e Bolsonaro, o placar ficaria apertado com o tucano pontuando 37%, enquanto o presidente teria 35%.

Comparação

O recorte dos eleitores paulistas mostra resultados bem distintos da média nacional, sobretudo no desempenho do petista. Considerados os dados coletados pelo Ipespe em todos os Estados, divulgados na semana passada, Lula aparece com 43% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro, com 25%. Já Moro e Ciro têm 8%. Doria alcançou 3%. Já André Janones e Simone Tebet têm 1%. Pacheco, Alessandro Vieira (Cidadania) e Luiz Felipe d’Ávila (Novo) não pontuaram.

Avaliações

A pesquisa Ipespe mostra, ainda, que a avaliação negativa do governo federal continua alta entre o eleitorado de São Paulo: 56% dos entrevistados consideram o governo ruim ou péssimo, enquanto 24% avaliam como ótimo ou bom. Aqueles que avaliam o governo regular são 19%. O cenário paulista repete a avaliação do governo em âmbito nacional.

Segundo o levantamento, 36% dos entrevistados avaliaram o governo Doria como ruim ou péssimo, enquanto 24% consideram como ótimo ou bom. E 38% dos eleitores avaliam a gestão como regular.

Sobre ações do tucano no combate à pandemia, 23% consideraram como ruim ou péssima, enquanto 45% avaliaram como ótima ou boa. 30% classificaram como regular. Doria incorporou a bandeira de combate à covid-19 e de defesa à vacinação para alavancar apoio político. Ele foi apresentado pelo PSDB como "pai da vacina" por causa das articulações em torno da vacina Coronavac.

O levantamento divulgado nesta sexta-feira foi resultado de 1.000 entrevistas, representativas do eleitorado do Estado de São Paulo, feitas entre segunda (14) e quarta-feira (16). A margem de erro é de 3,2 pontos porcentuais. Esta pesquisa está registrada no TSE sob os protocolos BR-08006/2022 e SP-03574/2022.

Matheus de Souza e Giordanna Neves / O Estado de S. Paulo, em 18.02.22

Nanismo diplomático

Inoportuna e contraproducente em relação aos interesses nacionais, a visita de Bolsonaro a dois populistas autoritários só se explica pela sua lógica eleitoral  

A viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia e à Hungria terminou sem compromissos, acordos ou alianças relevantes, enfim, sem qualquer ganho palpável aos interesses nacionais. O consolo é que, dado o histórico de trapalhadas do presidente, a coisa poderia ter sido pior.

Se os interesses do Brasil com a Hungria são inócuos, a Rússia fornece fertilizantes para o agronegócio e tem empresas relevantes na área de energia. Além disso, integra o Brics, é um polo tecnológico e uma superpotência militar, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, com capacidade de facilitar as pretensões do Brasil. Em tempos normais, portanto, não haveria inconveniente no encontro entre os líderes russo e brasileiro. Mas estes não são tempos normais nem esse é um governo normal.

O encontro, é verdade, foi marcado antes da crise com a Ucrânia. Mas quando as hostilidades começaram, em novembro, havia tempo para manejar sem atritos um adiamento e evitar o risco de um presidente brasileiro assistir de um camarote russo à invasão. Se nas últimas semanas não havia essa margem e, por sorte, a invasão não aconteceu, nem por isso o Brasil foi poupado de constrangimentos. Nas declarações oficiais, Bolsonaro fez acenos genéricos à paz. Mas, falando no improviso, corroborou um recuo russo – negado pela Otan –, chegando a insinuar que poderia ter sido por sua influência. Pior: declarou que o Brasil é “solidário” à Rússia – que, sem entrar no mérito da disputa, é o país agressor, não o agredido.

Mas a viagem não foi só inadvertidamente inoportuna, como previsivelmente contraproducente. Reza o bê-á-bá da diplomacia que um chefe de Estado não viaja para negociar acordos, só para fechá-los ou destravar impasses. Mas nada disso, nem sequer uma negociação, estava na pauta. A nota do Itamaraty expõe essa vacuidade.

Encontros protocolares e pragmaticamente inócuos são justificáveis na rotina das relações com parceiros relevantes. Mas, para que a justificativa seja válida, é preciso que haja essa rotina. Porém a única diretriz palpável da política externa de Bolsonaro foi a bajulação do ex-presidente americano Donald Trump. Fora isso, não houve nenhum compromisso bilateral relevante. Nos fóruns internacionais, limitou-se a propagandear realizações fictícias de seu governo e, em vez de criar laços com outras lideranças, preferiu conversar com garçons e insultar chefes de Estado, como a chanceler da Alemanha ou o presidente da França. Mais grave foi a hostilidade intempestiva a parceiros comerciais como a China, o maior de todos, ou à Argentina, o maior comprador da indústria nacional.

Quanto à questão mais sensível para a comunidade internacional, a ambiental, Bolsonaro só ofereceu desídia e escárnio, chegando a ameaçar retaliar com “pólvora” uma delirante invasão da Amazônia pelos EUA. Na pandemia, consagrou-se como o líder negacionista par excellence. Ao estreitar laços com dois nacionalistas autoritários como Vladimir Putin e Viktor Orbán, Bolsonaro só acentuou o isolamento em que enfiou o Brasil.

Injustificável em relação aos interesses do País, a viagem é explicável pelos interesses eleitorais do clã Bolsonaro. Tanto que o presidente, que se especializou em ridicularizar os protocolos sanitários no Brasil, se submeteu a uma humilhante bateria de testagens só para garantir uma foto ao lado do ditador russo. O vereador Carlos Bolsonaro, coordenador das virulentas redes sociais do pai, teve lugar de destaque na delegação presidencial, e certamente não era para negociar fertilizantes.

Na falta de algo mais elevado, a militância bolsonarista se refestela com a foto em que Bolsonaro aparece mais alto do que Putin. Felizmente, a sua minúscula estatura como estadista permitiu que a visita inoportuna passasse despercebida aos olhos da comunidade internacional. Mas isso é já um sintoma do apequenamento a que ele submete o Brasil. Em outros tempos, o País seria encarado como um ator diplomático relevante; hoje, com Bolsonaro, é só digno de dó.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, Impresso, em 18.02.22

Negligência mata em Petrópolis

Se pessoas morrem a cada verão em desastres ‘naturais’, é porque governos falharam nas três estações anteriores
   
Parte da cidade histórica de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, foi arrasada na terça-feira passada por uma tempestade inédita nos 90 anos de medições realizadas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). No intervalo de apenas quatro horas, uma chuva concentrada de 260 milímetros – volume que era estimado para todo o mês de fevereiro – causou uma série de deslizamentos de terra, matando mais de 100 pessoas e deixando centenas de desabrigados, além de um rastro de destruição material.

De acordo com especialistas em clima, a concentração de um volume tão grande de chuva em um intervalo tão curto de tempo é decorrência direta das mudanças climáticas. Não sem razão, esta é a agenda global mais premente do século 21. A tendência é que eventos climáticos severos como os que assolaram Petrópolis e, há poucas semanas, algumas cidades de São Paulo, Minas Gerais e Bahia sejam cada vez mais corriqueiros e, pior, mais intensos em seus efeitos sobre a população. “Os extremos climáticos têm crescido em quase todo o mundo, com muita chuva concentrada em poucos dias ou horas. As projeções sugerem que, com o aquecimento global, isso pode aumentar no futuro”, escreveu o climatologista José Marengo, coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em análise para o Estadão.

A curtíssimo prazo, é urgente que as prefeituras de cidades vulneráveis às intempéries climáticas, com apoio dos governos estaduais, prestem socorro às vítimas e ajam concretamente para evitar que mais brasileiros morram pela negligência do poder público. Não é novidade para ninguém que o verão é a estação chuvosa em países tropicais como o Brasil. É inconcebível, portanto, que ano após ano se assista à ocupação irregular do solo ou à permanência de pessoas vivendo em áreas sabidamente arriscadas, sem que nada seja feito para realocá-las a fim de preservar vidas. Se há pessoas que ainda morrem em desastres ditos “naturais” a cada verão no País, é porque governos falharam miseravelmente nas três estações anteriores. É tão simples quanto isso.

A médio prazo, é preciso engajar todo o País nas ações de combate às mudanças climáticas, ou ao menos de adaptação aos fenômenos que são inevitáveis. Cada cidadão desempenha um papel relevantíssimo nessa agenda. É um esforço coordenado entre governo, nas três esferas da administração, e sociedade. Isso é possível, mas não será um desafio trivial. Afinal, como fazer milhões de brasileiros que vivem em insegurança alimentar ou não têm emprego e acesso à educação de qualidade darem prioridade a temas como sustentabilidade e riscos ambientais, cobrando a ação de seus representantes políticos? Como promover ações coordenadas entre os entes federativos em defesa do meio ambiente quando o Brasil ainda é liderado por um presidente que, como prescreve o bom manual dos populistas, sacrifica a pesquisa científica e as evidências factuais no altar de suas fabulações eleitoreiras?

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, 3em 18.02.22

A Polícia Federal sobe no palanque

Ao atacar um adversário político de Bolsonaro, a PF serve aos propósitos eleitorais do presidente

As evidências da captura de instituições de Estado pelo bolsonarismo são atualizadas com frequência diária, mas um novo patamar é atingido quando a Polícia Federal (PF) se presta ao papel de participar ativamente da campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Não há outra interpretação possível sobre a intenção da nota oficial divulgada nesta semana pela PF, em resposta às críticas do ex-juiz Sérgio Moro, segundo as quais ninguém combate a corrupção na gestão Jair Bolsonaro. 

Para justificar seu ponto, Moro mencionou a proximidade entre o governo e o Centrão e o ingresso do presidente no PL, partido associado ao mensalão, e questionou, ironicamente, se alguém na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Polícia Federal estava acompanhando algum escândalo. Segundo ele, “muita coisa vai aparecer” quando esses órgãos retomarem a autonomia.

As críticas de Moro são perfeitamente normais em uma campanha eleitoral. Já a reação da PF foi absolutamente inadequada, e seu único propósito parece ser o de servir como peça de propaganda de Bolsonaro contra seu ex-ministro e atual concorrente. “Moro desconhece a Polícia Federal e negou conhecê-la quando teve a chance. Enquanto ministro da Justiça não participou dos principais debates que envolviam assuntos de interesse da PF e de seus servidores”, diz o comunicado, uma referência esquisita ao fato de que o então ministro supostamente não atuou como sindicalista na defesa dos interesses da corporação na reforma da Previdência. “O ex-juiz confunde, de forma deliberada, as funções da PF. O papel da corporação não é produzir espetáculos. O dever da polícia é conduzir investigações, desconectadas de interesses político-partidários.”

Pré-candidato do Podemos à Presidência, Moro apresenta como credenciais seu papel na Operação Lava Jato, reivindicando a liderança no combate à corrupção – combate que, segundo diz, foi abandonado por Bolsonaro a despeito de suas promessas de campanha. Ademais, Moro tenta explorar na campanha o fato de que decidiu deixar o governo Bolsonaro depois que, segundo alega, ficou claro que o presidente pretendia interferir na Polícia Federal. 

Não é preciso concordar com Moro para aceitar a legitimidade de sua estratégia eleitoral. Cabe a seus adversários na disputa responderem às suas críticas, se assim desejarem, pois é desse modo que se faz campanha política para tentar ganhar votos. Quem não deveria entrar nessa discussão, típica de palanque, é a Polícia Federal. Além disso, a PF apenas deu mais uma chance a Moro, na tréplica, de acusá-la de prender apenas “bagrinhos da corrupção”, e não “grandes tubarões”. 

A nota da PF contra Moro, numa típica homenagem que o vício presta à virtude, enfatiza que é uma “instituição de Estado” e, como tal, “mantém-se firme no combate ao crime organizado e à corrupção e não deve ser usada como trampolim para projetos eleitorais”. Faria bem à direção-geral do órgão seguir sua própria recomendação em vez de atuar como arremedo de cabo eleitoral do presidente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 18.02.22