sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Fachin promete estender mão a Bolsonaro, mas diz que não vai 'tolerar os intolerantes'

Ministro do STF que comandará TSE afirma que terá postura de diálogo e que espera reciprocidade do presidente da República

O ministro Edson Fachin durante sessão do Supremo Tribunal Federal - Nelson Jr. - 15.set.2021/SCO/STF

No centro das críticas do presidente Jair Bolsonaro (PL), o futuro presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Edson Fachin, afirma que terá uma postura colaborativa e de diálogo com o mandatário, mas que adotará medidas caso a Justiça Eleitoral seja atacada.

"Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes. Mas, por agora, eu tenho uma mão estendida e eu espero reciprocidade", afirmou o ministro, em entrevista à Folha.

Fachin assume no próximo dia 22, em substituição a Luís Roberto Barroso, ambos integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal). Em reunião de transição na terça (15), o ministro afirmou que havia riscos de ataques aos sistemas do TSE oriundos da Rússia —onde estava o presidente da República, em viagem.

Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse que a fala de Fachin era lamentável e "fake news". O ministro afirma que entende as falas do presidente como narrativa política e diz que mencionou a Rússia porque é um exemplo real.

O ministro, que é relator da Lava Jato no STF, afirma ainda que a operação não acabou, já que ainda existem inquéritos em andamento, e é resultado de um ganho institucional do Brasil. Segundo ele, excessos e irregularidades estão sendo corrigidos.

O presidente Bolsonaro disse que o discurso do sr. foi fake news e que os ministros do Supremo se comportam como adolescentes. Qual a sua avaliação? 

Eu diria três coisas. A primeira, que toda pessoa, inclusive o presidente da República, tem o direito legítimo de crítica, e ninguém é imune à crítica. Portanto, o juízo de valor que se faz deve ser acolhido como exercício do dissenso dentro de uma sociedade democrática.

A segunda observação é que o presidente, ao lado das funções estatais, tem atividades políticas. Na atividade política, os fatos sofrem substituição por narrativas. Eu fiz um pronunciamento por escrito, para deixar registrado. O que eu mencionei é que há possibilidade de um ciberataque à Justiça Eleitoral, nomeadamente ao Tribunal Superior Eleitoral, e que a segurança cibernética era um item fundamental.

As milícias digitais se hospedam em diversos países, e mencionei a Rússia como um dos exemplos –eu poderia ter mencionado a Macedônia do Norte. Estou falando de riscos que são reais, mais que potenciais, e que podem advir de atores privados, ou em alguns países com colaboração de atores estatais. E onde há colaboração de atores estatais? Onde a legislação não tem o mínimo de controle democrático e o mínimo de controle dessas milícias digitais. E infelizmente a Rússia é reconhecidamente exemplo de patamares mínimos de regulação.

A terceira observação é que eu tenho um conjunto de fontes. Começam com um relatório do Senado norte-americano sobre as eleições norte-americanas, passam pelas eleições da Alemanha e por relatórios publicados em veículos respeitados de comunicação.

O presidente tem feito seguidas críticas ao Judiciário e, em especial, à Justiça Eleitoral. O sr. se preparou para ser alvo desses ataques? 

A minha conduta, ao menos nesse momento, é oposta a essa. Eu decidi ir pessoalmente entregar o convite da posse ao presidente. Ele é o chefe do Estado brasileiro, eleito legitimamente por meio do sistema de votação das urnas eletrônicas, diplomado pelo TSE numa sessão em que eu estive presente.

Esse reconhecimento de que ele exerce a chefia do Estado brasileiro me levou a convidá-lo. Também convidei-o para estar aqui no dia 11 de maio, quando nós apresentaremos publicamente o relatório de todo o conjunto de planos de ataque [teste de segurança da Justiça Eleitoral], que começaram em novembro, quando nós abrimos o código-fonte [das urnas]. Nós iremos publicamente prestar contas. Eu também convidei o presidente da República, porque a atividade que a mim me cabe neste momento é de diálogo institucional e republicano com todos os chefes de Poder.

A minha proposição nesse momento é colaborativa. Eu fiz um gesto simbólico, de estender a mão ao diálogo, à atividade colaborativa e abrir as portas do Tribunal Superior Eleitoral para que todas as autoridades da República tenham dados e informações e espaços para questionamentos.

Mantido o diálogo respeitoso, mantido o diálogo dentro da normalidade da relação institucional, a minha conduta sempre será colaborativa e dialógica. Eu nem assumi ainda o tribunal. Agora, como presidente do tribunal, se a Justiça Eleitoral for indevidamente atacada, eu não terei dúvida em tomar todas as medidas necessárias para defendê-la. Porque o ataque à Justiça Eleitoral, dependendo da forma e do modo com que ele se faça, e dependendo da sua origem, é um ataque à democracia.

Quem defende intervenção militar, quem defende fechar um Poder ou um tribunal como o Supremo Tribunal Federal e quem discute inexistente fraude em urna eletrônica não está discutindo urna eletrônica, está discutindo a ruína da democracia. Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, nós não vamos tolerar os intolerantes. Mas, por agora, eu tenho uma mão estendida e eu espero reciprocidade.

O presidente sinalizou que iria nesse evento? 

Ele ouviu com a devida atenção. É a segunda vez que eu o visito. Quando o ministro Barroso tomou posse, eu, como vice-presidente do TSE, estive com ele. Dialoguei outras duas vezes com ele. Assim que ele se elegeu, fez uma visita ao TSE. Eu estava aqui e tivemos um bom diálogo. Na ocasião em que ele foi diplomado também, dialogamos e conversamos sobre reforma política etc, de modo que a minha postura é aberta ao diálogo e compreensiva de críticas. Evidentemente, no limite em que a crítica não se converta num ataque institucional.

Como o sr. recebeu a notícia de que o general [e ex-ministro da Defesa] Fernando Azevedo e Silva não vai ser mais o diretor-geral do TSE em sua gestão? 

Os motivos de saúde são profundamente compreensíveis. Eu tenho pessoal estima e admiração pelo general Fernando Azevedo e Silva, como aliás tenho relacionamento com integrantes das três Forças [Armadas]. Sou de uma geração que admirou a conduta do general Euler Bentes Monteiro. Ele foi o general que apresentou o que se chamava, à época, pelo então MDB, a anticandidatura, e perdeu a eleição no colégio eleitoral para o general [João] Figueiredo, que se tornou presidente do Brasil.

A presença do general Fernando aqui também tinha este condão de trazer com ele uma perspectiva de um diálogo aberto, próximo, e esse diálogo não vai deixar de existir. O general Fernando acompanhou nosso período de transição, fez publicamente elogios à estrutura do tribunal, à própria segurança das urnas eletrônicas.

[Acabou] Apresentando questões de saúde. Se fossem outras questões, eu me permitiria discutir e contra-argumentar, mas saúde pessoal precisa ter da nossa parte compreensão e votos de melhora.

A saída dele faz o tribunal perder uma ponte importante com as Forças Armadas? Eu tenho outros canais de diálogos abertos com as três Forças e continuarão a gerar bons resultados. O Exército tem um setor de cibersegurança que é merecedor dos nossos maiores elogios.

​O sr. deu a decisão que abriu caminho para a anulação dos processos do ex-presidente Lula na Lava Jato e ele se tornou elegível. Preocupa que isso seja usado para atacá-lo, como já fez o presidente Bolsonaro? Isso é uma narrativa, eu me atenho aos fatos. Chegaram ao Supremo mais de 150 inquéritos dos quais eu fui o relator originário. Muitos desses inquéritos foram para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), porque eram de competência do STJ, e para as Justiças dos estados ou para os Tribunais Regionais Federais ou para a Justiça Federal desses tribunais.

O que é que se passou na Lava Jato, antes mesmo de eu assumir a relatoria? 

Iniciou-se uma discussão, já na relatoria do ministro Teori Zavascki, de saber se a competência da 13ª vara de Curitiba compreendia não apenas os danos diretos à Petrobras, mas também aos seus danos reflexos.

Desde 2015, eu restei vencido nessa discussão. O tribunal foi julgando numerosos casos e eu sempre restei vencido, remetendo os danos reflexos para os respectivos estados.

O ex-presidente Lula foi condenado em primeiro grau, a condenação foi mantida em segundo grau, o recurso chegou ao Superior Tribunal de Justiça e esse recurso não foi apreciado pelo Supremo. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal em momento algum apreciou a questão da culpabilidade ou da procedência ou improcedência da imputação que se fazia ao ex-presidente.

Formada a orientação de que os danos reflexos não eram da competência da 13ª vara, quando chegou ao tribunal o recurso extraordinário [de Lula], houve a interposição de um habeas corpus, onde essa matéria foi suscitada pela primeira vez. E eu tomei uma decisão que imediatamente submeti ao colegiado.

Portanto, foi uma decisão da maioria do STF. No meu gabinete não há liminares que ficam aguardando decurso do tempo por alguma conveniência.

O colegiado, por maioria, entendeu que o tribunal havia firmado orientação neste sentido. No meu voto, faço esse histórico, mostrando como restei vencido nestes julgamentos.

Quando restei vencido na turma e no plenário, pelo princípio da colegialidade, registrei que eu votava vencido, mas adotava a posição da colegialidade. O fato processual é esse. Haverá narrativas das mais diversas ordens, e as narrativas pertencem ao campo da política. A decisão tomada é uma decisão tecnicamente correta e, sobre ela, posso discutir juridicamente.

Apesar da questão técnica, politicamente o sr. também acaba sendo questionado pelos petistas, que dizem que houve injustiça com Lula em não poder se candidatar em 2018... De novo, vamos ao fato, e não à narrativa. Em 2018 foi impetrado um habeas corpus no Supremo. Eu votei contra o habeas corpus do ex-presidente, porque naquele momento o STF, no meu modo de ver corretamente, tinha maioria que sustentava que é constitucional a prisão após o segundo grau, e era o caso do ex-presidente.

Esse entendimento, depois, numa outra composição e por mudança de posição de alguns colegas, foi alterado. Eu continuo com o mesmo ponto de vista. Entendo que é constitucional a execução da pena com prisão do condenado após a condenação em segundo grau que confirma uma sentença de primeiro grau condenatória. Votei assim em inúmeros processos, dentre eles um do ex-presidente. Este é o fato, o mais é debate político.

O sr. disse à Folha que a doença infantil do lava-jatismo estava prestes à acabar, mas não a Lava Jato. Depois disso houve anulação dos processos contra o ex-presidente Lula e vários outros arquivamentos. A Lava Jato acabou? 

Não. Eu sempre recomendo que se leia os relatórios ao final de cada semestre sobre a Lava Jato. O último relatório que eu produzi revela que mais de R$ 1,2 bilhão em multas foi arrecadado só no meu gabinete. Dos 150 inquéritos no meu gabinete, eu continuo com mais de quatro dezenas de inquéritos ativos.

Os inquéritos demoram para concluir, infelizmente. Não é fácil efetivamente chegar dentro do processo, com ampla defesa e respeito às prerrogativas do acusado e do investigado, a um conjunto de provas. Mas esses inquéritos caminham e, desde que o Ministério Público ofereça a denúncia, eu aprecio. O juiz não investiga e o juiz não denuncia, o juiz julga, e há de ter uma posição equidistante quer da defesa, quer do Ministério Público.

Houve um determinado momento em que o Ministério Público celebrou um número expressivo de colaborações. Foram mais de 120 colaborações premiadas. Quantas foram anuladas ou tornadas ineficazes? 4. Quantas condenações houve na Lava Jato? 174. As do ex-presidente são 4.

Mas houve uma série de anulações de outras condenações em instâncias superiores... Sim, eu não tenho toda a tabulação de todos os tribunais. Mas quando se diz "a Lava Jato acabou", é preciso levar em conta o ganho institucional, até mesmo nos excessos, que as cortes e os tribunais superiores estão apreciando e, quando é o caso, declarando alguma nulidade.

Até 1988, no Brasil, especialmente no período de 1964 a 1985, na ditadura militar, se grassou evidente corrupção. Nós não tínhamos mecanismos de apuração. A influência do poder político e do poder econômico era imensa. Com a Constituição e a redemocratização do país, nós começamos a reconhecer que a resposta do sistema punitivo integrava o Estado democrático de Direito.

O direito penal não é obviamente o caminho da salvação dos males do mundo. Melhor que haja prevenção. Mas quando esses limites são ultrapassados e os ilícitos são previstos como crime, é preciso que o Estado atue e puna.

Por que estou falando que a Lava Jato não acabou, apesar de excessos e irregularidades que estão sendo corrigidos? 

Porque esse ganho institucional a sociedade brasileira não pode perder. A maioria do povo brasileiro, que é decente, correta e trabalhadora, não pode ver esse ganho ser capturado por uma narrativa incorreta e equivocada.

Há retrocessos em alguns setores? 

Evidentemente. A sociedade é plural, o exercício do poder político tem avanços e recuo. Há quem, por exemplo, no presente, seja saudosista dos porões da ditadura e elogie torturadores.

RAIO-X

Luiz Edson Fachin, 64

É ministro do STF desde 2015 e é o relator da Operação Lava Jato na corte. Foi indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). É vice-presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foi eleito para assumir a presidência da corte em 22 de fevereiro. Foi professor titular de direito na UFPR (Universidade Federal do Paraná)

José Marques, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente na edição impressa em 18.02.22.

Moro quer dar independência funcional para diretor-geral da PF

Programa de governo de ex-juiz deverá defender modelo parecido ao de diretores de agências

O pré-candidato a presidente Sergio Moro, durante encontro com estudantes em Teresina (PI) - @Sérgio Moro no Twitter

O pré-candidato a presidente Sergio Moro (Podemos) defenderá, em seu programa de governo, independência funcional para o diretor-geral da Polícia Federal, nos moldes da que já existe atualmente para o comando das agências reguladoras, por exemplo.

A ideia é que o diretor tenha mandato fixo e seja sabatinado pelo Senado, eliminando assim a possibilidade de ser afastado pelo presidente da República ou ministro da Justiça.

Moro acredita que, com isso, será possível evitar episódios de pressão política sobre o órgão, como ele apontou no caso que levou à sua saída do governo, em abril de 2020. Na ocasião, o então ministro acusou o presidente Jair Bolsonaro (PL) de querer mudar o comando da PF para blindar investigações sobre sua família.

O ex-juiz tem usado a posição da Anvisa no caso das vacinas como exemplo. A agência tem resistido a pressões de Bolsonaro contra a vacina.

O tema está sendo debatido por uma comissão de profissionais do Direito que preparam uma proposta para segurança, combate à corrupção e reforma do Judiciário.

A discussão ocorre em meio a um embate entre o ex-ministro e a atual direção da PF, que acusou Moro de mentir sobre críticas que fez ao trabalho da polícia nos últimos meses.

Publicado originalmente no Painel da Folha de S. Paulo, em 18.02.22. Editado por Fábio Zanini, espaço traz notícias e bastidores da política. Com Guilherme Seto e Juliana Braga.

O Brasil está se desmanchando

Para consolo ou dor dos que ficam, a morte agora tem rosto, vozes e gestos ao alcance de um clique. Cronica de Ruy Castro, na Folha de S. Paulo, edição de hoje.

As primeiras notícias falavam de chuva forte em Petrópolis, graves deslizamentos e dois mortos. Ficaram assim por horas e já eram alarmantes. De repente, um repórter disse que ouvira falar em seis mortos, ainda sem confirmação. Quando esta veio, os mortos já eram 12 e, desde então, o número não para de crescer. No momento em que escrevo, já passaram de cem. Provavelmente, como em Brumadinho, levará muito tempo para que o último desaparecido seja encontrado. Pense agora na família dele, no drama que se prolongará por meses, talvez anos.

Não são números, por mais assustadores. Cada um representa uma pessoa que trabalhou, amou, riu e cuja história só agora nos está sendo revelada, por ela não existir mais. Como nunca antes, podemos conhecê-la, ver seu rosto, porque ela nos é mostrada em seu esplendor, numa foto tirada num dia feliz —talvez na véspera— pelo celular de um amigo ou parente. A morte agora tem rosto, vozes, gestos, que, para consolo ou dor dos que ficaram, podem ser acessados com um clique. É como se a pessoa nunca se fosse de todo.

Enquanto isso continua a luta de pás, enxadas e mãos escavando a terra em buscas desesperadas. Difícil saber o pior, se encontrar ou não o que se procura. A neta abraçada à avó a dois metros da superfície, esculpidas em lama. Os velhos que não tiveram forças para correr, soterrados pelo morro que desabou inteiro. Os corpos que desceram na enxurrada, junto com os carros e árvores. Casas e pertences perdidos para sempre e os sobreviventes sem acreditar que nada lhes restou exceto a vida.

Petrópolis é mais um episódio de uma tragédia que não é de hoje, mas está se intensificando. Nos últimos meses atingiu a Bahia, Minas Gerais e São Paulo, e não ficará nisso. A pobreza, que obriga a população a ir viver nos morros, as mudanças climáticas e a histórica indiferença do Estado garantem que nada mudará.

O Brasil está se desmanchando.

Ruy Castro é Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 18.02.22

Água na fervura

Autoridades eleitorais rebatem com altivez e serenidade ofensiva de Bolsonaro

Os ministros do STF Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes - Antonio Molina/Fotoarena/Agência O Globo

A índole arruaceira de Jair Bolsonaro (PL) a todo momento cria situações difíceis para os responsáveis pela institucionalidade democrática, alvo dos ataques do presidente.

Não é possível, nem seria conveniente, responder a cada diatribe infame e no mesmo tom belicoso, ou todos seriam arrastados para a baixaria bolsonarista. Ao mesmo tempo, não se pode permitir que prosperem incólumes, como episódios banais, mentiras e ameaças mais e menos veladas aos demais Poderes e ao processo eleitoral.

Entre um risco e outro, saíram-se com serenidade e altivez os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, diante da recente e infelizmente previsível recarga de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.

O primeiro, que assumirá na próxima terça-feira (22) a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), declarou-se aberto ao diálogo e disposto a prestar os esclarecimentos desejados por todas as autoridades da República.

Delimitou, entretanto, o direito à crítica, fundamental, e os ataques que chegam ao inadmissível quando se baseiam em acusações infundadas de fraudes na apuração de votos —vale dizer, tentativas de semear o descrédito no procedimento mais básico da democracia.

Já Barroso, hoje à frente do TSE, deu à Folha uma declaração de confiança nas instituições nacionais ante arreganhos autoritários. Em suas palavras, "superamos os ciclos do atraso" e "não há risco de retrocessos", ainda que se deva manter a vigilância sempre.

O tribunal contribuiu para desarmar uma nova invencionice de Bolsonaro ao tornar público, nesta quarta-feira (16), um calhamaço de 700 páginas contendo 80 dúvidas apresentadas pelas Forças Armadas a respeito do sistema eletrônico e as respostas fornecidas.

O mandatário vinha mencionando os questionamentos —que corriam numa comissão criada para prestar informações a autoridades e representantes da sociedade— para retomar a campanha contra as urnas, alegando que "vulnerabilidades" estariam sob apuração.

Como de hábito, trata-se de mobilizar sob qualquer pretexto as hostes de seguidores fervorosos. Até durante sua viagem à Rússia, Bolsonaro achou tempo para afirmar à Jovem Pan que os ministros Fachin, Barroso e Alexandre de Moraes pretendem favorecer seu adversário, o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas.

Que se lamente o comportamento —vil para um candidato, que dirá para um presidente da República. Mas o esperneio de Bolsonaro não encobre o fato, já claro para os atores políticos e institucionais, de que haverá eleição, os votos serão apurados com lisura e o vencedor governará o país a partir de 2023.

Editorial da Folha de S. Paulo, em 18.02.22

Alemanha acusa Rússia de fazer "demandas da Guerra Fria"

Antes da abertura da Conferência de Munique, ministra alemã do Exterior diz que Moscou põe em risco a segurança europeia com exigências que remetem ao período de intensa hostilidade envolvendo a antiga União Soviética.

A Alemanha acusou a Rússia nesta sexta-feira (18/02) de colocar em risco a segurança da Europa com exigências que remetem à Guerra Fria. A declaração ocorre enquanto líderes ocidentais chegam à Conferência de Segurança de Munique, que deve ser dominada pela crise da Ucrânia.

Crescem os temores no Ocidente de que a Rússia esteja prestes a invadir o país vizinho, com os Estados Unidos alertando para um possível ataque nos "próximos dias".

Antes da cerimônia de abertura da conferência anual, a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, afirmou que Moscou precisa mostrar "passos sérios em direção à desescalada".

"Com um envio sem precedentes de tropas à fronteira com a Ucrânia e demandas da Guerra Fria, a Rússia está desafiando os princípios fundamentais da ordem de paz europeia", disse Baerbock em um comunicado.

"Usaremos Munique para enviar uma mensagem de unidade", disse Baerbock - Foto: picture alliance/dpa

Dezenas de líderes mundiais se dirigem à cidade de Munique, no sul da Alemanha, para três dias de conversas sobre assuntos de defesa e segurança. Entre eles estão a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris; o secretário de Estado americano, Antony Blinken; o chefe da ONU, António Guterres; a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen; o chefe da Otan, Jens Stoltenberg; e o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski. Até o momento, a Rússia se recusou a participar.

"Estou viajando hoje a Munique para discutir como podemos combater a lógica das ameaças de violência e escalada militar com a lógica do diálogo", afirmou a ministra alemã do Exterior. "É uma pena que a Rússia não esteja aproveitando esta oportunidade", completou Barbock.

Conversas à margem da conferência

Em reunião marcada para este sábado, ministros do Exterior do G7 – incluindo França, Reino Unido, EUA e Japão – irão discutir a crise na Ucrânia à margem da conferência. O encontro será presidido por Baerbock, uma vez que a Alemanha ocupa atualmente a presidência do G7.

"Usaremos Munique para enviar uma mensagem de unidade: estamos prontos para um diálogo sério sobre segurança para todos", afirmou a ministra alemã. "Mesmo pequenos passos em direção à paz são melhores do que grandes passos em direção à guerra. Mas também precisamos de passos sérios para a desescalada da Rússia."

Baerbock ainda fez um apelo por mais ações e menos promessas. "Declarações de vontade de conversar devem ser apoiadas por ofertas reais para conversar. Declarações de retiradas de tropas devem ser apoiadas por retiradas de tropas comprováveis", disse.

Os Estados Unidos e outros governos ocidentais afirmam não ter visto qualquer evidência da alegação russa de que começou a retirar algumas de suas forças instaladas perto da fronteira ucraniana. "Não vemos no terreno que tenha havido um movimento de tropas que marque uma retirada", afirmou Baerbock.

Enquanto Moscou nega qualquer plano de invasão, o presidente russo, Vladimir Putin, já deixou claro que o preço para remover qualquer ameaça seria a Ucrânia concordar em nunca se unir à Otan, bem como a aliança atlântica se retirar de uma faixa do Leste Europeu, efetivamente dividindo o continente em esferas de influência no estilo da Guerra Fria.

A Ucrânia está longe de se juntar à Otan, mas definiu a adesão como parte de um objetivo mais amplo de integração com as democracias da Europa Ocidental, promovendo uma ruptura histórica com a Rússia.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 18.02.22

Ao conceder Habeas Corpus, Gilmar chama TJ-SP de "anarquista institucional"

O caso envolve um homem condenado pela Justiça de São Paulo, que havia conseguido, em primeiro grau, a progressão de regime mediante o cumprimento de 40% da pena. Porém, o TJ-SP reformou a decisão e fixou o percentual de 60% para a concessão do benefício. 

Ao conceder Habeas Corpus, Gilmar Mendes chama TJ-SP de "anarquista institucional" (Felipe Sampaio / STF)

Ao conceder um Habeas Corpus para restabelecer o percentual de 40% para progressão de regime de um condenado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,  afirmou que o Tribunal de Justiça de São Paulo se comporta, em alguns casos, como "anarquista institucional".

O caso envolve um homem condenado pela Justiça de São Paulo, que havia conseguido, em primeiro grau, a progressão de regime mediante o cumprimento de 40% da pena. Porém, o TJ-SP reformou a decisão e fixou o percentual de 60% para a concessão do benefício.

A defesa, representada pelo advogado Maurício Camargo, impetrou HC sob o argumento de que a decisão do TJ-SP estaria em desconformidade com o entendimento firmado pela Suprema Corte no julgamento do ARE 1.327.963 (Tema 1.169).

"A decisão é um insulto a essa r. Suprema Corte, vez que a matéria versada nos autos já está consolidada através do julgamento pelo Plenário Virtual no ARE 1.327.963 (Tema 1.169), de relatoria do min. Gilmar Mendes, ocasião em que o Tribunal Pleno reconheceu que deve incidir o lapso temporal de 40% para progressão prisional dos condenados por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte e reincidente não específico", alegou a defesa.

Ao conceder a ordem, o ministro reconheceu que a decisão do tribunal paulista "afrontou diretamente" o Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, em sede de repercussão geral, entendeu que "a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no artigo 112 da LEP não autoriza a incidência do percentual de 60% (inciso VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão".

Na decisão, o ministro também criticou o TJ-SP e disse que a Corte paulista costuma ignorar decisões do STF: "Aliás, não é a primeira vez que o Tribunal de Justiça de São Paulo se comporta como um anarquista institucional e ignora as decisões da Suprema Corte".

Com isso, Gilmar determinou o restabelecimento da decisão proferida pelo Juízo de Execução Penal, isto é, o lapso temporal de 40% para a progressão de regime do paciente. Questionado pela ConJur, o TJ-SP informou que não comenta decisões judiciais. 

Publicado originalmente pelo Consultor Jurídico, em 17.02.22

Centro nacional que monitora desastres naturais teve menor orçamento da história em 2021, diz diretor

"Os equipamentos vão degradando com o tempo, a gente não consegue repor aqueles que a gente tem. E temos defasagem tecnológica: há equipamentos mais modernos que poderiam ser adquiridos, para substituir a atual rede."

Criado em 2011, Cemaden está longe de ter orçamento de seus anos iniciais (CEMADEN)

Em dezembro de 2015, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) entregava ao município de Petrópolis (RJ) uma moderna Estação Total Robotizada (ETR), um equipamento capaz de detectar a movimentação de terra e, assim, ajudar a detectar possíveis deslizamentos nos morros.

Mas, neste fevereiro de 2022, quando fortes chuvas levaram à morte de mais de cem pessoas no município, o equipamento não estava mais em Petrópolis, e sim em Cachoeira Paulista (SP), onde está uma unidade do Cemaden. Em 2017, as nove ETRs que a instituição havia espalhado para municípios piloto no país, incluindo Petrópolis, precisaram ser retiradas para manutenção e nunca mais voltaram, segundo conta o diretor do Cemaden, o físico Osvaldo Moraes.

"Essas estações requerem a calibração em laboratório, mas não tínhamos orçamento para isso. Preferimos retirá-las do campo do que deixá-las lá, depreciando-se. Não tínhamos recurso para fazer esta manutenção, e continuamos sem recurso", relata Moraes.

O Cemaden é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e, segundo dados enviados pelo próprio centro à reportagem, este teve em 2021 o menor orçamento desde sua criação, em 2011. No ano passado, o Cemaden recebeu R$ 17,9 milhões de verbas federais; em 2020, havia recebido R$ 20,9 milhões; e em 2012, R$ 90,7 milhões (o primeiro ano de que se há registro). Estes valores são nominais, ou seja, não incluem as variações inflacionárias.

Orçamento anual do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) . Valores em R$ . Gráfico de colunas mostra decréscimento do orçamento .

Para 2022, Moraes diz que há a previsão de uma recomposição deste orçamento, com valor anual total de R$ 23 milhões.

A BBC News Brasil pediu posicionamentos para o MCTI e para o Ministério da Economia sobre os cortes orçamentários para o Cemaden nos anos recentes, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.

Segundo o diretor do centro, os anos iniciais trouxeram os maiores volumes de verbas; entre 2015 e 2020, os valores ficaram em um mesmo patamar, até a queda em 2021. O Cemaden foi criado em 2011, meses após chuvas, enchentes e deslizamentos deixarem mais de 900 mortos da Região Serrana do Rio de Janeiro, área da qual Petrópolis faz parte.

"Esse orçamento inicial foi muito alto porque se destinava exatamente a uma coisa que o Brasil não tinha antes. Era para fazer a compra e instalação da rede de monitoramento", ressalva Osvaldo Moraes.

Alertas enviados em Petrópolis

Foto desta quinta-feira (17/2) mostra grande desabamento no morro da Oficina, em Petrópolis, Rio de Janeiro, (Reuters).

Em resumo, a função do Cemaden é, com seus equipamentos, monitorar áreas de risco — não só para enchentes, mas também para seca, entre outros — e emitir alertas para o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), que então encaminha a sinalização para as defesas civis locais.

Segundo reportagem do jornal O Globo de quarta-feira (16/2), o comandante da Defesa Civil em Petrópolis confirmou que recebeu alertas do Cemaden para o município nesta semana e, na terça-feira (15), mensagens de SMS foram enviadas à população.

Entretanto, o diretor Osvaldo Moraes diz que "nem a Nasa (agência espacial americana)" seria capaz de prever tamanho volume de chuvas que ocorreu naquele dia, e nem o local exato dos desastres com precisão: "A gente sabia que iria acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro, mas não se seria em Petrópolis, e sendo em Petrópolis, em qual local."

A meteorologista Camila Frez, que trabalha na defesa civil de um município do Rio, concorda: "Eu estava no monitoramento este dia (terça-feira), tinha sim previsão de chuvas moderadas a fortes, mas foi realmente excepcional. O núcleo de chuvas ficou sobre Petrópolis, foi realmente muito intensa."

Frez explica que uma lei de 2012 estabeleceu que a proteção e a defesa civil são responsabilidade compartilhada entre governo federal, estados e municípios, embora cada um destes tenha suas funções específicas. Por exemplo, a União é responsável por estabelecer normas e critérios na área — como quais são os critérios para se decretar calamidade pública. Ela também, na prática, estrutura sistemas como o próprio Cemaden e a Interface de Divulgação de Alertas Públicos (Idap), que permite o envio de alertas à população através de SMS e TV por assinatura.

Os estados devem ajudar os municípios na elaboração de planos de contingência e mapeamento de áreas de risco, além de articular as ações da União e cidades em seu território. Na outra ponta, os municípios são responsáveis por mapear áreas de risco, realizar simulações com a população e fornecer assistência emergencial.

"Quando a gente pensa que grande parte dos municípios não possui equipes técnicas dentro das defesas civis municipais, o Cemaden ajuda muito, porque eles têm esses especialistas. E muitas vezes (as cidades) não têm investimento para adquirir equipamentos de monitoramento, então o Cemaden ajuda nisso também, porque eles possuem equipamentos hidrológicos, geológicos e meteorológicos", explica a meteorologista, especialista em defesa civil.

Mas o próprio diretor da instituição diz que a cobertura do Cemaden é insuficiente para chegar a todos os municípios brasileiros.

"Nós temos no Brasil mais de 5 mil municípios, e a rede do Cemaden cobre apenas 30% deles. Não temos orçamento para fazer a expansão da rede de monitoramento. Esse é um gargalo", diz Osvaldo Moraes.

Segundo o físico à frente da instituição, o orçamento dos últimos anos tem possibilitado a manutenção da estrutura que já existe — mesmo assim, não da forma ideal.

"Os equipamentos vão degradando com o tempo, a gente não consegue repor aqueles que a gente tem. E temos defasagem tecnológica: há equipamentos mais modernos que poderiam ser adquiridos, para substituir a atual rede."

Radar meteorológico do Cemaden em Natal (RN) (CEMADEN)

"Temos uma rede de pluviômetros automáticos que tem 10 anos, e certamente hoje existem outras tecnologias mais modernas que poderiam substituir esses equipamentos, com menor custo de manutenção, maior durabilidade e confiabilidade", aponta.

Os cortes para o Cemaden fazem parte de um contexto de redução orçamentária para o todo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações em 2021.

Holofotes e cifras que desaparecem pouco a pouco

Presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski diz que também há verbas insuficientes, e em alguns casos quase nulas, para a prevenção e gestão de desastres direcionada aos municípios — onde "tudo arrebenta" nessas situações.

"Qualquer fato ou ato sempre acontece em um município, e é onde o cidadão mora. A União está a milhares de quilômetros, o estado está na capital, então logicamente o poder mais próximo a quem o cidadão se dirige, é a prefeitura," aponta Ziulkoski.

"O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil diz que a União compartilharia responsabilidades, forneceria assistência técnica e financeira. Só que a técnica é para inglês ver, e dinheiro, tem menos ainda."

"O município não tem recurso, então não é feita a prevenção. Isso se repete. Infelizmente, temos que dizer que isso (tragédia como em Petrópolis) vai se repetir", lamenta.

"Não adianta a lei dizer que é o município que tem que mapear áreas de risco. A pessoa não tem onde morar e vai para uma encosta, uma área de risco, e não há recurso para (o município) fornecer habitação em outra região com mais segurança."

O presidente da CNM reclama também que a cada vez que um grande desastre natural acontece, políticos da esfera federal e estadual prometem verbas — que, segundo ele, desaparecem um pouco mais a cada ano.

"A quantidade vai diminuindo até que o resto nunca vem, fica em restos a pagar", aponta Ziulkoski, lembrando do Fundo Especial para Calamidades Públicas (Funcap) que, na prática, "não tem mais nada de recurso".

Um exemplo disso apareceu em um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo no Portal da Transparência, o qual mostrou nesta quarta-feira (16) que apenas 47% do valor previsto (R$ 192,8 milhões de R$ 407,8 milhões) para o programa de prevenção e resposta a desastres do governo estadual do Rio foi de fato empenhado em 2021.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o governo estadual do Rio afirmou que "mesmo com diversas restrições financeiras em 2021" investiu "mais de R$ 300 milhões em quase 30 ações relacionadas à prevenção de desastres e emergências na Região Serrana".

"Neste ano de 2022, em apenas dois meses, o governo já empenhou R$ 115 milhões, 1/4 do que foi investido em 2021, com perspectiva de investir quase R$ 1 bilhão na região", completa a nota.

Previsão de mais eventos extremos

Foto de dezembro de 2021 mostra inundação em Ilhéus (BA) (Reuters)

A meteorologista Camila Frez diz que embora os governos precisem promover medidas estruturais como impedir a moradia em áreas de risco, medidas não estruturais como a emissão de alertas são também "essenciais".

"Como a gente não consegue eliminar totalmente os riscos, fazer todas as obras (estruturais), são as medidas não estruturais que vão minimizar os riscos de desastres", diz a especialista, destacando a importância da população fazer seus cadastros para receber alertas em suas cidades, enviando uma mensagem de SMS gratuitamente para o número 40199 com o CEP do endereço.

Para Frez, soluções como essas, estruturais ou não estruturais, envolvendo governos e população, serão cada vez mais necessárias.

"Está aumentando o número e a frequência dos desastres naturais. Com o problema das mudanças climáticas, teremos cada vez mais eventos extremos acontecendo — da seca às chuvas intensas."

Mariana Alvim -@marianaalvim, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 18.02.22

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Morre acadêmico da ABL Candido Mendes de Almeida, aos 93

Intelectual reuniu, nos anos 1970, o cardeal D. Paulo Evaristo Arns e o general Golbery para falar sobre torturas na ditadura

O acadêmico da ABL, reitor da universidade Cândido Almeida (Foto: ABL)

Morreu hoje, no Rio de Janeiro, Candido Mendes de Almeida. Ocupante da cadeira de número 35 da Academia Brasileira de Letras, sucessor do filólogo Celso Cunha. Respeitado no meio acadêmico carioca, Almeida foi professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC) e reitor da universidade que leva o sobrenome de sua família,uma das mais tradicionais  do Rio, tendo seu bisavô sido senador no Império. Ele deixa a mulher, professora e pesquisadora Margareth Dalcomo. A informação do falecimento foi antecipada pelo colunista Ancelmo Gois, de O Globo. 

Cândido Almeida tomou posse na ABL em 1990 e era um dos membros mais longevos da instituição. Bom articulador, ele trafegou entre gente de diferentes espectros políticos, tendo conseguido juntar o cardel D. Paulo Evaristo Arns e o general Golbery do Couto e Silva em uma reuião em 1974 para falar sobre as torturas realizadas pelos militares. 

O acadêmico também era dono de vários títulos, como o de Docteur Honoris Causa (Université de Paris III – Sorbonne Nouvelle) e o de Doutor em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, Universidade do Brasil.

Matheus Lopes Quirino, O Estado de S. Paulo, em 17.02.22

Barroso diz que ataques de Bolsonaro às eleições são 'repetição mambembe' de Trump

 Em despedida do TSE, ministro do STF fez discurso em defesa da segurança do sistema eleitoral e críticas às campanhas pelo voto impresso e contra as urnas eletrônicas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fez nesta quinta-feira sua última sessão presidida pelo ministro Luís Roberto Barroso que, em discurso, criticou os ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao sistema eleitoral e às urnas, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e condenou a campanha do mandatário e seus apoiadores a favor do voto impresso.

— Boa parte do ano de 2021 foi gasto com uma discussão desnecessária, que significaria um retrocesso, a volta do voto impresso. O sistema é seguro, transparente e auditável — disse o ministro, lembrando que uma proposta sobre o voto impresso foi rejeitada pela Câmara dos Deputados e que a adoção do voto impresso já foi julgada inconstitucional pelo STF.

No próximo dia 22, assume o comando do TSE o ministro Edson Fachin, que passará o cargo para o ministro Alexandre de Moraes em agosto.

Em relação ao combate à desinformação durante sua gestão, Barroso afirmou que houve casos graves de manipulação grosseira de notícias, com ataques às instituições e outros comportamentos "inaceitáveis".

— O TSE montou uma estratégia de guerra para combater a desinformação na campanha de 2020. Imprensa profissional é um dos antídotos contra esse mundo da pós verdade e dos fatos alternativos, disfarces para mentira e as notícias fraudulentas — disse.

De acordo com Barroso, "o foco principal não foi o controle de conteúdo, mas o combate a comportamentos inautênticos, gente contratada para amplificar as notícias falsas: são os mercenários que fazem mal à democracia.

No discurso, Barroso disse também que "nos últimos tempos" a democracia e as instituições "passaram por ameaças das quais acreditávamos já haver nos livrado".

— Não foram apenas exaltações verbais à ditadura e à tortura, mas ações concretas e preocupantes —, afirmou o ministro.

Entre essas as ameaças, Barroso elencou, conforme disse em entrevista ao GLOBO, as manifestações em frente ao Exército que pediam a volta da ditadura militar, da qual Bolsonaro participou e a manifestação de 7 de Setembro com discursos antidemocráticos e com ofensas a ministros do STF e ameaças de não mais cumprir decisões judiciais, além de pedido de impeachment de ministro do STF "em razão de decisões judiciais que desagradavam".

Barroso ainda disse que o TSE procurou fazer sua parte na "resistência aos ataques à democracia" e voltou a afirmar que as reiteradas afirmações de Bolsonaro sobre supostas fraudes nas urnas fazem parte de uma estratégia "das vocações autoritárias".

— Aliás, uma das estratégias das vocações autoritárias em diferentes partes do mundo é procurar desacreditar o processo eleitoral, fazendo acusações falsas e propagando o discurso de que “se eu não ganhar houve fraude”. Trata-se de repetição mambembe do que fez Donald Trump nos Estados Unidos, procurando deslegitimar a vitória inequívoca do seu oponente e induzindo multidões a acreditar na mentira —, criticou. 

Em uma entrevista coletiva concedida após o encerramento da sessão de despedida, Barroso avaliou que o TSE está mais preparado para combater disparos em massa e divulgação de notícias falsas do que em 2018, e voltou a afirmar que a suspensão do Telegram pode ser uma medida adotada caso a Corte seja acionada.

— Não é possível termos em funcionamento no país aplicativos e plataformas que não respeitem as regras vigentes no país —, afirmou. 

Decisões

O ministro ainda elencou, entre as medidas tomadas pelo TSE durante sua gestão, a decisão que reconheceu que a prática da denominada "rachadinha" configura ato doloso de improbidade administrativa, "que importa lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito e enseja o indeferimento do registro de candidatura".

— Infelizmente, trata-se de prática corrupta recorrente, em que recursos são desviados dos cofres públicos para benefício particular —, apontou o ministro.

Outro julgamento da Corte eleitoral que foi destacado por Barroso aconteceu em novembro do ano passado, quando os ministros decidiram que "a acusação falsa formulada por um candidato, e disseminada em redes sociais no dia das eleições, de que as urnas estavam fraudadas configura abuso de poder político e uso indevido de meio de comunicação". O deputado estadual alvo da ação foi cassado.

— Parte da estratégia mundial de ataque à democracia é procurar minar a credibilidade do processo eleitoral, abrindo caminho para a quebra da institucionalidade —, disse. 

Homenagens

Em uma fala em homenagem a Barroso, Fachin afirmou que a atuação "proba, justa e transparente" de Luís Roberto Barroso "guiou" o tribunal mesmo nas situações de "ameaças de um passado sombrio não tão longínquo" que rondaram a Corte "dia e noite”.

— Vossa excelência defendeu incansavelmente – e com maestria – os valores democráticos e despertou a reflexão das cidadãs e dos cidadãos brasileiros no sentido de que o voto não é um mero direito, mas sim uma verdadeira oportunidade de escrever e reescrever a história do país —, disse Fachin.

Ainda durante a sessão, o ministro Alexandre de Moraes disse que conviver com Barroso foi um "grande aprendizado" e que o presidente do TSE deixa "legado importantíssimo de trabalho", além de "lealdade a valores da Justiça" e "avanço ao combate ao cupim que vem corroendo as instituições democráticas, as notícias fraudulentas”.

Mariana Muniz para O Globo, em 17.02.22 às 16:56

STF mantém restrições à propaganda eleitoral em jornais e na internet

Em julgamento, 6 ministros foram contra e 4 a favor de mudar regras atuais

Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal. Foto: Rosinei Coutinho / STF

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter as restrições atualmente impostas à propaganda eleitoral em jornais impressos e na internet.

Parte do pacote de ações em análise na corte e que poderia afetar as eleições de outubro, o tema dividiu o plenário do STF e provocou um longo debate. Iniciado na semana passada, o julgamento foi concluído nesta quinta-feira (17).

Foram 6 votos a 4 contra o abrandamento das regras relativas à publicidade de candidaturas em meios impressos e na internet. Um dos ministros votou para atender ao pedido parcialmente.

A maioria dos ministros entendeu que as limitações em vigor não ferem princípios de isonomia, da livre concorrência, das liberdades de expressão, imprensa e informação. Além disso, frisaram o risco de mudanças nas regras meses antes da eleição.

Alguns dos magistrados afirmaram que a desregulamentação do tema embute o risco de proliferação de plataformas que se apresentam como empresas de comunicação e atuam, na verdade, para agravamento do ambiente de desinformação na internet.

Eles cobraram do Legislativo a aprovação de lei que balize o funcionamento de empresas de serviço de mensagens e de redes sociais no Brasil. Atualmente em análise na Câmara, o PL (projeto de lei) da Fake News se propõe a essa tarefa.

Autora da ADI (ação direta de inconstitucionalidade), a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) argumentou que a restrição à publicidade em veículos impressos é desproporcional, inadequada e não atinge seus objetivos. Afirmou também que as restrições atuais abrem mais espaço para as fake news.

De acordo com a Lei das Eleições ​(Lei 9.504/1997), a propaganda em ​meios de comunicação impressos se restringe a dez anúncios por candidato, por veículo e em datas diversas.

A peça publicitária não pode ocupar mais de 1/8 de página de jornal padrão e de 1/4 de página de revista ou tabloide. A divulgação pode ocorrer até a antevéspera das eleições.

Quanto à internet, a lei veda a veiculação de propaganda eleitoral paga, admitindo somente o impulsionamento de conteúdo devidamente identificado. Há impedimento também a que uma empresa qualquer difunda propaganda eleitoral em site próprio, mesmo que gratuitamente.

Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, não é possível alterar regras antigas e consolidadas sobre propaganda eleitoral há menos de um ano do pleito.

Medeiros afirmou que as restrições são uma opção legítima do legislador e que qualquer mudança deve ocorrer pela via legislativa.

Relator da ADI, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, opinou pela procedência do pedido por entender que as restrições legais violam os princípios como a livre concorrência e a liberdade de expressão.

Fux afirmou que propaganda eleitoral deve ser regulada de modo a assegurar a igualdade de condições entre os candidatos, mas a legislação atual contém expressiva diferença de tratamento.

Para ele, a vedação da propaganda paga na internet causa um desequilíbrio injustificado entre as diferentes plataformas de comunicação.

O presidente da corte afirmou que o impulsionamento de conteúdo eleitoral remunerado autorizado pela lei beneficia empresas gestoras de redes sociais. Por outro lado, ficam prejudicadas as empresas jornalísticas, proibidas de se financiarem com a propaganda eleitoral na internet.

Em relação aos veículos impressos, Fux entendeu que a existência de novos e variados meios de transmissão de informação pela internet tornou inadequadas as limitações quantitativas, espaciais e temporais aos anúncios nos jornais.

Existem, segundo ele, instrumentos legais eficazes para assegurar a igualdade de chances e combater o abuso do poder econômico no pleito. Citou, como exemplos, o dever de transparência na propaganda eleitoral, o limite de gastos em campanhas e a proibição ao financiamento destas por pessoas jurídicas.

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Fux foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia.

Autor de voto pela improcedência do pedido por entender válidas as restrições, o ministro Kassio Nunes Marques afirmou que a propaganda eleitoral "não se presta a alavancar negócios e muito menos a gerar receitas a jornais, revistas ou tabloides".

"Trata-se de uma opção política do legislador sobre onde e como devem ser gastos os recursos provenientes do recurso eleitoral. Não há nisso, penso eu, nenhuma violação à liberdade de expressão", afirmou.

Kassio destacou que apenas o Legislativo pode alterar as restrições legais impostas à propaganda eleitoral questionadas pela ANJ.

Destacou ainda que, embora a Lei das Eleições seja de um período em que a internet não tinha tanta influência na disputa eleitoral, esse fator, por si só, não constitui uma inconstitucionalidade.

Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes se alinharam ao entendimento de Kassio.

André Mendonça, por sua vez, atendeu em parte o pedido da ANJ, por entender que deve ser admitida a propaganda paga em sites de jornais na internet. No entanto, para ele, limitações para jornais impressos devem prosseguir, dentro de parâmetros a serem estabelecidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Marcelo Rocha, de Brasília para a Folha de S. Paulo, em 17.02.22, às 19h37

Brasil busca 140 vítimas das chuvas após recuperar mais de cem corpos em Petrópolis

As autoridades alertam para um risco muito alto de novos deslizamentos de terra após as chuvas, que já deixaram pelo menos 104 mortos. "Vai ser difícil encontrar alguém vivo", avisa um vizinho

Equipes de resgate carregam corpos de vítimas do deslizamento de terra em Petrópolis, em 16 de fevereiro. (Ricardo Moraes / Reuters)

As equipes de resgate mobilizadas na cidade brasileira de Petrópolis ainda procuram pelo menos 140 vítimas depois de terem localizado até quinta-feira os corpos de mais de uma centena de pessoas mortas pela tempestade que na noite de terça-feira trouxe terror, desolação e devastação a este município serrano próximo Rio de Janeiro. “No momento, registramos 104 mortes. E também há 24 resgatados com vida”, explicou a Defesa Civil. Cinquenta bombeiros retomaram as tarefas de resgate ao amanhecer em busca de vítimas na lama, enquanto as autoridades alertam para o risco muito elevado de novos deslizamentos devido às fortes chuvas previstas para esta quinta e sexta-feira.

Petrópolis é uma cidade muito turística, localizada a 70 quilômetros do Rio de Janeiro, que com seu clima frio atraiu o imperador Pedro II, que se instalou ali quando fazia muito calor na então capital. O antigo palácio de verão agora abriga o Museu Imperial.

O Exército aderiu à operação com soldados e equipamentos para liberar as ruas. Alguns vizinhos também colaboram na busca das vítimas. “Fui criado aqui, conheço todo mundo. Eu vim para ajudar a equipe (de resgate). É surreal. Infelizmente, será difícil encontrar alguém vivo", explicou Luciano Gonçalves, 26 anos, à Agence France Presse, enquanto procurava, com a enxada na mão, a lama que tomou conta de grande parte da cidade.

As equipes de resgate trabalham no que o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro, descreveu a princípio como um teatro de guerra. Os bombeiros vasculham a lama com tratores, cães, barcos e até aeronaves. A polícia também enviou cerca de 200 agentes nesta cidade de 300.000 habitantes para coletar e cruzar informações sobre pessoas cujo paradeiro é desconhecido para elaborar uma lista oficial. Antes da atualização desta quinta-feira de manhã, havia 35 desaparecidos.

Especialistas concordam que catástrofes dessa magnitude se devem a uma combinação de fatores. Nesse caso, eles apontam para as fortes chuvas, a topografia da região e, como em outras tragédias semelhantes que chocam periodicamente o Brasil, a fragilidade das favelas construídas ilegalmente em áreas íngremes por famílias que não têm condições de morar em outros lugares. As autoridades registraram em Petrópolis mais de 300 deslizamentos de terra, além de enchentes e quedas de árvores.

Na noite de terça-feira, as nuvens descarregaram sobre a cidade o volume de água esperado para todo o mês de fevereiro. Foi uma tempestade histórica. O governador Castro garantiu que foi “a pior chuva desde 1932”. De qualquer forma, esta cidade e outras vizinhas sofreram uma tragédia ainda maior há pouco mais de uma década. Uma tempestade em 2011 na mesma época, no meio da estação chuvosa, matou mais de 900 pessoas na região.

Desde dezembro, o Brasil sofreu outras tragédias menores devido às chuvas extremas nos estados da Bahia, São Paulo e Minas Gerais.

Naiara Galarraga Gortazar, a autora deste artigo, é correspondente do EL PAÍS no Brasil. Anteriormente, foi vice-chefe da seção Internacional, correspondente para as Migrações e enviada especial. Trabalhou nas redações de Madri, Bilbao e México. Durante uma pausa em sua carreira no jornal, foi correspondente em Jerusalém da Cuatro/CNN+. É licenciada e mestre em Jornalismo (EL PAÍS/UAM). Publicado originalmente em 17.02.22.

Um juiz ordena que Trump e dois de seus filhos testemunhem sob juramento sobre seus negócios

A decisão também afeta Ivanka Trump e Donald Trump Jr. Os três podem se beneficiar da quinta emenda e não responder perguntas do promotor público de Nova York

Donald Trump beija sua filha Ivanka na frente de Donald Trump Junior em um comício de campanha em New Hampshire em fevereiro de 2020. (Rick Wilkin / Reuters)

Donald Trump deve passar por interrogatório e responder sob juramento na investigação civil sobre os supostos crimes fiscais de seu empório Trump Organization, liderado pelo procurador do distrito de Nova York, conforme decisão quinta-feira do juiz da Suprema Corte de Nova York, Arthur Engoron . Os filhos da ex-presidente Ivanka Trump e Donald Trump Jr. também terão que comparecer à intimação da procuradora-geral do estado, Letitia James, no prazo máximo de 21 dias.

Um dos advogados de Trump já anunciou que vai recorrer da decisão. Se eles finalmente enfrentarem perguntas da promotoria, podem respondê-las ou aproveitar a quinta emenda da Constituição para não testemunhar. Engoron negou o pedido da família do ex-presidente para anular as citações de James no caso civil ou adiá-las até a conclusão da investigação criminal paralela conduzida pelo Gabinete do Procurador Distrital de Manhattan.

Quando outro filho de Trump, Eric Trump, e o ex-chefe financeiro da Organização Trump Allen Weisselberg foram a uma intimação da promotoria em 2020, eles invocaram essa emenda centenas de vezes. A defesa do ex-presidente acusou James, um democrata, de tentar obter informações no processo civil que possam servir de material para o processo criminal. Trump “terá o direito de se recusar a responder a qualquer pergunta que, segundo eles, possa incriminá-los, e essa recusa não poderá ser comentada ou usada contra ele em um processo criminal”, escreveu o juiz da Suprema Corte de Nova York.

Engoron divulgou a decisão após uma aparição de duas horas de advogados de Trump e James. “Em última análise, um procurador-geral do estado começa a investigar uma entidade empresarial, descobre evidências abundantes de possível fraude financeira e quer questionar, sob juramento, vários dos diretores das entidades, incluindo seu homônimo. Ela tem todo o direito de fazê-lo", dizia o documento judicial de oito páginas assinado pelo juiz.

A promotoria de Nova York investiga há anos possíveis crimes cometidos pelo conglomerado empresarial do magnata para determinar se a empresa fez declarações "fraudulentas ou enganosas" do valor de vários imóveis e propriedades, que eles superfizeram para obter empréstimos bancários. Trump disse na terça-feira que o trabalho de James é uma "investigação falsa sobre uma grande empresa que fez um trabalho espetacular para Nova York" e uma "continuação de uma caça às bruxas racialmente motivada como nunca foi vista" nos Estados Unidos.

Em dezembro passado, Trump entrou com uma ação no tribunal federal contra James por uma suposta violação de seus direitos constitucionais. Ele a acusou de que sua investigação é "guiada apenas por animosidade política e pelo desejo de assediar, intimidar e retaliar um cidadão comum que ela considera um oponente político".

O processo civil de James avança em paralelo com a investigação criminal liderada pela promotoria de Manhattan para determinar se Trump ou sua organização falsificaram o valor das propriedades para obter acesso a potenciais credores e, assim, garantir o financiamento. No verão passado, o Gabinete do Procurador Distrital de Manhattan acusou a empresa de Trump de manter um plano "esmagador e audacioso" por 15 anos para fraudar o Tesouro, e o então diretor financeiro Weisselberg de esconder uma renda no valor de 1,7 milhão de dólares, permitindo-lhe sonegar cerca de US$ 900.000 em impostos. .

Antonia Laborde, a autora deste artigo, é Correspondente do EL PAÍS em Washington desde 2018. Trabalhou na Telemundo (Espanha), no jornal econômico Pulso (Chile) e no meio online El Definido (Chile). Mestre em Jornalismo pelo EL PAÍS. Publicado originalmente em 17.02.22

Covid-19: Brasil registra 1.128 mortes e mais de 131 mil novos casos em 24 horas

Com isso, o país totaliza 641.902 vítimas da pandemia até o momento.

O Brasil registrou 1.128 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) desta quinta-feira (17/2). (Reuters)

O Brasil está com um patamar alto em número de novos casos: nesta quinta-feira foram mais 131.049 oficialmente registrados. O país já tem 27.937.835 casos da doença confirmados desde o início da pandemia.

Como os registros de casos e mortes ficam acumulados em fins de semana e feriados, um indicador considerado mais fiel à situação atual é a média móvel de casos e óbitos nos últimos sete dias.

Nesta quinta, a média móvel de casos corresponde a 116.905, com tendência de queda nos últimos dias, após um período de alta e de quebra de recordes. A média móvel de mortes foi de 841.

Esse patamar é semelhante ao observado em agosto do ano passado - embora mais baixo em comparação aos picos de mortes da pandemia, em abril de 2021, quando a média de mortes ultrapassou 3,1 mil.

O aumento recente de casos e mortes pela covid-19 é atribuído em grande parte à variante ômicron.

De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram globalmente em número de casos (78,2 milhões) e óbitos (929,8 mil).

Em relação aos casos oficialmente registrados, em 2ª lugar vem a Índia (42,7milhões), e depois o Brasil.

Em mortes, o Brasil está, de acordo com dados oficiais, em segundo lugar o mundo — embora a subnotificação de casos e mortes em diversos países (como Brasil, Rússia e Índia) torne as comparações mais complexas.

BBC News Brasil, em 17.02.22

Bolsonaro paga a conta

Bolsonaro acerta contas com o Centrão para que possa seguir com sua campanha pela reeleição

Por meio de um decreto publicado no dia 11 passado, o presidente Jair Bolsonaro (PL) autorizou o pagamento de R$ 25 bilhões em emendas parlamentares até as eleições de outubro. É um recorde até mesmo para os padrões de sua administração, já notabilizada por ter liberado valores sem precedentes a título de emendas parlamentares, malgrado ser o governo que menos conseguiu converter em lei projetos de sua iniciativa ou interesse.

Do montante total liberado por Bolsonaro, quase a metade será paga por meio das emendas do relator-geral do Orçamento da União, as chamadas emendas RP-9, sustentáculo do “orçamento secreto”, mecanismo que o presidente engendrou, como revelado pelo Estadão, para comprar um arremedo de base de apoio no Congresso. Ou seja, não haverá qualquer tipo de transparência sobre cerca de R$ 12 bilhões de que poderão dispor os parlamentares aliados do governo neste ano eleitoral. Como também não houve transparência sobre a origem e o destino de outros tantos bilhões de reais liberados por emendas RP-9 em 2020 e 2021, ao arrepio de nada menos do que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

A autorização de Bolsonaro para o pagamento recorde de emendas parlamentares não significa que todo o dinheiro estará disponível de imediato. Para organizar minimamente a farra, o governo estabeleceu um limite para a execução das verbas oriundas das emendas de relator. De acordo com o decreto, até março poderão ser gastos “apenas” R$ 2,7 bilhões a título de emendas RP-9. Até setembro, o montante chegará a R$ 12 bilhões.

Seguramente, o governo será muito pressionado a respeito da liberação desses recursos, tanto por parlamentares como por membros da própria equipe econômica que ainda resistem bravamente à predação do orçamento público. Embora seja muitíssimo significativo – basta dizer que o valor das emendas RP-9 supera o orçamento de muitos Ministérios –, os valores parecem pouco para atender à voracidade dos beneficiários em potencial, sobretudo porque muitos deles estão em plena campanha para renovar seus mandatos e querem receber o dinheiro bem antes de outubro.

O “árbitro” dessa disputa por dinheiro público em que só o contribuinte sai perdendo será o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), prócer do Centrão a quem Bolsonaro, por meio de outro decreto, deu poder decisório sobre a execução orçamentária, uma prerrogativa que era do Ministério da Economia.

Com a autorização do pagamento recorde de emendas parlamentares em 2022, Bolsonaro faz um novo acerto de contas com o Centrão para que possa prosseguir em sua campanha pela reeleição sem ser fustigado pelo Congresso.

Passam de 140 os pedidos de impeachment contra o presidente da República que dormitam na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Para a parte da sociedade representada nesses pedidos, os documentos simbolizam a indignidade e a inaptidão de Bolsonaro para o cargo. Para os caciques do Centrão, a “papelada” é a chave que abre uma via de acesso ao Orçamento da União com a qual, antes de Bolsonaro, eles apenas sonhavam.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17.02.22

Lula promete o atraso

Ao falar da omissão petista na promoção das reformas, Lula diz que o País não precisa delas. Eis os fatos: não houve e nunca haverá governo do PT reformista

A razia bolsonarista demanda a eleição de um presidente disposto a trabalhar dobrado na reconstrução do País. A bem da verdade, a crise política, econômica, social e, sobretudo, moral que está arruinando o Brasil começou muito antes, durante o trevoso mandarinato lulopetista, e culminou na eleição de Jair Bolsonaro – mau militar, mau deputado e mau presidente. Ou seja, com exceção do breve intervalo do governo de Michel Temer, que representou um instante de racionalidade reformista em meio a tanta irresponsabilidade demagógica, já se vão 20 anos de retrocesso e destruição do futuro.

Se depender de Lula da Silva, no entanto, o atraso será transformado de vez em política de Estado. Pois o líder das pesquisas de intenção de voto para presidente diz, sem qualquer constrangimento, que o País, pasme o leitor, não precisa de reformas – justamente os instrumentos indispensáveis para modernizar o Brasil, criando as condições para o desenvolvimento pleno de sua imensa potencialidade.

No dia 15 passado, Lula deu uma entrevista à rádio Banda B, de Curitiba, na qual a entrevistadora ousou lhe perguntar por que ele, quando esteve na Presidência, não promoveu “as reformas que o País tanto precisava”, embora tivesse apoio da maioria no Congresso. Ótima pergunta. Lula não se deu ao trabalho nem ao menos de afetar algum ânimo reformista. De bate-pronto, respondeu: “Mas quem é que disse que o Brasil precisava das reformas?”.

É esse o candidato que se apresenta para o trabalho de “reconstrução e transformação do Brasil”, conforme se lê num papelucho apresentado pelo PT em 2020 como um plano para o futuro – melhor seria qualificá-lo de ameaça.

Ora, quem é contra as reformas – seja as que ainda não foram feitas, seja aquelas que já foram aprovadas, como a trabalhista e a previdenciária, e evitaram que o País afundasse ainda mais na crise – não está interessado em reconstruir nada. Não haverá solidez em nenhum projeto de governo nem de país se este não estiver escorado em amplas e profundas reformas; fora disso, resta apenas o populismo estatólatra.

Esta é a verdade sobre Lula e o PT: não fizeram as reformas porque consideram que o País não precisa delas. A omissão petista ao longo de 14 anos não se deu por uma questão circunstancial – ou seja, nem sequer se deram ao trabalho de tentar encaminhar alguma reforma de vulto. Lula e o PT não fizeram as reformas porque não quiseram e continuam a não querer.

A resposta de Lula é um acinte, especialmente com os desempregados e com as famílias mais vulneráveis. O Estado, inchado, perdulário e dominado por interesses privados, é incapaz de prestar os serviços básicos para a população, além de drenar recursos que deveriam ser investidos em desenvolvimento e na geração de empregos, mas Lula acha que não há necessidade de reformar nada. Em sua visão, o País não precisaria de nenhuma mudança estrutural. Ou seja, tudo pode ficar como está.

Se a resposta de Lula é constrangedora pelo descaramento com que admite a omissão petista, é ainda mais assustadora pelo que revela a respeito do presente e do futuro. O declarado desprezo do líder petista pelas reformas deveria ser suficiente para antever um porvir sombrio, caso se confirme o favoritismo de Lula e o PT volte ao poder, apesar do histórico de corrupção e incompetência.

A despeito das articulações de Lula para posar de centrista, é preciso ser muito ingênuo para acreditar que um dia haverá um governo do PT reformista. Lula, fiel à sua natureza, aproveita-se das reformas que outros fizeram, colhe os frutos e a popularidade das mudanças estruturais que outros implementaram, mas ele mesmo não quer fazer nada. Lula não está disposto ao trabalho árduo de promover mudanças legislativas estruturais, politicamente difíceis e que exigem contrariar interesses de setores organizados. Prefere ridicularizá-las.

A educação, a saúde, a economia e tantos outros setores fundamentais do País precisam urgentemente das reformas para funcionarem melhor. Basta de populismo negacionista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17.02.22

Bolsonaro critica Fachin e diz que ministros do STF querem deixá-lo inelegível

Para presidente, magistrados agem em favor de Lula e futuro presidente do TSE admite não confiar no sistema eleitoral

Jair Bolsonaro sempre defendeu o voto impresso e, no ano passado, chegou a ameaçar a realização das eleições sem a adoção desse modelo. Foto: Gabriela Biló/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro atacou ontem o Supremo Tribunal Federal (STF) e disse que os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso querem torná-lo inelegível, “na base da canetada”, para beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu principal adversário na disputa ao Palácio do Planalto neste ano. Bolsonaro também criticou declarações de Fachin, que, em entrevista ao Estadão, afirmou que a Justiça Eleitoral “já pode estar sob ataque de hackers” e citou a Rússia como origem da maior parte dessa ofensiva.

“Não estou na Rússia para programar ataque hacker a computadores do Tribunal Superior Eleitoral”, disse Bolsonaro, em entrevista à Jovem Pan News, diretamente de Moscou. Fachin assumirá o comando do TSE no próximo dia 22 e tem demonstrado preocupação com a disseminação de informações falsas na campanha. “O próprio Fachin acaba de comprovar, no meu entender, que não tem confiança no sistema eleitoral. Eu não sei o que está passando na cabeça deles. Se o sistema eleitoral é inviolável, por que essa preocupação? Acabaram de comprovar que existe e pode ser violável”, declarou o presidente, classificando a manifestação de Fachin como “constrangedora”, no momento em que ele se encontra na Rússia.

Sigilo

Bolsonaro sempre defendeu o voto impresso e, no ano passado, chegou a ameaçar a realização das eleições sem a adoção desse modelo. Na entrevista à Jovem Pan News, o presidente também acusou Moraes de ter quebrado o sigilo telefônico de um de seus ajudantes de ordens. Segundo Bolsonaro, a medida teria sido tomada no inquérito que apura se ele divulgou informações sigilosas, em live, de investigação sobre ataque às urnas.

“Para mim foi uma surpresa quando recebemos por escrito um pedido de audiência do Fachin, juntamente com o ministro Alexandre, que tem vários inquéritos contra mim, contra meu ajudante de ordens”, disse Bolsonaro, numa referência à visita que os dois magistrados fizeram a ele no Planalto, recentemente, para entregar o convite da cerimônia de posse no TSE. Fachin vai substituir Barroso. Moraes ocupará a cadeira de vice e, em meados de agosto, no início oficial da campanha, será o presidente do TSE.

“Foi quebrado o sigilo telefônico do meu ajudante de ordens na questão de vazamentos e isso permitiu a Moraes ter acesso à troca de mensagens entre mim e o ajudante de ordens”, disse Bolsonaro. “Difícil continuar três ministros do STF agindo dessa maneira. É uma perseguição clara (...). Essas três pessoas (Fachin, Barroso e Moraes) não contribuem com o Brasil em nada.”

Ainda na entrevista, Bolsonaro afirmou que vai analisar as explicações do TSE aos questionamentos das Forças Armadas sobre o funcionamento da urna eletrônica. “Ou nós vamos concordar ou discordar totalmente, de forma técnica”, disse ele. A participação das Forças na preparação das eleições é inédita e se dá a convite do TSE, após Bolsonaro pôr em dúvida a lisura do processo e a segurança das urnas.

Procurados, Fachin, Moraes e Barroso não quiseram se manifestar sobre as declarações do presidente.

Bruno Luiz e Giordanna Neves , de Brasília para O Estado de S.Paulo, em 16.02.22

TSE torna pública resposta aos militares sobre urna eletrônica após insinuações de Bolsonaro

Comissão de Transparência mantinha conteúdo sob reserva; documento é divulgado diante de vazamentos parciais


O presidente do TSE ministro Luís Roberto Barroso (centro) realiza o inicio do processo de transição da Presidência com o ministro Edson Fachin (à esq.), próximo presidente do TSE, com a presença do ministro Alexandre de Moraes - Antonio Molina - 15.fev.22/Fotoarena/Agência O Globo

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou as perguntas feitas pelo Exército e as respostas da corte eleitoral sobre o sistema eletrônico de votação.

O material reforça o que a corte eleitoral vem sustentando nos últimos meses de que as urnas eletrônicas são seguras para rebater falas do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a suposta vulnerabilidade dos equipamentos.

O presidente do TSE ministro Luís Roberto Barroso (centro) realiza o inicio do processo de transição da Presidência com o ministro Edson Fachin (à esq.), próximo presidente do TSE, com a presença do ministro Alexandre de Moraes - Antonio Molina - 15.fev.22/Fotoarena/Agência O Globo

Em nota desta quarta-feira (16), o TSE afirmou que a Comissão de Transparência Eleitoral, instalada em setembro de 2021, mantinha o conteúdo dessa discussão sob reserva. Porém, diante o vazamento da existência e do teor das perguntas, resolveu divulgar os documentos que contêm as perguntas formuladas pelas Forças Armadas e as respostas elaboradas pela área técnica da Corte Eleitoral.

​São dois documentos que, juntos, somam mais de 700 páginas. No primeiro, estão listados 48 quesitos e as respectivas respostas. O segundo arquivo reúne anexos, incluindo legislação, que complementam as explicações dadas pela STI (Secretaria de Tecnologia da Informação) do tribunal.

O TSE informou às Forças Armadas que "aprimora rotineiramente seus procedimentos" e que realiza testes de segurança sobre seus sistemas, tanto por equipe interna quanto por equipe externa que atua sob contrato específico. Os testes visam a correção de vulnerabilidades eventualmente encontradas e da verificação dessas correções.

"A cada ciclo eleitoral os sistemas são atualizados, aprimorados e, antes de serem submetidos à assinatura digital e lacração, passam por baterias de testes locais, testes em campo, testes de desempenho e simulados nacionais que garantem o pleno e bom funcionamento desses", afirmou o tribunal.

A corte listou uma série de procedimentos voltados para a segurança durante todo o processo eleitoral, incluindo o dia das eleições.

Destacou, por exemplo, a existência de uma sala-cofre certificada pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que protege o órgão contra vandalismo, ocorrências físicas de incêndio, alagamento, possivelmente queda do prédio e outros.

A decisão de divulgar o material foi tomada em conjunto pelo atual presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, e pelos seus sucessores, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Consideram que as informações prestadas às Forças Armadas a respeito do processo eletrônico de votação são de interesse público e não impactam a segurança cibernética da Justiça Eleitoral.

No ofício que acompanha os documentos enviados ao general Heber Garcia Portella, que é Centro de Defesa Cibernética do Comando de Defesa Cibernética do Exército, Barroso destacou que as perguntas são de grande relevância e fazem parte de reflexões, aquisições e programações futuras do órgão.

Enfatizou que as informações que envolvem a cibersegurança dos sistemas eleitorais precisam ser tratadas com o máximo de reserva, para não se criar vulnerabilidades ou facilitar ataques.

"Infelizmente, há maus precedentes nessa matéria", disse o magistrado, numa referência ao vazamento de informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal que apura ataque hacker a sistemas da Justiça Eleitoral em 2018, anos das últimas eleições gerais.

O material foi divulgado por Bolsonaro e aliados durante transmissão ao vivo em agosto do ano passado, como parte da estratégia para encampar a tese de que o resultado das urnas eletrônicas é manipulável.

"Informações sensíveis, que facilitam a atuação criminosa, foram divulgadas em rede mundial", afirmou o presidente do TSE.

Sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), Bolsonaro é investigado nesse episódio.

Encarregada da apuração, a PF disse ter visto crime de Bolsonaro em sua atuação no vazamento de dados sigilosos sobre o suposto ataque ao sistema da Justiça Eleitoral.

Moraes encaminhou as conclusões da polícia para manifestação do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Marcelo Rocha, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado ooriginalmente em 17.02.22

Nota oficial contra Moro empurra Polícia Federal para debate eleitoral

Comunicado acusa ex-ministro de ataques 'descabidos' e provoca polêmica dentro e fora da PF

O ex-juiz Sergio Moro, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro - Everson Bressan - 01.nov.2019/Fotoarena/Folhapress

A decisão de Paulo Maiurino, diretor-geral da Polícia Federal, de rebater declarações do ex-ministro e presidenciável Sergio Moro (Podemos) empurrou a instituição para dentro do debate eleitoral.

Por meio de nota divulgada nesta terça-feira (15), a PF acusou Moro de mentir nas declarações que tem feito sobre o trabalho que o órgão desempenha nos últimos meses.

A PF atacou também o ex-juiz por sua atuação na passagem no Ministério da Justiça, do qual a polícia é subordinada.

Segundo o texto da Polícia Federal, Moro desconhece a corporação e não se envolveu quando teve oportunidade, ficando fora de todos os debates que tratavam de interesses dos servidores.

A nota provocou polêmica dentro e fora da corporação. Moro deixou o ministério em abril de 2020 ao acusar Jair Bolsonaro (PL) de inferência na PF e hoje se apresenta como pré-candidato à sucessão do presidente.

Como mostrou a Folha, a cúpula da PF vinha desde o ano passado sustentando internamente um discurso de preocupação com eventual exploração da atuação do órgão durante a campanha eleitoral.

Agora, diz que foi preciso reagir publicamente aos ataques do ex-ministro para fazer a defesa institucional da corporação. Alega que Moro faz discurso eleitoreiro "vazio" porque não teria havido mudança significativa em termos operacionais entre o período em que foi ministro (janeiro de 2019 a abril de 2020) e o atual.

Ela lembra que aliados de Bolsonaro são alvos de investigação por ataques infundados ao STF (Supremo Tribunal Federal) e a seus integrantes.

Alega ainda que a manifestação conta com o respaldo de uma parcela significativa de servidores da PF. Cita a insatisfação deles com Moro por não brigar pela categoria durante a discussão da reforma da Previdência realizada pelo atual governo.

A passagem do ex-juiz pelo Ministério da Justiça foi muitas vezes criticada internamente na corporação, mas a gestão do diretor Maiurino também é alvo de ressalvas por parte de quadros que ocuparam posições relevantes em gestões anteriores ao próprio Moro.

O delegado Paulo Maiurino é diretor-geral da Polícia Federal - Alesp

Em redes sociais, integrantes da PF fizeram críticas ao comunicado. O delegado Alexandre Saraiva foi ao Twitter e escreveu que "'a verdade dói'", compartilhando o link do comunicado.

O policial foi responsável por apresentar no Supremo uma notícia-crime contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles por supostamente ter atrapalhado investigações de exploração ilegal de madeira. O político sofreu desgaste e acabou deixando o cargo.

Em outra publicação, replicada por Moro, anotou: "Nota da PF de ontem: 'Vale ressaltar que a Polícia Federal vai muito além da repressão aos crimes de corrupção'. Qual a relação com a tragédia em Petrópolis? Em 2011 o crime drenou os recursos destinados à prevenção. O combate à corrupção salva vidas".

Na mesma rede social, o delegado Fabiano Bordignon, que chefiou o Departamento Penitenciário Nacional durante a gestão de Moro, afirmou que prefere "as operações espetaculares do passado, que revelaram as chagas abertas da corrupção política, ao espetáculo atual da impunidade".

Há meses Moro tem feito críticas à atuação da polícia e deve ser essa uma das suas principais bandeiras na sua corrida eleitoral.

Nesta terça à noite, após a manifestação da PF, o ex-ministro voltou ao assunto.

"Eu respeito muito a PF, os delegados, agentes, escrivães, peritos, papiloscopistas e servidores. Este momento vai passar. Vocês vão voltar a ser valorizados", disse.

"Contem comigo para continuar sendo uma das instituições mais respeitadas no combate ao crime", afirmou ao comentar uma reportagem sobre redução no número de prisões envolvendo casos de corrupção realizadas pela PF.

Um inquérito aberto para apurar as denúncias feitas pelo ex-juiz ainda não foi concluído até hoje. O presidente da República já foi ouvido na investigação. A manifestação do diretor-geral ocorre, portanto, em meio a uma investigação em curso.

A nota emitida pela PF também deve dar munição a Moro sobre o fim desse inquérito, politizando a conclusão da apuração.

A investigação foi aberta em abril de 2020 a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República), após a saída de Moro do governo, quando pediu demissão do cargo de ministro da Justiça e denunciou uma suposta interferência de Bolsonaro na PF para a proteção de aliados e familiares.

​Em entrevista à Jovem Pan nesta segunda (14), Moro disse que o atual governo e o Congresso destruíram a Lava Jato e afirmou que hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por corrupção.

Na resposta, a PF disse que Moro fez "descabidos ataques" ao órgão e mentiu.

"A Polícia Federal efetuou mais de mil prisões, apenas por crimes de corrupção, nos últimos três anos. Neste mesmo período, a PF realizou 1.728 operações contra esse tipo de crime. Somente em 2020, foram deflagradas 654 ações —maior índice dos últimos quatro anos", consta na nota da polícia.

"Vale ressaltar que a Polícia Federal vai muito além da repressão aos crimes de corrupção. Em 2021, bateu recorde de operações. No total, foram quase 10 mil ações, aumento de 34% em relação ao ano anterior."

O texto da PF também colocou que o papel da corporação não é produzir espetáculos, mas sim conduzir investigações, "desconectadas de interesses político-partidários".

A atual a gestão da Polícia Federal se posiciona nos bastidores como crítica dos chamados excessos da Lava Jato.

No fim do ano passado, quando foi deflagrada operação contra o presidenciável Ciro Gomes (PDT), a PF vetou pedido para realização de entrevista à imprensa que seria realizada no Ceará sobre a operação. Integrantes da cúpula afirmaram na época que os pedidos de buscas e apreensão são no modelo "lava-jatista", sendo midiáticos.

Marcelo Rocha, de Brasília para a Folha de S. Paulo. Publicado originalmente em 17.02.22