quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Em novo recorde de casos, Brasil registra 224,5 mil infecções e 570 mortes por covid-19

Com isso, o país totaliza 24.535.884 casos oficiais e 624.413 mortes na pandemia até o momento.

Dezenas de pessoas na estação da Luz, em São Paulo; país vive novo pico de casos de covid-19

O Brasil registrou oficialmente mais 224.567 casos de covid-19 nas últimas 24 horas, um novo recorde em infecções diárias, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) desta quarta-feira (26/1). Foram registradas 570 mortes nas últimas 24 horas, em mais um crescimento no número de óbitos.

Vale lembrar que, no fim de semana e às segundas-feiras, os números costumam ser mais baixos, pela demora em contabilizar casos. Por conta disso, a média móvel dos últimos sete dias costuma ser um indicador mais fiel do retrato atual da pandemia - embora a escassez de testes e o apagão de dados do Ministério da Saúde apontem que até mesmo esse indicador é inferior à situação real de contágio do país.

A média móvel de casos dos últimos sete dias é de 159.877 mil casos diários, a mais alta de toda a pandemia, e ainda crescendo.

A média móvel de óbitos nos últimos sete dias é de 365 mortes diárias. Esse foi o 15º dia consecutivo de alta na média móvel de óbitos — em comparação, em 11 de janeiro, o valor foi de 122.

Ainda assim, o patamar hoje é mais baixo em relação aos picos da pandemia, distante do números de abril de 2021, quando a média ultrapassou 3,1 mil mortes diárias.

O número de casos desta quarta-feira supera o recorde anterior, registrado em 19 de janeiro, quando foram contabilizados 204.854 casos em 24h.

O crescente índice de novas infecções nos últimos dias tem acendido o alerta em diversas regiões do país, que anunciaram a retomada de medidas sanitárias para tentar conter a propagação do coronavírus.

Desde o início de janeiro, a média e o número de casos da doença estão em franca ascensão, o que é atribuído em grande parte à variante ômicron.

De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram globalmente em número de casos (72,5 milhões) e óbitos (874 mil).

Em relação aos casos oficialmente registrados, em 2ª lugar vem a Índia (40 milhões), e depois o Brasil. Em mortes, o Brasil está, de acordo com dados oficiais, em segundo lugar o mundo — embora a subnotificação de casos e mortes em diversos países (como Brasil, Rússia e Índia) torne as comparações mais complexas.

Após um primeiro semestre de 2021 com um ritmo muito aquém de nossas capacidades, a campanha brasileira de vacinação contra a covid-19 finalmente deslanchou em julho do ano passado — e agosto foi um mês com intenso avanço nessa seara, o que se manteve, de modo geral, em setembro e outubro.

Os últimos dados nacionais disponíveis, de 8 de dezembro (já defasados, portanto), mostram que pouco mais de 138,25 milhões de pessoas já haviam completado o ciclo vacinal com as duas doses ou com a dose única.

Esses dados deixaram de ser atualizados desde que o sistema do Ministério da Saúde sofreu um ataque hacker, de acordo com o governo federal.

Após a imunização da população mais jovem e adolescentes e do início da aplicação de doses de reforço, o país vive um novo desafio: a inclusão de crianças na campanha.

Em 16 de dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a aplicação da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos.

Porém, o Ministério da Saúde somente anunciou o início da vacinação para esse grupo em 5 de janeiro.

Após o aval da Anvisa, crianças a partir de de 6 anos também começaram a ser vacinadas com a CoronaVac.

A pandemia não acabou (Getty Images)

Especialistas alertam: a pandemia não acabou. Em razão disso, recomendam cautela na flexibilização de medidas como o uso de máscara ou distanciamento social.

Ainda exige atenção também a presença das variantes mais agressivas, especialmente a delta e a ômicron, detectadas originalmente na Índia e na África do Sul, respectivamente, que parecem ter uma taxa de transmissibilidade bem superior às demais versões do coronavírus.

O que deve ser feito agora?

Todos os Estados do país já têm casos e óbitos confirmados de coronavírus (EPA)

Diante de um cenário recheado de incertezas sobre o futuro, os especialistas parecem não ter dúvidas sobre quais medidas seriam necessárias neste momento da pandemia no Brasil — algumas delas, inclusive, sequer foram implementadas ao longo dos últimos meses.

Para começo de conversa, o país deveria ter um melhor controle de suas fronteiras, com testagem de passageiros e funcionários em aeroportos, portos e rodovias. Isso dificultaria, inclusive, a entrada de novas variantes de preocupação em nosso território.

O segundo passo seria lançar mão de um amplo programa de testagem, rastreamento de contatos e isolamento dos casos positivos. Políticas desse tipo explicam parte do sucesso que é observado em países como Austrália e Nova Zelândia. Afinal, ao detectar precocemente um paciente infectado e colocá-lo em quarentena, é possível quebrar as cadeias de transmissão do coronavírus na comunidade.

Ainda na seara das análises laboratoriais, o país também requer uma vigilância genômica mais ampla, capaz de fazer sequenciamento genético das amostras de pacientes infectados para saber quais são as variantes mais prevalentes em cada local.

Também precisávamos criar campanhas de comunicação para incentivar o uso de máscaras (especialmente modelos mais confiáveis, como a PFF2) e desencorajar as aglomerações.

Por fim, é vital manter, ou eventualmente até acelerar, o ritmo da campanha de imunização. Quanto mais brasileiros estiverem protegidos, melhor para todo mundo: a experiência de outros países aponta que as internações e as mortes por covid-19 caem de forma significativa quando uma porcentagem considerável da população recebeu as duas doses.

Esse conjunto de estratégias aponta para uma saída segura e efetiva da pandemia — e tem o potencial de evitar novas marcas tristes e negativas num futuro próximo.

Histórico da pandemia

O primeiro registro do coronavírus no Brasil foi em 26 de fevereiro do ano passado.

Um empresário de 61 anos de São Paulo (SP) foi infectado após retornar de uma viagem, entre 9 e 21 de fevereiro, à região italiana da Lombardia.

O novo coronavírus, que teve seus primeiros casos confirmados vindos da China no final de 2019, passou a ser tratado como pandemia pela OMS a partir de 11 de março de 2020.

Estudos apontam que a grande maioria dos casos do novo coronavírus apresenta sintomas leves e pode ser tratado nos postos de saúde ou em casa.

No entanto, novas variantes têm se mostrado mais contagiosas e, na percepção de médicos, algumas têm afetado com mais gravidade também a população mais jovem, em vez de apenas idosos e pessoas com comorbidades.

Publicado originalmente por BBC News Brasil, em 26.01.22.

Entenda a polêmica sobre o salário de Moro e o contrato com a Alvarez & Marsal

Ex-juiz Sérgio Moro é pressionado pelo TCU a dar explicações sobre os serviços prestados à consultoria americana Alvarez & Marsal; PT chegou a cogitar uma CPI sobre o caso

Moro afirma que sua atuação na consultoria Alvarez & Marsal não tinha qualquer relação com as empresas denunciadas na Lava Jato.  Foto: Denis Ferreira Neto/Estadão - 2/12/2021

Desde que se lançou na política, o ex-juiz e pré-candidato à Presidência Sérgio Moro (Podemos) tem sido cobrado a dar explicações sobre sua trajetória na iniciativa privada. Moro atuou na área de compliance da consultoria americana Alvarez & Marsal ao deixar o Ministério da Justiça, em 2020. A consultoria presta serviços a empresas denunciadas na Lava Jato, o que tem motivado os questionamentos. Moro encerrou seu contrato com a Alvarez & Marsal em outubro, e os termos da rescisão também passaram a ser alvo de investigação no Tribunal de Contas da União. 

Provocado pelo procurador Lucas Furtado e por ordem do ministro Bruno Dantas, o TCU abriu procedimento para apurar eventual conflito de interesses na atuação de Moro junto à consultoria. A Corte quer saber os termos do contrato e valores previstos no encerramento, incluindo o salário que Moro recebia na empresa.  

Adversários políticos têm aproveitado o tema para cobrar "transparência" de Moro, que afirmou ao Estadão que vai revelar sua remuneração à Justiça Eleitoral. “Eu vou revelar meu salário, vou apresentar meu imposto de renda, declarar todos meus ganhos”, disse.

"No setor privado meu trabalho não era defender empresa, era dar consultoria para empresas adotarem políticas antissuborno, compliance, due diligence, investigação corporativa interna (...) Essa hipótese do TCU além de fantasiosa é absurda", afirmou.

Esta semana, o Ministério Público junto ao TCU encaminhou pedido para que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) seja acionado e ajude a quebrar o sigilo que impede a divulgação do salário do ex-juiz nos Estados Unidos. Segundo o procurador, a quebra do sigilo ajuda a explicar se houve ou não conflito de interesses no caso.

No ofício encaminhado ao gabinete do ministro do TCU em dezembro, Furtado aponta que ‘se avaliam questões relativas a possíveis conflitos de interesse, favorecimentos, manipulação e troca de favores entre agentes públicos e organizações privadas’. A Alvarez & Marsal administra o processo de recuperação judicial da construtora Odebrecht, alvo da Lava Jato, e recebeu em honorários dezenas de milhões de reais de empresas denunciadas pela operação. 

"A relação (com a empreiteira) precede à minha ida e não tem nenhuma relação com defesa da Odebrecht em casos de corrupção. É administradora da recuperação judicial, está a serviço do juiz que a nomeou e dos credores da Odebrecht", ele afirmou ao Estadão.

Os principais questionamentos que giram em torno de Moro dizem respeito à prática de revolving door — quando um servidor público migra para o setor privado na mesma área em que atuava, levando consigo benefícios à empresa, como acesso a informações privilegiadas — e lawfare, uso estratégico do sistema jurídico em benefício próprio. 

Em outra frente, lideranças do PT passaram a avaliar a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a existência de conflito de interesse na contratação de Moro. Contudo, o partido recuou da ideia. Nas redes sociais, o ex-juiz afirmou que a criação do colegiado seria um “tiro no pé”. 

“(O PT) percebeu que além de não haver justificativa legal, seria um tiro no pé, pois a CPI seria uma oportunidade de relembrar aqueles que realmente receberam suborno das empresas investigadas na Lava Jato”, escreveu o presidenciável do Podemos.

O ex-juiz se defende das acusações e diz que tem “absoluta tranquilidade” em relação ao que fez em sua carreira como juiz. Ele afirma que foi trabalhar na Alvarez & Marsal por não ter enriquecido no setor público. “Fui trabalhar, precisava ganhar dinheiro. E aí recebia pagamento de um serviço que eu prestava. Jamais prestei serviço para empresa envolvida na Lava Jato. Quem fala isso mente”, disse em entrevista ao podcast Flow.

Na segunda-feira, a Alvarez & Marçal divulgou nota afirmando que o contrato assinado pelo presidenciável impedia a prestação de serviços a empresas ligadas à Lava Jato; segundo o ex-juiz, sua atuação era restrita a apoio a compliance.

"Seu contrato foi expresso em impedi-lo de atuar direta ou indiretamente no atendimento a clientes que tivessem qualquer envolvimento com a operação Lava Jato ou empresas investigadas por ele ao longo de sua carreira como juiz ou ministro, estando totalmente delimitado a atuar dentro do seu escopo de trabalho em disputas e investigações. O contrato possui ainda uma cláusula de confidencialidade, que não permite sua divulgação sem o consentimento da outra parte", diz a nota.

Davi Medeiros, O Estado de S.Paulo, em 26 de janeiro de 2022 | 10h13

Flagelo convergente, constata Waack

Os dois líderes das pesquisas não convencem em como tirar o Brasil da estagnação

Os seguidores de Lula e os de Bolsonaro detestam que seus respectivos chefes sejam comparados entre si. Sim, são gritantes as diferenças, mas ambos convergem em ponto crucial. Os líderes das pesquisas não apresentaram até aqui um conjunto de ideias coordenado de como tirar o País da estagnação.

Cada um ajudou a aprofundar aquilo que o professor e economista da FGV Fernando de Holanda Barbosa deu o título em recente publicação de “flagelo da economia de privilégios”. Os privilegiados, segundo o autor, são empresários obtendo subsídios, tratamento fiscal diferenciado, conjuntos de trabalhadores com tratamentos especiais, funcionários dos três Poderes com salários acima do setor privado, além de aposentadorias e pensões também especiais.

Líderes das pesquisas não apresentaram até aqui um conjunto de ideias coordenado de como tirar o País da estagnação. Foto: Amanda Perobelli/Reuters e Dida Sampaio/Estadão

O “conflito social” entre enormes grupos de privilegiados e o resto produz as cíclicas crises fiscais das quais a atual está longe ainda de ter sido debelada. E ela precisa ser resolvida logo, sob o risco de tirar qualquer perspectiva de futuro para o País. 

A manutenção do sistema de privilégios é também o pano de fundo para se entender o embate político no Brasil que, no extremo, não passa de disputa cada vez mais acirrada (pois os cofres quebraram) por extrair renda do Estado. A esfera da política, em especial a do Legislativo, reflete essas “escolhas” pelo voto, e sustenta o cenário macro no qual falta investimento pois falta poupança e falta poupança pois não há uma “escolha” política nesse sentido.

A convergência entre os personagens políticos Lula e Bolsonaro se dá, portanto, no fato de representarem a manutenção do “status quo” – algo que enfurece as respectivas claques, especialmente a acadêmica, mas que todo dia encontra exemplos no noticiário sobre a facilidade com que os grupos de privilegiados pulam de um lado para o outro do espectro político.

A rigor, as próximas eleições deveriam ser vistas como o verdadeiro choque entre as forças empenhadas em mover o País para fora do flagelo dos privilégios e o “sistema”, que dá sinais de estar confortável com Lula ou Bolsonaro (o Centrão vai mandar tanto faz qual dos dois). Mas essas forças, chamadas de “terceira via”, estão desarticuladas, ainda que tenham cabeças brilhantes, think tanks excelentes e diagnósticos precisos.

É necessário reconhecer que não se trata apenas de sucesso eleitoral em prazo historicamente muito curto. O problema maior é enfrentar a situação de um país que dá preferência a consumo em vez de poupança, e está desprovido de uma noção geral de justiça social e combate à desigualdade.

William Waack, o autor deste artigo, é apresentador do Jornal da CNN Brasil. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 20 de janeiro de 2022.

O mal que Lula faz à democracia

As sondagens de intenção de voto mostram que parte do eleitorado está se esquecendo de quem é Lula. Convém recordar o que o PT fez em sua passagem pelo poder

Considerando tudo o que o PT fez e deixou de fazer ao longo de seus 40 anos de existência – muito especialmente, no período em que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff estiveram no Palácio do Planalto –, uma nova candidatura petista à Presidência da República não deveria suscitar entusiasmo na população. A legenda que supostamente seria progressista, ética e renovadora da política percorreu um caminho muito diferente, colecionando casos de corrupção, aparelhamento do Estado, apropriação do público para fins privados e políticas econômicas desastradas.

No entanto, apesar de todo esse passivo, Luiz Inácio Lula da Silva tem aparecido em primeiro lugar nas sondagens de intenção de voto para presidente da República. Às vezes, com margem de vantagem suficiente para a vitória em primeiro turno. Sabe-se que as eleições ainda estão distantes no tempo e na cabeça do eleitor. As pesquisas de agora não se prestam a prever o que vai ocorrer em outubro nas urnas. Há tempo para muitas mudanças. De toda forma, as sondagens revelam um dado importantíssimo: parte do eleitorado está se esquecendo de quem é Lula. Convém, portanto, resgatar essa memória.

Para começar, o líder petista não tem nenhuma credencial para se apresentar como o salvador da democracia. Antes de assumir o governo federal, o PT notabilizou-se por uma oposição absolutamente irresponsável, numa lógica de quanto pior para o País, melhor para Lula. Sem base jurídica, apenas para criar instabilidade, o partido apresentou pedidos de impeachment contra Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Sabotou sistematicamente os projetos apresentados pelo Executivo. Fechada ao diálogo, a legenda de Lula tratava tudo o que viesse do governo federal – rigorosamente tudo: Plano Real, modernização do sistema de telefonia, criação das agências reguladoras ou mesmo propostas de melhoria para a educação pública – como ocasião para criar desgaste.

Depois de chegar ao Palácio do Planalto, o PT continuou sua tradição antidemocrática. Apenas mudou de lado na mesa. São famosos e variados os escândalos de fisiologismo do partido de Lula. O mensalão é caso paradigmático de perversão do regime democrático, com uso de dinheiro público para manipular a representação política.

O petrolão foi ainda mais perverso, ao colocar toda a estrutura do Estado, incluindo estatais e empresas de capital misto, a serviço do interesse eleitoral do partido. Não foi apenas um conjunto de ações para desviar uma enorme quantidade de dinheiro público e privado. Todo o esquema estava orientado a alimentar a máquina eleitoral de Lula.

Também nas relações com os grupos políticos divergentes, Lula manteve, uma vez no poder, a mesma trilha antidemocrática. Passou a deslegitimar toda e qualquer oposição ao seu governo, criando uma das mais infames campanhas de incivilidade, intolerância e autoritarismo da história nacional: a do “nós” (os virtuosos petistas) contra “eles” (todos os que não aceitam Lula como seu salvador). O País segue ainda padecendo diariamente dessa irresponsável divisão social, da qual, não por acaso, Lula pretende extrair os votos para voltar à Presidência.

A atuação antidemocrática de Lula continuou após a saída do PT do governo federal. Nos últimos anos, o líder petista dedicou-se a desmoralizar, perante o mundo, o Estado Democrático de Direito brasileiro. Em vez de uma defesa técnica nas várias ações penais em que se viu envolvido, Lula promoveu verdadeira campanha difamatória contra o Judiciário, sugerindo que, por trás de cada condenação, mesmo colegiada e amplamente baseada em provas, havia uma conspiração (internacional!) para prejudicá-lo. A decisão do Supremo sobre a incompetência de determinado juízo, que libertou Lula, não torna menos grave o comportamento do ex-presidente e do PT. Ao se apresentar como perseguido político, Lula deixa claro que não acredita nas instituições democráticas do País.

Depois do ambiente de ameaças e de ataques à democracia criado pelo bolsonarismo – a exigir uma resposta responsável dos partidos e dos eleitores –, parece piada de mau gosto com o País pensar no PT como eventual solução. Lula nunca tratou bem a democracia brasileira.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 23 de janeiro de 2022

Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato

Abro Porandubas com o espetacular Adriano Suassuna, o famoso autor de Auto da Compadecida e de grandes aulas sobre o conhecimento humano. Antes, um parêntesis. Este escriba tem o maior respeito por suas leitoras e leitores. A historinha de hoje não sinaliza desrespeito, tão somente um exemplo dos "causos" hilários protagonizados por Ariano, que incluo na categoria tão celebrada por Vergílio na Eneida: "poetis et pictoribus omnia licet" ("Aos poetas e pintores, tudo é permitido").

Dito isto, vamos à historinha.

O escritor pernambucano Ariano Suassuna (1927-2014) estava terminando a aula quando certo estudante, tatuado, jeitão de hippie, óculos redondos, bolsa com franjas e chinelo de couro, faz a pergunta respondida de pronto:

— O senhor não acha que o rock é um som universal?

— Meu filho, som universal só conheço três: arroto, espirro e peido.

A estrela do bolsonarismo

Olavo de Carvalho, a estrela que brilha nas mentes bolsonaristas, desaparece aos 74 anos de idade. Era um descrente da Covid e das vacinas. Perdeu para o vírus, que deve ter se aproveitado do conjunto de comorbidades do guru. Foi embora do Brasil por descrédito na política e esperançoso de que, longe, poderia fazer "uma igreja" com seus crentes. Nunca polemizei com o "filósofo", que massacrava todos aqueles de quem discordava.

Certa vez

Certa vez, deparei-me com um artigo de Olavo disparando flechadas contra esse escriba. Não entendi a razão. Fiz, ao longo de minhas análises políticas, severas críticas ao lulismo. Nunca li na cartilha de Lula. Mas sempre reconheci seu valor e sua persistência na política. Olavo foi duro, considerando-me um lulista. Risos. Leu errado. Era de sua índole questionar tudo e todos. Não respondi. Morreu sem minha resposta. Descanse em paz.

E agora?

Pergunto-me: e agora, o que poderá ocorrer com a leva de crentes que liam nas páginas do guru? Continuar a desacreditar na Covid? Dizer que morreu de causas naturais? E os fiéis ex-ministros Abraham Weintraub, da Educação, e Ernesto Araújo, das Relações Exteriores? Aliás, o que fará Weintraub? Candidato a que? Deputado Federal por São Paulo, talvez esta seja sua melhor opção.

Viabilidade

Só para lembrar os fatores que explicam a viabilidade de um governo, segundo Carlos Matus, ideólogo chileno: a) a viabilidade política; b) a viabilidade econômica; c) a viabilidade cognitiva e d) a viabilidade organizativa. Bolsonaro acertou os ponteiros da viabilidade política, com o apoio do Centrão. Está perdido na questão da organização de seu governo, com ministros o desajudando. Está carente na viabilidade econômica, com o PIB sendo rebaixado pelo FMI. E quanto à viabilidade cognitiva, também fica a dever, com a montanha de dúvidas que persistem e obscurecem a identidade do governo. Afinal, o que quer e para onde pretende levar o país?

O que espera Bolsonaro?

Afinal de contas, quais os trunfos que se escondem na cabeça do Bolsonaro? O programa Auxílio Brasil? Recuperação da economia? Capacidade de Carlos Bolsonaro fazer milagres nas redes sociais? Ora, o filho Eduardo, o deputado Federal, está sendo isolado da campanha por seu radicalismo? Em política, tudo é possível. Mas, mesmo como reconhece a Bíblia, será difícil passar um elefante no buraco de uma agulha.

Lula

E Luiz Inácio, hein? Da esquerda do "vira a mesa", dos velhos tempos da luta de classes, Lula agora vira um perfil que quer atrair os integrantes do centro e até da direita. E até, tu, Geraldo Brutus? O que te impressionou a ponto de apagar tudo que disseste de Lula e fazer de conta que ambos são amigos desde os tempos dos primeiros passos? O que a política não faz, hein?

Matreirice

Lula transformou-se em renomada raposa da política. Matreiro como jamais foi. Uma espécie de José Maria Alkmin dos tempos de outrora. Conhecem esta?

O milagre de Fátima

José Maria Alkmin, a raposa mineira, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A Alfândega quis saber o que era.

– Água milagrosa de Fátima.

– Mas tudo isso?

– Lá em Minas o pessoal acredita muito nos milagres da água de Fátima. Não dá para quem quer.

– O senhor pode desenrolar?

– Pois não, meu filho.

– Mas, deputado, isso é uísque.

– Ué, não é que já se deu o milagre?

Pico da contaminação

O pico da contaminação está à vista. Teremos novamente a avassaladora onda de contaminação que persistiu por ocasião da variante Delta no ano passado. Espera-se que tudo volte ao normal? Sonho. O desespero está nos estabelecimentos hospitalares, onde faltam insumos e mão de obra para enfrentar a onda da Ômicron. Quem entrou em hospital ou conversa com profissionais da saúde sabe o tamanho da encrenca.

Tasso e Simone

Tasso Jereissati está sendo procurado por Lula para papear sobre sua adesão ao candidato petista. Esse analista não acredita que Tasso embarque nessa. E Simone Tebet, Tasso? Quem sabe ela não dá um salto? Quem sabe, cai a ficha de milhões de brasileiros que desejam aposentar o radicalismo? Fui amigo de Ramez Tebet. Um dos perfis mais dignos que este escriba conheceu em sua vida profissional de comunicação política. Simone é uma política de respeito. Já provou ser uma grande administradora. Foi prefeita de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, onde deixou um rastro forte de sucesso.

E se o bicho for longe...

E se o vírus Ômicron não sair da paisagem e continuar no pano de fundo da campanha eleitoral? A radicalização tende a se intensificar. A conferir.

Federações

As federações partidárias constituem uma solução para clarear a política. Partidos com um mesmo tronco identitário tendem a se unir, ficando mais fácil ao eleitor compreender os espaços do arco ideológico, direita, centro-direita, centro, centro-esquerda, esquerda. Os partidos se comprometem a passar quatro anos juntos. Distribuição correspondente aos espaços midiáticos e recursos partidários. Se um quiser sair, as federações precisam contar com pelo menos três protagonistas. A política mais clara permitirá escolher por conteúdos e programas ideológicos.

SP e MG

Olhem o que pode acontecer com Minas Gerais, que é uma síntese do Brasil, uma banda virada para o Nordeste, outra banda virada para o Sudeste. E o carro-chefe da Federação, São Paulo?

O interiorzão

Este analista costuma conversar com eleitores do fundão do país, em sua maioria, eleitores fanáticos de Bolsonaro, que não se cansam de conclamar: "aqui, Lula já era. Bozo ganha de lavada". Podem até acertar suas previsões. Mas nos centros médios e avançados, o voto em Bolsonaro se esvai, diminui, seca a olhos vistos. A não que ser que nossos olhos não consigam mais enxergar bem. Estou há 40 anos olhando para a paisagem.

Fecho a coluna com a fama dos políticos.

Ninguém tem provas

Numa festa, a dona de casa recebe um político famoso.

— Muito prazer! — diz ele.

— O prazer é meu! Saiba que já ouvi muito falar do senhor!

— É possível, minha senhora, mas ninguém tem provas!

Torquato Gaudêncio, cientista político, é Professor Titular na Universidade de São Paulo e consultor de Marketing Político.

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Três partidos do Centrão controlam mais de R$ 149,6 bilhões do governo Bolsonaro

PP, PL e Republicanos comandam 32 cargos em postos-chave na administração federal; especialistas veem controle "sem precedentes" pelo grupo desde a redemocratização

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, ao lado do presidente Jair Bolsonaro: Centrão controla quase R$ 150 bilhões no governo Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo/13-12-2021

Na reta final do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o Centrão conquistou sua influência mais decisiva sobre os cofres públicos. Um levantamento feito pelo GLOBO aponta que os três principais partidos do bloco — PP, PL e Republicanos, esteios da campanha de reeleição de Bolsonaro — comandam ao menos 32 postos-chave na administração federal e têm sob gestão mais de R$ 149,6 bilhões. Além disso, deputados e senadores dessas legendas foram beneficiados com ao menos R$ 901 milhões do orçamento secreto, mecanismo de distribuição de verba parlamentar de forma desigual e sem transparência.

A cifra de quase R$ 150 bilhões é maior do que o orçamento total estimado para este ano dos ministérios da Defesa (R$ 116,3 bilhões) e da Educação (R$ 137 bilhões). O Ministério da Saúde tem um pouco mais: R$ 160 bilhões.

No comando da Casa Civil, o PP tem 16 indicados entre os levantados pelo GLOBO. PL e Republicanos, por sua vez, têm oito nomes em posições de chefia na máquina pública (veja infográfico abaixo). Dentre esses cargos mais cobiçados está o da presidência do Banco do Nordeste (BNB), ocupada interinamente na semana passada por um apaniguado do ex-deputado Valdemar Costa Neto, presidente do PL, legenda à qual Bolsonaro se filiou em novembro. Embora tenha um orçamento de R$ 144 milhões, a instituição financeira, que protagonizou escândalos de corrupção, administra R$ 65 bilhões em ativos.

Poder irrestrito

Outro órgão importante sob a administração de expoentes do Centrão é o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE), presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil. O FNDE tem um orçamento previsto para este ano de R$ 37 bilhões. Já o diretor de Ações Educacionais do fundo é Garigham Amarante Pinto, próximo de Valdemar. O FNDE é responsável por fazer repasses de recursos destinados a estados e municípios de todo o Brasil.

Superintendências e outros órgãos regionais não têm orçamento próprio, estando vinculados à administração central. Entretanto, um levantamento feito pelo gabinete do senador Alessandro Vieira (Cidadania-RE) e dos deputados Filipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PSB-SP) mostra que 16 dos órgãos comandados por indicados do Centrão empenharam R$ 1,1 bilhão em 2021.

Embora tenha sido eleito em 2018 pregando contra a política tradicional, Bolsonaro abriu cada vez mais espaço à ala que costuma compor o governo independentemente de quem ocupa a cadeira mais importante da República. Reunidos mais pelo pragmatismo político do que pelas orientações ideológicas, dirigentes do Centrão receberam do presidente os ministérios da Casa Civil (comandada pelo PP), da Secretaria de Governo (PL) e da Cidadania (Republicanos). Os dois primeiros são responsáveis pela articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso — e por definirem tanto a distribuição de cargos públicos quanto a liberação de verbas parlamentares. Já o terceiro, cujo orçamento é de R$ 108,7 bilhões, cuida do Auxílio Brasil, um dos principais programas sociais do país. Na prática, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, a cúpula do Centrão passou a ter o poder na caneta para tirar recursos das veias da máquina pública, sem passar por intermediários.

— Pelo menos em tempos de redemocratização, não há precedentes (de um cenário como este). Não tenho memória do governo Lula, Dilma ou Fernando Henrique fazerem isso com recursos orçamentários com tanta explicite e em um volume tão significativo — diz o cientista político Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas.

Gil Castello Branco, economista e fundador da Associação Contas Abertas, avalia “que nunca houve uma apropriação do orçamento tão intensa como essa do Centrão”:

— Com o presidente fragilizado, com popularidade em queda livre, o preço do apoio político está subindo. De fato, a cópia da chave do cofre foi entregue ao Ciro Nogueira.

Orçamento secreto

Pela primeira vez na história recente o Centrão ocupa o ministério da Casa Civil, considerado o mais importante da máquina pública federal. Passam pela pasta praticamente as principais decisões do Executivo. Além disso, recentemente um decreto de Bolsonaro enxertou ainda mais poder nas mãos de Ciro Nogueira, ao determinar que ações como abertura, remanejamento ou corte de despesas precisam agora ter aval do presidente licenciado do PP — antes, era uma decisão apenas do Ministério da Economia. O efeito prático dessa mudança ficou perceptível durante as negociações do Planalto com o Congresso para elaborar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para tentar reduzir o preço dos combustíveis e da energia elétrica, atacando o principal desafio do governo na campanha: a inflação. As conversas foram encabeçadas pela Casa Civil, de Ciro, e não pela equipe econômica.

Em outro levantamento, publicado em dezembro, O GLOBO revelou uma lista de 290 deputados e senadores — em sua maioria, próximos ao Palácio do Planalto — que, sem transparência, foram beneficiados com emendas de relator e distribuíram recursos para as suas bases eleitorais. Os valores rastreados foram empenhados em 2020 e 2021 e chegam a R$ 3,2 bilhões, uma amostra dos R$ 36 bilhões que compuseram as emendas de relator no período. Desses recursos com destinação conhecida, R$ 901 milhões foram para PP, PL e Republicanos.

Um exemplo ilustrativo de como as engrenagens de cargos e verbas se movem a favor de aliados governo ocorreu em Alagoas. À frente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no estado, está João José Pereira Filho, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O superintendente do órgão administra um caixa de R$ 83,9 milhões de emendas do relator apadrinhadas por Lira — e os repasses desses recursos já tiveram como destino, por exemplo, Barra de São Miguel, governada pelo pai do deputado, que nega qualquer irregularidade.

Com o apoio do governo Bolsonaro, em fevereiro do ano passado, Lira foi eleito presidente da Câmara e, pouco tempo depois, ganhou o poder de controlar o direcionamento de R$ 16 bilhões das chamadas emendas de relator. Até então, essa responsabilidade ficava com o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre. É com esse poder na caneta que Lira vem beneficiando aliados em seu partido e negociado o apoio em diversos projetos de interesse do governo no Congresso.

— Isso desequilibra a democracia. Quem tem esse volume de recursos na mão tem capacidade de galgar apoio e ter capilaridade eleitoral que nenhum outro partido ou pessoa tem. E, para além disso, há uma questão primária: parlamentar não foi eleito para fazer papel de Executivo — diz Teixeira.

O cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o poder crescente do Centrão foi uma espécie de seguro feito pelo presidente contra um impeachment no Congresso e de olho nas eleições deste ano:

— Qual o raiz desse problema? A escolha que o presidente fez: a crítica que se faz é o tanto de poder que o presidente Bolsonaro tem dado a esse tipo de força. O Centrão é um conjunto de forças intensamente fisiológico, com pouco compromisso com combate à corrupção e redução de desigualdade.

Dimitrius Dantas, Daniel Gullino e Bruno Góes para O Globo, em 24/01/2022 - 04:30

Ocupação de UTIs para Covid cresce em 18 estados e DF em uma semana

Oito unidades da federação já têm 80% ou mais das vagas públicas de UTI para Covid-19 em uso

Ocupação de UTIs para Covid cresce em 18 estados e DF em uma semana (© Getty Images)

Impulsionada pela nova escalada dos casos de Covid no país, a ocupação de leitos de UTI (unidade de terapia intensiva) para pacientes com coronavírus cresceu em 18 estados e no Distrito Federal na última semana, aponta levantamento da repoortagem realizado junto aos governos estaduais.

Ao menos oito unidades da federação já têm 80% ou mais das vagas públicas de UTI para Covid-19 em uso. Há uma semana, eram apenas quatro estados nesse mesmo patamar.

Distrito Federal, Rondônia, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Goiás, Espírito Santo, Piauí e Pernambuco são os que estão em situação mais crítica.

A piora aconteceu a despeito de os governos estaduais terem reaberto leitos para o tratamento de pacientes com a doença. Em uma semana, o número de vagas para pacientes graves cresceu de 15.115 para 15.876 no país, um aumento de cerca de 5%.

O Distrito Federal está entre as unidades da federação que apresentam cenário mais grave. A capital federal tinha 90% dos leitos públicos de UTI ocupados no final da tarde desta terça-feira (25).

Ao todo, a capital possui 73 vagas de UTI para Covid, sendo que 58 estão ocupadas, 10 estão aguardando liberação (bloqueadas) e 5 estão vagas.

A taxa de ocupação chegou a 100% no DF na manhã desta terça, mas o governo local liberou alguns leitos que estavam bloqueados e o percentual caiu a 90%. O governo informou que 9 em cada 10 internados não estão vacinados ou não receberam ao menos duas doses.

Por causa da explosão de casos, o governador Ibaneis Rocha (MDB) decidiu que, a partir desta segunda, o Hospital Regional de Samambaia vai atender apenas casos de Covid, com exceção da maternidade.

Há 98 pacientes aguardando leitos de UTI na capital federal, sendo 7 desses com confirmação ou suspeita da Covid-19, que devem ser direcionados para unidades com atendimento da doença.

Outros dois estados do Centro-Oeste também superaram o patamar de 80% de ocupação. Em Goiás, 84% dos leitos de terapia intensiva já têm pacientes. Na capital, a pressão é ainda maior: mesmo com o incremento de 73 novas vagas em uma semana, 97% estão cheias.

Nas últimas semanas, a prefeitura de Goiânia reduziu o limite de público de eventos e estabelecimentos para 500 pessoas. Bares, restaurantes, celebrações religiosas, shopping centers, academias, salões de beleza e teatros só podem funcionar com 50% da sua capacidade.

Em paralelo, a administração municipal reforçou a fiscalização contra festas clandestinas. No último final de semana, 8 locais foram fechados dentre 20 visitados por infrações às regras sanitárias.

Em Mato Grosso, o índice de UTIs ocupadas é de 85%, superior ao da semana passada. Na capital, UBSs (unidades básicas de saúde) de quatro bairros suspenderam os atendimentos na segunda (24) após profissionais de saúde terem sido diagnosticados com gripe ou Covid-19.

Nos estados do Nordeste, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Piauí enfrentam os piores quadros.

No Rio Grande do Norte, a ocupação das unidades de terapia intensiva chega a 84%. As UTIs públicas pediátricas, com apenas três vagas, estão lotadas.

O governo do estado informou nesta terça que, diante da situação atual, está expandindo a oferta de leitos críticos e clínicos na rede. A média móvel de pedidos por leitos quadruplicou de 15, em 26 de dezembro, para cerca de 60 um mês depois.

O Piauí também teve um aumento repentino na ocupação de UTIs na última semana, saindo de 58% para 82%. Agora figura na lista de estados com maior risco de colapso no sistema de saúde.

Pernambuco, por sua vez, reduziu o percentual de 86% para 80%, mas se mantém em um cenário considerado crítico. A queda proporcional foi causada pelo aumento no número de leitos disponíveis, que subiu de 952 para 1.002.

Por causa da escalada de casos da influenza H3N2 e da Covid-19, o estado retomou medidas restritivas. Os eventos foram limitados a 3.000 pessoas pelo menos até a próxima segunda (31), e o passaporte vacinal passou a ser exigido em bares, restaurantes, cinemas, teatros e museus.

Especialistas defendem o endurecimento desse tipo de limitação. O médico Bruno Ishigami, do Recife, explica que, mesmo com a variante ômicron provocando mais casos leves, a quantidade de casos é tão elevada que o número absoluto de pessoas que precisam de internação é muito alto.

"Festas privadas, por serem uma aglomeração com 3.000 pessoas, podem ajudar a aumentar a taxa de contaminação com vírus circulantes. O ideal é a proibição das festas agora", afirma.

Nos estados do Norte, Rondônia também enfrenta um quadro crítico, com 91% das 55 vagas para pacientes graves com Covid-19 ocupadas. Um dos três hospitais com leitos públicos para Covid da capital, Porto Velho, já não tem mais vagas.

O Amazonas, que viu o seu sistema de saúde colapsar nas duas primeiras ondas da doença, tinha 81% dos leitos de UTI para Covid-19 ocupados neste domingo (23). Desde o início do mês, o número de pacientes graves internados na capital amazonense mais do que triplicou, saltando de 23, em 1º de janeiro, para 74 neste domingo.

Em meio à explosão da transmissão do vírus, o governo do estado decidiu alterar o registro de leitos nesta segunda, deixando de informar quantos estão disponíveis para Covid-19 e quantos estão ocupados.

O Amazonas divulgou apenas o número de pacientes internados com a doença e a ocupação total das UTIs (60%), incluindo as que não são direcionadas para Covid. Questionada pela reportagem sobre o motivo da mudança, a secretaria de Saúde não respondeu.

No estado do Rio de Janeiro, a ocupação de UTIs públicas deu um salto de 10% para 62% em apenas uma semana, mesmo com a abertura de 60 leitos. A maioria dos internados é de idosos com comorbidades e pessoas que não tomaram o reforço da vacina, segundo médicos.

O tempo médio de espera para hospitalização já chega a mais de dois dias na capital fluminense, onde a ocupação pulou de 64% para 77% no período. Estado e cidade não informaram a situação dos leitos pediátricos.

Em São Paulo, a taxa também cresceu e chegou a 65% no estado e 72% na capital, segundo a Fundação Seade. Ambas as gestões seguem ampliando o número de leitos de UTI para Covid-19, mas ainda assim a ocupação segue em alta.

Na avaliação de Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19, a escalada de casos do novo coronavírus está disseminada em todo o país.

"É tão maior o número de novos casos que, mesmo se a gente tiver 90% de redução na proporção das hospitalizações de antes da vacina, isso ainda pode pressionar o sistema de saúde", afirma.

Outro problema, diz Schrarstzhaupt, é que a disseminação da doença também atinge os profissionais de saúde, que estão desfalcando os hospitais. "Um leito não é só a cama, mas também equipamento e equipe", ressalta.

Ele avalia que, para frear a atual curva crescente, seria necessário voltar a reforçar cuidados adotados antes da vacinação, como o uso de máscaras com boa vedação e o distanciamento social.

Publicado originalmente por Brasil ao Minuto / FOLHAPRESS, em 26.01.22

sábado, 22 de janeiro de 2022

Covid-19: Brasil tem 10° dia seguido de alta na média de mortes

O Brasil registrou nas últimas 24 horas 358 mortes por covid-19, chegando a um total de 622.563 óbitos pela doença, segundo o boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) desta sexta-feira (21/1).

Dezenas de pessoas na estação da Luz, em São Paulo; país vive novo pico de casos de covid-19 (Reuters)

A média de óbitos nos últimos 7 dias (indicador chamado de "média móvel") foi de 252 mortes. Esse foi o 10º dia consecutivo de alta na média móvel de óbitos — para comparação, em 11 de janeiro, o valor foi de 122. Ainda assim, o patamar hoje é baixo considerando toda a pandemia, pois está próximo a números de abril de 2020.

Nas últimas 24 horas, foram registrados também 166.539 novos casos de covid-19, levando o total a 23.751.782 casos da doença desde o início da pandemia.

Na quarta-feira (19), houve recorde de novos casos em 24h: 204.854.

A média móvel de casos registrada nesta sexta-feira foi de 117.797.

É bom lembrar que os números podem ser maiores por causa escassez de testes de covid-19 e o apagão recente de dados no Ministério da Saúde. Esses elementos sugerem que o contágio pode ser maior.

O crescente índice de novas infecções nos últimos dias tem acendido o alerta em diversas regiões do país, que anunciaram a retomada de medidas sanitárias para tentar conter a propagação do coronavírus.

Desde o início de janeiro, a média e o número de casos da doença estão em franca ascensão, o que é atribuído em grande parte à variante ômicron.

De acordo com o painel da Universidade Johns Hopkins, os Estados Unidos lideram globalmente em número de casos (70 milhões) e óbitos (864 mil). Em relação aos casos, em 2ª lugar vem a Índia (38,5 milhões), e depois o Brasil. Em mortes, o Brasil está, de acordo com dados oficiais, em segundo lugar o mundo — embora a subnotificação de casos e mortes em diversos países (como Brasil, Rússia e Índia) torne as comparações mais complexas.

Após um primeiro semestre de 2021 com um ritmo muito aquém de nossas capacidades, a campanha brasileira de vacinação contra a covid-19 finalmente deslanchou em julho do ano passado — e agosto foi um mês com intenso avanço nessa seara, o que se manteve, de modo geral, em setembro e outubro.

Os últimos dados nacionais disponíveis, de 8 de dezembro, mostram que pouco mais de 138,25 milhões de pessoas já completaram o ciclo vacinal com as duas doses ou com a dose única. Entretanto, estes dados deixaram de ser atualizados desde que o sistema do Ministério da Saúde sofreu um ataque hacker, de acordo com o governo federal.

Após a imunização da população mais jovem e adolescentes e do início da aplicação de doses de reforço, o país vive um novo desafio: a inclusão de crianças na campanha. Em 16 de dezembro, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a aplicação da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Porém, o Ministério da Saúde somente anunciou o início da vacinação para esse grupo em 5 de janeiro.

A pandemia não acabou

Especialistas alertam: a pandemia não acabou. Em razão disso, recomendam cautela na flexibilização de medidas como o uso de máscara. (Getty Images)

Ainda exige atenção também a presença das variantes mais agressivas, especialmente a delta e a ômicron, detectadas originalmente na Índia e na África do Sul, respectivamente, que parecem ter uma taxa de transmissibilidade bem superior às demais versões do coronavírus.

Por fim, não dá pra ignorar o fato de as estatísticas permanecerem muito altas: falamos de médias de milhares de novos casos diagnosticados e centenas de mortes todos os dias.

O que deve ser feito agora?


odos os Estados do país já têm casos e óbitos confirmados de coronavírus (EPA)

Diante de um cenário recheado de incertezas sobre o futuro, os especialistas parecem não ter dúvidas sobre quais medidas seriam necessárias neste momento da pandemia no Brasil — algumas delas, inclusive, sequer foram implementadas ao longo dos últimos meses.

Para começo de conversa, o país deveria ter um melhor controle de suas fronteiras, com testagem de passageiros e funcionários em aeroportos, portos e rodovias. Isso dificultaria, inclusive, a entrada de novas variantes de preocupação em nosso território.

O segundo passo seria lançar mão de um amplo programa de testagem, rastreamento de contatos e isolamento dos casos positivos. Políticas desse tipo explicam parte do sucesso que é observado em países como Austrália e Nova Zelândia. Afinal, ao detectar precocemente um paciente infectado e colocá-lo em quarentena, é possível quebrar as cadeias de transmissão do coronavírus na comunidade.

Ainda na seara das análises laboratoriais, o país também requer uma vigilância genômica mais ampla, capaz de fazer sequenciamento genético das amostras de pacientes infectados para saber quais são as variantes mais prevalentes em cada local.

Também precisávamos criar campanhas de comunicação para incentivar o uso de máscaras (especialmente modelos mais confiáveis, como a PFF2) e desencorajar as aglomerações.

Por fim, é vital manter, ou eventualmente até acelerar, o ritmo da campanha de imunização. Quanto mais brasileiros estiverem protegidos, melhor para todo mundo: a experiência de outros países aponta que as internações e as mortes por covid-19 caem de forma significativa quando uma porcentagem considerável da população recebeu as duas doses.

Esse conjunto de estratégias aponta para uma saída segura e efetiva da pandemia — e tem o potencial de evitar novas marcas tristes e negativas num futuro próximo.

Histórico da pandemia

O primeiro registro do coronavírus no Brasil foi em 26 de fevereiro do ano passado.

Um empresário de 61 anos de São Paulo (SP) foi infectado após retornar de uma viagem, entre 9 e 21 de fevereiro, à região italiana da Lombardia.

O novo coronavírus, que teve seus primeiros casos confirmados vindos da China no final de 2019, passou a ser tratado como pandemia pela OMS a partir de 11 de março de 2020.

Estudos apontam que a grande maioria dos casos do novo coronavírus apresenta sintomas leves e pode ser tratado nos postos de saúde ou em casa.

No entanto, novas variantes têm se mostrado mais contagiosas e, na percepção de médicos, algumas têm afetado com mais gravidade também a população mais jovem, em vez de apenas idosos e pessoas com comorbidades.

BBC News Brasil, em 22.01.22

Quem foi Maria Quitéria, mulher que se vestiu de homem para lutar na Independência do Brasil

Primeira mulher a integrar as Forças Armadas, Maria Quitéria foi condecorada por D. Pedro 1º como heroína, exaltada pelo Exército a partir da década de 1950 e rosto emblemático na luta de organizações femininas pela anistia durante a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).

Detalhe do retrato póstumo de Maria Quitéria de Jesus Medeiros, de Domenico Failutti

A Independência do Brasil completa 200 anos em 2022. A data que marca o bicentenário em torno do 7 de Setembro, quando país deixou de ser colônia portuguesa, é cercada de discordâncias em torno de sua real importância para a nação que começava a se formar, assim como personagens ainda pouco explorados nos livros didáticos.

Esses dois temas estão relacionados à história de Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), que se vestiu de homem, com a alcunha de 'soldado Medeiros', para participar das lutas independentistas em seu Estado, a Bahia, contra as tropas portuguesas resistentes às mudanças regimentais na política brasileira daquele período.

Reprodução/ Gravura de Augustus Earle exposta na Biblioteca Nacional da Austrália - 1823

As disputas na Bahia

Para entender a história de Maria Quitéria e sua entrada nas lutas independentistas, é preciso contextualizar o 7 de Setembro. A data, que marca o grito de D. Pedro 1º às margens do rio Ipiranga, não representa o que aconteceu de fato no Brasil, segundo alguns pesquisadores. O escritor Laurentino Gomes, no livro 1822, diz o seguinte:

"As demais províncias ou ainda estavam sob controle das tropas portuguesas, caso da Bahia, ou discordavam da ideia de trocar a tutela até então exercida por Lisboa pelo poder centralizado no Rio de Janeiro, caso de Pernambuco, que reivindicava maior autonomia regional", diz a obra.

Patrícia Valim, professora de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), corrobora essa versão. "O 7 de Setembro é a nossa primeira grande derrota enquanto país, ou na formação de um, porque é uma data fruto de um acordo feito em São Paulo. Muito diferente do que houve na Bahia e do contexto no qual a Maria Quitéria está inserida", afirma.

As lutas na Bahia se intensificaram em fevereiro de 1822, quando tropas portuguesas e soldados brasileiros travaram conflitos em torno do comando da província da Bahia, na contenda entre o português Luís Madeira de Melo e o brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães.

As disputas perduraram até julho de 1823, quando os portugueses se renderam. Nesse meio tempo, há a figura de Maria Quitéria, cuja presença na guerra de independência não foi nada simples.

Reprodução do boletim do Movimento Feminino pela Anistia / Boletim Maria Quitéria

Maria Quitéria nasceu em São José das Itapororocas, antiga Freguesia de Nossa Senhora do Porto da Cachoeira, atual município de Feira de Santana. Seu pai era o lavrador Gonçalo Alves de Almeida, e a mãe era Quitéria Maria de Jesus.

Boa parte do que se sabe sobre a trajetória de Maria Quitéria está em biografias escritas na década de 1950, quando comemorações em torno de seu centenário se avolumaram. O livro de Pereira Reis Junior, de 1953, é um exemplo.

Esses relatos partem de registros de jornais da época e também da escritora britânica Maria Graham, que escreveu um livro sobre sua viagem ao Brasil entre 1821 e 1823, intitulado Journal of a Voyage to Brazil, de 1824.

A partir daí, é possível saber que a mãe de Maria Quitéria teria falecido quando a filha ainda era criança, e que o pai casara-se uma porção de vezes nos anos seguintes.

O patriarca era proprietário da Fazenda Serra da Agulha, onde plantava algodão, criava cabeças de gado e detinha duas dezenas de negros escravizados. "Eles não eram ricos, mas também não tinham dificuldade", afirma Valim, da UFBA.

Maria Quitéria cresceu sendo criada por madrastas e pouco afeita aos trabalhos de casa, condição inerente às mulheres daquele período. "A família queria que ela bordasse, mas ela se recusava. Maria Quitéria gostava de montar a cavalo, cavalgar. Também manejava armas de caça, como espingarda, algo fora dos padrões", conta a historiadora.

Reprodução/ Quadro de Domênico Failutti - 1920 - Pertence ao Museu Paulista (ou do Ipiranga)

O Soldado Medeiros

Maria Quitéria soube da guerra quando emissários de uma Junta Provisória instalada para governar a Bahia em meio às disputas com Portugal chegaram ao Recôncavo Baiano à procura de homens para participar da luta armada a favor da independência do Estado.

Ao saber da notícia, Maria Quitéria tentou convencer seu pai a deixar que ela participasse da guerra, mas o pedido foi prontamente recusado. Então, Quitéria foi à casa de uma das irmãs, Teresa, e pegou a roupa de seu cunhado, José Cordeiro de Medeiros, além de cortar os cabelos. Nascia, então, o "Soldado Medeiros".

A versão corrente entre os biógrafos é que Maria Quitéria teria se apresentado ao Batalhão Nº 3 de Caçadores do Exército Pacificador como filho de seu cunhado, já que usava vestimenta masculina. A mentira deu certo.

"Ela assumiu a identidade masculina com muita propriedade. Apesar de ser iletrada, ela tinha um conhecimento militar de montaria, tiro ao alvo, que fazia diferença naquele contexto de conflito. Eram habilidades irrecusáveis pelos militares brasileiros", diz Valim.

Pouco tempo depois do sumiço da filha, Gonçalo, o pai, é informado pela irmã de que Maria Quitéria decidira se juntar às tropas disfarçada. Gonçalo vai à cidade de Cachoeira, encontra a filha e informa o major José Antônio Silva Castro de que o soldado Medeiros, na verdade, era uma mulher. "O pai pediu que ela voltasse imediatamente, sob pena de ser amaldiçoada, mas ela não retornou", conta Valim.

O major permitiu que Maria Quitéria continuasse no Batalhão, já que possuía habilidades destacáveis com armas de fogo. Ela tinha 30 anos na época. Em março de 1823, um registro de Portaria do Governo Provisório da Vila de Cachoeira mostra que o Major pediu ao Inspetor dos Fardamentos, Montarias e Misteres do Exército que enviasse "saiotes, e uma espada" para que ela fosse devidamente fardada como mulher.

Registros apontam a participação de Maria Quitéria em ao menos três combates. Enquanto a independência era gritada em São Paulo por D. Pedro 1º, os conflitos cresciam na Bahia. Maria Quitéria participou do primeiro deles em outubro de 1822, na região da Pituba. Depois, em fevereiro do ano seguinte, em Itapuã. Nesse período, ela foi promovida a 1º cadete.

Em abril de 1823, Maria Quitéria comandou um grupo de mulheres civis que se uniram para lutar contra os portugueses na Barra do Paraguaçu, no litoral do Recôncavo. A resistência vitoriosa foi fundamental para garantir não só a independência baiana, mas também para alçar a figura de Quitéria como heroína da pátria.

Os conflitos seguiram até 2 de julho, quando os últimos portugueses que ainda resistiam decidiram abdicar do combate. A data é celebrada como o dia da independência da Bahia até hoje. "Essa celebração marca uma oposição ao 7 de Setembro e a história criada em São Paulo. História mantida até hoje, com o que é contada no Museu Paulista e centraliza a narrativa em torno da independência", ressalta Valim.

Com o fim da guerra, Maria Quitéria vai ao Rio de Janeiro em agosto de 1823 para ser recebida por D. Pedro 1º. Ela foi condecorada com a insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro, medalha criada como símbolo do poder imperial como forma de homenagear brasileiros ou estrangeiros que tenham lutado pela independência do país.

Maria Quitéria em reprodução da Pintura de Edward Finden, publicada no livro Journal of a Voyage to Brazil (Reprodução / Journal of a Voyage to Brazil)

O debate sobre as representações

É na visita ao Rio que Quitéria conhece Maria Graham. A escritora britânica descreve Quitéria como "iletrada, mas viva" e que "tem a inteligência clara e a percepção aguda". A lista de elogios à militar brasileira segue, com a avaliação de que "se a educassem, viria a ser uma personalidade notável''.

É também a partir do encontro com a escritora que a discussão em torno da compleição física de Quitéria começa a ser travada. Seu primeiro retrato foi feito pelo pintor inglês Augustus Earle (1793-1838), a pedido de Graham, em 1823. A tela está exposta na Biblioteca Nacional da Austrália, junto de parte do acervo do pintor.

"É um retrato cujo rosto não apresenta aspectos muito femininos. É mais quadrado, sem muitas nuances que demonstrem ser uma mulher. Na verdade, é bem similar à figura masculina", afirma Nathan Gomes, mestrando em História do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

A pesquisa de Gomes investiga como a imagem de Quitéria foi mudando ao longo dos anos. No segundo retrato, de 1824, feito pelo também inglês Edward Finden (1791-1857), a militar brasileira aparece de corpo inteiro, com vestimenta militar e uma paisagem que tenta reproduzir o Brasil à época, com um pando de fundo idílico.

Finden não estava no Rio de Janeiro, diferentemente de Earle. Gomes acredita que o segundo retrato tenha surgido a partir do que ele chama de "elementos não-originais". "Existem semelhanças, mas com diferenças. A insígnia não era a utilizada no Brasil, assim como o fardamento e a arma, que é um modelo inglês", diz o pesquisador.

Ele também acredita que o retrato de Finden, publicado no livro de Graham sobre sua viagem ao Brasil, tenha sido "construído por várias mãos", incluindo as da própria escritora e também dos editores da obra.

O último retrato, de 1920, feito pelo italiano Domenico Failutti, está exposto no Museu Paulista. A obra foi encomendada pelo intelectual Affonso Taunay (1876-1958), que reorientou o museu na década de 1920 para torná-lo símbolo da Independência. No retrato, Quitéria aparece ainda mais feminina, com busto saliente, as maçãs do rosto mais avolumadas e a boca delineada.

Gomes afirma que tem deslocado sua pesquisa à questão étnica e o tom da pele de Maria Quitéria, com receio de propor um debate que não aconteceu quando os quadros foram pintados. A imagem de 1920 mostra a militar fenotipicamente mais próxima de negros e indígenas. Já os retratos do século anterior mostram-na caucasiana, com traços europeus. "Ao olhar a recepção do quadro de 1920 na imprensa, não houve contenda sobre o tom da pele da Maria Quitéria. Não há registro de isso ser uma preocupação do Failutti. Talvez essa seja a tentativa de propor uma discussão em torno do tom da pele dela que tem mais a ver com a ótica dos nossos tempos", afirma.

Valim, da UFBA, diz que a discussão em torno da imagem de Quitéria é importante, já que envolve a narrativa em torno da independência do Brasil.

"Esse retrato, apesar de estar exposto no Museu Paulista, tenciona o 7 de Setembro enquanto uma ideia europeia e paulista de Independência. As lutas do Nordeste tiveram negros, indígenas, gente de todo tipo, mas esses fenótipos não aparecem", analisa.

Getúlio Vargas bancou construção de estátua de bronze em Salvador, com cerca de 1,60 m de altura, localizada ainda hoje no Largo da Soledade, no centro histórico da capital baiana (Nathan Gomes)

O legado de Maria Quitéria

Os relatos biográficos apontam que Maria Quitéria morreu sozinha, em sua cidade natal e em condições financeiras delicadas. Ela se casou e teve uma filha, cujo paradeiro é desconhecido. Seu pai nunca a perdoou por ter participado da guerra, apesar de ela ter sido tratada como heroína em seu retorno das lutas independentistas.

Em 1953, data que marcou o centenário de morte de Quitéria, seu nome foi trazido à baila em uma série de homenagens dentro das Forças Armadas. Em junho daquele ano, Getúlio Vargas bancou a construção de uma estátua de bronze em Salvador, com cerca de 1,60 m de altura, localizada ainda hoje no Largo da Soledade, no centro histórico da capital baiana.

No início de 1954, o Exército criou a Comenda Maria Quitéria, uma medalha em homenagem ao seu centenário. Alguns pesquisadores apontam o fato de que, a partir daquele momento, Quitéria foi alçada ao papel de mito dentro da corporação.

"Talvez um dos pontos mais interessantes seja o fato de a narrativa produzida pelas Forças Armadas construir Maria Quitéria como a personificação dessa mistura que caracteriza a fundação brasileira: filha de português, com características indígenas e nascida no interior do Brasil", diz um trecho da pesquisa de Raphael Pavão, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que analisa a trajetória da militar na caserna.

Para Giovana Zucatto, mestra em sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e cuja pesquisa analisa a inserção de mulheres nas Forças Armadas, a trajetória de Maria Quitéria, e suas respectivas homenagens, não impactaram a presença de mulheres entre os militares.

"Ela é uma figura que ocupa uma certa mitologia no que diz respeito à incorporação de mulheres nas Forças Armadas. Ela é utilizada como símbolo. As mulheres só voltam ao combate na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e como enfermeiras. A entrada das mulheres nas Forças Armadas só foi oficializada na década de 1980. Não tivemos mulheres na Guerra do Paraguai (1864-1870), por exemplo", analisa.

Atualmente, quase 34 mil mulheres integram as Forças Armadas, segundo dados do Ministério da Defesa divulgados em março do ano passado. A parcela feminina representa menos de 10% do contingente militar total do país (em torno de 350 mil). Apesar do avanço nos últimos dois anos, a pesquisadora afirma que o cenário ainda não é inclusivo.

"Poucas mulheres chegaram à posição de general no Brasil, a maioria delas com atuação na área da saúde. São posições que não têm influência política nas decisões das Forças", complementa Zucatto.

Em 1996, o Exército homenageou Maria Quitéria como Patrono da corporação, ao lado de figuras como Duque de Caxias (1803-1880) e Marechal Rondon (1865-1958). Ela se tornou patrono do Quadro Complementar de Oficiais.

Estátua de Maria Quitéria em Salvador (Nathan Gomes)

"Foi algo influenciado pelo processo de redemocratização e a entrada de mulheres no Exército, que acontece a partir de 1992. É importante, mas não deixa de ser simbólico que ela seja homenageada em um quadro de apoio", pondera a pesquisadora.

Para além do legado nas Forças Armadas, a figura de Maria Quitéria se espraiou por outros setores. Durante a ditadura militar, o nome da combatente foi utilizado para nomear o boletim informativo do Movimento Feminino pela Anistia de São Paulo, criado em 1975 e liderado pela advogada e ativista Maria Therezinha Zerbini (1928-2015).

Depois, na década de 1980, o nome da baiana foi utilizado pelo partido Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para dar nome a uma editora criada em Salvador.

"Certamente o legado dela foi mais polissêmico do que as Forças Armadas gostariam. Há uma disputa em torno da memória da Maria Quitéria para além dos limites do Exército", comenta Nathan Gomes.

De acordo com Patrícia Valim, essa contraposição é saudável e condiz com a sua trajetória.

"Maria Quitéria está em todos os lugares. Há uma popularização dessa história, da personagem, com traços brasileiros, quase uma indígena quase negra. Esse é um resgate importante. Ela deveria ser a nossa Frida Khalo (1907-1954)", finaliza.

Guilherme Henrique, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 22.01.22.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Estamos por nossa conta e risco

Temos de nos envolver mais do que nunca no processo de discussão do Brasil que ansiamos e na escolha consciente, no pleito de 2022, de nossos representantes

As eleições gerais se aproximam e os primeiros pré-candidatos estão em cena. Boa hora para destacar o que faz este pleito exigir de nós, eleitores, mais atenção que a habitualmente observada.

Sim, atenção máxima, e não só com a escolha do presidente, dos governadores e dos parlamentares que vão dirigir o País depois de 2022, mas com as decisões atuais e as que ainda poderão ser tomadas até lá. Como porta arrombada, Executivo e Congresso estão aprovando o que em tempos normais já seria chocante, quanto mais com as contas públicas deficitárias há quase nove anos, o que significa que todo novo gasto federal está sendo bancado com dívida.

Em vez de ofertar suas emendas ao Orçamento, em troca de apoio ao governante de turno, para, assim, viabilizar o Auxílio Brasil, mudaram a Constituição para adiar o pagamento dos precatórios, que são dívidas federais transitadas em julgado. 

Calote de dívida líquida terá consequências danosas à confiança na ordem jurídica. Seria de se esperar algum constrangimento dos políticos nestes tempos marcados por eventos de horror, como as mortes pela covid, o desemprego, a volta da fome, as tragédias climáticas, as queimadas na Amazônia e no Pantanal. E o que tem sido?

O veto ao chamado fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões foi derrubado, de modo que os partidos terão mais que o triplo da dotação das eleições de 2018 para gastar em 2022. Deputados tentam aprovar um esdrúxulo projeto para legalizar a caça dita “esportiva” de animais em florestas. No Senado, há outro projeto que, a pretexto de facilitar o porte de armas para caçadores, flexibiliza sem necessidade o Estatuto do Desarmamento.

Essa agenda do atraso induz a mobilização de todos, para proteger os meses que faltam até as eleições e o que poderá vir depois.

O que a maioria decidir implicará ou o aprofundamento da letargia econômica e social, o que nesta década de transformações tecnológicas aceleradas no mundo significa um estado de crise permanente, ou o início da reconstrução de um País próspero, empreendedor e comprometido com as melhores expectativas do bem-estar de todos.

O que há pela frente, a menos de dez meses das eleições, é a certeza da inflação e dos juros punitivos para tentar debelá-la, dos investimentos externos amedrontados, dos 14 milhões de desempregados, em um ano em que a tendência é que predomine a discussão monotemática das alianças partidárias que visam à formação de palanques, não de propostas.

Os candidatos precisam explicitar o que propõem para tirar a economia da pasmaceira, para fazer o setor público servir à sociedade, como pensam entregar a educação de qualidade requerida pelas novas profissões que emergem dos saltos tecnológicos e, sobretudo, qual a macroeconomia cogitada para tirarmos da frente os rombos fiscais que turvam o horizonte e afastam os investimentos em projetos produtivos e de pesquisa e desenvolvimento.

Tais questões dialogam com o Brasil em que programas sociais são imprescindíveis para garantir condições mínimas de dignidade a um grande contingente de famílias, para as quais ainda faltam recursos e oportunidades de trabalho. Há algo muito errado com a economia, se a população em idade de trabalhar, segundo o IBGE, alcança 171 milhões de pessoas e a força de trabalho não passa de 106 milhões, incluindo entre estes os desempregados e os muitos com empregos precários.

Sobreviveremos, é claro, um país não acaba, mas, dependendo das escolhas que fizermos, correremos o risco de sairmos mais machucados, estendendo o prazo de recuperação por muitos anos durante os quais veremos negócios fechando, fome grassando e o tecido empresarial esgarçando. 

Não é hora de omissão. É preciso que se entenda que os governantes reagem à mobilização da sociedade. Significa que temos de nos envolver mais do que nunca no processo de discussão do Brasil que ansiamos, na construção de programas e consensos, e na escolha consciente de nossos representantes no pleito de 2022.

Usualmente se atribui a denominação de “elite” a quem parece estar em melhores condições de poder e riqueza, mas a verdade é que, no Brasil, todos os que leem este texto fazem parte do universo de formadores de opinião que precisam vocalizar suas preocupações de curto, médio e longo prazos. Medidas populistas que sugerem aliviar o presente e destroem o futuro devem ser barradas.

Como industriais acostumados a solavancos, cientes do potencial de crescimento do País, lidando com temas delicados, como a criação de empregos, a absorção de inovações e tecnologia em par com o mundo ágil e competitivo, assumindo riscos, nos parece fundamental, neste início de ano, refletir sobre as responsabilidades expressas pelo voto. Mas dedicando, igualmente, especial atenção aos meses adiante para evitar mais danos, além dos já criados.

Dos gabinetes dos altos poderes, infelizmente, há pouco a esperar. Estamos, brasileiros, por nossa conta e risco.

Horácio Lafer Piva, Pedro Passos e Pedro Wongtschowski, os autores deste artigo, são empresários. Publicado originalmente n'O Estado dce S. Paulo, em 21.01.22.

Cantanhede: União Brasil busca um candidato, Moro muda alvo, linguagem e estratégia

Sigla que nasce da fusão entre DEM e PSL não lançou nenhum nome, mas passa a ser um ‘partidão’ disputado na eleição

Praticamente todos os partidos, grandes, médios e até pequenos, têm candidatos à Presidência em outubro, seja para valer, seja para esquentar a cadeira até o baile de fato começar. Já o União Brasil, fusão de DEM e PSL, não lançou nenhum nome e passa a ser um “partidão” disputado na eleição. Mas nada a ver com o velho partidão, hein!

Com 81 deputados, os 52 do PSL e os 29 do DEM, o União Brasil tem a maior bancada da Câmara e R$ 1 bilhão de fundo eleitoral e partidário. Um dote e tanto para uma noiva indecisa que, neste momento, parece mirar Sérgio Moro, do Podemos.

Em terceiro lugar nas pesquisas, mas sem atingir dois dígitos, Moro é por enquanto candidato a ser a terceira via numa eleição polarizada entre o favorito Lula, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL, que tem a vantagem de disputar a reeleição. E Moro fez uma guinada e tanto na campanha, no discurso e no alvo.

Em terceiro lugar nas pesquisas, mas sem atingir dois dígitos, Sérgio Moro é por enquanto candidato a ser a terceira via numa eleição polarizada entre o favorito Lula e Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

A previsão era de que ele mirasse Bolsonaro, para colher o eleitorado conservador desiludido com o presidente, enquanto fechava uma espécie de pacto com João Doria, do PSDB, e Luiz Henrique Mandetta, do então DEM: o mais bem colocado nas pesquisas e com mais capacidade de chegar ao 2.º turno levaria o apoio dos outros.

A realidade, no entanto, é mais forte do que avaliações e estratégias. E a realidade foi mostrando a consolidação de Lula na dianteira e a insistência de Bolsonaro em dar tiro no pé sozinho e em afugentar o eleitorado que é conservador, mas não brucutu, negacionista ou absurdo. Logo, Moro trocou de alvo e de linguagem.

Quando Lula o chamou de “canalha”, Moro devolveu: “Canalha é quem roubou o povo brasileiro”. E engrenou: “Deveria estar preso”. Poderia ser só um rompante, mas é pragmatismo. Moro vê que sua chance é bater de frente com Lula e tirar de Bolsonaro a condição de grande adversário do petista no 2.º turno. Além dos bolsonaristas arrependidos, quer atrair os antipetistas de todas as cores.

As crescentes divisões do bolsonarismo contribuem para a estratégia: Abraham Weintraub e Ernesto Araujo atacando o Centrão, Eduardo Bolsonaro e Fábio Faria tomando as dores, Damares Alves disputando vaga ao Senado com Janaina Paschoal. E esses rachas se refletem no próprio União Brasil.

De outro lado, uma aliança de Lula com Geraldo Alckmin atrapalha Moro, assim como a determinação de Doria. Alckmin é o ímã de Lula para atrair o centro e a direita equilibrada e Doria quer ser o candidato desse centro e dessa direita. Quanto mais todos racham, mais Lula trabalha pela união e o União Brasil exercita a paciência, para escolher o noivo certo, na hora certa.

Eliane Cantanhede, a autora deste artigo, é comentarista da Rádio Eldorado (SP), da Rádio Jornal (PE) e do Tele Jornal "Globo News em Pauta". Publicaso originalmente n'O Estado e S. Paulo, em 21.01.22.

Tabata diz que PSB não vai forçá-la a fazer campanha por Lula: ‘Meu partido nunca pediu isso’

Deputada se opõe a aliança de seu partido com o PT na disputa presencial; sigla pode filiar Alckmin para ser vice de petista.

Entrevista com

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP); ‘Geraldo Alckmin será bem-vindo ao PSB’, afirma Foto: Gabriela Biló/Estadão

Uma das principais vozes no PSB contrária à formação de uma federação partidária com o PT, a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) diz não ver no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a capacidade de “unir o País da direita à esquerda”. Segundo ela, mesmo que uma aliança seja selada e seu partido decida apoiar a candidatura do petista ao Planalto, o acordo que tem com a sigla é de não ser obrigada a fazer campanha por qualquer nome. “Nunca fui forçada a dizer que apoiaria um candidato específico”, disse ela em entrevista ao Estadão. “Meu partido nunca pediu isso para mim.”

Por outro lado, Tabata vê com “muito bons olhos” a filiação do ex-governador de São Paulo e postulante a vice da chapa petista, Geraldo Alckmin, ao PSB. “Acredito que ele contribui para que essa conversa seja a mais ampla possível”, diz. Cotada para disputar a Prefeitura de São Paulo em 2024, ela diz não pensar em outro objetivo além da reeleição à Câmara, em outubro, mas não descarta a possibilidade de concorrer ao cargo daqui a dois anos.

Diante da falta de acordo para fechar alianças nos Estados, as cúpulas do PT e do PSB decidiram pedir mais prazo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para formalizar uma possível federação partidária, novidade destas eleições. Impasses regionais ainda emperram um acordo.

As federações partidárias serão uma das novidades das disputas de 2022. Foram criadas pelo Congresso em setembro do ano passado, e regulamentadas por uma resolução do TSE publicada em 14 de dezembro, sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte eleitoral.

Como a oposição declarada da senhora à formação de uma federação do PSB com o PT tem sido encarada dentro do partido?

Em todos os momentos até aqui eu tive a oportunidade de expor meu ponto de vista e participar do debate. E é só isso que eu peço. Eu vou respeitar qualquer decisão que meu partido tome, porque eu estou participando desse processo e podendo ser ouvida, podendo levar o meu lado, que é contra a federação com o PT. Essa democracia interna fez eu escolher o PSB. Essa foi a razão principal, porque dos partidos progressistas grandes, era o que não tinha um dono. É o que tem vários líderes que discordam, que vão para o debate.

Se o PSB fizer uma composição com o PT em uma federação, a senhora fará campanha para Lula?

Meu partido nunca pediu isso para mim. Obviamente, meu primeiro compromisso é contra o Bolsonaro desde sempre e para sempre, mas com uma solução que olhe para frente, que una o Brasil. Não sei se será possível. Não sabemos quem serão os candidatos. Minha inclinação não é votar no PT no primeiro turno, mas não terei dúvidas em fazê-lo no segundo turno, como fiz em 2018. A única coisa que está colocada é: se houver uma federação, está todo mundo junto. É o que eu gostaria? Não. É o que eu acho bom para o PSB, partido grande, com história? Não, acho que é muito ruim para o PSB, mas vou seguir. Nunca fui forçada a dizer que apoiaria um candidato específico. É claro que seria diferente se houvesse um candidato do partido. Seria o meu candidato. Não é o caso hoje, então estou bem tranquila.

A sra. saiu do PDT por ter votado a favor da reforma da Previdência. O PSB também foi contra a proposta e puniu parlamentares que votaram a favor. A sra. não teme que possa ser punida por uma futura divergência com o partido?

Não sei. Ninguém tem essa resposta. O que eu sei é que o que me fez escolher o PSB é que aqui as coisas são debatidas, o estatuto é seguido. O estatuto do PSB foi seguido na reforma da previdência, o PDT não. Nós temos o compromisso de que eu serei ouvida, de que o debate vai acontecer. Talvez o exemplo mais concreto e maior seja a federação com o PT. Sou absolutamente contra. Muito contra. Já tive a oportunidade de expressar isso, de participar de várias reuniões. Tenho uma visão que é minoritária quando a gente fala da bancada em termos de números, mas que é completamente consensual quando a gente fala das lideranças aqui de São Paulo. Se o PSB decidir pela federação, eu vou continuar no PSB, mas tendo a consciência de que eu pude me posicionar várias vezes. Inclusive, talvez tenha contribuído para mudar o rumo da conversa, para trazer pontos que não estavam sendo considerados. Sou cientista política. Acredito em partidos. Minha maior crítica ao PDT é porque não tem regra, é porque tem dono, porque minha voz não pôde ser ouvida.

A sra. acredita que tenha espaço dentro do partido para uma disputa a um cargo no Executivo, como a prefeitura de São Paulo?

Essa possibilidade é ventilada desde que eu me elegi deputada federal, e eu fico muito honrada, mas não espere de mim falar de qualquer eleição que não seja a que eu tenho que disputar esse ano. Seria errado, não faz sentido para mim. Depois dessa eleição que eu vou disputar e que é muito importante para o meu sonho de Brasil, para a contribuição que eu acredito que posso dar, a gente pode, sim, de futuras eleições. Escolhi o PSB para ser meu partido para a vida toda. E estou bem feliz com o espaço aqui em São Paulo, com o espaço nacional, com as pessoas ao lado de quem eu estou caminhando. E essas conversas vão seguir naturalmente.

A senhora tem uma posição muito clara contra a adesão à candidatura de Lula logo no primeiro turno. Como vê a possível filiação do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin ao PSB para ser vice na chapa do PT?

Vejo com muito bons olhos. Do meu lado, o Geraldo Alckmin será bem-vindo ao PSB, e eu já tive a oportunidade de dizer isso a ele. Acredito que ele contribui para que essa conversa seja a mais ampla possível. O que defendo há mais de um ano é que a gente tenha a frente mais ampla possível para enfrentar o bolsonarismo. Se essa frente for com o PT, ótimo. É um dos principais partidos do país. Eu só não acredito que um partido único, com nome único, tenha capacidade de unir o Brasil da esquerda à direita, tenha a capacidade de enfrentar não só o Bolsonaro, mas o bolsonarismo, e reconstruir o nosso País. Governar vai ser muito mais difícil do que ser eleito. Nesse sentido, como eu me oporia à construção de algo que é mais amplo, que é maior do que um partido, que dialoga com quem pensa diferente? Se isso vai determinar meu voto, eu não sei. O que eu quero é que quem ganhe não seja o Bolsonaro e tenha capacidade de dialogar, de governar. Nós andamos 20 anos para trás na educação. Isso não vai se resolver com uma única pauta, que não une o país.

O quão alinhada ideologicamente ao PSB a senhora se considera? Em uma eventual reforma administrativa, por exemplo, haveria divergência entre a sra. e o partido?

Eu sou 100% contra a reforma administrativa que tramita hoje. Sou a favor, sim, de uma reforma administrativa, mas não tem nada a ver com a do governo Bolsonaro. Sou contra os supersalários. Imagino que (os deputados federais Alessandro) Molon (PSB-RJ) e (Marcelo) Freixo (PSB-RJ) também sejam. Sou contra várias irregularidades que acontecem. Eu era contra a aposentadoria dos políticos. Minha visão de mundo não é a defesa de um Estado mínimo. O Estado mínimo já existe na periferia. É a defesa de um Estado eficiente.

A sra. defende a responsabilidade fiscal, o que a torna uma exceção dentro do campo da esquerda. Como isso é tratado dentro do PSB?

Quando se fala em responsabilidade fiscal, é importante entender que o PSB é um partido grande, com muitas lideranças. Sim, talvez a responsabilidade fiscal não seja um pilar principal para alguns dos nossos líderes, mas eu sei que é para o Márcio França. Eu sei que é para o (governador do Espírito Santo) Renato Casagrande. Eu sei que é para várias outras lideranças do PSB. Responsabilidade fiscal não é uma bandeira solitária minha no partido.

Gustavo Côrtes, O Estado de S.Paulo, em 21 de janeiro de 2022 | 16h23

Leõs e tigres sob ataques da Covid-19

Estudo aponta que animais desenvolveram quadros graves da doença e que infecção durou até 7 semanas - o que aumenta a preocupação quanto ao desenvolvimento de novas cepas

 Leoa no National Zoological Gardens, em Pretória, na África do Sul. Foto: Phill Magakoe/ AFP

Pesquisadores da Universidade de Pretória, na África do Sul, levantaram uma nova preocupação sobre o novo coronavírus, que continua a bater recordes de novos casos ao redor do mundo. Um estudo divulgado na terça-feira, 18, concluiu que leões de um zoológico sul-africano foram infectados por seus tratadores com o vírus causador da covid-19 e desenvolveram sintomas graves da doença, demorando até 7 semanas para se recuperarem - o que acendeu o alerta sobre os riscos do vírus se espalhar entre animais na natureza e criar novas mutações.

Os pesquisadores começaram a monitorar animais selvagens em cativeiro em zoológicos e santuários de conservação da África do Sul depois que um tigre no zoológico do Bronx, nos EUA, ficou doente em abril de 2020, de acordo com a professora Marietjie Venter, investigadora principal do estudo. A equipe monitorou, inicialmente, dois pumas que contraíram o coronavírus em um zoológico particular em julho de 2020, durante a primeira onda de pandemia no país. Cerca de um ano depois, no mesmo local, três leões começaram a apresentar sintomas semelhantes aos da covid-19 em humanos: dificuldades respiratórias, coriza e tosse. Além dos animais, um tratador e um engenheiro do zoológico também testaram positivo.

Por meio de amostras sequenciadas dos leões e dos humanos infectados, os pesquisadores conseguiram determinar que tanto os animais quanto os tratadores estavam infectados com a variante Delta.

Os leões se recuperaram após 25 dias, mas apresentaram PCR positivo por mais de três semanas adicionais. Os dados analisados pelo estudo sugeriram que a carga viral que os leões carregavam diminuiu ao longo dessas semanas, mas não ficou claro por quanto tempo eles foram capazes de transmitir a doença.

A doença desenvolvida pelos leões, particularmente nas fêmeas mais velhas, mostrou que os animais, como as pessoas, podem desenvolver sintomas graves . Uma leoa mais velha desenvolveu pneumonia

No caso dos pumas, que não são nativos do país, os sintomas incluíram perda de apetite, diarreia, coriza e tosse persistente. Ambos os felinos tiveram uma recuperação completa após 23 dias.

Em um ambiente de cativeiro, os animais infectados foram mantidos em quarentena, mas em parques espalhados pela África do Sul, onde os leões são uma atração turística, controlar um surto pode ser "muito, muito difícil", disse o estudo, principalmente se o vírus não for detectado. Em certos locais, os leões são frequentemente alimentados por humanos em vez de caçar por si mesmos, o que aumenta a chance de exposição ao vírus.

Apesar do estudo não deixar claro quanto de carga viral os leões estavam carregando ou se eles foram capazes de transmitir o vírus durante todo o período em que testaram positivo, períodos prolongados de infecção em grandes felinos aumentariam o risco de um surto na natureza se espalhar mais amplamente e infectar outras espécies, disseram os pesquisadores. Isso poderia  eventualmente tornar o vírus endêmico entre os animais selvagens e, na pior das hipóteses, dar origem a novas variantes que podem retornar aos humanos.

"Se você não souber que é covid, existe o risco de que possa se espalhar para outros animais e depois voltar para os humanos", disse Venter, professora de virologia médica, que se uniu a um cientista veterinário de vida selvagem para o estudo. Os animais foram infectados por tempo suficiente "para que o vírus pudesse realmente sofrer mutações", disse ela.

A transmissão de vírus entre animais e humanos é uma realidade conhecida pelos cientistas. O próprio coronavírus teria se originado em morcegos e acabou "pulando" para humanos, no que é conhecido como infecção por "transbordamento".

Os cientistas alertam que infecções de "refluxo" de humanos infectando animais - como ocorreu com martas, veados e gatos domésticos - podem devastar ecossistemas inteiros na natureza. As infecções que atingiram a natureza também podem expandir o potencial do vírus de se espalhar sem controle e sofrer mutações em animais, potencialmente em variantes perigosas para os seres humanos.

Um fenômeno bem estudado envolve infecções entre grandes populações de martas em cativeiro. Em uma fazenda de visons na Dinamarca, o vírus se transformou em uma nova cepa durante a mudança de humano para animal, levando ao abate em massa em todo o país e na Europa, para evitar sua propagação de volta aos humanos.

Em contraste, o estudo sul-africano envolveu pequenos surtos, mas Venter observou que a disseminação em martas mostra o perigo potencial de surtos maiores na vida selvagem./ NYT e AFP

Redação, O Estado de S.Paulo, em21 de janeiro de 2022 | 12h45 (O título original da matéria - "Leões diagnosticados com covid-19 preocupam pesquisadores na África do Sul" - foi substituido pelo editor do blog.