quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Pacificação só virá com moralidade nos Três Poderes e não com acordões como o do PL da Dosimetria

Guerra política é fruto de descaso das autoridades com regras básicas de conduta e as criações puramente eleitorais só tendem a incendiar ainda mais o País


Câmara dos Deputados aprova, durante a madrugada de quarta-feira, o PL da Dosimetria Foto: Wilton Júnior/Estadão

É uma falácia a ideia de que a aprovação do PL da Dosimetria, por ter sido combinada daqui e dali, vai promover a pacificação no País. A própria sessão em que o texto foi analisado madrugada adentro é uma prova inconteste de que o efeito não será alcançado. A pacificação passa muito mais por uma necessidade de que os representantes da população nos Três Poderes, nos mais diversos níveis, atuem sob os princípios da moralidade.

As ideias e ações extremas no País são derivadas da irresponsabilidade de nossos políticos no Executivo e no Legislativo e pelos desatinos de integrantes do Judiciário. À direita ou à esquerda, são alimentadas pela sensação de que há um sistema conspirando contra o povo e que precisa ser enfrentado. Esse sistema pode ser representado por quaisquer autoridades das quais não gostamos. E explode quando elas erram em sequência.

A indignação que se transforma em intolerância ganha força quando ministros do STF viajam em jatinhos de partes, são patrocinados por eles em eventos, têm familiares advogando para réus, colocam processos sob sigilo, mudam a regra conforme a ocasião, por blindagem ou para livrar os que com eles convivem melhor, ou quando a alta elite do funcionalismo acumula privilégios e penduricalhos.

A revolta grassa quando parlamentares se blindam e mudam regras para se salvar e até os seus presos e foragidos continuam com mandatos por meses, com seus gabinetes torrando dinheiro público sem produzir nada, apenas por serem chamados de excelências por colegas. Quando há aumento do fundo partidário, abuso nas emendas via orçamento secreto, presidente e ministros esbanjando em viagens internacionais e os derrotados nas eleições não aceitando o resultado e tentando virar a mesa na marra.

Tem muito a ver com o PL da Dosimetria, que sob pretexto de salvar pobres coitados usados como massa de manobra, mira pura e unicamente em um interesse eleitoral. O de aliviar a vida de Bolsonaro, acalmando a família e tentando abrir espaço para um nome que o Centrão deseja.

Não há nada de pacificação aí. Ao contrário. Isso tomará conta da disputa de 2026 e do debate político no Brasil. A guerra em plenário não foi por acaso, amplificada pela estratégia inábil de Hugo Motta de envolver matéria demasiadamente polêmica com a cassação de deputados por motivos absolutamente diversos.

Na direita, nem mesmo a dosimetria tinha sido aprovada e já havia parlamentares na tribuna enfatizando que continuarão agora a batalha pela anistia. A dosimetria não os calará. Como não calará os parlamentares e a militância de esquerda tomados por um sentimento de revolta com o benefício a militares e ministros que tentaram implementar um golpe de Estado. A guerra aumentará.

Há um enorme erro no cálculo de que o fato de ter havido alinhamento entre Poderes para uma solução intermediária pacifica o País como um todo. O Brasil não precisa exatamente de reconciliação entre os Poderes, como se apregoa ao defender o PL da Dosimetria. Os conflitos dos freios e contrapesos são saudáveis.

A reconciliação, ao contrário, deve ser dar entre representantes e representados. Com moralidade, código de Ética e de conduta. Com autoridades seguindo a Constituição, as regras e o bom senso e não dispostos a tudo para acomodar interesses. E à luz da transparência e não nas trevas da censura e dos acordos por baixo dos panos como se viu na Casa do povo na terça-feira.

Ricardo Corrêa,  o autor deste artigo, é Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. É jornalista formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora e bacharel em Direito pela ESDHC. Escreve às quintas. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 11.12.25

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