Fortalece vínculo entre eleitor e eleito, reduz custos das campanhas e diminui a influência de 'puxadores de votos' e do 'crime organizado'.
Modernização do sistema é oportunidade de reconectar o Brasil com a política e construir um Parlamento mais responsável e transparente
O relator do projeto do voto distrital misto, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante reunião de líderes - Marina Ramos - 23.out.25/Câmara dos Deputados
"Nada é mais poderoso do que uma ideia quando chegou o tempo certo", escreveu Victor Hugo. A frase descreve bem o momento atual da política brasileira: as pesquisas mostram um afastamento crescente entre eleitos e eleitores.
Levantamento do Datafolha revelou que 64% dos brasileiros não se lembram em quem votaram para deputado federal. Outro estudo, da Quaest, aponta que 66% desaprovam o trabalho desses representantes. Apenas 15% acompanham com regularidade a atuação dos parlamentares.
O relator do projeto do voto distrital misto, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante reunião de líderes
O relator do projeto do voto distrital misto, deputado Domingos Neto (PSD-CE), ao lado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), durante reunião de líderes - Marina Ramos - 23.out.25/Câmara dos Deputados
O resultado é um sistema com baixa responsabilização e pouca transparência. O modelo proporcional ainda cria distorções conhecidas, como a eleição de candidatos com votação mínima puxados por nomes de grande apelo. O caso mais emblemático é o do ex-deputado federal Enéas Carneiro, que em 2002 recebeu 1,5 milhão de votos e elegeu cinco candidatos com ele, um deles com apenas 275 votos.
Esse cenário alimenta a sensação de falta de representatividade e reforça a necessidade de mudanças. Não há soluções mágicas, mas há caminhos possíveis. Um deles é o voto distrital misto, modelo já adotado com sucesso na Alemanha, Reino Unido e EUA.
O sistema dividiria cada estado ou município em distritos equivalentes à metade das vagas a serem preenchidas. São Paulo, por exemplo, teria 35 distritos para suas 70 cadeiras na Câmara dos Deputados. Em cada distrito, cada partido apresenta um candidato, e o mais votado é eleito. A outra metade das vagas é definida pelo voto proporcional, contabilizado para o partido do candidato escolhido no distrito, com listas preordenadas e reserva mínima de um terço para as mulheres.
Os distritos são formados com base em critérios técnicos, utilizando dados do IBGE. O modelo aproxima representantes de suas comunidades, fortalece o vínculo entre eleitor e eleito, reduz os custos das campanhas e diminui a influência de "puxadores de votos" e do "crime organizado", que exploram brechas do sistema atual.
A proposta do voto distrital misto foi aprovada no Senado em 2017 e já teve sua constitucionalidade reconhecida pelo TSE e pelo STF. Desde 2018, aguarda deliberação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Sua implantação não exige mudança na Constituição: basta uma lei complementar.
Recentemente, o Congresso Nacional voltou sua atenção à crise de representatividade, movimento que levou o presidente da Câmara, Hugo Motta, a designar o deputado Domingos Neto como relator do projeto.
A proposta foi então submetida às lideranças partidárias, que prontamente a aprovaram.
Este tema é defendido há anos pelas associações comerciais, entidades municipais formadas pela iniciativa privada, sem recursos públicos e com forte ligação com a vida econômica e social de suas comunidades.
Organizadas nas 27 federações estaduais e reunidas nacionalmente pela CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil), uma rede com cerca de 2.500 entidades, as associações comerciais têm capilaridade e legitimidade para impulsionar esse debate. Acreditam que o voto distrital fortalece as comunidades, melhora a representação e contribui para um país mais eficiente e democrático.
É hora de avançar. A modernização do sistema eleitoral não é apenas um debate institucional, é uma oportunidade de reconectar o Brasil com a política, aproximar cidadãos de seus representantes e construir um Parlamento mais responsável e transparente.
Guilherme Afif Domingos, o autor deste artigo, é Secretário de Projetos Estratégicos do governo do estado de São Paulo e presidente emérito da CACB (Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 08.12.25 (edição impressa).
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