sábado, 13 de dezembro de 2025

Código de conduta é antídoto contra fragilização do Judiciário

Medida contribui para preservar a confiança dos cidadãos nos juízes e tribunais. Edson Fachin acerta ao buscar fortalecer independência, imparcialidade e integridade da Justiça

Deputados da direita fotografam painel de votação do PL da Dosimetria - Pedro Ladeira - 9.dez.25/Folhapress

A Justiça brasileira se beneficiaria muito com a adoção de um código de conduta. A autoridade da Justiça deriva de sua capacidade de aplicar a lei com independência, imparcialidade, consistência, integridade e em prazo razoável. Quando o comportamento dos magistrados compromete a reputação dos tribunais, a autoridade da Justiça declina e cresce a disposição para desrespeitar suas decisões ou mesmo afrontá-las.

A Justiça brasileira desempenhou e desempenha um papel fundamental na defesa da democracia. Num mundo marcado por crescentes ataques às instituições constitucionais, a postura do Judiciário brasileiro tem se demonstrado um indispensável ativo democrático. Mas isso não é suficiente para garantir sua autoridade.

As diversas vulnerabilidades apresentadas pelos tribunais e por alguns de seus membros abrem espaços para atos de retaliação por parte dos inimigos da democracia. A aprovação do PL da redução das penas aos golpistas; a recusa pela Câmara em cassar a deputada Carla Zambelli, condenada criminalmente; a aprovação da PEC do marco temporal. Tudo isso são exemplos de retaliação da maioria parlamentar à autoridade judicial.

A falta de compromisso dessas facções parlamentares com as regras do jogo democrático é conhecida. Mas sua capacidade de retaliar o Judiciário cresce num contexto em que este se demonstra mais vulnerável do ponto de vista reputacional. Os supersalários, o compadrio, a falta de consistência, o excesso de decisões monocráticas, a suspeita de parcialidade e o próprio esvaziamento dos plenários deixam os tribunais mais vulneráveis a ataques à sua independência ou mesmo à captura por interesses poderosos.

Tribunais ao redor do mundo têm sido alvo de investidas. É inegável que os tribunais brasileiros, em especial o Supremo, são muito poderosos e detêm uma grande capacidade de resistir e mesmo de negociar com aqueles que os ameaçam. Mas isso inevitavelmente afetará a sua independência e confiabilidade, quando não os obrigar a realizar concessões no campo dos direitos de grupos vulnerareis. A erosão dos direitos indígenas e trabalhistas no Brasil talvez seja um exemplo.

Acerta, portanto, o ministro Edson Fachin ao propor uma série de medidas voltadas ao fortalecimento da independência, imparcialidade e integridade da Justiça brasileira. Acerta ao propor a adoção de um código de conduta para a magistratura e outro específico para os tribunais superiores, de acordo com suas especificidades.

O ministro Edson Fachin na sessão de posse como presidente do STF - Pedro Ladeira - 29.set.25/Folhapress

Os códigos de conduta, já adotados na Alemanha, na França, em Portugal ou nos Estados Unidos, têm por função fundamental contribuir para a preservação da confiança dos cidadãos em seus juízes e tribunais.

Impõem aos membros desses tribunais agir de forma íntegra e imparcial. Mais do que isso, alertam para a importância do comportamento dos magistrados, dentro e fora dos tribunais, para preservar a reputação da Justiça. Há, portanto, dois grupos de bens protegidos por esses códigos: a imparcialidade e a integridade, de um lado, e a reputação e a confiança, de outro.

Vivemos tempos bicudos, não apenas no Brasil. A democracia liberal (e social) está sob ataque e, com ela, a própria ideia de independência do Judiciário. O desarranjo entre os Poderes no Brasil aponta para um agravamento da crise institucional na próxima legislatura.

É imperativo que o Judiciário brasileiro se torne menos vulnerável. A adoção de um código de conduta seria um excelente antídoto contra aquilo que mais o fragiliza.

Oscar Vilhena Vieira, o autor deste artigo, é Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023).  Publicado originalmente na Folha de S. Paulo,em 13.12.25

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