quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Irresponsabilidade institucional

A Constituição é clara ao fixar que cabe ao presidente da República indicar ministros ao STF, prerrogativa que o presidente do Senado tentou usurpar à luz do dia, na base da chantagem

Lula e Messias

Aindicação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é prerrogativa exclusiva do presidente da República, conforme se lê em nada menos que três artigos da Constituição (52, 84 e 101). Ao Senado, segundo esses mesmos artigos, cabe aprovar ou rejeitar a indicação, depois de sabatinar o candidato. Nada mais.

Contudo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), parece entender que tem o poder de nomear ministros do STF. Sem que nada o autorize a fazê-lo – nem a Constituição, nem os códigos morais, nem os valores republicanos –, Alcolumbre quis forçar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicar um protegido seu, o também senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). E o fez sem qualquer sutileza, tentando usurpar à luz do dia a competência presidencial.

Como Lula não cedeu e indicou para a vaga no STF o advogado-geral da União, Jorge Messias, Alcolumbre partiu para a vendeta e passou a ameaçar o Palácio do Planalto com a ingovernabilidade. Como apurou o Estadão, Alcolumbre disse a amigos que, a partir de agora, será “um novo Davi” e mostrará a Lula “o que é não ter o presidente do Senado como aliado”.

Como aperitivo, Alcolumbre pautou – e conseguiu aprovar – o projeto que concede aposentadoria especial a agentes comunitários, um despautério político e fiscal que já reprovamos no editorial Demagogia previdenciária (12/10/2025) e que vai impor custos bilionários ao governo. É uma tremenda irresponsabilidade por parte do presidente do Senado.

A atitude de Alcolumbre, contudo, deve ser lida para além dos interesses particulares do senador. Trata-se de mais um movimento de expansão dos poderes do Congresso sobre o Executivo. Os parlamentares hoje dispõem de substancial parcela da dotação discricionária do Orçamento, da qual fazem uso sem qualquer compromisso com políticas públicas coordenadas pelo governo federal. Ou seja, desfrutam do bônus do dinheiro do contribuinte sem o ônus político da gastança, que recai quase todo sobre o Executivo.

Agora, a julgar pelo comportamento do presidente do Senado, a intenção é dobrar o presidente à vontade dos parlamentares também em relação ao Judiciário. Isso não acontece por acaso.

Consolidou-se no Brasil a percepção de que o STF é um poderoso ator no jogo político, frequentemente chamado a mediar disputas que deveriam se limitar ao Congresso. Daí que as indicações ao Supremo têm respeitado essa característica: já não importa muito se o nomeado tem “notável saber jurídico”, e sim que possa atuar em favor do grupo político do presidente da República. Jair Bolsonaro e Lula, cada qual à sua maneira, contribuíram para essa degeneração ao escolherem nomes que, em vez de uma trajetória jurídica incontestável, demonstraram lealdade pessoal ao governante de turno.

É nessa conjuntura que o Senado, na figura de seu presidente, pretende deixar de ser apenas a instituição que chancela as escolhas ao Supremo para ter o poder de definir a composição da Corte. Por essa razão, somos obrigados a dizer que Lula fez bem em bater o pé e bancar Messias como seu nomeado, mesmo sob risco de provocar a ira de Davi Alcolumbre. Ao fazê-lo, Lula não permitiu que o Senado avançasse sobre as atribuições exclusivas do presidente da República.

Se está descontente com a indicação de Messias, o Senado e seu presidente, em particular, têm todos os meios republicanos para fazer valer a insatisfação. Basta sabatinar e avaliar o indicado, podendo rejeitá-lo caso considere que Messias não preenche os requisitos constitucionais. Mas o que se viu nos últimos dias ultrapassa o campo legítimo da divergência institucional e descamba para a extorsão.

As ressalvas ao nome de Messias, insista-se, permanecem válidas. Porém, o que está em questão é algo maior do que seu perfil: é a integridade do arranjo institucional estabelecido pela Constituição, que fixa claramente a quem cabe indicar e a quem cabe sabatinar futuros ministros do STF. 

Editorial \ Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 26.11.25

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