Lula fez muito bem em vetar o infame projeto que aumenta o número de deputados, mas o Congresso promete derrubar o veto, em afronta à vontade da maioria dos brasileiros
O presidente Lula da Silva fez o certo e vetou o projeto de lei que aumenta dos atuais 513 para 531 o número de deputados federais, aprovado no fim de junho pelo Congresso. Foi o imperativo da sensatez: não havia nem há razão conceitual, política ou técnica que justifique o jeitinho que a Câmara tentou dar à exigência de redistribuição de suas cadeiras conforme a mudança populacional dos Estados.
Pelo que foi publicado na imprensa, integrantes do governo, especialmente os articuladores políticos do Palácio do Planalto, chegaram a tentar convencer o presidente a não vetar nem sancionar o projeto, deixando que o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), promulgasse a nova lei – o que, nos meandros legislativos, configura-se uma “sanção tácita”, já que Alcolumbre disse antecipadamente que o faria. Mas Lula, enfim, optou pelo veto, para marcar posição e, pelo menos, sustar provisoriamente a irresponsabilidade do Legislativo.
A consequência imediata, contudo, tem pouco a ver com a medida. Ao fazêlo, o petista comprou uma nova briga com o Legislativo, num longuíssimo enredo de fissuras, derrotas e retaliações mútuas. Desta vez, porém, foi pelos motivos adequados. Não à toa, ato contínuo, a Câmara – queixosa do anúncio do veto presidencial e da decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de validar o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) contra a decisão anterior do Congresso – aprovou um crédito subsidiado de até R$ 30 bilhões para o agronegócio com verbas de petróleo do pré-sal. O cheiro de retaliação era evidente no plenário. No meio desse jogo de empurra, que tem cara menos de negociação política e muito mais de rinha entre adversários que buscam golpes abaixo da cintura, o fato é que o aumento do número de deputados já constituía um dos episódios mais lamentáveis da atual legislatura.
Embora esteja claro o destino final do projeto (a derrubada do veto e a conversão em lei), trata-se de uma medida injustificável, sob qualquer ótica. Primeiro, pelo não cumprimento da previsibilidade orçamentária e por ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, dado o impacto anual estimado de cerca de R$ 65 milhões somente com os custos da criação das novas vagas, incluindo salários, benefícios e estrutura para novos congressistas, fora o inevitável aumento também nas cadeiras das Assembleias Legislativas, pelo efeito cascata. O segundo argumento é mais grave: tratase de um flagrante desrespeito à jurisprudência do STF e à própria lógica da representação política proporcional, prevista na Constituição e na Lei Complementar 78/1993. A primeira, em seu artigo 45, estabelece que a representação dos Estados deve ser proporcional à sua população; a segunda, que o regulamentou, fixou o mínimo de 8 e o máximo de 70 deputados por unidade da Federação.
Para que a lei fosse respeitada, a partir de 2027 alguns Estados deveriam perder assentos (Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) e outros deveriam ganhar (Amazonas, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará e Santa Catarina). Uma premissa cristalina. Para completar, em 2023, o STF foi igualmente claro: cabia ao Congresso redistribuir as cadeiras na Câmara, até 30 de junho de 2025, com base nos dados do Censo de 2022, de modo a refletir a nova realidade populacional do Brasil. A palavra-chave era “redistribuir”, mas o Congresso, vocacionado a legislar em causa própria, optou pelo aumento. Em vez de corrigir a sub-representação e a sobrerrepresentação de certos Estados, deu à Câmara mais 18 cadeiras para que, como este jornal já sublinhou, ninguém perdesse o injustificável privilégio de ter uma representação acima da que deveria. Em outras palavras, quem deveria perder, não perdeu; quem deveria ganhar, ganhou.
E assim certos votos seguem valendo mais do que outros. Estado mais populoso da Federação, com cerca de 46 milhões de habitantes, São Paulo tem quase 22% da população brasileira, mas elege apenas 13,6% dos deputados federais. Embora atinja o teto constitucional de 70 deputados, o Estado já estava severamente sub-representado. A Câmara quer tirar mais um naco dessa representação. •
Editorial / Notas e Informações, O Estado de São Paulo, em 19.07.25
Nenhum comentário:
Postar um comentário