quinta-feira, 18 de maio de 2023

Incompetência não tem ideologia

Estudo mostra que custo Brasil não caiu significativamente nem num governo declaradamente liberal, como era o de Bolsonaro e Guedes; baixa qualificação da mão de obra é o maior entrave

As empresas no Brasil continuam pagando muito mais do que suas concorrentes em outros países para fazer negócios. E, apesar do discurso a favor da livre-iniciativa do governo de Jair Bolsonaro, sobretudo de seu superministro da Economia, Paulo Guedes, não houve redução nos entraves que oneram o mundo corporativo nos últimos quatro anos, como mostra estudo do Movimento Brasil Competitivo, entidade criada e liderada por empresários para promover a bandeira da necessidade de melhorar a competitividade das empresas no País.

Logo no início do governo Bolsonaro, Guedes foi taxativo ao criticar o emaranhado burocrático para abrir uma empresa no País, dizendo que o processo demorava oito ou nove meses. O governo, afirmou, estava empenhado em reformas importantes que provocassem mudanças conceituais no País a favor de maior liberdade de abertura de negócios, que seria, nas suas palavras, “caminho para a prosperidade”.

O cenário de dificuldades para ser empreendedor no Brasil, porém, pouco mudou, como evidencia o levantamento do Movimento Brasil Competitivo. A dúvida, agora, é se o novo governo, de Lula da Silva, será capaz de promover alguma melhora no panorama. Algumas manifestações, inclusive do presidente, assustam o empresariado, por sugerirem reversão de reformas e excessiva interferência estatal. Em abril, por exemplo, Lula comparou a reforma trabalhista a um “tratamento do tempo da escravidão”. E tanto a proposta de âncora fiscal como a reforma tributária não parecem encontrar entusiastas no governo, com exceção da equipe econômica.

O chamado “custo Brasil”, segundo o estudo, atingiu R$ 1,7 trilhão, valor que representa as despesas adicionais que as companhias têm para produzir por aqui em comparação com a média de custos nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O levantamento foi feito em parceria com a Fundação Getulio Vargas e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e leva em consideração o ciclo de vida de uma empresa, analisando-se indicadores em 12 áreas importantes para a competitividade empresarial.

Ao ser medido pela primeira vez, em 2019, chegou ao valor de R$ 1,5 trilhão, ou 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Em termos nominais, houve uma melhora, porque o custo Brasil apurado agora corresponde a 19,5% do PIB, mas o próprio estudo do Movimento Brasil Competitivo alerta que é preciso levar em consideração a inflação do período e que, portanto, se considera que houve estabilidade entre os dois indicadores. Não piorou, mas também não melhorou.

O detalhamento do estudo deixa claro que um dos maiores custos para o setor empresarial continua sendo o emprego de mão de obra, que inclui qualificação do trabalhador, encargos e processos trabalhistas. E isso, apesar do impacto da reforma trabalhista, que tinha como objetivo baixar o custo de contratação de pessoas e facilitar esse processo. Para os autores do trabalho, a baixa qualificação da mão de obra brasileira segue como o fator de maior peso na composição do custo Brasil, chegando a 8% do total.

Também chamam a atenção os cálculos de quanto as empresas gastam com os impostos cobrados no País pelas várias esferas governamentais. No caso, o estudo identificou que, por causa da complexidade tributária brasileira, as empresas precisam gastar aproximadamente 62 dias e meio com a preparação para pagamento dos impostos. A média das nações que fazem parte da OCDE é de seis dias. Talvez haja esperança de mudanças nessa área específica, com a possibilidade de reforma tributária, em debate no Congresso Nacional.

O estudo mostrou um aumento nos custos de financiamento das empresas – o que seria mesmo de esperar porque as taxas de juros no Brasil subiram muito nos últimos quatro anos como política do Banco Central no combate à inflação.

Reduzir os custos de produção no Brasil não é uma questão ideológica, de governos mais à esquerda ou mais à direita. É uma questão de competência para enfrentar os problemas pela raiz e de forma permanente. Como em tantas outras questões, nesta também o País tem pressa. 

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 18.05.23

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