quinta-feira, 18 de maio de 2023

Caso Deltan expõe ações que podem tirar líderes da Lava Jato do Congresso

Cassação de mandato de deputado em ação de frente liderada pelo PT gera debate sobre interpretação da Lei da Ficha Limpa; Moro, ex-juiz da operação, é alvo de investida do PL

Deltan Dallagnol, na Câmara;discurso com ataques a ‘inimigos’(Crédito: Wilton Junior/Estadão)

A cassação da candidatura – e consequentemente do mandato – do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) expôs uma ampla investida política que pode excluir do Congresso os mais simbólicos representantes da Lava Jato. Mesmo desgastada por críticas aos seus métodos, a operação que nos últimos anos levou para a prisão políticos, empreiteiros, doleiros e lobistas impulsionou no ano passado as eleições do ex-procurador e de Sérgio Moro (União Brasil-PR), dono de uma cadeira no Senado. Moro, ex-juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, também é alvo de ação na Justiça Eleitoral que pode lhe cassar o mandato.

Os dois principais protagonistas da Lava Jato ficaram na mira dos espectros da mais recente polarização nacional. A decisão unânime do TSE foi tomada após representações apresentadas pela Federação Brasil da Esperança, liderada pelo PT (com PCdoB e PV) do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e pelo PMN.

Tramita no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TREPR) um pedido de cassação contra Moro baseado em suspeitas de irregularidades nos gastos de sua campanha e a prática de caixa 2. O processo foi aberto a pedido do diretório paranaense do PL, sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) corre sob sigilo, mas o PL aponta irregularidades no financiamento da campanha ao Senado. Ela foi ajuizada mesmo depois de Moro manifestar apoio a Bolsonaro – de quem foi ministro da Justiça e saiu rompido – no segundo turno da disputa presidencial de 2022. Apesar de ser patrocinado pelo diretório no Paraná, o processo recebeu aval do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.

Se conseguir alijar o ex-juiz, o PL pode ficar com a sua vaga no Congresso. Moro foi eleito com 33,82% dos votos, em uma disputa apertada com o segundo colocado, o deputado federal Paulo Martins (PL), que alcançou 29,12% dos votos. O partido cita na ação o caso da ex-juíza Selma Arruda, eleita em 2018 pelo Podemos. Ela foi cassada por irregularidades na prestação de contas. Selma ficou conhecida como “Moro de saias” por impor duras penas ao grupo político do ex-governador Silval Barbosa (MDB). Segundo o TSE, o exjuiz gastou cerca de R$ 5,1 milhões na campanha.

Em meados de dezembro, após três reprovações, as contas de Moro foram aprovadas poucos dias antes da data-limite. O fato, entretanto, não anula a ação movida pelo PL. Conforme mostrou a Coluna do Estadão, motivados com a perda de mandato de Deltan, advogados de alvos da Lava Jato organizam um périplo nos gabinetes de ministros do TSE para defender a cassação do senador.

INELEGÍVEL. Além de cassar seu mandato, a Corte Eleitoral deixou Deltan inelegível por oito anos. O argumento do ministro Benedito Gonçalves, relator do processo, foi o de que o ex-procurador pediu exoneração do cargo para driblar a lei e evitar a inelegibilidade. A decisão teve como base a Lei da Ficha Limpa, segundo a qual são inelegíveis por oito anos magistrados e integrantes do Ministério Publico que “tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar”. Deltan respondia a processos no Conselho Nacional do Ministério Público.

A decisão, que ainda permite recurso no próprio TSE ou no Supremo Tribunal Federal (STF), gerou debate sobre a interpretação da Lei da Ficha Limpa no mundo jurídico. Uma das vertentes é a de que houve “erro” da Corte Eleitoral, com a “ampliação” das hipóteses de inelegibilidade. O ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. (governo FHC) vê “arbítrio” na decisão do TSE e aponta ainda a violação da presunção de inocência.

“Acho que houve um grande erro do TSE. Fui sempre muito crítico da atuação do Dallagnol, mas, mais do que desgosto com a atuação dele, eu tenho o repúdio ao arbítrio. E houve um arbítrio”, afirmou ao Estadão.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei vê “incongruências” na decisão do TSE. Ele avalia que foi feita uma “conta de chegada” no julgamento – construiu-se um caminho de argumentos para se chegar à conclusão. “Talvez, se o personagem fosse outro, o resultado seria diferente”, disse.

Já Márlon Reis, ex-juiz eleitoral e idealizador da Lei da Ficha Limpa, defendeu a decisão do TSE. Segundo ele, a sentença é baseada em “fundamentação profunda”. Em entrevista ao Estadão, o hoje advogado afirmou que a tese documentada e apresentada pelo relator foi “muito clara e atenta para o modo como as normas para inelegibilidades devem ser interpretadas”.

A votação para cassar o mandato de Deltan levou um minuto e seis segundos – tempo que conta o fim do voto do relator do caso no TSE à proclamação do resultado. O agora deputado cassado classificou a decisão como uma “vingança de Lula” (mais informações na página ao lado).

O governo do presidente Lula – que chegou a cumprir prisão por condenação, depois anulada, na Lava Jato – usou o Twitter para fazer uma sátira com a cassação do deputado. O perfil oficial publicou uma imagem com o mesmo design do PowerPoint usado por Deltan, então procurador e coordenador da força-tarefa da operação, para indicar ligações do petista com casos de corrupção. •

Natália Santos, Pepita Ortega, Sofia Aguiar e Gustavo Cortês para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 18.05.23

Nenhum comentário: