terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Vetos golpistas têm de cair

Nos vetos à Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, Bolsonaro pavimentou o 8 de janeiro

Em setembro de 2021, o Congresso aprovou a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/2021), que revogou a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983) e alterou o Código Penal, prevendo crimes contra a democracia. Foi uma medida importante do Legislativo. Ao mesmo tempo que excluiu um diploma legal da época da ditadura que estava sendo usado pelo governo Bolsonaro para perseguir opositores, o Congresso instituiu meios para a defesa do regime democrático.

Ao sancionar a Lei 14.197/2021, o presidente Jair Bolsonaro vetou cinco dispositivos. Foram vetos em pontos importantes da lei, que reduziram a proteção da democracia, como advertimos nesta página (ver o editorial Vetos contra o Estado Democrático de Direito, 3/9/2021). Incompreensivelmente, o Congresso ainda não analisou os vetos à Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. É tarefa urgente do Legislativo, especialmente depois dos atos de 8 de janeiro, restaurar os dispositivos vetados por Bolsonaro.

Um dos vetos refere-se ao crime de comunicação enganosa em massa, relativo à disseminação de “fatos que sabe inverídicos e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”. Segundo Bolsonaro, a medida aprovada pelo Congresso inibiria o “debate de ideias” e “enfraqueceria o processo democrático”. O bolsonarismo não tem mesmo pudores, defendendo explicitamente que a difusão de informação que se sabe equivocada sobre as eleições deveria fazer parte da liberdade de expressão.

No capítulo dos crimes contra as eleições, Bolsonaro também vetou um dispositivo contra a impunidade. O Congresso autorizou que, em caso de omissão do Ministério Público, partidos políticos poderiam propor a respectiva ação penal. Bolsonaro excluiu essa possibilidade.

Em consonância com os objetivos da nova lei, o Congresso estabeleceu que os crimes contra o Estado Democrático de Direito deveriam ter pena (i) aumentada de um terço, se cometidos com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo, e (ii) aumentada de um terço e cumulada com perda do cargo, se cometidos por funcionário público. Bolsonaro vetou essas disposições. Para piorar, nem sequer apresentou justificativa para o veto ao aumento de pena por uso de arma de fogo.

Bolsonaro também vetou, vejam só, o aumento de pena para o caso de crime contra o Estado Democrático de Direito cometido por militar. Alegou que, além de supostamente ferir a proporcionalidade, a previsão legislativa seria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”. Aqui, uma vez mais, o bolsonarismo escancara seu ideário autoritário. Em sua concepção, crimes contra o Estado Democrático de Direito não deveriam ser punidos rigorosamente porque isso significaria reduzir a liberdade de pensamento.

Nos vetos apostos por Bolsonaro em setembro de 2021, vislumbra-se um roteiro preciso para o que ocorreu nos meses seguintes e culminou nos atos de 8 de janeiro de 2023. O Congresso não pode pactuar com esse ataque à capacidade de a democracia se defender.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 24.01.23.

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