terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Com Tomás, Olsen e Damasceno, Lula fecha o cerco legalista nas Forças Armadas

O compromisso é com a farda, o País, a volta à normalidade. Logo, com a democracia

Novo comandante do Exército, General Tomás Miguel Ribeiro Paiva, foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para substituir Júlio César de Arruda. Foto: Wilton Júnior/Estadão

Conheci o então “coronel Tomás” no Haiti, em 2007, quando ele comandava o batalhão brasileiro da Minustah, a Força de Paz da ONU no país, e estava com um baita curativo na mão. No início, foi só um corte à toa, com uma folha de papel “afiada”, mas ele descia de tanques e jipes e cumprimentava a garotada local com “soquinhos”: “Oi, cara!” Daí, o pequeno machucado evoluiu para uma infecção com direito a antibiótico.

Essa história ilustra o perfil do atual general de quatro estrelas Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que assume o Comando do Exército para “normalizar” as tropas, gravemente contaminadas, não por crianças pobres e com higiene precária do Haiti, mas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seu séquito brincando de “golpes”.

Para o general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa, os generais Júlio Cesar de Arruda, que sai do Comando, e Tomás, que entra, são “grandes militares”. Arruda, porém, é “operacional” e Tomás, “estratégico”, além de “um dos oficiais mais inteligentes do Exército”. O “operacional” olha para dentro (é corporativista?). O “estratégico” olha para dentro e para fora, compreende o papel das Forças Armadas, tem noção geopolítica e coragem de resistir ao “efeito manada”.

Correm nos grupos de WhatsApp do Exército críticas a Tomás, porque o discurso dele pró-democracia, institucionalidade, alternância de poder e resultado das urnas foi na quarta-feira e a nomeação dele, no sábado. Logo, teria sido “oportunista”. É injusto, porque ele teve o tempo todo esse discurso, e sou testemunha disso.

No meio da campanha eleitoral, quando Bolsonaro era endeusado por militares e tinha boas chances de ganhar, o general já me dizia que as Forças Armadas são instituição de Estado e, ganhasse quem ganhasse, iriam reconhecer o resultado da eleição, bater continência e seguir cumprindo sua missão constitucional. Não foi “de repente”, foi “o de sempre”.

E atenção à fala dele: militar é o que “faz o que é correto, mesmo se o correto for impopular” – não junto à opinião pública, mas à caserna. Militar faz “o correto”, contrariando maiorias que creem em falsos “messias” e versões que geram desordem, indisciplina, quebra da hierarquia e insubordinação ao poder civil.

Assim, o presidente Lula fecha o cerco legalista nas três Forças, com o general Tomás no Exército, o almirante Marcos Olsen na Marinha e o brigadeiro Marcelo Damasceno na Aeronáutica, prontos a fazer “o que é correto”, inclusive investigar e punir os que atentaram contra as instituições. O compromisso é com a farda, o País, a volta à normalidade. Logo, com a democracia.

Eliane Cantanhêde - um olhar crítico no poder enos poderosos, a autora deste artigo, é comentarista de politíca no tele-jornal "Em Pauta", da Globo News. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 24.01.23.

Nenhum comentário: