domingo, 29 de janeiro de 2023

Pacote de leis pela democracia tem efeito incerto

Não foi por falta de policiais que vândalos atacaram em 8 de janeiro, mas porque houve negligência

Manifestantes golpistas invadem o Congresso Nacional Sérgio Lima/AFP

O governo federal apresentará ao Congresso um pacote de medidas para coibir novos ataques às instituições democráticas. O ministro da Justiça, Flávio Dino, entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um documento com quatro propostas que, a partir de agora, serão debatidas. O governo segue um roteiro conhecido diante de fatos graves: a correria para criar instituições ou leis, como se o país tivesse sido vítima de um grande trauma devido à falta de ambas. Todos sabem que não foi bem assim.

Uma das propostas é descabida. Dino sugere criar uma guarda nacional para proteger a Esplanada dos Ministérios e a Praça dos Três Poderes. A ideia parte de uma premissa falsa. Não foi por falta de policiais que ocorreram os ataques golpistas do dia 8 de janeiro. O problema foi a cooperação entre as forças de segurança e os vândalos. A simples criação de uma nova guarda não a tornaria imune ao golpismo. Tampouco eximiria as autoridades de restabelecer o comando nas instituições que falharam no dia 8. A guarda nacional ainda demandaria a contratação de cerca de 6 mil novos servidores, onerando os cofres públicos em momento de crise fiscal aguda.

Faz mais sentido outra proposta apresentada por Dino: obrigar as plataformas digitais a moderar o conteúdo que circula nas redes sociais com ameaças, tentativas de abolir o Estado Democrático de Direito ou incentivo a terrorismo. É fato que os golpistas se reuniram, se organizaram e se prepararam com a ajuda dos meios digitais.

Está certo Dino ao defender “uma congruência lógica” do que é autorizado nas ruas e nas redes. Não é permitido instalar um quiosque num shopping center para ensinar a montar uma bomba ou aliciar conspiradores para um golpe de Estado, então ninguém deveria poder fazer isso na internet. É um erro acreditar que as plataformas tomarão medidas na base da autorregulação, já que nada fizeram até agora, escoradas na visão peculiar que confunde liberdade de expressão com liberdade de agressão. Essa constatação, porém, não significa que o caminho sugerido por Dino seja o mais adequado.

O governo faria melhor se incluísse suas propostas no Projeto de Lei 2.630, o PL das Fake News, atualmente na Câmara, e trabalhasse pela sua aprovação. “O PL é a chance de a sociedade dar uma resposta mais ampla e forte. A desinformação de todo tipo é o que cria o terreno favorável para reações condenáveis nas mais diferentes áreas, inclusive na política”, afirma o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto.

O pacote de Dino inclui ainda dois projetos de lei. Um criminaliza financiadores e organizadores de atos antidemocráticos, estabelecendo sanções a pessoas físicas e a empresas, como a proibição de participar de licitações ou receber benefícios fiscais. O outro aumenta a pena de quem atentar contra a integridade física ou a vida de chefes dos Três Poderes.

As duas medidas podem ajudar a dissuadir radicais, mas seu efeito é incerto. Mais importante seria o Congresso derrubar vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro à Lei dos Crimes contra o Estado Democrático de Direito (Lei 14.197/21) que a enfraqueceram. Um dos itens vetados aumenta a pena para militares que cometerem crimes contra a democracia, com perda de patente ou do posto. O trecho deveria ser restaurado na lei.

Editorial de O GLOBO, em 29.01.23

Nenhum comentário: