terça-feira, 15 de novembro de 2022

O novo Brasil de Lula e sem Bolsonaro

O presidente eleito não pode esquecer que não foi eleito apenas pela força de seu partido, mas porque criou um bloco de forças capaz de enfrentar o bolsonarismo

Lula da Silva, presidente do Brasil, durante evento em Brasília, em 10 de novembro. (Foto: Andressa Anholete /Bloomberg)

O turbulento Brasil de Bolsonaro desapareceu com suas conotações fascistas? O Brasil luminoso de Lula voltou com suas conquistas sociais? Existe hoje um novo Brasil inédito cujo objetivo final ainda é desconhecido? Essas são algumas das perguntas feitas por brasileiros que tremiam diante de um possível golpe militar.

Ainda não é fácil responder a essas perguntas com certeza, pois a situação no Brasil está se desenvolvendo sob as areias movediças da incerteza. Bolsonaro perdeu as eleições, mas seus seguidores ainda são corajosos e não se contentam com a derrota. Isso é demonstrado pelas manifestações das centenas de caminhoneiros acampados em Brasília em frente ao bastião militar exigindo um golpe.

É verdade que os militares, dos quais mais de 6.000 foram colocados nas classes estaduais por Bolsonaro, aceitaram a derrota do ex-capitão de extrema-direita, mas continuam mantendo uma atitude um tanto ambígua.

Os seguidores do líder de direita confiavam que a vigilância que, mesmo contra a Constituição, o Exército mantinha antes das eleições poderia levar à anulação do plebiscito que conferia a derrota do mito.

A reação dos militares era a última esperança de Bolsonaro e seus seguidores. Esperavam ter encontrado alguma veia para contestar o resultado da derrota eleitoral. Isso não aconteceu, pois o documento de 70 páginas elaborado pelas Forças Armadas revelou que não foram encontradas grandes falhas para anular o resultado das urnas. Os apoiadores de Bolsonaro não ficaram satisfeitos e exigiram uma nova posição dos militares, mobilizando centenas de caminhoneiros em Brasília.

Em um segundo documento, o Exército quis presentear os bolsonaristas desordeiros e declarou que, embora não tenham sido detectados erros nas urnas, isso não significa que não possam ser vulneráveis. Foi uma resposta diplomática, que não disse nada.

Tudo isso deu à equipe vencedora de Lula, assinada por dez partidos que abrangem desde a extrema esquerda até a direita liberal não golpista, uma nova força para se mostrar eufórica e com liberdade para realizar reformas, principalmente sociais. Assim, as verdadeiras lágrimas de Lula foram vistas com bons olhos quando ele afirmou que seu sonho é que ao final de seu mandato não haja um único brasileiro que não consiga comer três refeições por dia.

E se não há dúvidas de que o novo governo Lula será fortemente marcado por sua natureza social e não ideológica. Onde a polêmica ainda pode irromper é na formação de seu novo governo, que pode não ser fundamentalmente de seu partido, o PT, mas de uma gama de partidos que vão da esquerda ao centro e à direita liberal.

Daí as dificuldades que Lula está tendo na escolha de alguns de seus principais ministros, da Economia ao Meio Ambiente e Relações Exteriores, já que pretende restabelecer as relações com o resto do mundo após o isolamento a que Bolsonaro o condenou.

Daí a importância da recepção que Lula poderá ter nos próximos dias na Cúpula do Meio Ambiente no Egito. Será seu primeiro teste internacional, pois nessas cúpulas Bolsonaro foi bastante evitado pelos demais chefes de Estado para não se comprometer com suas alucinações golpistas e fascistas de extrema direita.

Tudo isso é importante neste momento para Lula, que não pode se enganar nem esquecer que não foi eleito apenas pela força de seu partido, mas por ter criado um bloco de forças, todas elas democráticas, capazes de enfrentar o bolsonarismo de raiz .

Como destacou Catarina Rochamonte em sua coluna para o jornal O Globo : “Não há carta branca para o novo governo. Se a maioria dos brasileiros fez tábula rasa dos enormes erros dos governos petistas, não foi por amor a Lula, mas por horror a Bolsonaro.”

Na verdade, é uma verdade que começa a se mostrar importante na formação do novo governo Lula. Nela, o que talvez menos importe neste momento é que o PT aproveite para colocar o maior número possível de anfitriões, mas para fazer uma frente forte contra o bolsonarismo, que é a grande ameaça à democracia.

São aqueles momentos da história em que surgem os verdadeiros estadistas capazes de afugentar os monstros da desintegração política e das tentações autoritárias. A verdade é que para Lula, que jura que esta será sua última aventura política, pode ser o momento em que se firma como um verdadeiro estadista capaz de tirar o Brasil do inferno.

João Árias, do Rio de Janeiro-RJ para o EL PAÍS,em 15.11.22, às 07:45hs

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