domingo, 2 de outubro de 2022

Nem Bolsonaro, nem Lula

Não é compatível com a democracia condenar o eleitor à escolha entre o lulopetismo e o bolsonarismo, opções nefastas para o País. Há outros candidatos democráticos e competentes


Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB, PSDB e Cidadania) tecnicamente empatados

No dia em que os brasileiros irão às urnas para escolher quem governará o País nos próximos quatro anos, este jornal se considera no dever de recomendar que os eleitores rejeitem tanto o atual presidente, Jair Bolsonaro, como o petista Lula da Silva, que pretende voltar ao poder depois de 12 anos. Ao contrário do que ambos querem fazer parecer, ainda estamos no primeiro turno, ou seja, há vários outros candidatos, alguns seguramente melhores que Bolsonaro e Lula – que, cada um à sua maneira, violentam vários dos princípios que orientam o Estadão há mais de um século.

Além de ter gestado um governo conflituoso, irresponsável e desastroso, Jair Bolsonaro ameaçou, de forma reiterada, o processo eleitoral e ainda tentou envolver, nessas manobras, as Forças Armadas. Nesta semana, voltou a pôr em dúvida se aceitará o resultado das urnas. Não há como tolerar esse tipo de atitude.

Em razão de seus firmes princípios republicanos e democráticos, este jornal chegou a exigir, em 2000, a cassação do então deputado Jair Bolsonaro, que havia ultrapassado todos os limites do decoro e da decência ao defender o fuzilamento do então presidente, Fernando Henrique Cardoso. O editorial Dejetos da democracia (8/1/2000) não deixa dúvidas: “Figuras dessa espécie, que envergonham a instituição parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela têm que ser expelidas, num processo natural de limpeza, pois a democracia tem que saber administrar, com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos”.

Ao ser poupado pelos seus pares, Bolsonaro entendeu que não precisava respeitar nenhum limite – nem legal, nem político, nem moral – e foi em cima dessa ideia que se lançou à Presidência, em 2018, como candidato “antissistema”. Vitorioso, rapidamente mostrou aquilo que já antevíamos, isto é, sua absoluta incompatibilidade com a chefia do Executivo federal, por qualquer ângulo que se avalie. Como se isso não bastasse, recaem sobre o presidente e sua família suspeitas de rachadinha, lavagem de dinheiro e uso dos órgãos estatais em benefício próprio, suspeitas essas que nunca foram esclarecidas. A Presidência da República exige outro patamar moral e cívico.

A rejeição a Jair Bolsonaro, no entanto, não cega os olhos deste jornal às contradições, fragilidades e imposturas da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. O PT produziu a mais grave crise moral, política e econômica da história recente do País, não reconheceu suas responsabilidades e agora deseja voltar ao poder vendendo a falácia de que disso depende a manutenção da democracia no Brasil e a redenção dos pobres. É o lulopetismo em estado puro.

Ora, o Lula da Silva que hoje se apresenta como o experiente artífice da reconciliação tão desejada pelos brasileiros é aquele líder cujo partido hostilizou todos os governos aos quais fez oposição, jamais reconheceu os méritos dos articuladores da estabilização da economia nos anos 90 e sabotou os esforços para estabelecer a responsabilidade fiscal. O Lula que se declara “inocente” em relação a graves denúncias de corrupção, como se fosse a alma mais honesta do mundo, é o mesmo que até hoje foi incapaz de reconhecer os comprovados desvios de bilhões em recursos públicos durante os governos petistas, muitos dos quais ocorridos nas suas barbas. O Lula que hoje quer ser visto como salvador da democracia é o mesmo que nutre devoção religiosa à ditadura cubana e que é incapaz de condenar a tirania dos companheiros Nicolás Maduro na Venezuela e Daniel Ortega na Nicarágua, além de defender sistematicamente a “regulação da mídia”, nome fantasia para seus devaneios censórios.

Assim, se toda votação demanda seriedade, pode-se dizer que a de hoje requer especial sentido de liberdade e de responsabilidade. Os tempos atuais, demasiadamente conturbados, têm sido ocasião de acentuados oportunismos que, depois, cobram seu preço.

Aos que têm tanto interesse em transformar essa eleição em um duelo asfixiante entre Lula da Silva e Bolsonaro, é preciso reafirmar e defender a Constituição de 1988, que consagra a liberdade política e o pluripartidarismo. O eleitor não está obrigado a escolher entre dois candidatos que, eis a verdade inconveniente, não representam nenhuma solução para o País. Cada um a seu modo, são a continuidade do atraso. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 02.10.22 às 3h00

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