quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Emenda Constitucional 125/22 é inconstitucional e tem de ser revogada

Tendo como pano de fundo o grande volume de recursos que sobem ao Superior Tribunal de Justiça, o Congresso votou e o Executivo sancionou a Emenda Constitucional nº 125/22, estabelecendo barreiras visando minorar o número de recursos ajuizados. 

Com esse propósito acresceram ao artigo 105 da CF os §§2º e 3º nº §2º, para restringir os recursos restou estabelecido que o requerente deverá demonstrar, obrigatoriamente, a relevância da questão discutida para que possa ser admitido o recurso. Estabeleceu ainda que a questão tenha valor fiscal de pelo menos 500 salários mínimos.

Inafastável, portanto, que a EC é rigorosamente inconstitucional pois, declaradamente, infringe o artigo 5º, caput, da CF que disciplina os princípios fundamentais dos cidadãos e fixa a igualdade entre todos como valor fundamental. Em consequência, explicita nos incisos XXXV, LIV e LV que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito"; assegura também que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" e, ainda, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo é assegurado o contraditório e a ampla defesa".

Tais fundamentos não se coadunam com as restrições desenhadas no acrescido §2º trazido, vez que "estipular a relevância da questão em discussão" é estabelecer exercício absolutamente ilegal pois que sobre ser subjetivo ainda é cerceamento de liberdade. Ademais, ao requerente é rigorosamente garantido insucesso posto que a necessidade da fundamentação foi estabelecida com o propósito de barrar a admissibilidade do recurso. Dessa forma, flagrantemente infringindo os requisitos fundamentais acima retratados. Da mesma forma é o limite mínimo de 500 salários posto que agride o fundamento pétreo da igualdade entre todos.

Se válido for esse princípio, estará consagrado que o cidadão com demanda de valor inferior a 500 salários, ou de valor inestimável, terá vetada a regra pétrea fundamental da ampla defesa. Consequentemente transformando o STJ em tribunal para poucos e privilegiados, ou seja, tribunal voltado à elite e assim, infringindo o princípio fundamental da igualdade entre todos.

Trata-se, portanto, de EC absolutamente infringente aos direitos dos cidadãos e como tal, por sua inequívoca inconstitucionalidade, impõe-se revogá-la.

Porém, mais republicano tivesse sido o Legislativo e menos elitista teria aproveitado para melhorar o ordenamento processual, para diminuir o volume de feitos. Para tanto deveria ter reordenado as funções dos Tribunais de Justiça dos Estados, vez que nestes se originam os recursos especiais. Tribunais que se encontram, também, "atolados de recursos" — apelos e embargos de declaração que advém de julgados de piso, estes também assoberbados e desapetrechados.

Como se vê, não basta editar EC restritiva para "solucionar o problema do STJ"; o que se fez não foi resolver o problema, mas aplicar inconstitucional cerceamento de liberdade.

Assim deveria o Legislativo ter estabelecido que as cortes estaduais criassem câmaras superiores com atribuição específica de julgar, fundamentadamente, a admissibilidade do recurso especial, deduzido em razão de decisões proferidas nas câmaras ordinárias. Mecanismo que suprimiria, nesses casos, não só a hipótese dos embargos de declaração, como também a do agravo, posto que toda matéria seria discutida nas câmaras especiais, que julgariam a admissão do REsp.

Da decisão proferida na câmara especial somente caberia "recurso de divergência" que estaria condicionado a que o recorrente comprovasse a existência de decisão divergente proferida em qualquer outro Tribunal de Justiça, em outro Estado da Federação. Assim sendo consagrado e homenageado o fundamento constitucional do STJ, que é uniformização da jurisprudência.

Não cabendo recurso de divergência, o recorrente poderá ainda, se o tema for constitucional, deduzir o RE encaminhando a questão ao STF. Não havendo a hipótese de cabimento do RE restaria transitada a questão, dessa forma encerrando o feito em definitivo, trazendo economia processual, celeridade, e nos feitos penais o cumprimento definitivo da pena.

Tivesse havido no Legislativo federal menos ânimo de restrição, e mais espírito republicano, certamente o país estaria no rumo para cumprir o ordenamento "ordem e progresso".

José Roberto Cortez, o autor deste artigo, é especialista em Direito Empresarial e sócio fundador do escritório Cortez Advogados. Publicado originalmente no Consultor Jurídico, em 01.09.22.

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