sexta-feira, 29 de julho de 2022

Estamos esperando o quê?

Há muitas pessoas que detêm o poder político e o econômico no nosso país que não assumem sua responsabilidade como elite.

Nossas elites menosprezam a cara da revolta. Aparentam não ter olhos para ver os sinais de agravamento da miséria e do esgarçamento do tecido social e político do País. Será que o Brasil precisa aumentar mais a desigualdade, deteriorar ainda mais as condições ambientais e ameaçar mais e mais a democracia para que a insatisfação se torne visível?

Parte significativa da nossa elite, em sua insensibilidade e ignorância, não vê a potencialidade destruidora de uma força social descontrolada, desorganizada e crescente, dos que já não têm mais nada a perder e que poderão passar a agir no tudo ou nada. Pessoas invisibilizadas, discriminadas e desesperançadas são capazes de explodir como uma horda desenfreada, pronta para ultrapassar todo tipo de barreira e quaisquer limites.

A contagem regressiva se acelera com o aprofundamento do fosso que separa brasileiros pela cor da pele, pela região, condição social, orientação sexual, opção religiosa, por preferências políticas e tendências ideológicas. Nessas clivagens segregacionistas, viver ou morrer tende a ser indiferente para os que têm a vida relegada a níveis sub-humanos; e os efeitos desse tipo de apatia são devastadores.

O mundo dito civilizado caminha para o mundo da barbárie. Sinais disso são que o nazifascismo está voltando, a guerra assombra o mundo mais uma vez, intensificam-se as crises migratórias, energéticas e alimentícias e a cultura do Velho-Oeste estadunidense se infiltra nas sociedades. No Brasil, a propagação do ódio, a discriminação dos contrários, o cultivo do medo, a disseminação de notícias falsas, a demonização dos meios de comunicação e a destruição de reputações esterilizam o livre debate de ideias, que é o único caminho para a construção de soluções compartilhadas e duradouras.

O nosso país está dividido em dois blocos preocupantemente assimétricos: um pequeno, dos que têm acesso; e um gigante, dos que não o têm. E a pior desigualdade é a impossibilidade de acesso, que resulta na carência de meios para a realização individual e coletiva e na desumanização do viver. A educação, que é condição indispensável para o viver bem e para a ascensão social, não produzirá seus efeitos benéficos enquanto a escola pública brasileira não atingir padrão semelhante ao das escolas privadas; com isso, as discrepâncias continuarão sufocando aqueles que não têm acesso.

Os brasileiros não precisam de esmola nem deveriam ser tratados como fracos, inferiores e incapazes, como historicamente tem sido. A fraqueza, a inferioridade e a incapacidade nascem dos preconceitos dos poucos que, ao longo da nossa história, vêm tendo acesso às benesses civilizatórias, e se acomodaram no falso conforto da indiferença. A gravidade dessa deformação é tão destruidora que pioramos continuamente as diferenças entre os privilegiados e os apartados.

A bem da verdade, há muitas pessoas que detêm os poderes político e econômico no nosso país que não assumem sua responsabilidade como elite. Fazem com que as coisas públicas sejam confundidas com coisas que não têm dono. Esse desrespeito com o que é comum está na base do bloqueio ao acesso dos que não têm o suficiente para morar, se locomover, se comunicar, comer, se divertir, cuidar da saúde, se vestir e se educar dignamente.

Diante deste cenário de desarranjos e de injustiças, e considerando as eleições presidenciais que se aproximam, é evidente que a governabilidade do País não estará inteiramente nas mãos nem do ex-presidente Lula nem do atual presidente Bolsonaro, os dois candidatos que lideram todas as pesquisas de preferências realizadas até agora.

Quem acredita que Lula vitorioso conseguirá governar adequadamente tendo os bolsonaristas desencadeando ações agressivas, instigadas pelo perdedor? Ou, ao contrário, quem acredita que, se Bolsonaro ganhar, a crise nacional, nos campos político, econômico e social, não se agravará ainda mais?

Quem desconsidera o fato de parte da população estar sendo estimulada a se armar e a reagir àquilo de que discorda? Quem acredita que centenas de milhares de pessoas fanatizadas e armadas poderão ser controladas em eventuais desatinos?

Como fica a imagem do País, quando o presidente da República, perante o mundo, ataca sem provas nosso sistema eleitoral, o mesmo que o elegeu, e tenta desmerecer as autoridades constitucionalmente responsáveis por este sistema reconhecido internacionalmente por sua excelência e confiabilidade?

Como poderá desenvolver-se um país sendo repudiado pela comunidade internacional? O que acontecerá ao Brasil, se formos submetidos a boicotes?

O desmatamento da Amazônia, por exemplo, é algo tão grave quanto a desconstrução da democracia. O respeito pelo meio ambiente e os processos políticos de diálogo são valores perseguidos pelas pessoas que em todo o mundo defendem o crescimento humanizado e a convivência harmoniosa.

Compete a nós, integrantes das elites brasileiras, assim como a toda a sociedade, opormo-nos de forma clara aos ataques à democracia para fortalecer a ordem pública nacional e o Estado de Direito constitucional, saindo da passividade e da contemplação para agirmos com efetividade nos nossos ambientes de influência.

Amarílio Macêdo, o autor deste artigo, é empresário, CEO da holding do Grupo J. Macedo e Conselheiro do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial / IEDI. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 29.07.22.

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