sexta-feira, 29 de julho de 2022

A ‘fé no taco’ petista arruinou o País

Lula afirma que o teto de gastos só se impõe a governos sem credibilidade. Fato: a âncora fiscal se tornou um imperativo justamente porque petistas destruíram credibilidade do governo

Em recente entrevista ao portal UOL, Lula da Silva (PT) disse o seguinte: “Quando você faz uma lei de teto de gastos é porque você é irresponsável, porque você não confia em você, não confia no seu taco”. O candidato acrescentou que, caso seja eleito, não precisará governar com um teto de gastos porque a âncora fiscal só faz sentido, em sua visão, quando o governo “não tem credibilidade para garantir estabilidade e previsibilidade” aos agentes econômicos. Lula tem razão.

De fato, um presidente responsável e imbuído de espírito público até pode prescindir de um controle mais rigoroso dos gastos públicos, pois conhece muito bem os efeitos perversos da gastança desenfreada sobre a população, sobretudo os mais vulneráveis. O que Lula, malandramente, escondeu do distinto público é que o teto de gastos só foi instituído pela Emenda Constitucional (EC) 95, durante o governo de Michel Temer, porque sua cria, Dilma Rousseff, feriu de morte a racionalidade na elaboração do Orçamento da União e corroeu a confiança no governo.

O resultado desse voluntarismo petista é tristemente conhecido pelos brasileiros: a pior recessão econômica de toda a série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1948. Até hoje, a conta desse descalabro é paga pelos contribuintes.

Na entrevista, Lula tentou enganar a população ao difundir a falácia de que a “Faria Lima”, aludindo ao centro financeiro da capital paulista, teria “obrigado” o governo Temer a criar o teto de gastos. Ora, para começar, a EC 95 foi uma construção coletiva do Palácio do Planalto e do Congresso, fruto do entendimento entre os dois Poderes e após ampla discussão na sociedade de que algo havia de ser feito para reorganizar as finanças públicas, destroçadas pela política econômica de Dilma. Ao fim e ao cabo, o teto de gastos se impôs justamente para que a credibilidade do governo federal, corroída pela ex-presidente, fosse restabelecida.

Tanto pior é o fato de que Lula, hoje o candidato mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto, tem anunciado previamente que será, ele também, um irresponsável. É disso que se trata. O petista tenta ludibriar os eleitores sobre a motivação original para a criação do teto de gastos e, como consequência desse embuste, promete governar por mágica, como se dinheiro brotasse do chão a seu comando e em respeito a seus desejos. Se assim for, sua vitória tem tudo para ser uma reprise do desastre de 2014-2016.

Ao dizer que “não precisará” do teto de gastos para governar, Lula se mostra disposto, assim como Dilma, a dilapidar o Tesouro em nome de seu projeto de poder. É tudo o que o País, definitivamente, não precisa após a ruína das contas públicas decorrentes da irresponsabilidade populista dos governos petistas e, nos últimos três anos e meio, do presidente Jair Bolsonaro, ele mesmo um dos algozes do teto de gastos. Nesse ponto, Lula e Bolsonaro podem dar as mãos.

Ao fim e ao cabo, discutir a pertinência do teto de gastos significa falar sobre a qualidade da democracia representativa que queremos para o Brasil. O Orçamento da União é – ou ao menos deveria ser – o retrato mais bem acabado da concertação nacional em torno das prioridades na alocação dos recursos públicos, que são finitos. Há de ter, pois, espírito público e muita responsabilidade na sua elaboração e na sua execução. Um país, como um lar, não tem condições de dar qualidade de vida para seus habitantes quando as contas estão em desarranjo, quando gasta mais do que ganha.

Seja qual for seu matiz partidário ou ideológico, para que um governo possa implementar políticas públicas sustentáveis, das quais depende o bem-estar de milhões de brasileiros, é preciso antes de tudo haver dinheiro. Boas políticas públicas exigem responsabilidade fiscal. A forma mais segura e democrática de viabilizar essas políticas é negociar bem a alocação dos recursos orçamentários. A outra, bem mais fácil, é criar uma peça de ficção orçamentária e ver no que dá. O País já conhece o final dessa história.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, 29.07.22


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