quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Decisão de Ciro provoca crise e autoflagelo no PDT

Ex-ministro pode jogar a toalha se bancada do PDT não voltar atrás no segundo turno de votação da PEC dos Precatórios.

O ex-ministro Ciro Gomes anunciou a suspensão de sua pré-candidatura ao Palácio do Planalto Foto: Taba Benedicto/Estadão

A decisão de Ciro Gomes de suspender a candidatura à Presidência depois que a maioria da bancada do PDT votou a favor da PEC dos precatórios foi interpretada no meio político como uma estratégia para fugir do desgaste ou até mesmo jogar a toalha. O fato, porém, é que o ultimato estabelecido por Ciro provocou uma crise nas fileiras do partido, que já fala em “autoflagelo”, e pode obrigar integrantes da bancada do PDT a mudar de rumo no segundo turno de votação da proposta, marcada para a próxima terça-feira, 9.

Se a guinada não ocorrer, no entanto, Ciro ameaça mesmo desistir da disputa. Nos bastidores, há uma ala do PDT querendo se aliar à campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e avalia que a candidatura de Ciro está espremida entre o petista, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, que vai se filiar ao Podemos no próximo dia 10.

Ciro vinha dizendo há tempos que a PEC era uma “aberração” porque, para prorrogar o auxílio emergencial ou mesmo pôr de pé o novo Auxílio Brasil – nome inventado por Bolsonaro para ter uma marca social na campanha de 2022 –, não seria necessário quebrar o teto de gastos públicos. Até então, a oposição parecia concordar com isso. Mas a mão pesada do Palácio do Planalto, que ameaçou cortar emendas parlamentares e deixar deputados a pão e água nas eleições, fez não apenas o PDT como também bancadas de outros partidos se dividirem. E o que se assistiu na madrugada foi a capitulação da chamada terceira via aos “encantos” do Centrão.

Na prática, muitos partidos que têm anunciado horror à polarização entre Bolsonaro e Lula, como o Podemos, escancararam o racha. Só que Moro, no comando da montagem da equipe de campanha ao Planalto, não quis entrar a fundo nesse imbróglio de PEC dos precatórios, mais conhecida como PEC do calote. Embora não tenha anunciado oficialmente sua candidatura, o ex-juiz da Lava Jato somente não estará no páreo presidencial se houver um imprevisto no meio do caminho.

O PSD do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG) – outro nome que deve entrar na corrida ao Planalto –, o MDB, o PSDB, o DEM e o PSL também mostraram cisão no plenário. As grandes surpresas, no entanto, foram debitadas na conta do PDT de Ciro e do PSB.

“Não podemos compactuar com a farsa e os erros bolsonaristas”, escreveu Ciro logo cedo no Twitter ao anunciar a suspensão de sua candidatura até que a bancada do PDT mudasse de posição. O presidente do PDT, Carlos Lupi, procurou jogar água na fervura e foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a “manobra” do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), para permitir que deputados em viagem votassem de forma remota.

“Essa crise virou um autoflagelo e estamos tirando o chicote do armário”, disse o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), ex-prefeito de Curitiba e um dos seis integrantes da bancada que votaram contra a PEC dos precatórios. “Precisamos superar rapidamente isso porque outras crises virão. Isso é uma maratona, não é uma corrida de cem metros.”

Presidente do PDT da Bahia, o deputado Félix Mendonça Júnior cravou “sim” para a proposta do governo, mas, diante da reação de Ciro, admitiu recuar. “Foi uma votação difícil, já que tem a questão do auxílio emergencial atrelada. Mas isso pode mudar com uma nova discussão”, argumentou ele.

Apresentada pelo governo como única forma de abrir espaço de R$ 91,6 bilhões no Orçamento de 2022 para o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400, a PEC foi aprovada na madrugada desta quinta-feira, 4, no primeiro turno, em votação bastante apertada. O Planalto precisava de 308 votos e conseguiu 312. Houve 144 deputados que se posicionaram contra e outros 57 se ausentaram. Além da segunda votação na Câmara, a proposta ainda necessita passar duas vezes pelo Senado.

O que está em jogo nesse artifício para dar calote nas despesas obrigatórias, porém, não é o Bolsa Família nem o turbinado Auxílio Brasil, mas, sim, o dinheiro para a campanha de 2022. Motivo: as emendas destinadas por políticos a seus redutos, consideradas fundamentais em um ano eleitoral, crescem com o furo no teto de gastos. Além disso,  o governo ameaçou os parlamentares até mesmo com o não-pagamento do Fundo Eleitoral ao alegar que não haverá dinheiro para esse repasse na campanha se o teto não for rompido.

O Estadão apurou que deputados se preparam para derrubar o veto de Bolsonaro ao aumento do Fundo Eleitoral nos próximos dias. No projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022, os recursos destinados a financiar as campanhas passaram de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões, mas o presidente barrou esse reajuste. Parlamentares vão tentar agora aprovar um fundo de aproximadamente R$ 5 bilhões. Tudo foi planejado para ocorrer após a votação da PEC dos precatórios.

“A PEC abre, na verdade, espaço muito maior do que o necessário para o gasto social. A motivação é ampliar despesas pulverizadas e, no fim das contas, de baixa qualidade. O auxílio poderia ser pago dentro do teto”, disse o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Para o ex-deputado Paulo Delgado, Ciro tem razão em dar um piti. “Não é o Auxílio Brasil que está em votação. É o auxílio basista, da base aliada, e o cano nos credores”, comparou Delgado, que já foi filiado ao PT e hoje está sem partido. Resta saber se o ex-ministro, até agora um dos poucos que aparecia como irremovível na disputa, vai ou não engolir esse sapo com nome difícil.

Vera Rosa, a autora deste artigo, é Repórter Especial d'O Estado de São Paulo em Brasilia. Publicado originalmente em 04.11.21

Nenhum comentário: