quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O eleitoral substitui o social

Diante de um governo que deseja cuidar de si com o Auxílio Brasil, cabe ao Congresso cuidar de quem de fato precisa

Entre as obrigações do Estado previstas na Constituição está a atuação para “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. O poder público realiza essa tarefa, entre outras ações, por meio dos programas sociais. A finalidade desses programas não é conquistar a simpatia dos eleitores, melhorar os índices de aprovação de um governante e, menos ainda, manter parcela da população dependente do Estado.

O governo Bolsonaro está, no entanto, indiferente a tudo isso. Vem tratando os programas sociais como ferramentas eleitorais, em uma inconstitucional apropriação do Estado para fins particulares. Para piorar, parte da esquerda, em especial, o lulopetismo, tem sido conivente com a manobra bolsonarista. Como o PT também atuou assim quando esteve no poder, o partido de Lula parece tolerar a conduta de Bolsonaro, como se fosse normal. Quem está no poder desfrutaria dessa espécie de bônus, usando parte dos recursos públicos em proveito próprio.

Um dos sintomas da submissão das políticas sociais a fins eleitorais no governo Bolsonaro é o abandono de critérios técnicos na formulação dos programas de transferência de renda. Não há estudo, planejamento ou aprendizado com as experiências passadas. Tudo se resume a duas ideias fixas: aumentar o valor mensal e aumentar o número de pessoas atendidas.

No primeiro semestre, Jair Bolsonaro prometeu ampliar no ano que vem o benefício do Bolsa Família para R$ 300. A promessa pegou de surpresa os técnicos do Ministério da Economia, que trabalhavam com uma reformulação do benefício médio dos atuais R$ 190 para R$ 250. Em agosto, o presidente Bolsonaro anunciou aumento ainda maior, que poderia chegar até o dobro do benefício atual.

Jair Bolsonaro não indicou os motivos que justificam o aumento. Não apresentou as fontes de financiamento para os novos gastos. Não explicou se os novos valores estão em conformidade com a legislação fiscal. Nada disso parece preocupar Bolsonaro, interessado tão somente em anunciar que vai aumentar o valor do benefício. A confirmar a completa improvisação, Bolsonaro prometeu depois ainda um novo porcentual: aumento de, no mínimo, 50% no valor médio do Bolsa Família.

Perante tal descalabro, faz-se necessário lembrar o óbvio. Programa de transferência de renda não é dinheiro que o presidente da República dá a uma parcela da população para ganhar votos. A começar pelo fato de que o presidente não dá nada. O que se transfere à população carente são recursos públicos – dinheiro do contribuinte, portanto – para atender a finalidades previstas em lei. Programa social é investimento feito pela sociedade, e não por um governante ou partido.

Por isso, é imprescindível que os programas sociais sejam formulados a partir de estudos e planejamentos sérios, orientados para uma efetiva proteção social. Ninguém deseja que recursos públicos, sempre escassos, sejam gastos de maneira improvisada ou ineficiente, menos ainda para atender a interesses eleitorais.

Nesse sentido, vale mencionar a outra obsessão de Jair Bolsonaro com o novo Bolsa Família, que ele deseja que se chame Auxílio Brasil: o aumento do número de beneficiários. Para Bolsonaro, maior número de pessoas beneficiadas é sinônimo de maior retorno eleitoral. No entanto, mais do que simplesmente expandir, a eficácia de um programa social está em sua focalização. “Se o objetivo aqui (com o Auxílio Brasil) vai ser aumentar o número de beneficiários, eu não acho que a gente está indo na direção correta. Vai pulverizar mais os recursos, e a gente tinha que, para combater a pobreza mais eficazmente, concentrar mais, identificando aqueles que mais precisam”, disse o economista Ricardo Paes de Barros, um dos formuladores do Bolsa Família, ao Estado.

Programa social é coisa séria. Diante de um governo que deseja cuidar de si com o Auxílio Brasil, cabe ao Congresso assegurar a finalidade social do programa: que cuide não de governante aspirante à reeleição, mas de quem de fato mais precisa.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 13 de outubro de 2021

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