domingo, 20 de agosto de 2023

Nave russa Luna-25 colide com a Lua

Lançamento no início deste mês foi o primeiro da Rússia desde 1976, quando fazia parte da União Soviética

Lançado a partir da base espacial de Vostochni, dispositivo deveria chegar à Lua por volta de 21 de agosto  Foto: Roscosmos State Space Corporation/AP

AP - O módulo de aterrissagem da Rússia, a nave espacial Luna-25, colidiu com a Lua depois de girar em uma órbita descontrolada, informou a agência espacial do país, a Roscosmos, neste domingo, 20.

“O aparelho entrou em uma órbita imprevisível e deixou de existir como resultado de uma colisão com a superfície lunar”, diz um comunicado da agência.

A Roscosmos disse que perdeu contato com a espaçonave no sábado, 19, depois que ela teve problemas enquanto se preparava para a órbita antes do pouso. “Durante a operação, ocorreu uma situação anormal a bordo da estação automática, que não permitiu que a manobra fosse realizada com os parâmetros especificados”, disse a Roscosmos em uma postagem do Telegram.

A espaçonave estava programada para pousar no polo sul da Lua na segunda-feira, 21. Os russos tentam chegar lá e se fixar antes que a agência espacial o faça - em 2019, ela também viu seu módulo colidir com a Lua.

O polo sul lunar é de particular interesse para os cientistas, que acreditam que as crateras polares permanentemente sombreadas podem conter água. A água congelada nas rochas poderia ser transformada por futuros exploradores em ar e combustível para foguetes.

O lançamento no início deste mês foi o primeiro da Rússia desde 1976, quando fazia parte da União Soviética.

Da Redação de O Estado de S. Paulo, originalmente, em 20.08.23

Supremo decide que juízes poderão julgar causas de clientes de escritórios de parentes

Seis ministros já votaram no plenário virtual para derrubar trecho do Código de Processo Civil sobre impedimento de magistrados

Julgamento vai até a próxima segunda (21) no plenário virtual. Foto: WILTON JUNIOR

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria neste sábado, 19, para flexibilizar regras de impedimento de juízes e liberar magistrados a julgarem causas de clientes de escritórios de advocacia de seus familiares. O placar está em 6 a 3 no plenário virtual.

A decisão beneficia os próprios ministros do STF. Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes são casados com advogadas. Já os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Edson Fachin, por exemplo, são pais de advogados.

A restrição foi criada na reforma do Código de Processo Civil para garantir a imparcialidade nos julgamentos e valia inclusive para processos patrocinados por outras bancas de advogados. Isso quer dizer que, se o cliente tivesse alguma causa no escritório do parente do juiz, o magistrado estaria impedido de julgar qualquer ação dele.

O ministro Gilmar Mendes, decano do STF, apresentou o voto predominante. Ele defendeu que a restrição à atuação dos magistrados viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

O argumento é que não dá para exigir que os juízes conheçam a carteira de clientes dos escritórios de seus parentes. “O fato é que a lei simplesmente previu a causa de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar”, criticou.

O julgamento está em curso no plenário virtual do STF. Nesta modalidade, não há debate, reunião dos ministros ou transmissão pela TV Justiça. Os votos são registrados em uma plataforma online. A votação termina na segunda.

O economista Bruno Brandão, diretor-executivo da Transparência Internacional - Brasil, classifica como “lamentável” a decisão do STF. Na avaliação do especialista, a regra de impedimento contribuía para “aprimorar a integridade” da Justiça. “A decisão produz uma percepção na sociedade ainda pior por ter sido tomada por juízes cujas esposas e filhos advogados são sócios de escritórios diretamente afetados”, afirma.


Brandão discorda do argumento de que os juízes não têm instrumentos para controlar se estão julgando causas de clientes de parentes. “O argumento de que a medida é inexequível é altamente questionável, considerando as possibilidades atuais dos processos digitais. Empresas privadas fazem, há anos, esse tipo de checagem de vínculos societários, de maneira automatizada, para detectar riscos de compliance”, explica.

Impedimento

O Código de Processo Civil determina que os magistrados devem se declarar impedidos para o julgamento dos clientes das bancas de seus maridos, esposas e parentes de até terceiro grau.

A regra de impedimento se aplica mesmo para processos que estiverem a cargo de outros escritórios, ou seja, o juiz não podia analisar nenhuma ação de quem tivesse contratado serviços de advocacia com bancas de seus familiares.

A ação em julgamento no STF é movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). A entidade de classe afirma que os juízes precisariam exigir dos parentes uma lista diária da relação de seus clientes e poderiam ser penalizados por “informações que estão com terceiros”.

“O dispositivo ora impugnado se presta apenas para enxovalhar alguns magistrados, pois quando há o interesse de atingi-los ou maculá-los, certamente para constrangê-lo em razão de já ter proferido decisão(ões) contrária(s) aos seus eventuais detratores, esses se prestam a fazer pesquisas extra-autos para obter a informação necessária a apontar o impedimento que o magistrado desconhece”, argumentou a AMB ao dar entrada no processo em 2018.

‘Desproporcional’

Ao votar para derrubar a regra, Gilmar também argumentou que, na prática, a restrição é “inviável”, por causa da rotatividade entre os escritórios de advocacia.

“Sociedades de advogados são formadas, desmembradas e dissolvidas. Advogados empregados são contratados e demitidos”, afirmou. “Para observar a regra de impedimento, não basta verificar o nome do advogado constante da atuação. É indispensável verificar as peças do processo, checando o papel timbrado no qual são veiculadas as petições.”

O voto afirma ainda que a distribuição dos processos é aleatória e que o impedimento deve ser “excepcional”. “O trabalho do juiz é julgar. Aceitar que as partes usem a recusa como meio para manchar a reputação do julgador é diminuir não só a pessoa do juiz, mas a imagem do Poder Judiciário”, acrescentou.

O decano foi acompanhado por Cristiano Zanin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

Em seu voto, Zanin afirmou que o controle das partes do processo é “praticamente impossível” e que a regra poderia prejudicar parentes de magistrados. “Tanto os clientes quanto os advogados não são obrigados a permanecer no mesmo escritório. É a regra da iniciativa privada. Os vínculos se alteram tanto entre os advogados e os escritórios como entre os escritórios e os seus clientes”, defendeu.

Relator

O ministro Edson Fachin, relator do processo, votou para manter a regra de impedimento. Ele defendeu que ela foi criada para “garantir um julgamento justo e imparcial”. “Ainda que em alguns casos possa ser difícil identificar a lista de clientes do escritório de advocacia, a regra prevista no Código de Processo Civil está longe de ser de impossível cumprimento”, rebateu. Ele foi seguido por Rosa Weber e Luís Roberto Barroso.

Rayssa Motta -  Blog do Fausto Macedo, publicado no O Estado de S. Paulo, em 19.08.23

Deu ruim

Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela PF, o capitão-ex-presidente já parece saber que sua casa caiu

Bolsonaro com o advogado Frederick Wassef - Foto: Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

Domingo passado, neste mesmo espaço, o texto sobre o intrigante périplo das joias presenteadas ao Estado brasileiro, e dele subtraídas por Jair Bolsonaro, terminava assim: “Daqui para a frente são só notícias amargas para o capitão... é possível que logo mais seu passaporte seja retido; provável que venha a ser indiciado, denunciado, julgado, quiçá condenado — não só pelo rastro de ladroagem deixado. Talvez ainda não saiba, mas sua casa já caiu”.

Hoje, à luz dos múltiplos desdobramentos das operações em curso pela Polícia Federal (PF), o capitão-ex-presidente já parece saber. E os demais envolvidos também. Com todos juntos e embolados no inquérito sobre milícias digitais e atos golpistas do 8 de Janeiro, a investigação sob a regência de Alexandre de Moraes dá até a impressão de já conhecer o final do enredo. Apenas não atropela. Deixa decantar cada novo pacote de buscas e apreensões, para só então avançar ao patamar seguinte. E é bom que assim seja. Qualquer estrelismo, precipitação nas acusações ou atropelo à lei e às garantias constitucionais seria simplesmente desastroso.

A semana não deu sossego. Em embate (ou conluio) travado por meio de entrevistas à imprensa, os advogados de Bolsonaro e do seu malfadado ajudante de ordens, tenente-coronel da ativa Mauro Cid, dedicaram-se a nada esclarecer. Por ora, a disputa de versões ainda gira em torno das joias manuseadas pelos respectivos clientes. Mas o campo a ser defendido é vasto. Ainda não houve tempo para rastrear o estranho aparecimento de R$ 17 milhões em depósitos Pix no cofrinho do ex-presidente.

Na CPI dos Ataques Golpistas, o depoimento fluvial do hacker Walter Delgatti sugou todas as atenções, tamanho o detalhamento de revelações por ele feitas. Com a tranquilidade de um delinquente profissional que se encontra preso, Delgatti discorreu com fartura sobre ordens recebidas de Bolsonaro e coligados para, assim disse ele, cometer uma variedade de ilícitos. A tarefa mais espetaculosa teria lhe custado seis meses de labuta: programar uma urna eletrônica fake que demonstrasse ser possível falsear o resultado do pleito de 2022. Ao digitar o número 22 (de Bolsonaro), a urna registraria o 13, de Lula. A engenhoca seria apresentada à nação na festa do 7 de Setembro e “comprovaria” a inconfiabilidade das urnas eletrônicas a menos de um mês do pleito. O plano só não foi concretizado por ter vazado antes da exibição.

Triste asterisco da história republicana, Bolsonaro mentiu tanto e enxovalhou de tal forma o cargo antes, durante e depois de seus quatro distópicos anos no poder, que a palavra do ex-presidente, aposta à de um hacker de ficha policial corrida, acaba merecendo grau de suspeição maior.

Por mais exótica que seja a destrambelhada traficância de joias presidenciais, e a revelação das liaisons dangereuses de militares e do chefe da nação com o hacker-bomba, foi o estamento da Polícia Militar do Distrito Federal que acordou mais sobressaltado na sexta-feira. Em operação deflagrada com base em investigação conjunta da PF e da Procuradoria-Geral da República, sete oficiais da corporação foram presos preventivamente sob acusação de envolvimento nos ataques antidemocráticos. Todos graúdos: o atual comandante-geral da corporação, coronel Klepter Gonçalves, seu antecessor, coronel Fábio Vieira, três outros coronéis, um tenente e um major. Não é todo dia que cai nas redes da Justiça a cúpula inteira de uma PM do porte e importância da que atua no centro do poder da República.

As trocas de mensagens e fake news entre os integrantes de corporação, liberadas pela Justiça, assombram pelo tom explicitamente conspiratório — e chulo. Um dos áudios compartilhados prega que a “ordem” seja restabelecida para impedir a confirmação da eleição de Lula à Presidência. O “afastamento” de Alexandre de Moraes é tido como prioritário. Não apenas Xandão, mas também “esses vagabundo tudinho e ladrão, safado, dessa quadrilha... não admito que o Brasil vai deixar um vagabundo, marginal, criminoso e bandido como o Lula voltar ao poder”. Em 28 de outubro, portanto dois dias antes do segundo turno, foi a vez de o atual comandante-geral se dirigir ao coronel Fábio Vieira, que à época chefiava a corporação, nos seguintes termos:

— Rapaz, vocês têm que entender o seguinte: o Bolsonaro, ele está preparado com o Exército, com as Forças... as Forças Armadas, aí, para fazer a mesma coisa que aconteceu em 64. O povo vai pras ruas, que ninguém vai aceitar Lula ser... ganhar a Presidência, porque não tem sentido, o povo vai pedir a intervenção e, aí, meu amigo, eles vão nos livrar do comunismo novamente.

Deu ruim. O povo brasileiro não foi para as ruas. O povo não pediu intervenção militar. O Brasil votou. E, por isso mesmo, quer poder acompanhar sem medo as investigações em curso.

Dorrit Harazim, a autora deste artigo, é jornalista - colunista de O Globo - e documentarista. Publicado originalmente em 20.08.23 

Se os telefones deles falarem

A investigação da PF e da CPMI descortina o nível de contaminação das Forças Armadas e o risco que o Brasil correu no governo anterior

Mauro Cid tira celular do bolso de Jair Bolsonaro no Aeroporto de Guarulhos, em 2022 — Foto: Caio Rocha/iShoot/Agência O Globo

Muitos telefones apreendidos estão sobre a mesa da Polícia Federal sendo periciados. São os quatro aparelhos do advogado Frederick Wassef, o de Mauro Cid e os do pai dele e do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Isso estatisticamente aumenta a chance de se encontrar informações relevantes. Há ainda o sigilo fiscal e bancário de Jair e Michelle Bolsonaro, quebrados pelo ministro Alexandre de Moraes. A CPMI pediu ao Coaf os RIFs, relatórios de investigação financeira, do casal. Tudo isso manterá viva a investigação sobre o que aconteceu no Brasil naquele tempo estranho em que o presidente mandava vender joias e presentes do governo e liderava a trama por um golpe de Estado. O dia 8 de janeiro não terminará tão cedo e a prisão de Jair Bolsonaro é uma possibilidade cada vez mais concreta.

Os militares estão em aparente silêncio. Dentro dos quartéis, a conversa é intensa. O general Tomás Ribeiro Paiva, comandante do Exército, segundo as apurações que eu fiz, tem até agora se mantido firme na convicção de que quem cometeu os crimes que responda por eles. “Tomás impede qualquer reação”, me disse uma autoridade. Muitos oficiais estavam, até recentemente, reclamando muito do “método da investigação”, dizendo que as Forças Armadas estavam sendo muito expostas. Na realidade, elas foram expostas pelos líderes que se envolveram no complô contra a democracia.

Um general que protestava pelo peso que recaiu sobre o tenente-coronel Mauro Cid ouviu de uma autoridade civil que fizesse as contas de quantos anos de prisão o ex-ajudante de ordens pode ter que enfrentar. “Formação de quadrilha, peculato, evasão de divisas, lavagem de dinheiro. Isso dá pelo menos 15 anos”, disse o interlocutor do general. O tenente-coronel preso trocou de advogado e ensaiou uma defesa sob o argumento de que seu cliente cumprira ordens. Pelo artigo 22 do Código Penal, há “excludente de culpabilidade” a quem age por “coação irresistível ou obediência hierárquica”. Uma fonte que acompanha o caso me disse: “essa é única linha de defesa dele”. O advogado Cezar Bitencourt disse que ele confessaria e depois se desdisse, num comportamento estranho.

Uma autoridade, que há duas semanas descartava a possibilidade de prisão de Jair Bolsonaro, depois do depoimento do hacker Walter Delgatti Neto na CPMI dos atos golpistas, disse que agora a considera “plausível”. Se houver qualquer sinal de que ele usa a sua influência para interferir nas muitas investigações em andamento, Bolsonaro irá para a cadeia.

O problema brasileiro, contudo, é mais grave. Como fazer para descontaminar os militares e as forças de segurança do país, das ideias golpistas? A se confirmar o que disse Delgatti sobre as suas cinco idas ao Ministério da Defesa, a situação fica muito mais grave. O grupo das Forças Armadas que participava da Comissão de Transparência do TSE foi um fator de perturbação das eleições, sempre querendo desacreditar as urnas eletrônicas. Mas o que o hacker relatou foi uma tentativa de sabotar a urna. O crime sobe muito de patamar.

Os diálogos entre os coronéis e majores da Polícia Militar do Distrito Federal, presos na sexta-feira, são estarrecedores, mesmo para quem nunca duvidou que eles participaram da conspiração. Tudo é dito descaradamente, como no diálogo do major Flávio de Alencar com o coronel Marcelo Casimiro. “Se eu estiver amanhã no comando da… manifestação, como estarei, não vou permitir a atuação da Força Nacional na nossa Esplanada, viu? Não vou autorizar.” E, apesar desse aviso prévio de sublevação e impedimento da atuação das forças do Estado, foi mantido no comando pelo coronel Casimiro.

Bolsonaro trabalhou durante todo o seu mandato contra a ordem constitucional. Ele alimentou uma explosão como a que houve em 8 de janeiro. Foi a cada festividade militar ou policial, difundiu a ideia de que os fardados eram superiores, espalhou mentira sobre as urnas, atacou pessoas que representavam os poderes constituídos, estimulou a desordem, cooptou para o seu propósito subversivo quadros de comando e da alta hierarquia das Forças Armadas, da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal. Essa contaminação só agora começa a ser dimensionada. Os próximos dias e semanas continuarão intensos no Brasil. Para a democracia se proteger, é preciso conhecer todos os fatos e punir todos os culpados.

Míriam Leitão, a autora deste artigo, (Com Ana Carolina Diniz), é jornalista - colunista de O Globo. Publicado originalmente em 20.08.23.

Advogados complicam Bolsonaro e Cid

Para integrantes das investigações, defensores de ex-presidente e ex-ajudante de ordens fizeram "confissões" em entrevistas cheias de contradições e lacunas

Depoimento para CPMI do golpe do tenente-coronel Mauro César Barbosa Cid, ex-ajudante-de-ordens do então presidente Jair Bolsonaro. — Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

Na cena final do filme O Advogado do Diabo, de 1997, o personagem de Al Pacino diz: "A vaidade é, definitivamente, meu pecado favorito!". É difícil entender se foi a vaidade que levou dois advogados, Cezar Bittencourt, que representa o tenente-coronel Mauro Cid há poucos dias, e Paulo Cunha Bueno, defensor de Jair Bolsonaro, a passarem horas dando entrevistas à GloboNews nesta sexta-feira expondo contradições e lacunas nas suas teses de defesa e, muitas vezes, confirmando aspectos que certamente serão usados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal para fechar as conclusões do caso das joias ofertadas ao ex-presidente como chefe de Estado e que foram levadas para seu acervo pessoal, vendidas e recompradas no exterior.

"Eles confessaram tudo", disse ao blog um integrante das investigações. "Não que precisasse. A prova documental é mortal. Mas facilitaram", concluiu a fonte.

Não foram poucas as contradições de um e de outro. Bittencourt, que afirmou ter se encontrado uma única vez com seu cliente e não conhecer o teor dos muitos processos a que ele responde, não só tem falado com todos os veículos nos últimos dias como tem se permitido tecer considerações a respeito da inexperiência dos advogados que o antecederam. Na entrevista ao programa Estúdio I, da GloboNews, admitiu ter conversado com o advogado de Bolsonaro.

Deixou, portanto, a brecha para que se especule se foi isso que o fez ir e voltar nas versões que deu a respeito da conduta do cliente no caso da venda e posterior recompra do relógio Rolex ofertado a Bolsonaro pelo governo saudita. Na mesma entrevista, ele disse pretender blindar o pai de Cid, o general Lourena Cid, de culpa, e temer por ameaças que poderiam recair sobre a mulher do ex-ajudante de ordens.

Já o advogado de Bolsonaro expôs logo de cara uma contradição entre sua principal linha de defesa -- a lei permitiria que o ex-presidente se apossasse de joias dadas como presentes a um chefe de Estado e, inclusive, revendê-las -- e suas próprias orientações ao cliente, além das declarações recentes do próprio Bolsonaro.

Se era permitido, por que toda a epopeia para vender escondido no exterior, não depositar o produto da venda em contas bancárias, envolver um general no transporte dos recursos e, depois, ele mesmo orientar Bolsonaro a devolver as joias? O que, aliás, suscitou a corrida para recomprar o relógio por um valor maior que o da venda, e usando o indefectível Frederick Wassef na operação, de novo sem declarar nada à Receita?

Os jornalistas trataram de desnudar, uma a uma, todas as fragilidades da defesa de ambos. Diante das evidentes lacunas, eles fingiam um ar blasé como se aquilo não fosse relevante, ou como se não houvesse buracos.

Se esquecem que, na ponta da linha dessa investigação, estará Alexandre de Moraes, que não é alguém exatamente fácil de enrolar. As recentes ações da PF, do MPF e da Justiça mostram que não haverá trégua nos dois fronts em que Bolsonaro está implicado judicialmente, sobre os quais tratei na coluna desta sexta-feira em O GLOBO: o dos ataques à democracia e o dos crimes contra o patrimônio público.

A respeito da concomitância dessas duas linhas, ouvi da mesma fonte que considerou um desastre para a defesa o rally de entrevista dos advogados a seguinte avaliação: os ataques à democracia, como o 8 de Janeiro e as andanças do hacker Walter Delgatti, são mais grave e têm mais potencial punitivo, mas o caso das joias já estaria "sacramentado". Depois de hoje, ainda mai.

Vera Magalhães, a autora deste artigo, é jronalista - colunista de O Globo. Publicado originalmente em 18.08.23

Falta governança

Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo?

O deputado federal André Fufuca (PP-AP) — Foto: Givaldo Barbosa/Agência O Globo

Da reforma ministerial em andamento, sabe-se de certo mesmo apenas o nome dos dois deputados do Centrão que serão ministros: Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA). Para que ministérios, há informações e não informações circulando nos bastidores. Também há incerteza sobre os empregos dados aos ministros atuais que perderão seus postos.

Há, pois, intensas negociações, mas procurará em vão quem tentar encontrar algum debate, sequer uma menção à capacidade dos indicados e às políticas que desenvolverão nos cargos. Qual o problema? — se poderia dizer. Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo? E assim ficamos: primeiro escolhe-se o nome, depois o cargo, e aí se vai ver o que ele poderá fazer. Governança zero, mas — quer saber? — não é isso que importa nesse sistema. As negociações envolvem verbas e cargos incluídos nos ministérios, além da capacidade do indicado de conseguir, no Congresso, verbas e votos para o governo.

Há países em que o nome do ministro importa pouco. São, em geral, aqueles com sistema parlamentarista e uma administração pública profissional, que funciona na base de regras, e não conforme a simples vontade do ministro. Claro que o ministro leva para o cargo a orientação política e ideológica de seu partido, vencedor das eleições: gastar mais em educação ou em obras; ampliar ou não a rede pública de saúde; subsidiar ou não carros elétricos; explorar petróleo ou não; e assim por diante. Mas os programas são tocados por profissionais de carreira. Em poucas palavras: o primeiro-ministro e seus ministros nomeiam poucas dezenas de assessores diretos.

Aqui, são milhares de nomeações. O que até facilita as negociações, não é mesmo? O partido tal indica o ministro, mas o secretário executivo vai para outro, o diretor financeiro para um terceiro, e assim segue. De novo, a preocupação com governança passa longe. Alguns partidos mais poderosos levam o ministério inteiro — de porteira fechada, se diz, quando o novo ministro indica toda a cadeia de administração. Claro, não é por capacidade e por programas, mas pela quantidade de apoio que pode assim arranjar para o presidente.

Se determinado político pode ir para qualquer ministério, seguem-se duas possibilidades: ou ele sabe tudo de governo, e pode tocar qualquer parada, ou não sabe nada, e aí não importa mesmo onde esteja. Dá nisto: acontece um apagão, técnicos desaparecem, e ministros políticos ocupam espaços para apresentar especulações. Ou nisto: o governo anuncia um PAC e depois vai procurar recursos para tocar as obras e programas. E nesse PAC há políticas contraditórias, como acontece no caso da exploração de petróleo.

O Brasil precisa de muitas mudanças para se tornar um país rico, de renda per capita elevada. Por exemplo: reforma tributária, de modo a simplificar o sistema; educação pública de qualidade; abrir a economia para os negócios privados, nacionais e estrangeiros; aumentar o financiamento do SUS. Mas precisa também diminuir o tamanho do governo para torná-lo mais eficiente — capaz de fazer mais, melhor com menos gente. Boa governança já ajudaria bastante.

Petróleo verde

Por falar em governança: a Noruega vive um dilema parecido com o nosso. Tem uma agenda ambiental — é o maior financiador do Fundo Amazônia — e produz petróleo. Garante a segurança energética da Europa. E a empresa produtora é estatal. Exporta cerca de US$ 180 bilhões por ano. Uma contradição, mas há governança no modo como lidam com isso. Parte-se de um ponto: o mundo ainda se move e produz com petróleo. Só que isso vai destruindo o meio ambiente. A proposta deles: aplica-se o dinheiro do petróleo nas políticas de transição para energias verdes. Por exemplo: o governo subsidia os veículos elétricos. São isentos de impostos e não pagam pedágio. Hoje, 80% dos carros novos vendidos são elétricos. Em dois anos, serão todos. É só um exemplo. Pode-se discordar, mas tem lógica aí.

Carlos Alberto Sardenberg, o autor deste artigo, é Jornalista - colunista de O Globo. Publicado originalmente em 19.08.23.

sexta-feira, 18 de agosto de 2023

PF prende comandante da PM no DF, coronéis e tenente por omissão ante 8 de janeiro; veja os alvos

Klepter Rosa Gonçalves e mais quatro oficiais foram detidos no bojo da Operação Incúria após serem denunciados por se ‘omitirem no cumprimento do dever funcional de agir’ diante dos atos golpistas

Grupos de radicais invadiram as sedes dos três Poderes em Brasilia. Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

A Polícia Federal abriu na manhã desta sexta-feira, 18, uma operação contra a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal no bojo de investigação sobre suposta omissão ante os atos golpistas de 8 de janeiro. Agentes foram às ruas para cumprir sete mandados de prisão preventiva, além de ordens de busca e apreensão, bloqueio de bens e afastamento das funções públicas. Entre os detidos está o comandante da PM em Brasília Klepter Rosa Gonçalves.

As diligências foram autorizadas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito sobre suposta omissão de autoridades ante o levante antidemocrático, e foram requeridas quando a Procuradoria-Geral da República denunciou oficiais ao STF. São alvos da acusação:

coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da PMDF (preso preventivamente nesta sexta, 18);

coronel Klepter Rosa Gonçalves, ex-subcomandante da PMDF, que foi nomeado comandante-geral no dia15 de fevereiro (preso preventivamente nesta sexta, 18);

coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, ex-comandante do Departamento de Operações, que saiu de licença (já estava preso);

coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, que substituiu Naime no 8 de janeiro (preso preventivamente nesta sexta, 18);

coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-chefe do 1º Comando de Policiamento Regional da PMDF (preso preventivamente nesta sexta, 18);

major Flávio Silvestre de Alencar (já preso);

tenente Rafael Pereira Martins (preso preventivamente nesta sexta, 18);

Na acusação levada à Corte máxima, a PGR narra que provas colhidas no bojo do inquérito apontam para a omissão dos oficiais. O órgão diz que ‘havia profunda contaminação ideológica de parte dos oficiais da Polícia Militar do DF que se mostrou adepta de teorias conspiratórias sobre fraudes eleitorais e de teorias golpistas’.

“Há ainda menção a provas de que os agentes - que ocupavam cargos de comando da corporação - receberam, antes de 8 de janeiro de 2023, diversas informações de inteligência que indicavam as intenções golpistas do movimento e o risco iminente da efetiva invasão às sedes dos Três Poderes”, indicou a PGR em nota.

A avaliação do Ministério Público Federal é a de que os oficiais ‘conheciam previamente os riscos e aderiram de forma dolosa ao resultado criminoso previsível, omitindo-se no cumprimento do dever funcional de agir’

A denúncia versa sobre supostos crimes de omissão, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração de patrimônio tombado, com violação de deveres e ingerência da norma.

COM A PALAVRA, A DEFESA DO CORNEL FÁBIO VIEIRA

A defesa do Coronel Fabio Vieira manifesta absoluta preocupação quanto à incorreção conceitual e a aplicação metodológica equivocada da teoria da omissão imprópria, bem como pelo manejo destoante das cautelares penais, apartado da racionalidade judicial e da construção interpretativa historicamente adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Não se deve prescindir da fundamentação e dos pressupostos corretos da prisão e do controle do Estado pelo Direito. A defesa técnica anseia a análise criteriosa da prisão pelo Supremo Tribunal Federal, por sua composição colegiada, reforçando a crença de que haverá observância ao desenvolvimento dogmático já estruturado e a aplicação da interpretação judicial amparada por critérios racionais. A Democracia defensiva exige respostas institucionais sustentadas pela correção teórica e pela racionalidade judicial.

Publicado originalmente pelo Blog do Fausto Macedo n'O Estado de S. Paulo, em 18.08.23, às 07h57


Alto Comando do Exército não esperava confissão do coronel Cid, mas já não duvida das provas da PF

Generais acompanharam sem surpresa a decisão anunciada pelo advogado do militar de reconhecer a prática de condutas questionadas pela Polícia Federal envolvendo o ex-presidente Bolsonaro

Mauro Cesar Barbosa Cid e Mauro Cesar Lourena Cid; pai e filho são alvo de caso das joias envolvendo o ex-presidente Foto: EFE/Andre Borges e Roberto Oliveira/Alesp

Eram 20 horas de ontem quando começaram a circular nos telefones dos generais do Alto Comando do Exército e do gabinete do comandante da Força Terrestre, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, a informação de que o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, segundo seu novíssimo advogado, o criminalista Cezar Bitencourt, ia confessar as condutas imputadas a ele pela investigação da Polícia Federal (PF) e envolver o ex-presidente Jair Bolsonaro nos delitos investigados.

Uma hora depois, um dos generais não tinha mais dúvida do que estava testemunhando. Disse que quando os fins justificam os meios, tudo é possível. A história humana nos ensinaria. Desta vez, quem se gabava de combater o comunismo passara a adotar a mesma atitude da nomenklatura, a burocracia soviética que afirmava lutar por um mundo novo, sem a opressão do trabalhador, mas que desfilava pelas ruas de Moscou com sua limusines ZIL, enquanto suas mulheres desfilavam casacos de pele pela Rua Arbat.

A desilusão é definitiva. A notícia da futura confissão do coronel Cid era o que faltava para os incrédulos que ainda viam no caso mais supostos excessos na conduta do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), do que os ilícitos cometidos pelo entourage de Bolsonaro e pelo próprio ex-presidente. Até sexta-feira passada, os generais que conheciam a família Cid consideravam que o novo movimento do coronel, chefe da Ajudância de Ordens da Presidência, era uma impossibilidade.

São várias as razões para isso, mas a principal era a antiga relação entre Bolsonaro e os Cid. O avô do coronel preso por ordem do STF, o também coronel Antonio Carlos Cid, era um artilheiro da turma de 1955 da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) que trabalhou na Casa Militar sob as ordens do general Bayma Denys, durante o governo de José Sarney.

Anos antes, ele ajudara o então cadete Bolsonaro em um momento importante da vida do futuro presidente. Conta um general ouvido pela coluna que o Cavalão, como Bolsonaro era chamado na Academia, indispôs-se com um oficial médico na Aman. E o episódio só não teve consequências mais graves porque o avô do ajudante de ordens interveio. É que Bolsonaro era colega de turma de um dos filhos militares do coronel Antônio Carlos – o futuro general Mauro Cesar Lorena Cid, pai do assessor do presidente.

O general e o chefe do Executivo pertencem à mesma turma – a de 1977 – da Aman. Ambos são artilheiros, paraquedistas e serviram no 8.º Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista. Mauro pai e Mauro filho pertenceram às “forças especiais”. Em 2008, o pai comandava a 9.ª Brigada de Infantaria Motorizada quando apresentou, em nome da Força, desculpas às famílias de três jovens do Morro da Providência, no Rio, entregues por militares da brigada a traficantes do Morro da Mineira, que os mataram. Seu último cargo na ativa foi a chefia do Departamento de Educação e Cultura do Exército.

Ao passar para a reserva em 2019, em vez de ocupar um lugar na Esplanada, o general Cid ganhou uma sinecura em Miami (EUA) – representante da Agência de Promoção das Exportações (Apex), com salário pago em dólar (US$ 9,6 mil). Ao todo, o general acumulara vencimentos de cerca de R$ 80 mil (R$ 50,8 mil da Apex e R$ 30 mil como militar). A ligação entre eles foi o que levou o tenente-coronel Mauro Cid a ser nomeado ajudante de ordens de Bolsonaro, em 2019. E depois virar o faz-tudo do presidente.

O que a PF revelou é que o general ajudava na alienação de joias e outros bens preciosos, levados, segundo a PF, para os EUA, a fim de serem vendidos. E as pessoas ligadas a esse grupo eram ligadas aos promotores da campanha de difamação contra integrantes do Alto Comando do Exército, apresentados em redes sociais como traidores, melancias e oportunistas

A boutade de Millôr Fernandes (Quer dizer que aquilo tudo não era ideologia, era investimento?) circulou entre os generais como a mostrar aos leitores de O Soldado e o Estado, de Samuel Huntington, que o caminho dos que se desviaram do chamado controle civil objetivo é restabelecer o muro que separa a política partidária da caserna onde os soldados profissionais cuidam em silêncio dos seus afazeres. A volta da política do Exército em vez da política no Exército é tudo o que o general Tomás procura.

O atual comandante da Força Terrestre tem feito exercício físico com a tropa nos comandos que visita. Busca mostrar que nas organizações militares a prontidão e o profissionalismo ficam; a tempestade e as CPIs, passam. A tarefa é difícil. Por mais que o Exército tente se concentrar em sua faina, toda sexta-feira parece trazer o dia 13, revelando uma nova operação da Polícia Federal e novas condutas ilícitas investigadas. E tudo parece estar longe do fim. Cada novo celular apreendido revela um pouco mais dessa barafunda. Ou de opera bufa. A depender do ponto de vista do general entrevistado pela coluna.

Marcelo Godoy, o autor desta reportagem, é repórter especial d'O Estado de S. Paulo para as relações entre o Poder Civil e o poder Militar. Publicado originalmente em 18.08.23

Classificados bolsonaristas

Anúncios que vão muito além de joias, relógios e calendários

Ilustração de Débora Gonzales para coluna de Renato Terra de 17 de agosto de 2023 - Folhapress

Vendo faixa presidencial original em perfeito estado. Não foi repassada ao sucessor, mas por quantia a negociar pode ser repassada a você. Item de colecionador.

Compro cobre, compro chumbo, compro metal extraído da invasão de 8 de janeiro em Brasília. Relógio velho, estofamento de cadeira do STF, maçaneta, reboco de gesso.

Vendo estoque de cloroquina. Mais de 5 milhões de comprimidos encaixotados em perfeito estado. Escolha entre a entrega rápida em qualquer lugar do Brasil realizada num avião da FAB ou entrega com data surpresa coordenada pelo general Pazuello.

Procuro apartamento funcional para comer gente. Homem idoso, discreto, soturno, desamparado, mas imbrochável. Pagamento em dinheiro vivo.

Sobre um fundo branco cheio de dingbats pretos há uma lupa preta ampliando um dingbat de um presente.

Vendo minuta de golpe militar impressa e auditável. Interessado enviar e-mail. Garantimos sigilo, pois os emails serão enviados para a lixeira.

Passo ponto de lojinha de açaí nos arredores de Angra dos Reis. Tratar com Pluft, o fantasminha, em Brasília.

Vendo ursinho felpudo com etiqueta recortada pelo Teatro das Tesouras numa singela madrugada em que a túnica dos atônicos tornou-se água tônica. Não negocio com isentões, prostitutas do sistema ou gulosinhos biografados. Não insistam!

Compro e vendo seu carro usado com discrição, lucro garantido e escolta armada, mermão. Eu sei fazer dinheiro. Tô te falando. Chega aqui em Rio das Pedras e procura pelo Tony Montana. Garanto fidelidade até o fim. Aceito cheque.

Passo ponto de franquia da Kopenhagen na Barra da Tijuca. Não garanto nota fiscal.

O Capitão das Bijuterias. Os melhores anéis, colares, brincos, abotoaduras. Negócio das Arábias. Veja as fotografias dos nossos produtos e conheça as peças (e, no reflexo, os vendedores).

Vendo marreco criado a pão de ló em Curitba. Preço promocional.

Compro capinha para tornozeleira eletrônica. Favor entregar no condomínio Vivendas da Barra.

Vendo calendário com idoso em fotos sem camisa, sem vergonha e sem joias.

Aviso: este classificado bolsonarista está a cargo de vendedores bolsonaristas e tem como público-alvo compradores bolsonaristas que não mantêm nenhum vínculo com Jair Bolsonaro e sua família bolsonarista.

Os pagamentos podem ser feitos apenas em dinheiro vivo. Há possibilidade de parcelamento em 48 vezes em transações feitas diretamente em caixas eletrônicos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Renato Terra, o autor deste artigo. é roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”. Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 18.08.23

Hacker diz à CPI que Bolsonaro pediu invasão de urnas; veja 3 pontos do depoimento

Conhecido como “hacker da Vaza Jato", o programador Walter Delgatti Neto afirmou que o então presidente Jair Bolsonaro pediu que ele invadisse as urnas eletrônicas em 2022 e ofereceu indulto caso o hacker fosse preso ou condenado.

Delgatti presta depoimento à CPI dos atos golpistas de 8 de janeiro (Crédito - Geraldo Magela / Ag. Senado)

A declaração de Delgatti ocorreu durante seu depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos atos golpistas de 8 de janeiro nesta quinta-feira (17/8).

Delgatti foi apelidado de “hacker da Vaza Jato” em 2019, após ter acesso a mensagens da Operação Lava Jato.

Bolsonaro não havia se pronunciado sobre a fala de Delgatti até a publicação desta reportagem.

A seguir, veja os principais pontos da fala de Delgatti, que continua nesta tarde.

1. Pedido de invasão de urnas e oferta de indulto

Segundo Delgatti, a oferta de indulto do presidente aconteceu durante uma reunião no Palácio do Planalto em 2022, antes das eleições. A reunião teria sido intermediada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP).

De acordo com o depoimento de Delgatti, Bolsonaro perguntou se ele conseguiria invadir as urnas eletrônicas para “testar a lisura das eleições”.

"Apareceu a oportunidade da deputada Carla Zambelli, de um encontro com o Bolsonaro, que foi no ano de 2022, antes da campanha. Ele queria que eu autenticasse a lisura das eleições, das urnas. E por ser o presidente da República, eu acabei indo ao encontro”, disse o hacker, que afirmou que aceitou pois estava “desamparado” e “sem emprego”.

Delgatti afirmou que cuidava das redes sociais da deputada Carla Zambelli e que ela teria oferecido um emprego na campanha de Bolsonaro.

Questionado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA) se recebeu alguma garantia de proteção do presidente pelo pedido de que cometesse um crime, o hacker disse que sim.

“Sim, recebi. Inclusive, a ideia ali era que eu receberia um indulto do presidente. Ele havia concedido um indulto a um deputado federal. E como eu estava com o processo da (operação) Spoofing (da Polícia Federal) à época, e com as (medidas) cautelares que me proibiam de acessar a internet e trabalhar, eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia”, afirmou Delgatti.

Ele disse ainda que o ex-presidente mandou o general Marcelo Câmara colocá-lo em contato com técnicos do Ministério da Defesa para obter ajuda na missão. Segundo Delgatti, Câmara teria hesitado, mas acabou cumprindo a ordem.

Os servidores do ministério, disse, explicaram que ele não poderia inspecionar o código-fonte das urnas porque ele ficava somente no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Então os servidores do ministério iam ao TSE, "decoravam" parte do código e repassavam as informações a ele, que não teve acesso à íntegra do código-fonte.

Delgatti disse que sabia que estava cometendo um crime, mas que obedeceu por medo e por ser uma ordem do presidente da República. Além disso, disse ele, o presidente ofereceu o indulto caso ele fosse preso ou condenado.

"Ele (Bolsonaro) me deu carta branca para fazer o que eu quisesse relacionado às urnas. Então, eu poderia, segundo ele, cometer um ilícito, que seria anistiado, perdoado", afirmou.

Segundo Delgatti, o contato dele com o ministério da Defesa não parou por aí: ele afirmou que "orientou" o relatório oficial do ministério entregue ao TSE em 2020. O relatório do órgão foi diferente de todas as outras entidades de fiscalização das urnas, que apontavam que as máquinas são seguras e confiáveis. Embora não tenha encontrado fraude, o ministério disse que era impossível garantir que haveria isenção nas eleições.

"Tudo que eu repassei a eles consta no relatório que foi entregue ao TSE. Eu posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse, não tem nada menos e nada mais", disse Delgatti.

2. Código-fonte fake

Delgatti disse também que o marqueteiro de Bolsonaro, Duda Lima, pediu que ele obtivesse um “código-fonte falso” para acusar as urnas eletrônicas de serem frágeis.

O pedido teria sido feito durante uma reunião em que estavam presentes também Zambelli e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Duda Lima soltou uma nota negando todas as afirmações.

Segundo Delgatti, a ideia era que ele criasse um código-fonte falso que permitisse mostrar alguém apertando um voto e a urna registrando outro.

"O código-fonte da urna, eu faria o meu, não o do TSE”, disse ele. "No dia 7 de setembro, (a ideia era) eles pegarem uma urna emprestada da OAB, acredito. E que eu colocasse um aplicativo meu lá e mostrasse à população que é possível apertar um voto e sair outro."

Zambelli e Valdemar da Costa Neto ainda não se pronunciaram sobre o caso.

3. Assumir grampo contra Alexandre de Moraes

Delgatti também disse à CPI que Bolsonaro afirmou que o governo já tinha conseguido grampear o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e que o presidente pediu que o hacker assumisse a autoria do grampo.

"E, segundo ele [Bolsonaro], eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo", afirmou Delgatti.

Segundo o hacker, ele teria sido escolhido para evitar questionamentos da esquerda. Walter Delgatti Neto chamou a atenção pela primeira vez em 2019 por ter invadido celulares e divulgado mensagens atribuídas a integrantes da força tarefa da operação Lava Jato e ao ex-juiz Sergio Moro que mostravam irregularidades.

"Lembrando que, à época, eu era o hacker da Lava Jato”, disse Delgatti. “Então, seria difícil a esquerda questionar essa autoria, porque lá atrás eu teria assumido a 'Vaza-Jato', que eu fui, e eles apoiaram. Então, a ideia seria um garoto da esquerda assumir esse grampo (contra Moraes)."

A ação do hacker na Lava Jato rendeu também um bate-boca com Moro (que hoje é senador) durante a CPI.

O senador citou processos criminais enfrentados por Delgatti, que respondeu dizendo que Moro é um criminoso e que ele soube disso lendo as mensagens que obteve após invadir celulares.

"Li a parte privada e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, cometeu diversas irregularidades e crimes", afirmou.

Moro respondou afirmando que Delgatti é quem foi preso e que ele é um "bandido".

O hacker então respondeu que Moro só não foi preso porque "apelou" para a prerrogativa de função (de ser julgado apenas pelo STF).

O vice-presidente da CPI, Cid Gomes (PDT-CE) pediu que os dois se respeitassem para que a seção pudesse continuar.

Publicado originalmente por BBC News brasil, em 17.08.23

Bolsonaro e as joias: entenda em detalhes o caso que envolve ex-presidente e aliados

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno são foco de uma investigação da Polícia Federal (PF) que apura um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República.

Segundo Polícia Federal, itens de alto valor foram omitidos do acervo público e vendidos para enriquecer Jair Bolsonaro (Reuters)

Segundo a PF, os itens de alto valor foram omitidos do acervo público e vendidos para enriquecer o ex-presidente.

A revista Veja publicou nesta quinta-feira (17/8) que o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e um dos principais envolvidos no caso, pretende confessar em breve que teria negociado a venda das joias a mando do ex-presidente. Cid está preso.

A intenção de confessar foi revelada à revista pelo advogado de Cid, Cezar Bitencourt, que posteriormente confirmou também a informação ao jornal Folha de S. Paulo e à TV Globo.

Pouco depois da publicação da Veja, o portal G1 e a Folha divulgaram que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a quebra do sigilo fiscal e bancário do presidente e sua esposa, Michelle Bolsonaro.

A Polícia Federal havia pedido a quebra de sigilo do casal em meio à investigação sobre as joias.

Ainda segundo o portal G1, Moraes autorizou a cooperação da Polícia Federal com autoridades dos Estados Unidos, para que a quebra de sigilo de Bolsonaro também aconteça neste país.

Procurada pela BBC News Brasil, a assessoria de imprensa do STF não confirmou que a quebra de sigilo foi autorizada por Moraes.

O que se sabe até agora sobre este intricado caso?

Operação da PF

Na última sexta-feira (11/8), a PF deflagrou a Operação Lucas 12:2 — o nome foi uma alusão ao versículo bíblico que diz que "não há nada escondido que não venha a ser descoberto".

Quatro pessoas foram alvo da operação, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF): Mauro Cesar Barbosa Cid; o pai dele, o general do Exército Mauro Cesar Lourena Cid; o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e tenente do Exército Osmar Crivelatti; e o advogado Frederick Wassef, que já defendeu Bolsonaro e familiares em processos judiciais.

Apesar de ter o nome mencionado pela PF como integrante de uma suposta "organização criminosa", Bolsonaro não foi alvo da operação.

Moraes disse haver "fortes indícios de desvios de bens de alto valor patrimonial" no caso das joias negociadas pelo entorno do ex-presidente.

O ministro do STF é relator do inquérito que investiga a atuação de uma suposta milícia digital contra a democracia.

Segundo a PF, os crimes apurados na operação foram lavagem de dinheiro e peculato (desvio de bem público).

A operação atingiu integrantes do núcleo mais próximo de Bolsonaro um mês depois de ele ter sido condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ficar inelegível por oito anos.

Presentes recebidos

A investigação envolve os presentes de alto valor que Bolsonaro recebeu quando ainda era presidente da República (2019-2022).

Por lei, tais objetos devem ser incorporados ao acervo da Presidência da República, ou seja, são bens públicos e não pessoais. Uma exceção são itens considerados "personalíssimos", como roupas, perfumes e alimentos.

Mas, segundo os investigadores, esses presentes de alto valor foram incorporados ao patrimônio pessoal de Bolsonaro e negociados com fins de enriquecimento ilícito.

Os objetos sobre os quais a investigação da PF se debruçou são, por enquanto: um kit da marca suíça Chopard, dois relógios (um da marca suíça Rolex, acompanhado por joias, e outro da marca suíça Patek Philippe) e duas esculturas douradas folheadas a ouro.

No entanto, os investigadores não descartam que mais peças tenham sido apropriadas indevidamente por Bolsonaro.

Abaixo, mais detalhes sobre cada um desses itens.

Kit da Chopard

Em outubro de 2021, durante uma viagem do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, à Arábia Saudita, o governo Bolsonaro recebeu um kit com itens da marca suíça Chopard que incluía: uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário islâmico ("masbaha") e um relógio.

Esse kit teria sido trazido pelo próprio ministro na sua bagagem pessoal sem ser declarado e permanecido guardado no cofre do prédio do ministério por mais de um ano, até ser registrado e enviado ao acervo da Presidência da República.

Segundo a investigação da PF, esse kit saiu do Brasil no mesmo voo oficial que levou Bolsonaro, sua família e seus assessores à Flórida, nos Estados Unidos, no dia 30 de dezembro de 2022, o penúltimo dia de seu mandato.

Levadas a leilão pela Fortuna Auctions, uma casa de leilões sediada em Nova York, nos Estados Unidos, com valor inicial de US$ 50 mil (R$ 248 mil, segundo cotação atual) — mas com valor estimado entre US$ 120 mil (R$ 596 mil) e US$ 140 mil (R$ 695 mil) —, as peças não foram arrematadas "por circunstâncias alheias à vontade dos investigados", disse a PF em relatório.

Em março, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que Bolsonaro entregasse esse kit à Caixa Econômica Federal (CEF) — os bens foram posteriormente "resgatados" na casa de leilão e devolvidos ao governo pela defesa do ex-presidente.

Relógio Patek Philippe

O relógio da marca suíça Patek Philippe foi recebido possivelmente, segundo a PF, durante visita oficial de Bolsonaro ao Bahrein, um pequeno país no Golfo Pérsico, em novembro de 2021.

Pela investigação, esse item foi negociado junto com o Rolex que fazia parte de um dos presentes dados pelo governo da Arábia Saudita (ler mais abaixo).

Segundo a PF, o relógio Patek Philippe foi extraviado do acervo oficial "diretamente para a posse do ex-presidente Jair Bolsonaro".

A investigação aponta que fotos do item foram enviadas por Mauro Cesar Barbosa Cid para um contato cadastrado em sua agenda como "Pr Bolsonaro Ago/21" em 16/11/21, ainda durante a viagem ao Bahrein.

Cid também enviou ao mesmo contato outra foto, do certificado do relógio, indicando que a peça era original de uma loja daquele país, ainda conforme a PF.

Esculturas folheadas a ouro

Segundo a PF, Bolsonaro recebeu, em novembro de 2021, uma escultura de barco folheada a ouro em um seminário com empresários árabes e brasileiros no Bahrein.

A outra escultura, também folheada a ouro, mas em formato de palmeira, não teve a origem identificada.

As duas peças recebidas por Bolsonaro como presentes oficiais também foram levadas no voo oficial para Orlando, antes de o ex-presidente concluir seu mandato.

Dali, os itens foram encaminhados para lojas especializadas nos estados americanos da Flórida, Nova York e Pensilvânia, "para serem avaliados e submetidos à alienação, por meio de leilões e/ou venda direta".

Segundo a PF, mensagens de Mauro Cid indicam que os objetos foram avaliados com valores baixos porque eram apenas "folheadas", e não de ouro maciço.

Não há menção na investigação quanto ao valor das peças em reais.

Rolex e joias

Em viagem oficial à Arábia Saudita, em outubro de 2019, Bolsonaro recebeu um kit com: anel, abotoaduras, um rosário islâmico ("masbaha") e um relógio da marca Rolex, de ouro branco com diamantes.

Foi um presente pessoal do rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, ao ex-presidente.

Esse Rolex foi, segundo a PF, negociado junto com o relógio Patek Philippe por US$ 68 mil (R$ 346.983,60 na cotação da época).

A PF não estimou o valor dos outros itens em seu relatório.

Segundo os investigadores, esse kit também foi transportado no último voo oficial de Bolsonaro como presidente, em dezembro de 2022.

Mas acabou desmembrado por seus assessores: o relógio foi vendido a uma empresa especializada, e as joias, entregues para venda em outra.

Assim como o kit da Chopard, esse kit teve que ser "resgatado" por aliados de Bolsonaro após decisão do TCU, em março, que determinou que eles teriam que ser devolvidos ao governo federal.

Segundo a PF, essa "operação de resgate" envolveu novamente Mauro Cid — e também Frederick Wassef, amigo de Bolsonaro e ex-advogado dele.

A recompra teria acontecido em uma loja localizada no complexo Seybold Jewelry Building na cidade de Miami, na Flórida.

"Primeiramente o relógio Rolex DAY-DATE, vendido para a empresa Precision Watches, foi recuperado no dia 14/03/2023, pelo advogado Frederick Wassef, que retornou com o bem ao Brasil, na data de 29/03/2023. No dia 02/04/2023, Mauro Cid e Frederick Wassef se encontraram na cidade de São Paulo, momento em que a posse do relógio passou para Mauro Cid, que retornou para Brasília/DF na mesma data, entregando o bem para Osmar Crivelatti, assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro", diz a PF em seu relatório.

Segundo a investigação, Cid chegou ao Brasil em 28 de março com as joias, e Wassef, no dia seguinte, com o Rolex.

O kit foi remontado e entregue em uma agência da Caixa Econômica Federal, em Brasília, em 4 de abril de 2023.

A PF lembra que, no caso do relógio Patek Philippe, ele não havia sido registrado, portanto, não foi necessária a mesma "operação de resgate" para "recuperar o referido bem, pois, até o presente momento, o Estado brasileiro não tinha ciência de sua existência."

Frederick Wassef foi um dos alvos da operação da PF (Reuters)

Segundo a PF, Bolsonaro, assim como outros investigados, são suspeitos de "desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-Presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior".

A investigação apontou, além disso, que os montantes obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente por meio de intermediários e sem utilizar o sistema bancário formal, visando ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.

Uma troca de mensagens em janeiro deste ano por Mauro Cid e Marcelo Câmara, assessor especial da Presidência da República, incluiu um áudio no qual Cid faz alusão a 25 mil dólares que pertenceriam a Bolsonaro.

"Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em 'cash' aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente. (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?", diz Cid.

A investigação da PF mostrou também, a partir da análise de mensagens no WhatsApp, que Mauro Cid teve a ajuda do seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, para negociar os itens e repassar o dinheiro das vendas.

Uma das evidências disso, segundo a PF, é reflexo dele em uma foto da caixa de uma das esculturas folheadas a ouro que não foi vendida.

Lourena Cid é amigo pessoal de Bolsonaro. Os dois se formaram juntos na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). Durante o governo Bolsonaro, Lourena Cid ocupou um cargo na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil).

Mais joias

Também na última sexta-feira (11), uma investigação paralela sobre outras joias — também dadas pela Arábia Saudita — que corria na Justiça Federal paulista, foi enviada ao STF a pedido do Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo.

Essa investigação foi aberta em maio deste ano, após a apreensão de um conjunto formado por colar, anel, relógio e brincos de diamantes pela Receita Federal no aeroporto internacional de Guarulhos.

As joias seriam presentes para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Os itens foram encontrados na mochila de um assessor do então ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.

Como não foram declaradas, as peças acabaram confiscadas.

Pela lei, todo bem avaliado em mais de R$ 5 mil (US$ 1.000) deve ser declarado na chegada ao país.

A revelação sobre a apreensão dos objetos foi feita, em março, pelo jornal Estadão.

Segundo o MPF, o caso sob investigação em São Paulo tem ligação com os fatos em análise no STF.

Reflexo de Mauro Cesar Lourena Cid em caixa de escultura folheada a ouro

Outro lado

Na sexta-feira passada (11), após a operação da PF, a defesa de Jair Bolsonaro afirmou em nota que o ex-presidente "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos" e que coloca sua movimentação bancária à disposição das autoridades.

A defesa também afirmou que ele "voluntariamente" pediu ao TCU (Tribunal de Contas da União) em março deste ano a entrega de joias recebidas "até final decisão sobre seu tratamento, o que de fato foi feito". A BBC News Brasil está buscando um novo posicionamento do ex-presidente.

À Folha, o advogado criminalista Cezar Roberto Bittencourt, responsável pela defesa do tenente-coronel Mauro Cid, disse nesta quinta (17) que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro não se beneficiou do negócio.

"Ele confessa que comprou as joias evidentemente a mando do presidente", disse Bittencourt à Folha, acrescentando que procurará Alexandre de Moraes na próxima segunda-feira para conversar sobre a confissão.

A jornalistas, Wassef disse na terça (15) que sua viagem aos EUA teve "fins pessoais".

Ele acrescentou que comprou o Rolex com dinheiro vivo, "do meu banco", e declarou a transação à Receita Federal.

"Comprei o relógio, a decisão foi minha, usei meus recursos, eu tenho a origem lícita e legal dos meus recursos", afirmou.

Na entrevista, ele disse ainda que o objetivo da compra era "devolvê-lo à União, ao governo federal do Brasil, à Presidência da República, e isso inclusive por decisão do Tribunal de Contas da União".

Segundo o advogado, o pedido de compra não partiu de Bolsonaro ou de Cid. Ele se recusou a informar para quem entregou o relógio.

"O governo do Brasil me deve R$ 300 mil", acrescentou Wassef, mostrando um recibo de compra de US$ 49 mil.

Ele justificou o pagamento em dinheiro vivo para conseguir um "desconto". "Consegui US$ 11 mil dólares (de desconto). Se comprasse com cartão de crédito, pagaria no Brasil com 5% de IOF."

A BBC News Brasil não conseguiu localizar a defesa de Osmar Crivelatti.

Publicado originalmente por BBC News Brasil, em 17.08.23

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Um governo apegado a fórmulas antigas

Lula continua dedicado a buscar no passado perdido uma visão de futuro. A postura vale especialmente para a economia (mas também para política externa), e seu exemplo mais recente foi o relançamento do PAC.

Há consenso sobre o fato de o PAC original não ter sido uma história de sucesso. Ao fim do período petista a economia contraiu, o desemprego aumentou e fracassaram alguns dos principais projetos de industrialização.

Qual a razão de se insistir agora mais uma vez em indústria naval, diante do fracasso das anteriores? Ou de se utilizar estatais e bancos públicos no mesmo tipo de empreitadas que trouxeram maus resultados?

A mesma indagação vale para a expansão da política fiscal, bancada agora por uma enorme campanha de aumento de receita, já que é mínimo o esforço de contenção de despesas públicas. Se gasto é vida e PAC acelera o crescimento, como assim estamos vivendo mais de uma década perdida?

Uma parte da resposta está na inexistência no Brasil de um acompanhamento de políticas públicas que indique se vale a pena prosseguir nelas. Para permanecer no inglês, o tal do “spending review” não passa de “wishful thinking”.

Mas a outra parte da resposta está no fato de que a análise que Lula 3 faz de suas iniciativas no passado é essencialmente política. Ele considera que as políticas (fiscal ou econômica via PAC) não estavam erradas em si, mas foram vítimas de sabotagem, interrupções e de um golpe aplicados por adversários políticos insatisfeitos com um “governo popular”.

Em outras palavras, na visão do atual governo o que deu de errado foi causado por golpes, e não pela natureza equivocada das políticas. E teria menos culpa ainda o conjunto de ideias que dão tanta relevância ao papel do Estado. Não é outro o símbolo de Lula exibindo Dilma Rousseff (a impichada “mãe” do PAC) no relançamento do programa.

Lá fora, curiosamente, são colegas presidentes de esquerda que estão dizendo a Lula como é perigoso ficar preso ao passado. O do Chile, ao lembrá-lo de que valores democráticos são universais e é o que está em jogo na guerra da Ucrânia. O da Colômbia, ao reiterar que combustíveis fósseis não podem mais ser uma proposta de futuro, e é o que está em jogo na transição energética.

Aqui dentro quem indica o perigo para o presidente é o Centrão. É profundamente irônico que seja um personagem com as características de Arthur Lira, mais afeito às truculências da política cotidiana do que a ideias literárias, que ofereça a Lula um “momento Proust”: a busca do tempo perdido é uma tarefa inútil. 

William Waack, o autor deste artigo, é Jornalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 17.08.23

Embargos de declaração, esse recurso tão maltratado

 Ora, se a legislação permite que o juiz ou tribunal elaborem decisões omissas, obscuras ou contraditórias (está na lei) sem que, por isso, sejam nulas, por qual razão o Judiciário constrói uma jurisprudência defensiva tão contundente?

Lenio Luiz Streck - "Precisamos, portanto, falar sobre a jurisprudência defensiva predatória. Do contrário, o direito brasileiro será sempre essa esquizofrenia."

Como figura pública que participa dos debates cotidianos do país, recebo amostragens acerca dos problemas da aplicação do Direito. Um deles diz respeito aos desgastados e desidratados embargos de declaração. Por isso a coluna de hoje é sobre esse tema, em homenagem aos causídicos de todo o Brasil.

Lê-se na jurisprudência — e com apoio de setores da doutrina — que, no julgamento dos embargos de declaração, "o magistrado não é obrigado a se manifestar sobre todos os dispositivos invocados pelas partes quando resolve fundamentadamente a lide, expondo de maneira clara e precisa as razões que lhe formaram o convencimento". Em muitas versões, em vez de convencimento lê-se "livre convencimento". Quer dizer: não é obrigado a responder porque possui duas vezes o livre convencimento: para decidir e depois para dizer que não vai aceitar os embargos.

Outro tipo de decisão em embargos é: no nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se, apenas, que a decisão seja fundamentada, aplicando o juiz, ao caso concreto, a solução por ele considerada pertinente, segundo o princípio do livre convencimento fundamentado do magistrado.

Ora, se a legislação permite que o juiz ou tribunal elaborem decisões omissas, obscuras ou contraditórias (está na lei) sem que, por isso, sejam nulas, por qual razão o Judiciário constrói uma jurisprudência defensiva tão contundente?

A boa doutrina deveria dizer: em face do artigo 93, IX, da Constituição, uma decisão omissa, por exemplo, deveria ser nula. Mas o Brasil, benevolentemente, permite que se corrija esse tipo de falha por meio de um recurso chamado embargos. De todo modo, isso até funcionaria bem, se os embargos de declaração fossem respeitados como recurso e não como "algo que atrapalha". Já ouvi magistrados dizendo "lá vem os advogados com esses embargos".

Meu ponto: quando a fundamentação é exigência do direito positivo (está na lei e na CF) — nem estou falando aqui de princípios, já que a discussão filosófica seria de segundo nível —, não deveríamos precisar do instituto "embargos". Mas já que o temos, e é um bom "second best", que ao menos fosse respeitado.

De sorte que os embargos viraram a "geni" do processo. Uma sentença por mais que seja omissa, dificilmente será consertada via embargos. Na maioria das decisões lê-se o que acima está transcrito. Ou coisas como "nada há a esclarecer" e/ou "a parte está pretendendo rediscutir a prova". Ou estou exagerando?

Há uma posição (repetida em vários outros) em acordão assim: "Inexistente qualquer das hipóteses de Embargos, não merecem acolhida embargos de declaração com nítido caráter infringente". Mas sequer o que foi alegado nos embargos é discutido. Lendo o acórdão, não se sabe. E se o causídico fizer embargos sobre esses embargos, será multado.

Veja-se: se uma decisão é omissa ou contraditória, automaticamente ao ser consertada via embargos trará efeitos modificativos. Quantas vezes a omissão não tem o condão de "virar o jogo"?

Veja a contradição interna do próprio acordão que critica "embargos com nítido caráter infringente". Ora, embargos com efeitos infringentes são permitidos pela lei. No caso, se o acordão diz isso sem fundamentar nitidamente está incorrendo em uma contradição. Uma contradição lógica.

Não esqueçamos que: a) o artigo 489 do CPC, espelhado no artigo 315 do CPP, diz que não estará fundamentada a decisão que... e seguem seis incisos; b) ora, se a fundamentação é deficitária, isso significa no mínimo uma omissão. Sanada, os efeitos infringentes são de consequência natural.

Há uma ligação lógico-estrutural entre o artigo 1.022 e os artigos 489 (CPC) e 315 (CPP).

Na verdade, os embargos deveriam ser extirpados do ordenamento, obrigando, assim, a uma fundamentação mais aprofundada que seria sancionada por nulidade (embora sabendo que o sistema, fosse feita essa alteração, rapidamente se adaptaria; afinal, quantas alterações foram feitas com o novo CPC e que são ignoradas solenemente nos tribunais, inclusive no que tange aos embargos de declaração, proibidos de ser manejados contra decisão que inadmite REsp e RE nos tribunais?).

Bastaria que se respeitasse a coerência e a integridade. Está lá no 926. Não precisaríamos dessa discussão sobre "precedentes" à brasileira. Nem precisaríamos de embargos. Mas quando temos dificuldade em fazer cumprir os próprios artigos 926 e 489, a coisa fica ainda mais difícil.

Já vi casos em que o assessor não quis reconhecer seu erro cometido no "esboço da sentença" e, assim, nega-se o recurso até mesmo quando este apenas aponta erro de premissa, algo como "a decisão tratou de outro caso..." (houve erro no recorta e cola). Como há um padrão de negativas, esses tipos de embargos caem na vala comum.

Há casos em que o apelante opôs embargos de declaração alegando ausência de manifestação expressa sobre os dispositivos legais que nortearam o acórdão proferido pelo órgão fracionário. O pior de tudo é que nem sequer o tal acórdão — nem no relatório nem no corpo — menciona quais foram os dispositivos alegados pelo embargante. E sabem por quê? Para que o acórdão possa ser repetido em recorta e cola, no melhor método "Ctrl+C e Ctrl+V". Uma violação constante erga ommnes — um recorta e cola pronto para ser usado tabula rasa em outros casos.

Esse é um dos périplos enfrentados pela pobre e sofrida classe dos advogados de Pindorama. "Ganhar" embargos passou a ser uma benção. Um favor real, tipo "Lord Chanceler". Assim como é o caso dos Habeas Corpus nas instâncias superiores, que para ser concedidos (de ofício — sic) não devem ser conhecidos.

Como na maior parte das vezes os embargos estão intimamente relacionados ao pré-questionamento, lá se foram as possibilidades recursais. Estamos tratando de liberdades... e propriedades. Mais uma vez, isso mostra que "somos um milhão de advogados e dezenas de carreiras jurídicas... e fracassamos".

E, atenção: muitas vezes, por se tratar, em segundo grau, de matéria exclusivamente de fato, as portas do REsp e RE estão fechadas (rediscussão de prova). O único caminho é dos embargos. Explico: o que fazer se a decisão estiver eivada de omissões e contradições? Nesses casos, os embargos são a última chance de consertar o erro judiciário. Claro que, no limite, se o órgão fracionário do tribunal proferir decisão deixando de apreciar o que foi alegado nos embargos, há precedente (ao que consta persuasivo e não qualificado) que admite REsp sobre negativa de vigência-validade do artigo 1022 que dá direito aos embargos (v.g., 4ª Turma do STJ, REsp 1.911.324, rel. min. Antonio Ferreira) [1]. Muito difícil, de todo modo. Terá que ser uma obra de arte. O primeiro problema será a decisão da vice-presidência do tribunal que inadmitirá o REsp. E poderá ser por meio de uma decisão eivada de omissões e contradições. Paradoxalmente, segundo o STF, não cabem embargos (ver aqui) contra essa decisão. Vida dura a de advogado, pois não?

Precisamos, portanto, falar sobre a jurisprudência defensiva predatória. Do contrário, o direito brasileiro será sempre essa esquizofrenia.

Insisto: se a Constituição estabelece que a decisão deva ser fundamentada e esta é uma garantia fundamental, parece(ria) óbvio que nenhuma decisão pode ser obscura, omissa ou contraditória (ou ambígua) e, ao mesmo tempo, válida juridicamente. Simples, pois. Questão lógica, inclusive. De respeito ao próprio ordenamento, à própria Constituição.

Os que militam no foro sabem do que falo. Paradoxalmente, alguns acórdãos dizem: "o apelante deveria ter oposto embargos com efeito expressamente prequestionador" (só que, no caso referido acima, foi exatamente isso que fez o causídico!) ou "deveria ter interposto um recurso especial alegando violação do artigo 1.022 do CPC" (claro, isso depois de "Inês-já-estar-morta").

O problema é que, ao contrário do que se usa dizer, o juiz e o tribunal têm, sim, o dever de responder a todas as alegações juridicamente relevantes articuladas pelas partes. Nem que seja para dizer que elas não são... juridicamente relevantes! E isso por uma questão de democracia. Para que serve, enfim, a garantia do contraditório? Esse é o ponto. O que é isto — a fundamentação? Estou escrevendo livro sobre isso. Como é possível que se considere normal que o Judiciário não precise enfrentar os argumentos das partes? Que seja para dizer que os argumentos são irrelevantes, ruins ou não prestam. O cidadão tem, no mínimo, um direito de saber por que seus argumentos não servem.

Os embargos de declaração são um "autêntico legado" da chamada Lei da Boa Razão, de 18 de agosto de 1769. Também são um jeitinho brasileiro, uma espécie de Macunaíma do Direito, conforme magnificamente escreve o juiz João Luis Rocha do Nascimento, em sua dissertação na Unisinos (Do cumprimento do dever de fundamentar as decisões judiciais: morte dos embargos de declaração, o Macunaíma da dogmática jurídica), editora Juspodivm [2].

Atuando como "válvula de escape", os "EDs" impedem os necessários desgastes advindos da acumulação da pressão decorrente das nulas decisões judiciais não fundamentadas, as quais deveriam servir de estopim para ocorrência de indispensáveis reformas jurídicas e administrativas.

[1] Aqui uma observação: a empresa Jusbrasil copia a jurisprudência dos tribunais e coloca à disposição cobrando por isso. Interessante. E os direitos autorais? Também há artigos de professores. Por exemplo, o ConJur oferece esse leque de artigos e entrevistas e não cobra do utente. E mais interessante: o Jusbrasil coloca parte do acórdão e, para obter o resto — que é público, não é da empresa — exibe um modo de cobrar mensalidade. Essa é uma questão que particularmente não entendo. Alguém já reclamou disso ou perdi algo nessa discussão? Se perdi ajudem-me a entender o mecanismo que permite isso.

[2] Vale referir também o excelente livro de Rodrigo Mazzei, Embargos de Declaração, editora Thoth

Lenio Luiz Streck, o autor deste artigo, é jurista, professor, doutor em direito e advogado sócio fundador do Streck & Trindade Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br. Publicado originalmente n'Consultor Jurídico, em 17.08.23

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Quer dizer que não era ideologia?

‘Militares envolvidos no escândalo das jóias estão sujeitos a punições severas’, diz brigadeiro


Brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex Presidente do Superior Tribunal Militar

A graça irresistível revelava antes o ceticismo de quem não se deixa conduzir por grupos ou arautos da salvação. Despir o rei e exibi-lo é uma das mais velhas funções da crônica política. Gregório de Matos escolheu a poesia, Millôr Fernandes, a frase lapidar. Nesta quarta-feira, o escritor que golpeou como poucos o mundo político brasileiro completaria cem anos.

É impossível não lembrar dele diante do escândalo da venda de joias da Presidência. É já sabido o impacto do caso na caserna. E continuará tendo a partir dos desdobramentos do que foi apreendido com o general Mauro Cesar Lourena Cid.

Diante da barafunda do bolsonarismo, o brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar, lembra ter alertado no passado para “a violação dos pilares ‘hierarquia e disciplina’, base de sustentação da instituição militar e dogma sagrado do enaltecido mito de Caxias”. E prossegue: “O presidente (Bolsonaro), um capitão que não teve condição de prosseguir na carreira militar, exatamente por ter, rotineiramente, violado esses dogmas, se valeu das motivações originadas pela execrável política partidária brasileira para mobilizar radicais e chegar à Presidência”.

Segundo ele, “enaltecendo interesses patrióticos, mobilizou seguidores que execravam verdadeiro mar de lama dentre os quais, infelizmente, militares da ativa e da reserva que, se esquecendo dos compromissos assumidos em juramento solene ao ingressarem na carreira das armas, se associaram e apoiaram inimagináveis ações de afronta e desrespeito às instituições e solapando, inclusive e principalmente, a nobreza presidencial”.

Ferolla é duro: “Com as fardas contaminadas pela hipocrisia e dejetos da baixa política, tentaram envolver as Forças Armadas que imaginavam liderar”. Mas, segundo ele, predominou “a inabalável estrutura das instituições democráticas e, no momento, a caserna luta para recuperar o tradicional e histórico respeito do povo brasileiro, origem dos abnegados servidores e combatentes profissionais”.

Agora é a vez de o Judiciário se manifestar. O brigadeiro conclui: “Quanto aos militares envolvidos nos delitos, se condenados e sem qualquer alusão às origens profissionais, caberá à Justiça Militar julgar e aplicar o estabelecido no Código Penal Militar, estando sujeitos, inclusive, a severas penas que incluem a perda de posto e patente”.

Após o relato de Ferolla, impossível não lembrar a reação de Millôr diante da conta bilionária pendurada no erário para pagar indenizações às vítimas da ditadura. Tal como então, pode-se aplicar agora a mesma pilhéria à turma que pregava o golpe. “Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?” •

Marcelo Godoy, o autor deste artigo, é Jprnalista. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 16.08.23

Constitucionalismo imperial

O protagonismo atual do Supremo Tribunal não decorreu de um ato de vontade da Corte, mas por deliberada transferência de competências dos outros dois Poderes

Com a redemocratização e a centralidade normativa da Constituição, era esperado que o Supremo Tribunal Federal (STF) ganhasse relevo no trabalho diário de consolidação de uma nova ordem jurídica firmada nos valores da liberdade e na consequente imposição de limites ao poder estatal. Dos sonhos de 1988 à realidade do presente, andamos muito e relativamente bem. Não se trata de dizer que foi perfeito nem que poderia ter sido melhor; a marcha do processo histórico, em especial nas complexas democracias contemporâneas, é traçada em linhas sinuosas, entre terrenos difíceis e acidentados, com inarredáveis riscos de retrocessos e suas forças do atraso. Todavia, ao elevar o talento e a inteligência humana, é a via democrática o caminho possível para sermos livres e, assim, guiarmos o progresso civilizatório, ampliando janelas de oportunidade, estudo, trabalho e mobilidade social ascendente à cidadania brasileira.

Nestes 35 anos de caminhada constitucional, apesar de tantos avanços notórios, há uma circunstância que, por seus agudos efeitos deletérios, não mais pode ser ignorada: o grave apequenamento institucional da classe política. Entre as variáveis decadentes, a falência moral e estrutural dos partidos políticos tem peso determinante. É cediço que, sem partidos autênticos, a democracia fica à mercê dos piores falseamentos. Isso porque é dever das agremiações partidárias preparar e selecionar os quadros mais capazes para o exercício digno da função política, afastando os aventureiros ou mal-intencionados. No trabalho pedagógico, deve-se promover uma cultura política séria, historicamente referenciada e com clara visão dos problemas brasileiros e internacionais, enaltecendo, com rigor, os predicados de ética comportamental e da decência de procedimentos. Algo, no entanto, se perdeu; temos partidos aos borbotões, mas nos faltam políticos modelares.

Infelizmente, a teoria cedeu ao pragmatismo existencial raso e imediato. Ao invés de valores, optou-se pelas cifras. Temos atualmente partidos bilionários, embora paupérrimos no bom trabalho democrático. Aliás, a recente votação da reforma tributária, reprisando outras sangrias do passado, foi regada a ouro das emendas parlamentares. Conforme informações da imprensa, foram liberados, num único dia, ao redor de R$ 5,3 bilhões aos congressistas para, pasmem, cumprirem o dever de votar um projeto de lei. O fato chama a atenção. Não se trata de exigir um puritanismo angelical à política, mas há de existir um limite. No desvão da honra, a crença do cidadão nas instituições é a cada dia mais miserável. Olha-se para Brasília, mas não se enxerga o Brasil. Fala-se em democracia, mas o que se vê é o desmando estabelecido. E lá, no espelho da lei, a imagem da impunidade.

Ora, diante da sereia monetária, a política abriu mão de sua autoridade. E, sem a autoridade do Executivo e do Legislativo,

o poder de decisão sobre questões fundamentais da democracia foi gradualmente transferido ao Judiciário, em especial para o Supremo Tribunal Federal. Ou seja, o protagonismo corrente do Supremo não decorreu de um ato de vontade da Corte, mas por deliberada transferência de competências do Parlamento e do Executivo. Tal lógica defectiva de poder correu no tempo e, hoje, os eleitos democraticamente pelo povo pouco podem fazer pelos eleitores. Sim, a democracia vota, mas não manda. O voto elege, mas não tem a palavra final.

Em recente publicação na Harvard Law Review, o prestigiado professor de Stanford Mark A. Lamley afirmou que “estamos na era da Suprema Corte imperial”, que “não é apenas a mais ativista de todas as Cortes do século passado, mas cada vez mais o locus de todo o poder legal”, vindo a asseverar que “é um Tribunal que está consolidando seu poder, enfraquecendo sistematicamente os demais braços do governo, federal ou estadual, que possa ameaçá-lo, ao mesmo tempo que enfraquece direitos individuais”. Como se vê, os desafios e pulsões do constitucionalismo moderno não traduzem exclusividade brasileira. Talvez a grande questão em aberto seja bem calibrar o grau de exposição das Cortes Constitucionais sobre matérias políticas ordinárias que deveriam – e devem – ser analisadas prioritariamente pelo Legislativo e o Executivo. Agora, o que fazer quando a política institucionalizada trai e abandona seus deveres com a democracia?

Decididamente, a saída não é transformar a vida num litígio permanente. Sentenças judiciais resolvem casos jurídicos, mas não solucionam problemas políticos, podendo, inclusive, agravá-los. O atual desarranjo em curso, além de aviltar a alta função do STF, expõe demasiadamente a Corte, retirando-a de sua estratégica posição de retaguarda institucional. Sem cortinas, o corrente constitucionalismo imperial não deixa de ser o último freio de uma engrenagem de poder avariada, cujos metais batem a ferro quente. Ainda há tempo para besuntar a máquina e evitar consequências imprevisíveis. Para tanto, a política deverá voltar a privilegiar as melhores tradições de prestígio, mando e decisão. Não se trata de dinheiro, mas de poder. Um poder político que a democracia outorga aos eleitos. E só aos eleitos. 

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr, o autor deste artigo, é Advogado e Conselheiro de Instituto Millenium. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 16.08.23

Vida digna para os mais idosos

Alta do número de idosos em planos de saúde, constatada pela ANS, ameaça o modelo de negócios e cria pressão sobre o SUS; é dever do País cuidar da dignidade dessa população

A população brasileira está envelhecendo, como mostrou o Censo 2022. Essa transição demográfica impõe dois desafios ao País. Primeiro, é preciso aproveitar a última janela do chamado bônus demográfico com vistas ao aumento da produtividade da população economicamente ativa, condição indispensável para que o Brasil escape da sina de ser um eterno país de renda média. Segundo, Estado e iniciativa privada precisam se estruturar o quanto antes para garantir que essa população cada vez mais velha tenha uma vida digna – o que significa, entre outras precondições, ter acesso a serviços de saúde de qualidade, sejam públicos ou privados.

A pedido deste jornal, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fez um levantamento que revelou que o número de jovens (20 a 39 anos) que utilizam planos de saúde no País caiu 7,6% entre 2013 e 2023, enquanto o de idosos (60 anos ou mais) cresceu 32,6% no mesmo período. Entre estes, houve um aumento de 41,9% dos usuários na faixa de 70 a 74 anos e de 39,5% na faixa de 80 anos ou mais. Some-se a isso o salto no número nos pedidos de reembolso, como também mostrou o Estadão, e se vê que não há como as empresas manterem suas contas no azul sem aumentar as mensalidades dos planos de saúde.

Se a transformação no perfil etário dos usuários de planos de saúde e as fraudes representam enorme risco para o equilíbrio financeiro das empresas, ainda maispreo cu pan teéo transbordamento desse desarranjo econômico empresarial para a sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) num futuro muito próximo. Além de estar há décadas subfinanciado e de ter sido submetido a seu maior teste de estresse durante a pandemia de covid-19, o SUS está na iminência de ter de suportar um aumento significativo na demanda por seus serviços.

É consensual entre os especialistas do setor de saúde suplementar o diagnóstico segundo o qual, a serem mantidas as condições atuais, não tardará até que os planos de saúde sejam considerados “artigos de luxo” para os idosos no Brasil. A bem da verdade, ter um plano de saúde já é algo inalcançável para a esmagadora maioria da população. Basta dizer que 8 em cada 10 brasileiros acorrem ao SUS hoje quando precisam de atendimento médico, dos procedimentos mais simples aos mais complexos. A tendência é esse número aumentar no curto prazo.

Historicamente, os beneficiários mais jovens, em geral mais saudáveis, sempre contribuíram para o equilíbrio financeiro das empresas de saúde suplementar. Os mais idosos, por sua vez, quando precisam de atendimento médico, não raro demandam serviços mais complexos – portanto, mais caros. Não é preciso ser um ás da contabilidade para perceber que esse modelo de negócios está com os dias contados. Cada vez mais idosos, sem condições financeiras para arcar com a mensalidade de planos de saúde cada vez mais caros, baterão às portas do SUS em busca de atendimentos cada vez mais especializados e onerosos.

Diante desse cenário desafiador, é fundamental que a sociedade, por meio de seus representantes, reflita sobre o papel do SUS como viabilizador de um imperativo constitucional: o acesso à saúde. É o caso de lembrar que o legislador constituinte tratou a saúde como “um direito de todos e um dever do Estado”. Olhar com o devido cuidado para as necessidades do SUS é, antes de tudo, cumprir o que determina a Constituição. Houve tentativas no Congresso de repensar o modelo de financiamento e dotar o SUS, um patrimônio nacional, de condições materiais e humanas para seguir prestando serviços relevantíssimos à sociedade. Esse movimento, infelizmente, parece ter sido deixado para trás.

O envelhecimento da população não deve ser encarado como um estorvo. É antes algo a ser celebrado. Entretanto, para aproveitar plenamente os benefícios desse processo, é essencial que o Estado, a iniciativa privada e a sociedade em geral atuem de forma conjunta, buscando soluções que garantam uma assistência digna e de qualidade aos idosos. O desafio é grande, mas com um compromisso coletivo, o País tem todas as condições de construir um futuro mais saudável e inclusivo para todos. 

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 16.08.23