quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

A democracia resiste

A recessão democrática que assombrou o mundo nos últimos anos aparentemente foi interrompida em 2022, aponta índice da Economist Intelligence Unit, mas o trabalho está só no começo

A democracia segue sob ataque, mas a situação parou de piorar, segundo a mais recente edição do Índice de Democracia elaborado pela Economist Intelligence Unit, divisão de pesquisas do grupo responsável pela revista britânica The Economist. De 2016 a 2021, esse indicador capaz de medir o vigor da democracia em 167 países e territórios havia descido gradativamente até o patamar mais baixo de sua série histórica, iniciada em 2006. Agora o índice mostra que o declínio democrático foi interrompido em 2022, um alívio em meio a tantas turbulências. Resta saber, porém, se o freio na escalada autoritária terá força para se impor daqui para a frente − ou se foi mero espasmo.

Na escala de 0 a 10, a média global do Índice de Democracia ficou em 5,29 no ano passado, um acréscimo de 0,01 em relação ao resultado de 2021. Essa mínima variação não chegou a ser classificada como aumento, mas estagnação, o suficiente para conter a espiral descendente dos últimos anos. A única região a apresentar avanços democráticos expressivos foi a Europa ocidental, cujo indicador cresceu de 8,22 para 8,36. Ao todo, 75 países subiram na tabela, bem mais que os 47 registrados em 2021.

Por outro lado, houve graves retrocessos. A Rússia foi a nação que mais perdeu posições em meio à onda de repressão e censura interna que se seguiu à criminosa e inaceitável invasão da Ucrânia. A China, por sua vez, fez valer seus poderes ditatoriais ao implementar uma política de tolerância zero em relação à covid-19, mantendo milhões de pessoas trancadas em casa no terceiro ano da pandemia. O norte da África e o Oriente Médio puxaram a média global para baixo, enquanto a América Latina e o Caribe tiveram nova queda no indicador: de 5,83 para 5,79.

O Índice de Democracia classifica os países em quatro grupos. No topo estão as chamadas “democracias plenas”, categoria que passou de 21 para 24 nações, com a reinclusão de Chile, Espanha e França em 2022. Vale notar que esse seleto grupo, liderado pela Noruega e formado majoritariamente por europeus, concentra apenas 8% da população mundial. Consideradas as “democracias falhas”, entre as quais se encontram Brasil e Estados Unidos, as democracias alcançam 72 países, respondendo por menos de metade da população mundial − um dado que diz muito sobre o déficit democrático. As demais categorias são a dos “regimes híbridos”, na qual o Peru acaba de ingressar, e a dos “regimes autoritários”, caso de Venezuela, Nicarágua, Cuba e Haiti.

O relatório da Economist Intelligence Unit faz referência à falta de consenso internacional acerca dos critérios para medir o grau de democracia de um país. O índice é calculado com base em 60 indicadores de 5 grandes áreas: processo eleitoral e pluralismo; liberdades civis; funcionamento do governo; participação política; e cultura política. Embora não esgotem o conceito de democracia, essas categorias jogam luz sobre diferentes aspectos a serem observados para que se possa falar, efetivamente, em regime democrático. Cabe destacar alguns dos parâmetros por trás do conceito de “democracias plenas”: existência de Poder Judiciário independente, sistema eficaz de freios e contrapesos, imprensa livre e uma cultura política que estimule a participação popular. Eleições justas e livres, claro, pressupõem respeito ao resultado das urnas e transferência pacífica de poder.

O Brasil perdeu quatro posições neste ano e aparece na 51.ª posição, com índice de 6,78, atrás de países como Argentina, Índia e África do Sul. O relatório assinala que a eleição presidencial brasileira foi a mais polarizada da América Latina em 2022 e menciona os ataques do então presidente Jair Bolsonaro às urnas eletrônicas, além dos atos golpistas do último dia 8 de janeiro − citados, corretamente, como um risco “para o futuro da democracia brasileira”. Risco esse, vale dizer, que deve ser desbaratado com a força das instituições do País.

O Índice de Democracia sinalizou que é possível frear a erosão democrática global, um alento para quem se opõe à escalada autoritária. Repetir tamanho passo em 2023 e nos próximos anos é um desafio para democratas no mundo inteiro.

Editorial /  Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 15.02.23

O Judiciário deve voltar ao normal

Não há mais qualquer razão objetiva a impedir que juízes e servidores voltem ao trabalho presencial

Supremo Tribunal Federal, régua e compasso de todo o Poder Judiciário brasileiro

Os magistrados e demais servidores do Poder Judiciário devem voltar ao trabalho presencial a partir do próximo dia 16, como determina uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 17 de novembro do ano passado. Foram três meses de preparação para esse retorno aos fóruns.

Não obstante, associações de juízes e sindicatos de servidores têm resistido à ordem do CNJ. Não há, porém, qualquer razão objetiva para essa relutância, apenas o apego a certos confortos particulares. Há servidores que reclamam de eventuais “prejuízos à rotina” que a volta ao trabalho presencial poderia causar. Outros argumentam, pasme o leitor, que durante o trabalho remoto passaram a ter uma “vida organizada no exterior”, como se a natureza do serviço público que prestam não exigisse o vínculo territorial.

Quase três anos depois, o fato é que ainda não é possível dizer que a pandemia de covid-19 acabou. Mas, graças ao progresso da vacinação, o vírus não representa mais uma ameaça à saúde das pessoas a ponto de demandar o prolongamento do trabalho remoto para a prestação de serviços públicos. Tanto que a esmagadora maioria dos servidores dos Poderes Executivo e Legislativo também já voltou ao trabalho presencial.

Excetuando-se casos muito particulares, como, por exemplo, a prestação dos serviços de saúde e de transporte, praticamente todo o País já voltou àquela vida conhecida antes da eclosão da emergência sanitária. Por que só os servidores do Judiciário não haveriam de voltar?

Quando acorrem à Justiça, é aos magistrados que os cidadãos expõem suas maiores angústias, depositando nesses servidores toda a sua esperança por uma decisão que lhes seja favorável. A Justiça lida, primordialmente, com tudo que toca o humano. Nesse sentido, o contato presencial é fundamental.

Evidentemente, há casos e casos. Talvez esses três últimos anos tenham servido para mostrar que certos serviços podem continuar sendo prestados pela Justiça de forma remota sem qualquer prejuízo para os cidadãos. Decerto o CNJ sopesou perdas e ganhos ao tomar a decisão de impor a volta ao trabalho presencial.

Uma vez decidida a questão, não cabe mais às associações e sindicatos contestar a decisão colegiada; cabe cumpri-la. Uma das atribuições do CNJ é zelar pela eficiência na prestação dos serviços judiciais. A decisão de novembro passado leva em consideração essa missão do colegiado.

Enquanto servidores reclamam de supostos “prejuízos” causados pelo retorno ao trabalho presencial – como se essa não fosse a realidade com a qual todos estavam acostumados até bem pouco tempo atrás –, muitos advogados, segundo apurou o Estadão, não encontram juízes para despachar seus processos, que ficam dormitando nos escaninhos da Justiça, e reclamam de longa espera pela marcação de audiências.

Como bem disse o ministro relator da resolução do CNJ, Luiz Philippe de Mello Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, “o retorno da magistratura aos seus respectivos locais de trabalho é imperativo inegociável neste momento em que toda a sociedade já voltou à situação de normalidade”.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 15.02.23

Superficialidade, imediatismo e conturbação atingiram as Forças Armadas

Hierarquia e disciplina, bases institucionais constantes em nossa Lei Magna, representam a própria essência da força armada. 

General Richard Fernandez

Em abril do ano passado, em artigo publicado no Blog do Exército Brasileiro, provoquei o pensamento crítico dos leitores com a cunhagem do acrônimo PSIC, para caracterizar o ambiente informacional da atualidade.

Decorridos dez meses, retorno ao tema, por constatar que a precipitação, a superficialidade, o imediatismo e a conturbação atingiram patamares consideráveis, devido ao comportamento de muitos civis e militares, quando o assunto abordado é o papel desempenhado pelas Forças Armadas no cenário nacional.

Tratando especificamente do Exército Brasileiro, cabe relembrar que sua História, cuja gênese remonta às Batalhas dos Guararapes, confunde-se com a própria evolução histórica do País. A atuação da Força Terrestre é ampla e abrangente, cobrindo nosso território de dimensões continentais com o braço forte e a mão amiga, o que exige tomada de decisões desde os níveis político e estratégico aos ambientes operacional e tático. A cada um desses níveis correspondem especificidades no que tange ao estudo de situação e à liderança. É bem sabido que não há solução tática capaz de corrigir uma formulação estratégica inadequada. E é indispensável destacar que só se chega aos mais altos postos percorrendo-se todos os graus hierárquicos, após décadas de dedicação à carreira das armas. Ninguém ingressa no Exército como general!

Essa óbvia constatação é importante para que se compreenda o contexto ético-profissional que distingue a carreira militar. Hierarquia e disciplina, bases institucionais constantes em nossa Lei Magna, representam a própria essência da força armada. São conceitos que traduzem o exato cumprimento do dever e o respeito à cadeia de comando, composta por autoridades, em todos os escalões da estrutura da Força, que alcançam determinada posição, tendo experimentado as vicissitudes de seus subordinados.

Esse arcabouço ético também é composto pelos valores indispensáveis a quem se dispõe a seguir a vida militar: patriotismo, coragem, lealdade, camaradagem, espírito de corpo, fé na missão, entre outros. Esses valores, ainda que universais, podem manifestar-se de modo distinto, conforme o nível de atuação considerado. A coragem esperada de um comandante tático, por exemplo, não se expressa da mesma forma que a de um líder no nível estratégico. Semelhante na essência, distingue-se na demonstração. Se do primeiro se requer o acatamento imediato da ordem recebida para conduzir seus subordinados ao cumprimento da missão; do outro se espera firmeza na defesa de princípios e valores, de tal forma que, por vezes, dizer "não" pressupõe muito mais coragem do que alinhar-se a eventuais pressões de caráter político.

E o que o Mundo PSIC tem a ver com isso? Tudo! Pois é exatamente na dimensão informacional que temos assistido a condutas em desacordo com a ética militar por parte daqueles que, por indignação, ingenuidade, desconhecimento e, até mesmo, má-fé, têm contribuído para disseminar a desinformação, a relativização de valores e, consequentemente, a desunião que enfraquece o espírito de corpo. Fica a pergunta: a que interesses servem tais pessoas?

Analisando-se o que têm expressado, via de regra em mídias sociais e aplicativos de mensagens, que adicionaram a comodidade do anonimato a esse tipo de atitude, facilmente se identificam as componentes PSIC.

A precipitação é marca típica desse ambiente repleto de meias-verdades e fake news, onde se disparam e replicam mensagens sem a menor preocupação com a veracidade dos fatos e a idoneidade das fontes. Toma-se como verdade, de modo absolutamente irresponsável, conteúdos com juízos de valor destinados ao ataque a reputações e à crítica a decisões dos escalões superiores. Iniciado o processo, que é realimentado por “gatilhadas” digitais, o que se produz é uma verdadeira marcha da insensatez. A um militar que se preza não se permite essa falta de cuidado e de lealdade para com a instituição a que serve.

A superficialidade é outro aspecto dissonante do comportamento ético. A atividade militar é, por natureza, grave e complexa. Em tempos de paz ou de conflito armado, lida-se com o poder dissuasório da Nação. Soluções simples para problemas complexos não são a regra. Tratar o emprego do Exército com base em análises simplórias de "especialistas" de ocasião, é o caminho mais seguro para se chegar a concepções inoportunas, parciais e ineficazes, o que é inadmissível por quem quer que tenha um mínimo de seriedade no processo de tomada de decisão. Quando um militar extrapola a esfera de suas atribuições, e passa a opinar publicamente sobre o que não é de sua competência, contribui para o descrédito na cadeia de comando e no cumprimento da missão.

O imediatismo, por princípio, não se coaduna com o caráter permanente atribuído às forças armadas no texto constitucional. A relação custo-benefício de se trocar ganhos imediatos por duradouros resultados positivos costuma caracterizar vitória de Pirro. Os preceitos da ética militar indicam claramente que não se pode prejudicar a reputação e a credibilidade do Exército, conquistadas em séculos de História, por conta do oportunismo de uns e do jogo de interesses de outros, algo que tem sido observado em inúmeras postagens veiculadas em tempos recentes.

A conturbação talvez seja o aspecto mais danoso do Mundo PSIC. A excessiva polarização da sociedade e a atuação dos extremos do espectro ideológico no ambiente informacional têm gerado visões radicais, resultando num círculo vicioso de intolerância e de absoluta ausência de diálogo. Essa situação é inaceitável aos membros de uma instituição apartidária, que se orgulha de oferecer oportunidades a todos os brasileiros, sem distinção de classe social, raça, gênero e credo. O inconformismo com a tradicional postura legalista e de neutralidade do Exército tem dado ensejo a insultos a camaradas de longa data, ataques a reputações típicos de regimes totalitários, "vazamentos" de supostas informações, divulgação de memes difamatórios, tudo para tentar atingir a coesão da Força, em flagrante traição ao sacrossanto respeito à hierarquia e à disciplina

Sendo os recursos humanos a força da nossa Força, é imperioso reafirmar diuturnamente a essencialidade da prática e do culto aos princípios e valores característicos da profissão militar para o aprimoramento da capacidade operacional necessária ao cumprimento de suas diversas missões.

Richard Fernandez Nunes, o autor deste artigo, é General de Exército. Publicado originalmente no Blog do Exército Brasileiro. Reproduzido pelo Consultor Jurídico, em 15.02.23

Ministério das Comunicações e Correios enviam chips de celular, mas não há sinal na área Yanomami

Ministério das Comunicações e Correios negam restrições no uso da tecnologia e dizem que localização de equipes do governo que atuam em ação humanitária na região “é dinâmica”

Ministro Juscelino Filho e presidente dos Correios, Fabiano Silva, celebram envio de 1 mil chips para a terra indígena Yanomami Foto: Ministério das Comunicações

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, enviou mil chips de celular para serem utilizados nas operações humanitárias que acontecem na terra indígena Yanomami, em Roraima, mas que não funcionam dentro da área demarcada. A limitação tecnológica deve-se a um fato simples: não há cobertura da operadora celular na terra indígena, localizada a 230 quilômetros de distância da capital Boa Vista.

A informação foi confirmada à reportagem pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). “A região fica em local isolado sem atendimento das prestadoras móveis, que têm obrigações de atendimento nas sedes municipais, localidades e aglomerados urbanos”, declarou o órgão de fiscalização, por meio de nota. Na prática, o que o ministro deu foi um cartão que, sem aparelho celular ou rede de cobertura, não funciona.

Ação do Ibama avança em terra Yanomami com destruição de aeronaves e balsas do garimpo; veja vídeos 

No dia 9, Juscelino pegou um helicóptero e, ao lado do governador de Roraima, Antonio Denarium, saiu de Boa Vista e sobrevoou a terra indígena. Foram três horas de voo e de tentativas de descer no local, mas o mau tempo impediu a aproximação. Nas suas redes sociais, divulgou os atos e afirmou que cumpria uma convocação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que convocou os ministros a ajudar na crise dos Yanomami.

Na sexta-feira, 10, o ministro fez o anúncio sobre o envio dos chips ao lado do presidente dos Correios, Fabiano Silva, com o objetivo de “facilitar a comunicação entre as equipes que prestam assistência nas terras indígenas Yanomami, localizadas entre os Estados de Roraima e Amazonas”.

Em comunicado conjunto, declararam que os dispositivos “dão acesso à internet, fornecendo conexão aos grupos que precisam se comunicar em meio aos trabalhos de assistência aos indígenas”.

Na prática, o uso dos chips se mostra limitado, porque, dentro da terra indígena Yanomami, a única forma de conexão viável se dá por meio de conexão via satélite. Não por acaso, o próprio Ministério das Comunicações formalizou, em parceria com a Eletrobras, a instalação de 17 antenas móveis dentro do território dos indígenas, que permitirão o acesso à internet sem fio por meio de satélite usando qualquer tipo de aparelho, como celulares e computadores. Isso significa, portanto, que os usuários farão uso de aparelhos celulares que já possuem para se conectarem à rede aberta, ou seja, sem ter a necessidade de utilizar um novo chip ou mesmo de ter um dispositivo.

Essenciais. No anúncio da parceria com o ministério, o presidente dos Correios, Fabiano Silva, disse que seus chips seriam “essenciais” para as ações dos grupos. “Nesses momentos de crise, todo apoio possível será feito. Com os chips Correios Celular, garantiremos agilidade na comunicação, o que facilitará a coordenação dos trabalhos de assistência”, disse.

No evento, o ministro reforçou a ideia. “Estamos empenhando todos os esforços para auxiliar no atendimento a essa crise que assolou os Yanomami e chocou o mundo”, disse Filho. “Já enviamos 17 antenas com conexão banda larga via satélite, livre e gratuita, e agora estamos enviando, junto com os Correios, chips para reforçar a comunicação.”

Desde 2017, os Correios atuam como um tipo de “operadora virtual” de telefonia. Na região de Boa Vista, a estatal faz a locação da estrutura que é fornecida pela empresa Surf Telecom, que, por sua vez, aluga a rede de telefonia móvel da operadora TIM. Isso significa que qualquer celular com chip do Correios Celular só vai funcionar se estiver na área em que a TIM tiver cobertura, o que não inclui a terra Yanomami.

Em Boa Vista, é comum a situação de queda dos serviços de telecomunicações, que ficam sobrecarregados e, muitas vezes, passam horas fora do ar, seja para telefonia ou para internet. Essa situação ocorreu, por exemplo, no dia 1º de fevereiro, quando os serviços ficaram completamente paralisados por cerca de três horas.

Por meio de nota conjunta, o Ministério das Comunicações e os Correios declararam que “os chips foram enviados para facilitar a comunicação entre as equipes humanitárias e de apoi+o que estão prestando assistência à população”. O órgão negou que os itens sejam desnecessários. “Naturalmente, a localização dessas equipes é dinâmica, entretanto, suas bases possuem a cobertura do serviço. Portanto, a informação de que os chips não funcionam não é verdadeira”, afirmou.

Questionados a respeito do custo dos itens, a pasta e os Correios declararam que, “nesta ação específica que tem o objetivo de auxiliar na comunicação das equipes que trabalham na ação humanitária coordenada pelo governo federal, os chips não tiveram custo para os Correios” e cada componente recebeu R$ 40,00 de crédito “para serem utilizados pelas equipes que estão prestando apoio na região”. Se os valores forem utilizados, há previsão de que novos créditos sejam lançados, segundo os órgãos do governo federal.

A respeito da escolha especifica de chips da operadora TIM, o ministério e a estatal afirmaram que o Correios Celular é um serviço prestado no modelo de operadora móvel com rede virtual. “Operamos em parceria com a Surf Telecom, que por sua vez utiliza a rede da TIM nas áreas em que ela não possui rede de cobertura própria.”

A reportagem questionou a operadora TIM sobre a sua estrutura local, alugada para a Surf Telecom e sublocada para os Correios, e a capacidade de suportar, em Boa Vista, a eventual demanda de tráfego de dados de 1 mil novos chips oferecidos pela estatal. Por meio de nota, a TIM limitou-se a declarar que “fornece infraestrutura de rede para várias MVNOs nas áreas onde tem cobertura de rede” e que “ainda que não possui relação comercial com Correios Celular”.

A Anatel declarou que o fornecimento dos chips “pretende facilitar a comunicação entre as equipes humanitárias e de apoio que prestam assistência nas terras indígenas Yanomami”, localizadas entre Roraima e Amazonas. “Os dispositivos dão acesso à internet, fornecendo conexão aos grupos que precisam se comunicar em meio aos trabalhos de assistência aos indígenas”.

Conforme o Estadão revelou, o ministro das Comunicações Juscelino Filho usou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar a estrada que passa em frente a oito fazendas dele e da família, no interior do Maranhão. Além disso, amigos do ministro se beneficiaram do esquema, ao vencerem licitações de R$ 36 milhões em Vitorino Freire (MA), cidade governada pela irmã de Juscelino, Luanna Rezende. O ministro também forneceu informações falsas para a Justiça Eleitoral, ao usar R$ 385 mil do fundão eleitoral na contratação de voos de helicóptero durante a campanha de 2022.

André Borges, dse Brasília - DF para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 15.02.23

O que Centrão quer para apoiar governo Lula

 No momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não tem uma base de apoio sólida no Congresso para garantir a aprovação de matérias do seu interesse, até porque siglas de centro-esquerda são minoria no Parlamento.

Planalto avalia manter indicações políticas nomeadas por Bolsonaro em busca de votos no Congresso (Reuters)

Mudou o presidente, mas cetenas de cargos na administração federal tendem a permanecer nas mãos de indicados do chamado Centrão — grupo de partidos de centro-direita que costumam apoiar diferentes governos em troca de verbas e espaço na máquina pública.

Os órgãos mais desejados são aqueles com grande orçamento e capilaridade no território nacional, ou seja, com verba e alcance para impactar realidades locais e gerar mais dividendos políticos.

É o caso, por exemplo, da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ou das superintendências do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e da Amazônia (Sudam).

Conseguir que aliados ocupem cargos nesses órgãos permite a políticos ampliar sua influência em suas bases eleitorais, o que tende a se transformar em mais força política nas eleições seguintes.

No momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda não tem uma base de apoio sólida no Congresso para garantir a aprovação de matérias do seu interesse, até porque siglas de centro-esquerda são minoria no Parlamento.

Por isso, sua gestão está aberta a negociar esses cargos até mesmo com integrantes de partidos que eram da base do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e hoje se colocam como independentes, como Republicanos e PP. A ideia é conseguir ao menos parte dos votos dessas siglas no Congresso.

Além disso, partidos grandes da centro-direita que receberam o comando de alguns ministérios, como MDB, PSD e União Brasil, mas que não estão integralmente fechados com o Palácio do Planalto, também desejam mais espaço no governo.

E, claro, na disputa por esses cargos, também estão os partidos mais próximos a Lula, como o próprio PT.

Essas nomeações, porém, seguem ainda em ritmo lento, enquanto intensas negociações acontecem nos bastidores.

“Tem deputados reclamando. Por que estão disponíveis, querendo ajudar (o governo), mas nada ainda”, disse um deputado do PP à BBC News Brasil.

“A desconfiança que nós estamos é que os líderes (dos partidos no Congresso), o presidente da Câmara (Arthur Lira, do PP de Alagoas) vão tentar segurar na mão deles essa interlocução por cargos”, afirmou ainda.

Segundo este parlamentar, mesmo o senador Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-ministro de Bolsonaro, dizendo que o partido deve ficar na oposição, parte da sigla pretende apoiar o novo governo. No entanto, ressaltou, esses deputados podem inicialmente votar contra o Planalto.

“O que vai acontecer na prática: uns quatro ou cinco deputados do PP vão votar contra. Por que, se a gente vota a favor, os caras vão inverter a gente (da ordem de prioridades)”, calcula.

Outras lideranças falam abertamente do desejo por cargos. Segundo o presidente do União Brasil, Luciano Bivar (PE), seu partido tem interesse por Codevasf, Dnocs e Sudene.

“O PT é feito por pessoas inteligentes, que sabem que, para fazer política é necessário ter espaços. Quanto mais espaços tivermos no governo, mais apoios poderemos garantir”, disse em entrevista recente ao jornal O Globo.

Indicações antigas ‘podem ser aproveitadas’, diz ministro

Questionado pela BBC News Brasil, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), confirmou o diálogo com todos que tenham interesse em colaborar com o governo.

Ele afirmou, inclusive, que o Planalto pode manter pessoas que foram nomeadas na administração anterior.

Na Codevasf, por exemplo, há nomes indicados por políticos do União Brasil e do PP.

“Às vezes, já tinham pessoas indicadas, que já tinham um papel em determinadas áreas, estão sendo avaliadas. Se forem competentes, tecnicamente competentes do ponto de vista político, têm capacidade de diálogo com a sociedade, podem ser aproveitadas”, disse o ministro.

Padilha afirmou ainda que o governo tem interesse em acelerar as nomeações e que há muitos “currículos” sendo analisados, indicados por “movimentos sociais, segmentos econômicos, entidades e parlamentares”.

“Estamos trabalhando a partir dessas indicações, e são os ministros que definem, chamam as pessoas para serem entrevistadas, avaliam os currículos. Se aliar competência técnica com a competência política para construir uma política pública e, além disso, reforçar uma indicação do Congresso Nacional, melhor ainda”, ressaltou.

Por que esses cargos são tão visados?

A Codevasf tornou-se um caso emblemático que ilustra bem o apetite político.

Criada originalmente em 1974 para apoiar o desenvolvimento regional da bacia do rio São Francisco, sobretudo com projetos de irrigação em áreas afetadas pela seca, a companhia aumentou fortemente sua área da atuação nos últimos anos.

Durante o governo Bolsonaro, passou a executar bilhões de reais em emendas parlamentares, dentro do chamado Orçamento Secreto, em ações como pavimentação de vias ou doação de tratores e caminhões para prefeituras.

Sua expansão começou a partir de 2000, quando o Congresso passou a aprovar a inclusão de novas bacias hidrográficas na área coberta pela Codevasf, elevando o número de municípios atendidos. Mas esse processo se intensificou nos últimos anos, quando a quantidade de municípios alcançados deu um salto em 2018 (de 1.020 para 1.641) e em 2020 (de 1.641 para 2.675).

Isso resultou em mais escritórios e superintendências nos Estados e mais cargos comissionados disponíveis para indicações políticas, além de ampliar a possibilidade de destinação de recursos pelo país.

Na mudança mais recente, aprovada a partir de um projeto de lei do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), a Codevasf passou a atuar no seu Estado, o Amapá, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, além de aumentar a área atendida em mais nove Estados.

Na ocasião, Alcolumbre disso à TV Senado que a ampliação serviria para obras de infraestrutura hídrica, revitalização de orlas de cursos d'água, construção de barragens, saneamento básico, além de estruturar as cadeias produtivas pela economia criativa, artesanato e do cultivo de hortaliças e frutos orgânicos.

Segundo a Codevasf, a companhia já destinou R$ 360 milhões para o Amapá, com investimento mais expressivo em rodovias e doação de máquinas.

Já a inclusão do Rio Grande do Norte na área de atuação da companhia viabilizou, por exemplo, a doação de equipamentos de apoio à atividade agrícola para a cidade de Mossoró, como tratores, caminhões-pipa e caminhões, no total de R$ 5 milhões.

Essa, entre outras ações do governo federal, foram lembradas na eleição pelo prefeito da cidade, Allyson Bezerra (Solidariedade), ao manifestar seu apoio à candidatura ao Senado de Rogério Marinho (PL-RN), que foi ministro do Desenvolvimento Regional de Bolsonaro, pasta à qual a Codevasf está submetida. Marinho foi eleito.

“Rogério tem trabalho prestado a Mossoró e, com o apoio do nosso povo mossoroense, chega ao Senado Federal com 47.089 obtidos em Mossoró”, escreveu em seu Instagram o prefeito, destacando as doações de máquinas agrícolas.

A forte expansão da Codevasf foi, porém, acompanhada por denúncias de corrupção. Em janeiro, a Polícia Federal realizou uma operação contra um grupo acusado de fraudes nas doações de tratores pela companhia, por meio de emendas parlamentares, para prefeituras do interior da Bahia.

O governo Lula ainda não trocou o comando da Condevasf. A nomeação do atual presidente, o engenheiro Marcelo Moreira, no governo Bolsonaro é atribuída a uma indicação do deputado federal Elmar Nascimento, líder do União Brasil na Câmara.

Ele chegou a ser indicado por seu partido para ser ministro de Lula, mas foi barrado devido ao forte apoio que deu ao ex-presidente na eleição.

As superintendências estaduais também seguem sob comando de indicados de governos anteriores. A de Pernambuco é chefiada desde julho de 2016 (governo Michel Temer) por Aurivalter Pereira da Silva, indicado pelo então senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), depois de ter atuado em seu gabinete.

Coelho e sua família têm longa tradição de apoio a diferentes presidentes: ele foi ministro da Integração Regional de Dilma Rousseff; seu filho, o deputado federal Fernando Coelho Filho (União Brasil-PE), foi ministro de Minas e Energia de Michel Temer; e depois Bezerra Coelho foi líder da gestão Bolsonaro no Senado.

Já a superintendência de Alagoas continua sob comando de João José Pereira Filho (PP), o Joãozinho Pereira, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Codevasf pavimentou uma via na pequena cidade de São Sebastião, no interior alagoano, com verbas de emenda parlamentar indicada por Lira, nas proximidades de fazendas do próprio deputado.

Lira, que participou da inauguração da obra no ano passado, disse ao jornal que era uma “inverdade” relacionar a obra federal com sua propriedade, sem prestar maiores esclarecimentos.

Questionada sobre as críticas e as suspeitas contra a atuação da Codevasf, a companhia disse, por meio de nota que “ações e projetos da empresa contribuem para a redução de desigualdades e são empreendidas com abordagem técnica e em resposta a demandas da sociedade, independentemente da origem dos recursos orçamentários”.

A Codevasf afirmou ainda que “possui sólida estrutura de governança implantada” e que “nomeações para cargos de direção observam requisitos técnicos e de experiência estabelecidos pela Lei nº 13.303/2016 e por normas complementares”.

“A diretoria é composta por pessoas com qualificação e experiência cujos nomes são aprovados pela instância de nomeação e destituição, que é o Conselho de Administração da Companhia. A ocupação de cargos em comissão ocorre de acordo com as disposições do Plano de Funções e Gratificações da Empresa e das demais normas aplicáveis”, acrescentou.

Mariana Schreiber, de Brasília - DF para a BBC News Brasil, em 15.02.23

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Só cuida das pessoas quem cuida das contas

Recomendaria ao gestor público privilegiar comunicação e transparência

Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, durante entrevista a podcast da XP - paulohartung no Instagram

Nesta terça-feira (14), recebo a maior honraria do Tribunal de Contas da União (TCU), o Grande-Colar do Mérito. Agradeço à corte e a seu presidente, ministro Bruno Dantas, pela homenagem, significativa menos pelo que tem de pessoal e muito mais pelo que busca distinguir na vida nacional: o bom governo e a política de bases republicanas.

Nesse contexto, minha trajetória tem se traduzido no paradigma de cuidar das contas, ou da efetiva governabilidade, para cuidar das pessoas, de modo que o fazer político dialogue com o seu espírito essencial, que é a "felicidade" dos cidadãos, conforme salientou Aristóteles.



Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo, durante entrevista a podcast da XP - paulohartung no Instagram

A partir das oito eleições que disputei, exerci oito mandatos, quatro no Executivo (prefeito de Vitória e governador do Estado do Espírito Santo —2003-2010 e 2015-2018) e quatro no Legislativo (deputado federal, deputado estadual e senador). Fato comum a todos: a ação republicana em prol do avanço da civilização de bases humanísticas.

No cenário histórico brasileiro, esse caminho enfrenta imensos desafios que, em linhas gerais, podem ser reunidos sob a rubrica da irresponsabilidade e da inconsequência político-governativa sustentadas pelo desprezo à maioria de nosso povo. Tal contingência é visível no desarranjo fiscal e no descompromisso com políticas públicas, baseadas em evidências, de reestruturação da nossa sociabilidade —tão marcada por desigualdades e injustiças socioeconômicas.

Se há algo comum na cena governativa do país é o enfrentamento da agenda oriunda de desequilíbrios fiscais. Ao longo de minha trajetória, tive de efetivar três ciclos de ajustes. Primeiramente, na Prefeitura de Vitória, que, após a Constituição de 1988, havia perdido completamente a capacidade de investimento.

Em minhas duas primeiras gestões estaduais, fiz dois ajustes, mas, ao voltar ao governo, em 2015, tive de fazer outro. Os dois primeiros foram no campo da despesa e da receita. Já no terceiro não havia espaço para esse movimento, pois estávamos no meio de uma recessão econômica. Só havia um caminho: ajustar a despesa para o Estado voltar a funcionar e prover os seus serviços

Objetivamente, nesses processos, recomendaria a qualquer gestor público privilegiar a comunicação

—para dentro, na administração, e para fora, junto à sociedade—, além de transparência, sempre. A partir daí, com a boa política e a boa técnica, mais do que fazer ajustes fiscais, é possível efetivá-los com o respeito da sociedade e ainda ganhar eleição.

Em todos os ciclos de ajuste que promovi, fizemos entregas de reconhecido mérito. Para exemplificar, concomitantemente ao ajuste de 2015-16, temos um "case" na educação: saímos do 11º lugar no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e fomos para o 1º na prova de português e matemática. Também registramos a menor mortalidade infantil do Brasil, segundo o IBGE, e o segundo maior índice em expectativa de vida.

Ademais, com Nota A do Tesouro Nacional, demos início ao terceiro ciclo da economia espírito-santense, diversificando o rol de atividades, atraindo novos negócios e adensando cadeias produtivas já existentes.

Assim como fizemos na prefeitura da capital capixaba, também organizamos e efetivamos um sistema de fomento de ciência, pesquisa e tecnologia, contemporâneo do nosso tempo, seja na sua agenda, seja na sua formatação.

No campo da sustentabilidade, algo crucial às atuais e futuras gerações, fomos pioneiros no Pagamento por Serviços ambientais (PSA), alocando recursos de royalties de petróleo em um fundo específico de preservação e recuperação de florestas em áreas estratégicas do estado do Espírito Santo, notadamente regiões de captação de água de chuvas e nascentes.

Então, volto a destacar: só cuida das pessoas quem cuida das contas. Isso a partir de muita dedicação e diálogo para fazer o que precisa ser feito, na imperiosa obra republicana.

A centralidade dos valores humanísticos e fundamentos da política democrático-republicana são meus guias e farol na caminhada que dedico ao propósito de contribuir para a construção de um hoje diferente do que já vivemos como sociedade, sempre somando à formação das bases de um futuro ainda mais distante do agora; próximo, portanto, de um tempo de ampla oferta de oportunidades por uma realidade de prosperidade compartilhada e sustentável.

Paulo Hartung, o autor deste artigo, é economista, presidente-executivo da Iba e membro do Conselho Consultivo do RenovaBR; ex-Governador do Espiríto Santo (2003-2010 3 2015-18). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 14.02.23.

Lula precisa começar a governar

Definir as metas de inflação nesta semana é melhor forma de encerrar um assunto que tem dominado o noticiário e servido de desculpa para o governo não apresentar nova âncora fiscal

A primeira reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) deste ano será na próxima quinta-feira. Será o primeiro encontro do órgão em sua nova composição, com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. E depois da saraivada de críticas que o presidente Lula da Silva disparou sobre a autonomia da instituição, o atual nível da taxa básica de juros e as metas de inflação, a reunião, que tinha tudo para ser rotineira, será acompanhada com muita expectativa pelo mercado.

Responsável por formular a política monetária e creditícia, o CMN tem várias atribuições, entre as quais a definição das metas de inflação para os próximos anos. Elas são anunciadas, tradicionalmente, em junho, mas é inegável que Lula antecipou esse debate. Quando o presidente critica as metas atuais e não anuncia as novas, os investidores veem no discurso um aumento da percepção de risco e perdem as referências com as quais trabalhavam para nortear seus negócios. A essa incerteza eles respondem com a proteção de seus investimentos. Assim, ainda que o BC tenha mantido a Selic em 13,75% ao ano, a curva de juros futuros, que precificava uma redução no médio prazo, voltou a subir, e o dólar, que chegou a ser cotado a menos de R$ 5, retomou a valorização ante o real.

Em uma entrevista no mês passado, Lula mencionou ser favorável a uma meta de 4,5%, que vigorou na maior parte de seus dois primeiros mandatos. Não foi um porcentual aleatório. Entre 2005 e 2010, quando a meta estava neste patamar, o governo nunca deixou de cumpri-la – nem mesmo após a crise de 2008, quando o BC, sob a presidência de Henrique Meirelles, passou a operar com taxas de juros mais baixas para aquecer a economia. As condições da economia mundial, no entanto, eram em tudo muito diferentes da situação atual. Nos últimos dias, enfim, o governo sinalizou ter a intenção de elevar a meta de 2024 e de 2025 de 3% para 3,5%. Tal mudança contaria, inclusive, com o apoio de Campos Neto.

Como já dissemos inúmeras vezes neste espaço, o importante neste debate não é exatamente o porcentual. O mais relevante é que o País tenha uma meta de inflação crível – seja de 3% ou de 3,5%. Embora haja metas fixadas para os próximos dois anos, elas perderam valor de face quando Lula passou a considerá-las rígidas demais. No CMN, o presidente da República tem dois dos três votos garantidos; ademais, o governo tem prerrogativa e legitimidade para ajustar esses objetivos.

Seria muito positivo, portanto, que o CMN adiantasse essa decisão de uma vez e anunciasse as novas metas já nesta semana. Não se trata apenas de traçar referências para guiar o mercado e ancorar expectativas. Seria a melhor forma de encerrar um assunto que tem dominado o noticiário econômico há semanas e servido como desculpa para o governo não apresentar aquilo de que o País realmente precisa. Já se passou um mês e meio desde a posse de Lula, mas não há nem sinal sobre a âncora fiscal que a equipe econômica vai propor para substituir o surrado teto de gastos.

No Brasil, ter um mecanismo para controlar o avanço das despesas públicas é fundamental para conter a deterioração das expectativas sobre a evolução da dívida pública e, consequentemente, sobre a curva de juros futuros. Metas de inflação, juros, gastos fiscais e endividamento são temas interligados e que geram impacto sobre câmbio, bolsa, crédito, emprego e o Produto Interno Bruto (PIB).

É conveniente, para Lula, culpar Campos Neto – e o ex-presidente Jair Bolsonaro – pelo provável desempenho ruim da economia neste ano. Em parte, ele até tem alguma razão. Há que reconhecer o mérito do governo anterior em destruir o arcabouço fiscal e as duradouras consequências da gastança desenfreada sobre a economia. Mas a eleição acabou e um novo mandato se iniciou. Recolocar o País na rota do desenvolvimento depende das ações e sinalizações do governo atual, sobretudo de Lula, que precisa abandonar a estratégia de criar conflitos e começar a governar.

Editorial /  Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 14.02.231

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

A transparência não é opcional

Lula pode dispensar o porta-voz da Presidência, mas não pode se desobrigar do escrutínio da sociedade

Presidente Lula e a Primeira Dama Rosângela desembarcam em Washington, DC, onde ele terá encontro com o Presidente Biden. (Foto: Ricardo Stuckert)

É lamentável a decisão do presidente Lula da Silva de seguir o movimento de inflexão promovido por seu antecessor e dispensar os serviços de um porta-voz da Presidência. Perdem Lula, a sociedade e a democracia.

Em agosto de 2020, Jair Bolsonaro exonerou o general Otávio Rêgo Barros da função de porta-voz porque o militar era em tudo diferente dele, razão pela qual ganhou mais projeção do que deveria – pecado mortal para qualquer pessoa que tenha trabalhado próxima ao “mito”.

A cordialidade e o espírito público demonstrados por Rêgo Barros no curto período em que foi a voz oficial da Presidência não tinham lugar em um governo marcado pela hostilidade ao jornalismo profissional, pela aversão à transparência e pela instigação de confrontos incessantes com segmentos da sociedade.

Desde então, a figura do porta-voz foi abolida da vida política nacional.

No atual governo, ainda que por razões presumivelmente diferentes – afinal, Lula é um sujeito verboso por natureza –, o porta-voz também parece carecer de prestígio. “No momento, não sentimos a necessidade específica do cargo de porta-voz”, afirmou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) em nota ao Estadão. Ora, ter ou não um porta-voz da Presidência não se trata de uma “necessidade específica” do governo de turno, mas, antes, de uma boa prática democrática.

A figura do porta-voz da Presidência é tão imbricada com a própria ideia de democracia, por seu evidente liame com o princípio da transparência na administração pública, que ninguém consegue imaginar, por exemplo, um dia normal na Casa Branca sem os briefings regulares conduzidos pela Secretaria de Imprensa dos EUA.

Até Donald Trump, personificação das maiores ameaças à democracia norte-americana na história recente, teve não um, mas quatro press secretaries ao longo do mandato. Dia sim e outro também, esses servidores tinham de confrontar as perguntas dos jornalistas – a rigor, da sociedade – e prestar contas das decisões e das omissões do governo federal.

Não ter um porta-voz, portanto, pode ser uma decisão bastante confortável para Lula se o presidente não quer ser escrutinado diariamente por suas decisões, mas é péssima para o vigor democrático da sociedade e para o registro histórico.

Ademais, como disse o general Rêgo Barros ao Estadão, a figura do porta-voz é “ferramenta necessária à estrutura do poder” por servir como espécie de anteparo da autoridade presidencial aos “embates desnecessários” com os jornalistas.

Na República, o governante tem de prestar contas aos cidadãos. Em encontros periódicos com o porta-voz da Presidência, jornalistas fazem as perguntas que estão nas ruas, vocalizando receios, dúvidas, angústias e esperanças da sociedade. Por óbvio, esse escrutínio há de ser respeitoso, mas nem sempre é agradável, razão pela qual, tradicionalmente, a função de porta-voz é exercida no Brasil por diplomatas e jornalistas, comunicadores hábeis por dever de ofício.

Lula não deveria, mas pode dispensar o porta-voz para dialogar institucionalmente com a sociedade. O que não pode, jamais, é se desobrigar da transparência.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 10.02.23

O futuro das Forças Armadas

Questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças, renovadas, podem e precisam dar ao País

A tentativa frustrada de Jair Bolsonaro de jogar as “suas” Forças Armadas na aventura de um golpe não deu certo, detida que foi pela atuação firme do Judiciário e pelo profissionalismo dos principais comandantes, mas serviu para recolocar na agenda a questão do papel dos militares na sociedade brasileira. O governo Lula procurou reagir aplacando os militares, oferecendo apoio a seus projetos de modernização e reunindo os comandantes com empresários, acenando com o ressurgimento da fracassada indústria nacional de armamentos, tentada pelo regime militar na década de 70. Quem sabe, assim, eles deixariam a política de lado e ficariam tranquilos em suas casernas?

É preciso ir mais a fundo, e nas últimas semanas muitas ideias e propostas têm circulado sobre como repensar o papel das Forças Armadas, em substituição à antiga doutrina de segurança nacional, que imperou durante a guerra fria e que se tornou obsoleta com o fim do regime militar, em 1985, e a dissolução da União Soviética, em 1991.

Essa doutrina sempre teve duas caras. Uma, o princípio reiterado de que a “função precípua” das Forças Armadas seria a defesa do País contra eventuais inimigos externos numa guerra convencional, que, fora a Guerra do Paraguai e o contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra, nunca se materializou. A outra, a atuação em questões internas, como a construção das redes de telégrafos dos tempos de Rondon, a presença na região amazônica e nas áreas de fronteira e a doutrina de segurança nacional, justificando os governos militares após 1964.

Também fizeram parte desta doutrina vários projetos militares de desenvolvimento tecnológico, incluindo o programa nuclear do almirante Álvaro Alberto, nos anos 50, o projeto de submarino nuclear da Marinha, o Centro Tecnológico da Aeronáutica em São José dos Campos e as empresas de indústria bélica – Engesa, Avibras e Embraer. Destes, o único claramente bem-sucedido foi a Embraer, que se transformou numa multinacional privada de natureza predominantemente civil.

As Forças Armadas brasileiras consomem anualmente cerca de 1,6% do produto interno bruto (PIB), R$ 115 bilhões, 80% dos quais para pagamento de pessoal, um contingente de cerca de 350 mil pessoas na ativa, e existem propostas para aumentar esses gastos ainda mais. Quanto desta antiga doutrina ainda é válido e quanto precisaria ser modificado, em razão do novo cenário da política internacional, das revoluções havidas na tecnologia militar e civil e da consolidação da democracia brasileira?

A doutrina oficial está consubstanciada em três documentos encaminhados pelo Ministério da Defesa ao Congresso Nacional em 2020, a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Documentos como estes deveriam ser periodicamente revistos e aprovados pelo Congresso, mas, na prática, eles não têm sido discutidos nem chegam à opinião pública.

Lendo esses documentos, nota-se a ênfase em três prioridades estratégicas de cunho tecnológico: a nuclear, a espacial e a cibernética. Felizmente, o Brasil renunciou há décadas à pretensão de desenvolver armas nucleares, e o projeto do submarino nuclear, que se arrasta há mais de 30 anos, corre o risco de resultar em equipamentos que já nascem tão obsoletos quanto nossos porta-aviões. O programa espacial sofreu um golpe terrível com a tragédia de Alcântara de 2003, e desde então as tecnologias espaciais evoluíram enormemente, ficando cada vez mais longe de nosso alcance. A área de segurança cibernética é cada vez mais crucial para garantir o funcionamento da sociedade brasileira em todos os aspectos, e exigiria, para ser bem-sucedida, uma concentração de investimentos e recursos humanos que estamos longe de fazer.

Parece claro, olhando este conjunto, que uma política atualizada de segurança nacional deveria se concentrar em alguns temas e áreas críticas de natureza local, como a proteção das fronteiras, da costa e da região amazônica, do meio ambiente e dos recursos nacionais. É preciso evoluir para um contingente muito menor, tecnicamente qualificado e apoiado por equipamento tático, com capacidade de deslocamento e intervenção rápida, e não em equipamentos mais pesados e típicos de guerras convencionais passadas. O serviço militar obrigatório, que já não funciona, precisa ser substituído por um contingente mais profissional e mais aberto a especialistas de formação civil. Para a defesa estratégica contra eventuais inimigos externos, não temos como agir sozinhos e precisamos participar de alianças e instituições que contribuam para a defesa dos regimes democráticos, da estabilidade política e da cooperação internacional, nas esferas econômicas, ambientais e de manutenção da paz. Para o desenvolvimento de nossa tecnologia, precisamos de uma economia aberta e de fortes parcerias entre instituições militares e civis, públicas e privadas.

A questão da intervenção dos militares na política é o passado. O futuro é a contribuição que as Forças Armadas, renovadas, podem e precisam dar ao País.

Simon Schwartzman, o autor deste artigo, é sociológo. Membro da Academia Brasileira de Ciências e ex-presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 10.02.23

Caso no STF resume mazelas nacionais

Decisão do Supremo sobre eficácia da coisa julgada explicita a urgente necessidade de um novo sistema tributário, simples e funcional, e de um Judiciário menos lento e menos imprevisível

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a eficácia da coisa julgada em matéria tributária traz problemas sérios. Empresas que recorreram ao Judiciário com boa-fé e obtiveram suas decisões definitivas favoráveis terão seus direitos perdidos por força de um posterior posicionamento do Judiciário em processo com repercussão geral. Aquilo que parecia definitivo – que a própria Justiça tinha dito que era definitivo – já não é tão definitivo assim. Sempre estará sujeito a uma nova avaliação do Supremo. A sensação é de perplexidade. Há ainda alguma segurança jurídica?

Ao mesmo tempo, é de reconhecer que, caso o Supremo desse uma decisão em sentido oposto, autorizando a prevalência da coisa julgada em ação individual sobre a orientação em processo com repercussão geral, outros sérios problemas seriam criados. Haveria duas classes de contribuintes: a dos que têm de se submeter ao regime geral (e precisam pagar seus impostos) e a dos que conseguiram um regime especial pela via judicial (e não precisam pagar impostos que todos os outros têm de pagar). A decisão desrespeitaria o princípio fundamental da igualdade de todos perante a lei. Além disso, essa diferenciação seria profundamente disfuncional, ao criar um fortíssimo estímulo à judicialização das questões tributárias.

Não havia solução fácil. No entanto, mais do que uma disputa entre argumentos favoráveis e contrários, a decisão do STF sobre a coisa julgada suscita outra série de questões. De forma muito viva, ela explicita o caráter absolutamente insustentável da situação dos tributos no País.

É preciso ter, com urgência, um sistema tributário mais simples e funcional, que não gere tantas dúvidas, tantas áreas cinzentas, tantas possibilidades de interpretação. O atual regime é ruim para todos, exceto talvez para quem vive da judicialização das questões tributárias. A responsabilidade por prover um novo sistema tributário é da sociedade e, de forma muito concreta, do Congresso e do Palácio do Planalto.

A revolta suscitada pela decisão do Supremo deve ser estímulo para que a sociedade civil exija do Legislativo e do Executivo federal a aprovação urgente de uma reforma tributária séria, simples e clara. Esse é o caminho para que o Judiciário não precise ser tão acionado – para que se torne contraproducente acioná-lo – e, assim, ele tenha, na prática, menos poder sobre os tributos. Mas para isso o Congresso precisa trabalhar.

A decisão do STF desvela também a incrível disfuncionalidade do sistema de Justiça: lento, caro e arbitrário. Ao privilegiar a eficácia dos processos com repercussão geral, o STF explicita um velho problema da Justiça brasileira. Com enorme frequência, os juízes e tribunais não seguem a jurisprudência e as orientações dos tribunais superiores. Muitas vezes, a independência dos magistrados é entendida como sinônimo de autonomia absoluta. Cada vara seria um feudo. A decisão do STF é um chamado, sob pena de colapso do sistema, para uma aplicação do Direito mais uniforme, menos randômica, mais fundamentada. É dessa insegurança que os contribuintes, com toda a razão, se queixam. A Justiça não pode ser uma loteria.

A decisão do STF é também alerta para os próprios ministros da Corte. Se as ações com repercussão geral têm tanta força, prevalecendo até mesmo sobre decisões transitadas em julgado, é preciso prover um novo patamar de estabilidade à jurisprudência. Não é possível mudar tanto e com tanta velocidade. O exemplo de respeito pelas decisões do Supremo deve começar no próprio tribunal, também por uma compreensão mais institucional da colegialidade.

O recente julgamento do Supremo joga luzes sobre a demora da prestação jurisdicional. Ela é tão drástica, com efeitos tão perversos sobre muitas empresas, não porque seus fundamentos estejam equivocados, mas porque a Justiça demora muito.

Com sua decisão, o STF exige, com razão, o respeito de todos às suas orientações. Que ele e toda a Justiça respeitem o cidadão, sem tantos atrasos e tanta imprevisibilidade.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 10.02.23

Entenda a decisão do STF que faz Pão de Açúcar, Embraer e outros grupos preverem perdas bilionárias

Especialistas dizem que decisão dos ministros do Supremo de autorizar a revisão de sentenças tributárias favoráveis às companhias vai gerar insegurança jurídica

Na quarta, a Corte estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas Foto: Rosinei Coutinho/STF

Empresas de vários setores começaram a fazer as contas sobre os prejuízos que terão com uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Na quarta-feira, 8, o STF estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas. Ou seja, uma empresa pode ter levado anos brigando com o governo na Justiça, ter ganhado em todas as instâncias e, ainda assim, não ter a segurança de que o problema terá sido superado. Se houver mudança na lei, a sentença favorável à empresa poderá ser revista, e ela terá de fazer pagamentos retroativos referentes ao período em que ainda discutia com o governo na Justiça.

O julgamento discutiu especificamente a manutenção de sentenças que livraram empresas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Só nesse caso, advogados ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que a mudança terá impacto direto em pelo menos 30 grandes grupos. A lista inclui nomes como Embraer, Pão de Açúcar (GPA), BMG, Zurich Seguros, Banco de Brasília (BRB), Holding Alfa, Samarco, Magnesita, Grupo Ale Combustíveis e Kaiser.

(STF permite que Receita cobre tributos do passado com juros e multa caso Corte mude posição

Decisão do STF vai reforçar caixa do governo, diz Secretário do Tesouro

PP e Republicanos vão ao STF para invalidar MP que retoma ‘voto de qualidade’ no Carf

Fim do voto de qualidade no Carf comprometeu receitas de R$ 25,3 bi em 2022, diz sindicato)

Na Embraer, o impacto estimado é de, no mínimo, R$ 1,16 bilhão por ano, segundo especialistas do setor. O cálculo tem como base o último balanço trimestral da empresa.

A decisão do STF, porém, deve ir além dessa causa. Afeta também decisões vinculadas a outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas, a contribuição patronal sobre o terço de férias e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissionais.

Na quarta, a Corte estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas

Na quarta, a Corte estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas Foto: Rosinei Coutinho/STF

Ainda há dúvidas quanto ao período em que o imposto poderá ser cobrado. Alguns especialistas entendem que pode valer desde junho de 2007 – data de julgamento no próprio STF que considerou o CSLL constitucional. Outros defendem que a cobrança seja retroativa somente por cinco anos.

A expectativa é que isso seja esclarecido com a publicação do acórdão do processo. A certeza, até agora, é de que a cobrança começará em 90 dias ou no próximo ano fiscal, a depender do imposto.

Insegurança

Por alterar julgamentos definitivos na Corte, o tema foi visto pelo mercado como fonte de insegurança jurídica. “Há evidente violação ao princípio da segurança jurídica, pois se trata da primeira vez que o STF se manifestou sobre o tema, impedindo que os contribuintes que tinham decisões transitadas em julgado pudessem se organizar para esse novo cenário”, afirmou o advogado Thales Stucky, sócio da área tributária do Trench Rossi Watanabe.

O argumento usado pelos ministros do Supremo foi que a isenção dada anteriormente a algumas empresas afetou a lealdade concorrencial: as companhias de um mesmo setor estariam concorrendo de forma desleal, já que uma seria isenta de determinado imposto por uma decisão judicial, enquanto outra, não.

O Estadão/Broadcast procurou todas as empresas citadas na reportagem. O BRB disse que ainda está avaliando os impactos da decisão. A Samarco disse que não vai comentar. A RHI Magnesita informou não ter tempo hábil para fazer as avaliações necessárias. A ALE Combustíveis disse que “não comenta decisões judiciais e ressalta que segue a legislação brasileira”. A Braskem disse que não será afetada pela decisão do STF por pagar CSLL desde 2007. Embraer, BMG, Zurich Seguros, Holding Alfa, Samarco e Magnetisa não deram resposta.

O que diz a decisão e como ela afeta as empresas

Decisão

Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que casos tributários decididos pela Corte têm efeito automático até sobre processos transitados em julgado (quando não há possibilidade de recurso).

Consequências

Na prática, isso significa que contribuintes que conseguiram no passado decisões favoráveis na Justiça para deixar de recolher determinados impostos serão obrigados a voltar imediatamente a pagá-lo se o STF mudar o entendimento sobre o tema.

Tributo

O Supremo avaliou dois casos específicos. Nas duas ações, havia a discussão entre a União e contribuintes sobre se as companhias deveriam recolher a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL).

Contribuição

A CSLL é cobrada pela União e incide sobre o lucro líquido das empresas. As alíquotas variam. Para bancos, por exemplo, ela é de 20%.

Vitórias

As empresas haviam obtido vitórias definitivas na Justiça na década de 1990. Em 2007, porém, o STF decidiu que a cobrança era constitucional e precisava ser retomada.

Entendimento

As companhias que tinham decisões definitivas favoráveis entenderam que a sentença de 2007 não se aplicava a elas. A decisão do Supremo de quarta-feira, porém, diz que sim, e que entendimentos anteriores devem ser desconsiderados. A sentença da Corte Suprema pode alcançar a cobrança de outros impostos.

Caso

Um dos casos debatidos pelo Supremo envolvia a União e a uma indústria têxtil, que havia obtido uma decisão final para não recolher a CSLL no Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF-5).

Cobrança

Conforme a sentença do Supremo, as cobranças da Receita terão de respeitar dois princípios: da anterioridade e da noventena. A primeira prevê que aumentos de alíquotas de tributos só passam a valer no exercício fiscal do ano seguinte. A segunda determina que a cobrança só poderá ser feita após 90 dias.

Argumento do STF

O argumento do Supremo para o novo entendimento foi que as empresas que não recolhiam a contribuição mesmo com decisão judicial concorriam de forma desleal com as que não tinham uma sentença favorável.

Antecipação

A advogada Vanessa Cardoso, sócia do Sfera Law, diz que a orientação é para que as empresas declarem quanto devem de imposto. Segundo ela, se a empresa esperar a notificação do Fisco, ela deve pagar o tributo, com multa de, no mínimo 75% e máximo 150% (em caso de fraude). Se avisar a Receita, a multa é de 20%, somada aos juros.

Marcela Villar e Lavínia Kaucz para O Estado de S. Paulo. Publicado originalmente em 10.02.23

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

O rebanho de bodes expiatórios do PT

O PT governou o Brasil por 14 dos últimos 20 anos. Mas, para Lula, que fez juras de unir a Nação numa frente ampla, todas as mazelas que assolam o País são culpa dos outros


É um locus classicus: o Brasil não é fustigado por catástrofes naturais, não tem histórico de guerras internacionais nem guerras civis, e, em que pesem as cicatrizes de seu passado escravocrata, é uma democracia multiétnica e multicultural enriquecida por imigrantes de todo o mundo, que tem à disposição abundantes recursos naturais para prosperar.

Mas, apesar disso, os índices de crescimento econômico, de saúde ou educação são cronicamente medíocres. O Estado, paquidérmico e ineficiente, é um sorvedouro de recursos saqueados dia e noite por legiões de políticos patrimonialistas, clientelistas e corporativistas. A sociedade, uma das mais desiguais do mundo, está unida pelo medo à violência e dividida pela radicalização política. Refletindo as causas e sintomas desse persistente mal-estar, as últimas eleições – mesmo num cenário de desemprego elevado, indústria estagnada, inflação acelerada e contas públicas desancoradas – foram uma batalha campal cujo rastro foi um deserto de propostas jamais visto desde a redemocratização. E, em tudo isso, qual é a parcela de responsabilidade do partido que governou o País por 14 dos últimos 20 anos? Segundo seu líder máximo, nenhuma. Ao contrário, se o Brasil não é o céu na terra, é porque o inferno são os outros.

Mal esquentou a cadeira presidencial, Lula já soou o apito para que seu rebanho militante arrebanhasse seus surrados bodes expiatórios. Segundo levantamento do Estado, em um mês Lula já apelou ao menos oito vezes ao antagonismo entre ricos e pobres. A invasão às sedes dos Três Poderes, por exemplo, “foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições”. A bola da vez é o Banco Central, acusado de perseguir uma meta da inflação que não é o padrão “brasileiro”, seja lá o que isso queira dizer.

Na mitologia lulopetista, o Brasil vivia uma espiral virtuosa até o “golpe” destruir tudo. “Essa é a explicação que encontrei para o impeachment da presidente Dilma Rousseff, minha prisão e as várias mentiras fabricadas contra o PT”, disse Lula a um jornal chinês. “A única explicação que posso encontrar é esta. Os Estados Unidos estão sempre intervindo na política latino-americana.”

Assim Lula estima as instituições nacionais: a imprensa, que denunciou escândalos de corrupção como o mensalão e o petrolão; a polícia, que os investigou; o Judiciário, que os condenou; o Congresso, que num processo presidido pela Suprema Corte destituiu sua criatura por crimes de responsabilidade, todos são fantoches de um grande complô do “imperialismo estadunidense”, do “capital”, das “elites” contra o “povo”, obviamente encarnado em Lula.

O PT se escandaliza com a miséria e a desigualdade, como se suas políticas econômicas negacionistas não tivessem nada a ver com a pior recessão da história recente; escandaliza-se com a corrupção, como se ela nada tivesse a ver com o sistemático aparelhamento do Estado para servir aos interesses do partido; escandaliza-se com a radicalização, como se ela nada tivesse a ver com a renitente demonização de seus adversários e críticos.

Questionado duas vezes em entrevista à RedeTV! sobre o que teria a dizer a todos que o rejeitaram nas urnas – que, somados os votos ao adversário, nulos, brancos e ausentes, representam quase 60% do eleitorado –, Lula só aludiu à “indústria de mentiras criada nesse país”. Ou seja, toda essa gente é mera massa de manobra ludibriada pela conspiração contra o PT. Logo, suas opiniões não são passíveis de conciliação, só de retificação ou retaliação.

Na verdade, o que Lula não tolera não é o empresariado, o Banco Central, a imprensa, o Judiciário, o Congresso, as massas que protestaram inúmeras vezes nas ruas; o que Lula não tolera é a insubmissão. Quaisquer parcelas da sociedade civil ou das instituições públicas que não sejam submissas ao projeto de poder hegemônico do PT já foram julgadas e condenadas pelo “tribunal da História”. Elas são culpadas de não rezar o credo petista, de não prestar genuflexão ao grande líder, e devem ser sacrificadas no altar erguido ao seu culto, como irredimíveis bodes expiatórios.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S. Paulo, em 09.02.12

Henrique Meirelles: ‘Lula está numa volta ao passado’

Presidente do BC nos dois primeiros governos do petista, Meirelles diz que embate com a autoridade monetária cria ruído e incerteza

"Ataques de Lula ao BC tem efeito contrário e criam ruído", diz Meirelles. ( Foto: Thiago Queiroz / Estadão)

Comandante do Banco Central nos dois primeiros governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Henrique Meirelles diz que o embate criado pelo petista com a autoridade monetária traz ruídos e incertezas, o que “força o BC a ser um pouco mais duro na sua política monetária”.

Na leitura de Meirelles, Lula está numa espécie de volta ao passado. “É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo”, afirma o economista, que também ocupou o cargo de ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer.

“É um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que ele pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente,” diz.

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão

Como o sr. analisa esse embate entre Lula e BC?

Esses ataques ao Banco Central, do ponto de vista objetivo do que gostaria o presidente (Lula), que é baixar a taxa de juros, têm o efeito contrário. Na medida em que ele ataca o Banco Central, cria ruídos e incertezas no mercado. E o que acontece? As expectativas de inflação sobem, o que força o Banco Central a ser um pouco mais duro na sua política monetária do que seria caso o presidente sinalizasse o contrário.

Essa disputa também coloca mais pressão em relação ao perfil dos próximos diretores que serão indicados para o BC?

Nós temos uma escolha à frente de dois diretores. Tem uma indicação (feita pelo) do BC, mas, de fato, o presidente da República tem a prerrogativa legal de sugerir os nomes para o Senado. Ele pode aceitar ou não essa indicação do BC. Ao Senado, depois cabe aceitar ou não as indicações do presidente. Isso cria uma incerteza grande em todos os agentes econômicos, todos os formadores de preço. Não só nos agentes financeiros, qualquer formador de preço, no pequeno empresário, médio e grande empresário. Na medida em que eles acham que a inflação vai subir, eles sobem mais os preços.

O sr. foi presidente do BC nos dois primeiros governos Lula. Qual sugestão faria para ele?

Deixa o Banco Central trabalhar. É a melhor forma de conseguir que os juros baixem o máximo possível. Quanto mais o Banco Central for visto como capaz de tomar as suas próprias decisões e controlar a inflação, mais caem as expectativas e mais o BC pode cortar a taxa de juros, que é o desejo de todos, inclusive do próprio Banco Central, desde que não cause inflação e seja possível dentro das projeções inflacionárias dos modelos. Em resumo, é um momento de racionalidade. Tem muitas coisas que o presidente pode fazer, áreas em que o Lula pode se dedicar que são muito importantes para o País, tipo a educação, saúde, meio ambiente - e ele está indo bem nesses aspectos.

Como o sr. vê a postura do ministro Fernando Haddad nesse embate?

Eu acho que o Fernando Haddad está fazendo o papel certo de apaziguar e tirar esse assunto de cena. O governo tem muita coisa para discutir, e discutir o Banco Central é improdutivo.

O sr. se surpreende com uma postura do Lula pouco pragmática na área econômica?

Eu vou usar uma expressão antiga: me surpreende, mas não caí da cadeira. O Lula está numa fase diferente. Ele foi presidente duas vezes, depois teve o governo da Dilma, que ele acha que foi injustiçado pelo mercado, pelas empresas. Teve uma vida pessoal difícil nesse período. O Lula acha que está num período de fazer aquilo que ele acreditava no passado. É importante mencionar que ele foi candidato em 1989, 1994 e 1998, defendendo linhas desse tipo. O Lula fez uma mudança em 2002, quando lançou a Carta aos Brasileiros, no primeiro mandato. Mas está um pouco numa volta ao passado, às campanhas que ele fez na década de 1990 e, portanto, é algo que é surpreendente considerando que ele fez um governo que deu certo, mas, por outro lado, dá para entender pela história toda o que o está influenciando a essa altura.

Entrevista concedida a Luiz Guilherme Gerbelli para O Estado de S. Paulo. Publicada originalmente em 09.02.23 às 12h10

Militares profissionais coexistem com o controle civil

Somos uma democracia débil e por isso não alcançamos a subordinação dos militares aos civis? O pecado do envolvimento dos militares com a política não tem redenção e seguiremos em atrito?

Reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica no Palácio do Planalto, em Brasília - Ricardo Stuckert - 20.jan.23/PR/Divulgação

Há um consenso nas democracias longevas de que a harmonia das relações entre civis e militares passa pela submissão do estamento armado ao controle político.

A teoria, elaborada no final do século 18, tomou forma pelo temor dos pais fundadores da nação americana de que o Exército continental, após a independência, pudesse rebelar-se contra os próceres.

Em meados do século 20, o conceito foi sistematizado e apresentado por Samuel P. Huntington na obra "O Soldado e o Estado".

O professor defendia que o controle civil objetivo era mais eficiente, desde que reconhecesse e apoiasse a necessidade do profissionalismo militar. Compreendia profissionalismo militar na obrigação do oficial de ser especializado, responsável e corporativo. Com pragmatismo, destacava que essa busca por controle derivava também do desejo de civis em maximizar poderes.

A antítese ao sistema defendido como ideal era o controle civil subjetivo visto no envolvimento do militar em política institucional, classista e constitucional.

Segundo ele, a relação entre poder, profissionalismo e ideologia subsistia em um jogo de forças dinâmicas. Conforme prevalecesse e interagisse um com o outro, o país seria mais ou menos estável. E alertava: a manutenção do equilíbrio entre o poder e a ideologia "era, obviamente, difícil no melhor dos casos". Aconselhava que o poder civil deveria vestir-se de neutralidade ao reduzir o poder militar no campo político —ou seria um usurpador da força das armas.

Em nosso país, é opinião comum que precisamos encontrar um caminho para sanear o histórico envolvimento do militar na política. No entanto, de forma simplória, intenta-se um "copiar e colar" de nações democráticas de primeiro mundo.

Mas a importação dessas ideias para uma sociedade com as nossas características se revela quase inalcançável e exigirá amplitude de debate.

Um estudioso da história militar e da política brasileira afirmou que Huntington é muito bom para países democráticos, mas nossa história está tão imbricada com o que somos e como participamos da vida política que não será tarefa fácil.

Somos uma democracia débil e por isso não alcançamos a subordinação dos militares aos civis? O pecado do envolvimento dos militares com a política não tem redenção e seguiremos em atrito?

É fato que vivemos um ambiente de instabilidade política, econômica, psicossocial e militar, precisando reafirmar, a cada crise, que somos maduros democraticamente.

Edmundo Coelho, na obra "Em Busca da Identidade", na qual estuda o Exército e a política na sociedade brasileira, atesta que é utopia acreditar na marcha rápida em direção a uma sociedade plenamente democrática em um processo linear e irreversível. Haverá escorregões e quedas até que atinjamos relativa segurança social.

Ele ainda afirmou que é rematada tolice defender a irrelevância das motivações estritamente militares. Elas permanecem intensas.

Sou crente na ideia de que reconhecer os interesses e necessidades do estamento militar é o caminho mais curto para o controle civil objetivo. Para isso, é preciso descer do pedestal das discussões e efetivar ações.

Será preciso compreensão mútua entre poder político e poder militar de que suas fortalezas e debilidades são comuns e, portanto, podem ser compartilhadas e combatidas, respectivamente, em trabalho não personalista, não ideológico e não partidário.

Será preciso que as feridas dos últimos anos, e que sangraram profusamente em 8 de janeiro, sejam reconhecidas e punidas, não importando se os responsáveis usam calças jeans ou uniformes camuflados.

Remato com uma construção de Huntington: "O maior serviço que os militares podem prestar é permanecer fiéis a si mesmos, servir em silêncio e com coragem à maneira militar. Se os civis permitirem que os soldados se apeguem ao padrão militar, as próprias nações acabarão encontrando a redenção e a segurança ao fazerem desse padrão algo próprio e inalienável".

Nem tutelar nem ser tutelado. Coexistir e conviver. São as colunas que devem sustentar essa relação.

Paz e bem!

Otávio Rêgo Barros, o autor deste artigo, General da reserva, é ex-chefe do Centro de Comunicação Social do Exército e ex-porta-voz da Presidência da República (governo Bolsonaro). Publicado originalmente na Foha de S. Paulo, em 08.02.23.

Macron e Scholz recebem Zelenski em Paris

Após passagem pelo Reino Unido, líder ucraniano recebe em Paris novas garantias de apoio de França e Alemanha e renova pedido por armamentos pesados e aviões de combate. Ele deverá participar da cúpula da UE em Bruxelas.


Presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, cumprimenta chanceler alemão, Olaf Scholz, observado pelo presidente francês Emmanuel Macron.

Após uma breve visita ao Reino Unido, onde se reuniu com as principais autoridades do país, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, foi recebido na noite desta quarta-feira (08/02) em Paris pelo presidente da França, Emmanuel Macron, e pelo chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz.

No Palácio do Eliseu, Macron assegurou que seu país se manterá firme no apoio à Ucrânia, e disse que a Rússia "não pode e não deve" sair vencedora da guerra. Ele afirmou que discutiria com Zelenski e Scholz as "necessidades operacionais" de Kiev na luta contra os invasores russos.

O francês disse que Zelenski deverá participar presencialmente da cúpula dos líderes da União Europeia (UE) em Bruxelas, nesta quinta-feira.

O encontro em Paris na noite desta quarta é visto como uma nova etapa nas relações ucranianas com Paris e Berlim. Nos primeiros meses da guerra, iniciada há quase um ano, Kiev chegou a se queixar das nações europeias por demorarem a agir para ajudar suas tropas a resistirem às forças russas.

O chanceler federal Olaf Scholz lembrou que, desde o início da invasão russa, a Alemanha e seus parceiros apoiam a Ucrânia com recursos financeiros, ajuda humanitária e armamentos, e garantiu que "continuaremos a fazê-lo enquanto for necessário".

Ele afirmou que a reunião de cúpula dos líderes da UE nesta quinta resultará em um forte gesto de solidariedade para com Kiev. "Levarei uma mensagem clara a Bruxelas: a Ucrânia pertence à família europeia", disse Scholz.

Zelenski repetiu em Paris os mesmos pedidos feitos horas antes ao governo britânico: mais armamentos, em especial, aviões de combate e mísseis de longo alcance, e entregas mais rápidas desses equipamentos.

"Quanto mais cedo a Ucrânia receber artilharia pesada de longo alcance, quanto mais cedo nossos pilotos receberem aviões, mais cedo as agressões russas acabarão e nós poderemos retornar à paz na Europa", disse o ucraniano.

Passagem pelo Reino Unido

A viagem de Zelenski ocorre num momento em que Kiev se prepara para uma possível ofensiva russa e organiza seus planos para recuperar o território invadido.

Em Londres, Zelenski foi recebido pelo primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, a quem agradeceu o "grande apoio" britânico desde o início da invasão russa. Zelenski também discursou no Parlamento britânico, onde pediu que os aliados forneçam caças ao seu país.

"Faço um apelo a vocês e ao mundo por aviões de combate para a Ucrânia, asas para a liberdade", ressaltou. "Nós faremos o possível e o impossível para que o mundo nos forneça aviões modernos para nos ajudar a derrotar a Rússia."

Ele também visitou tropas ucranianas que recebem treinamento no sudoeste da Inglaterra e foi recebido pelo rei Charles 3º no Palácio de Buckingham.

Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 09.02.23

Ataques de Lula ao Banco Central são um tiro no próprio pé

Por que ninguém no governo ousa dizer ao presidente que suas críticas à política monetária do BC e ao chefe do órgão, Roberto Campos Neto, prejudicam mais a ele próprio?

Presidente do Brasil voltou a criticar a autonomia do Banco Central e o nível elevado dos juros (Foto: Sergio Lima/AFP

Uma taxa básica de juros a 13,75% é uma vergonha, declarou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na segunda-feira (06/02), durante a posse de Aloizio Mercadante na presidência do BNDES. Alguns dias antes, ele já havia atacado diretamente o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto: "Quero saber do que serviu a independência do Banco Central", questionou o presidente, antes de dizer que esperaria "esse cidadão" terminar o mandato para avaliar o que significou o Banco Central independente.

As consequências negativas desses ataques de Lula a Campos Neto e ao Banco Central, independente desde 2021, são óbvias: a maioria dos economistas espera hoje uma inflação mais alta no fim do ano do que esperavam no dia da vitória eleitoral de Lula: em vez de 4,92%, os analistas do mercado financeiro agora estimam uma inflação de 5,78% em 2023. As previsões para os próximos anos tampouco são melhores.

O aumento constante das expectativas para a inflação tem um grande impacto sobre a taxa básica de juros futura. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central anunciou recentemente que deve manter a taxa básica de juros, a Selic, no recorde de 13,75% por muito mais tempo em meio à inflação persistente.

A ideia por trás disso é: com uma taxa de juros alta, é mais provável que as pessoas invistam seu dinheiro do que o usem para consumo. Isso reduziria a inflação, e o Banco Central poderia então baixar as taxas de juros novamente no médio prazo.

Para Lula e para a maioria dos membros de seu governo, isso é uma vergonha: o Brasil não pode crescer com juros de 13,75%, porque ninguém vai investir, vão preferir colocar seu dinheiro em títulos no mercado financeiro do que investi-lo em fábricas ou pelo menos usá-lo para consumo. Contudo, com a inflação atualmente em 6%, o Banco Central fica atrás da meta de inflação de 3,25% para este ano. As autoridades monetárias não têm escolha a não ser manter as taxas de juros altas.

Eu me pergunto por que Lula faz tais declarações populistas. Existem várias explicações:

1. Lula acredita genuinamente que um governo pode baixar as taxas de juros como bem entender se quiser acelerar o crescimento.

Dilma Rousseff acreditou na mesma coisa e levou a economia a anos de estagflação porque ordenou ao Banco Central, que ainda era dependente na época, que baixasse as taxas de juros mesmo com a inflação subindo. As consequências foram seu impeachment e a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. Duvido que Lula seja realmente tão míope a ponto de bloquear seu futuro político.

2. Lula busca apontar desde já um culpado pelo crescimento insuficiente.

Campos Neto dá um bom bode expiatório. Ele foi indicado por Bolsonaro. Seu avô era o famoso economista Roberto Campos, que foi ministro do Planejamento durante a ditadura militar e fundou o BNDES. Acho bem possível que Lula queira desviar a atenção com esses ataques. Porque até agora ele não tem nenhum plano para a economia.

3. Lula realmente quer abolir a autonomia do Banco Central.

Lula não poderá escolher um sucessor para a presidência do Banco Central até 1º de janeiro de 2025. No entanto, pode nomear previamente os diretores de sua preferência. Isso é até provável, mas só aumentaria o potencial de conflito na disputa entre o governo e o Banco Central. Se Lula quiser colocar o BC novamente sob o controle do governo, isso custaria tão caro para ele politicamente que seria mais uma missão suicida para seu governo.

Fica a pergunta: por que ninguém aponta para Lula que, com seus ataques, ele está apenas retardando ainda mais o pouco crescimento econômico esperado para este ano?

Lula apenas diz o que todos estão pensando, explicou o senador Jaques Wagner, confidente do presidente. Mas Lula, garante ele, respeitará a autonomia do Banco Central.

Quando Wagner é um dos poucos a falar claramente e a "explicar" os ataques de Lula, isso geralmente significa, na lógica da nomenklatura do PT, que parte do governo está realmente preocupada com os danos que Lula causa com suas declarações.

A questão permanece: por que ninguém ousa dizer a Lula que ele está dando um tiro no próprio pé?

Alexander Busch, o autor deste artigo, é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Este artigo, publicado originalmente no Deutsche Welle Brasil, em 07.02.23,  reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O bolsonarismo e o lulismo insistem em narrativas patentemente mentirosas

Enquanto um recorre à mentira para contestar o processo eleitoral, o outro segue aferrado a um discurso mentiroso para contestar a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff

O presidente Lula lê discurso durante retomada dos trabalhos do STF, em Brasília. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O País está às voltas com a prevalência da mentira no cerne dos discursos das duas principais forças políticas que hoje disputam o poder. Tanto o bolsonarismo como o lulismo insistem em narrativas patentemente mentirosas, que só exacerbam as dificuldades de superação dos desafios que o Brasil tem pela frente.

Enquanto o bolsonarismo, de forma antidemocrática, recorre à mentira para contestar o processo eleitoral e a legitimidade da eleição de Lula da Silva, o lulismo, também de forma antidemocrática, segue aferrado a um discurso mentiroso para contestar a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff e a legitimidade do governo de Michel Temer. Lula continua a alardear, inclusive no exterior, que houve golpe em 2016.

É mais do que sabido que o afastamento de Dilma cumpriu todas as etapas do devido processo legal, sob o olhar vigilante do Supremo Tribunal Federal (STF), que não se furtou a dirimir dúvidas quanto à aplicação da Lei do Impeachment.

É difícil entender por que, ao arrepio de fatos objetivos tão bem conhecidos, Lula e o PT continuam a insistir na narrativa do golpe, justo quando se empenham na conquista do apoio de forças políticas de centro-direita. Mas é fácil perceber por que se aferraram a tal narrativa em 2016.

Ao denunciar o impeachment como golpe, o partido permitiu-se não discutir o que de fato importava. E se eximir de qualquer reflexão crítica, seja sobre o colossal descarrilamento da economia perpetrado por Dilma Rousseff, seja sobre a mão de ferro com que Lula a apontara como sua sucessora, em 2010. Fora dele e só dele a ideia de alçá-la à Presidência. O que se temia era que um clima de acusações mútuas viesse a pôr em risco a coesão interna do PT e a eficácia de sua mobilização eleitoral. Prevaleceu o pacto de amnésia coletiva, abafado pelo grito da denúncia de golpe em 2016.

A questão é quanto tal pacto ainda poderá custar ao País. Ao insistir em permanecer de olhos fechados para equívocos e excessos cometidos no mandato e meio de Dilma Rousseff, reprimindo reflexões mais críticas sobre o que de fato aconteceu, o novo governo petista não terá como extrair lições de erros passados. E permanecerá propenso a voltar a cometê-los. Basta ter em mente o discurso econômico destrambelhado com que Lula inicia seu mandato.

Tendo já vencido a eleição, é hora de o PT parar de se contar histórias negacionistas fantasiosas sobre o que ocorreu entre 2011 e 2016. E se permitir, afinal, refletir sobre as causas do desastre. Para o País, seria um grande avanço.

Rogério Werneck, o autor deste artigo, é economista, doutor pela Universidade Harvard e professor da PUC-Rio. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 03.02.23