sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O bolsonarismo e o lulismo insistem em narrativas patentemente mentirosas

Enquanto um recorre à mentira para contestar o processo eleitoral, o outro segue aferrado a um discurso mentiroso para contestar a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff

O presidente Lula lê discurso durante retomada dos trabalhos do STF, em Brasília. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

O País está às voltas com a prevalência da mentira no cerne dos discursos das duas principais forças políticas que hoje disputam o poder. Tanto o bolsonarismo como o lulismo insistem em narrativas patentemente mentirosas, que só exacerbam as dificuldades de superação dos desafios que o Brasil tem pela frente.

Enquanto o bolsonarismo, de forma antidemocrática, recorre à mentira para contestar o processo eleitoral e a legitimidade da eleição de Lula da Silva, o lulismo, também de forma antidemocrática, segue aferrado a um discurso mentiroso para contestar a legalidade do impeachment de Dilma Rousseff e a legitimidade do governo de Michel Temer. Lula continua a alardear, inclusive no exterior, que houve golpe em 2016.

É mais do que sabido que o afastamento de Dilma cumpriu todas as etapas do devido processo legal, sob o olhar vigilante do Supremo Tribunal Federal (STF), que não se furtou a dirimir dúvidas quanto à aplicação da Lei do Impeachment.

É difícil entender por que, ao arrepio de fatos objetivos tão bem conhecidos, Lula e o PT continuam a insistir na narrativa do golpe, justo quando se empenham na conquista do apoio de forças políticas de centro-direita. Mas é fácil perceber por que se aferraram a tal narrativa em 2016.

Ao denunciar o impeachment como golpe, o partido permitiu-se não discutir o que de fato importava. E se eximir de qualquer reflexão crítica, seja sobre o colossal descarrilamento da economia perpetrado por Dilma Rousseff, seja sobre a mão de ferro com que Lula a apontara como sua sucessora, em 2010. Fora dele e só dele a ideia de alçá-la à Presidência. O que se temia era que um clima de acusações mútuas viesse a pôr em risco a coesão interna do PT e a eficácia de sua mobilização eleitoral. Prevaleceu o pacto de amnésia coletiva, abafado pelo grito da denúncia de golpe em 2016.

A questão é quanto tal pacto ainda poderá custar ao País. Ao insistir em permanecer de olhos fechados para equívocos e excessos cometidos no mandato e meio de Dilma Rousseff, reprimindo reflexões mais críticas sobre o que de fato aconteceu, o novo governo petista não terá como extrair lições de erros passados. E permanecerá propenso a voltar a cometê-los. Basta ter em mente o discurso econômico destrambelhado com que Lula inicia seu mandato.

Tendo já vencido a eleição, é hora de o PT parar de se contar histórias negacionistas fantasiosas sobre o que ocorreu entre 2011 e 2016. E se permitir, afinal, refletir sobre as causas do desastre. Para o País, seria um grande avanço.

Rogério Werneck, o autor deste artigo, é economista, doutor pela Universidade Harvard e professor da PUC-Rio. Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 03.02.23

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