segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Cartão corporativo de Bolsonaro: Passeios custavam R$ 100 mil em média e reuniam 300 militares

Estadão’ e Fiquem Sabendo tiveram acesso a dois mil documentos classificados como reservados, anexados na prestação de contas do cartão corporativo

O então presidente Jair Bolsonaro em motociata no Rio de Janeiro em maio de 2021 Foto: Alan Santos/PR

Toda vez que Jair Bolsonaro decidia viajar a lazer ou passear de moto por capitais do País ele era acompanhado por até 300 militares ao custo médio de R$ 100 mil para os cofres públicos. É o que revelam as notas fiscais que descrevem gastos com cartão corporativo do ex-presidente. O Estadão teve acesso a dois mil documentos classificados como reservados, anexados na prestação de contas do cartão corporativo. Até então, apenas o somatório dos gastos com esse método de pagamento foi divulgado, sem a identificação do que foi adquirido.

Nota fiscal de compra de 534 lanches em São Paulo com cartão corporativo da Presidência no governo Bolsonaro. 

O Estadão não conseguiu contato com o ex-presidente. O ex-ministro das Comunicações Fabio Faria informou que Bolsonaro está recluso nos Estados Unidos. Durante o mandato, Bolsonaro disse ao menos 15 vezes em lives que não utilizava cartão corporativo.

As milhares de notas fiscais foram consultadas em parceria com a Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas. Os documentos detalham que as viagens de Bolsonaro para promoção pessoal representavam despesas volumosas, tanto com a hospedagem de cerca de 30 servidores públicos que partiam de Brasília, como com a alimentação de aproximadamente 300 pessoas que davam suporte no local de destino. Esses eventos, batizados de motociatas por Bolsonaro, tinham como único propósito promover a figura do ex-presidente sem qualquer ação pública a ser anunciada.

Gastos revelados

Presidente Bolsonaro com populares, e comendo pastel em Marechal Hermes. FOTO WILTON JUNIOR / ESTADAO

Cartão corporativo de Bolsonaro: na rua, presidente comia pastel; em casa, picanha e camarão

Notas fiscais mostram que até os medicamentos de Bolsonaro eram comprados com cartão corporativo. Medicamentos para depressão, ansiedade, problemas de pele e infecção de garganta constam nos documentos.

Interações

Bolsonaro gastou R$ 1,46 milhão em umúnico hotel e R$ 362 mil na mesma padaria

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Cartão corporativo: Bolsonaro gastou R$ 1,46 milhão num único hotel e R$ 362 mil na mesma padaria

Um passeio de moto de Bolsonaro no Rio, por exemplo, em maio de 2021, custou R$ 116 mil, contando com o suporte local de policiais militares, tropa de choque, socorristas e agentes do Exército. Em alguns deslocamentos, mais de 200 integrantes das Forças Armadas chegaram a ser empregados. Os nomes de cada um deles constam das prestações de contas.

Essa tropa explica, ao menos em parte, inclusive os gastos repetidos. Foi comum, por exemplo, a aquisição de 300 lanches a R$ 30 cada – totalizando R$ 9 mil por turno de trabalho. O kit consistia em um ou dois sanduíches de presunto e queijo, uma bebida, como suco ou refrigerante, e uma fruta. Como os funcionários chegavam a fazer mais de 9 horas de prontidão por dia, eram alimentados três vezes – café, almoço e jantar.

As padarias Tony e Thays, em São Paulo (102 compras no total de R$ 126 mil), e Santa Marta, no Rio (24 compras por R$ 364 mil) eram as preferidas para alimentar a tropa. Entre os funcionários estavam pilotos, motoristas, seguranças e integrantes do cerimonial. Geralmente as diárias tinham valores baixos – entre R$ 100 e R$ 250 – mas a quantidade de pessoas envolvidas e o tempo de estadia é que faziam disparar a conta.

Nas despesas do cartão corporativo não constam os gastos de combustível das aeronaves, custeados pela Força Área Brasileira (FAB). Mas o que é servido durante os trajetos, os chamados serviços de comissaria, como a alimentação a bordo do avião oficial, eram contratados, ficando na faixa de R$ 4 mil por viagem.

Nos registros analisados pelo Estadão, na maior parte das vezes Bolsonaro não pernoitava no local: saía de manhã de Brasília e voltava no mesmo dia. As exceções evidentes eram os períodos de férias e lazer. É o caso de uma das hospedagens em São Francisco do Sul (SC), em fevereiro de 2021. O então presidente ficou com familiares e assessores no Forte Marechal Luz, pertencente às Forças Armadas. Mas a hospedagem de quatro dias ficou em quase R$ 9 mil. Reparos em jet-skis e lanchas que ficaram avariadas durante o passeio custaram mais de R$ 5 mil. Também foi realizada a locação de serviços de antena parabólica e TV por assinatura. Durante essa viagem de quatro dias, as compras de supermercados chegaram a R$ 48 mil.

Bolsonaro costumava dizer que essas hospedagens em instalações militares tinham “custo zero” para os cofres públicos. O então secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Júnior, fez um tour pelo Forte Marechal Luz para mostrar que não tinha ar condicionado. “Hotel 5 estrelas”, ironizou. O custo para o erário é agora revelado pelas notas fiscais.

Carlos Bolsonaro

Além das viagens do próprio presidente, a equipe também era mobilizada nos deslocamentos de seus familiares. Um exemplo é uma visita que o filho Carlos Bolsonaro fez a Resende (RJ), em janeiro de 2021, e foi acompanhado por cinco pessoas, com os gastos de deslocamento, alimentação e hospedagem custeados pelo poder público. O mesmo filho era a presença mais frequente nas viagens do pai, de acordo com os registros consultados pelo Estadão.

Também quando a primeira-dama Michelle decidia fazer algo fora de Brasília, e não acompanhada pelo marido, tinha as despesas – suas e da equipe – bancadas pelo cartão corporativo. Mensagens nos processos de prestação de contas mostram que hotéis ofereciam cortesias para ela e também up grade (melhorias nas instalações).

Caixas

As notas fiscais dos cartões corporativos da Secretaria Geral da Presidência ficam armazenadas em um almoxarifado do Pavilhão de Metas, a 700 metros do Palácio do Planalto. No local, trabalham os servidores públicos que analisam os processos de prestação de contas dos gastos e, em seguida, alimentam o Portal da Transparência.

Arquivos com notas fiscais de gastos da Presidência no governo Bolsonaro Foto: Katia Brembatti

Os documentos não são digitalizados. Ficam dentro de pastas guardadas em caixas de plástico. A consulta às notas fiscais, possibilitada pela solicitação da Fiquem Sabendo via LAI, foi feita presencialmente. Um servidor foi deslocado para monitorar o trabalho de consulta. Ao longo de três dias de leitura dos documentos, foi possível analisar cerca de 20% do total arquivado.

Bolsonaro gastou R$ 40 milhões com cartão corporativo, em valores corrigidos. O valor apurado até agora é inferior ao usado por Luiz Inácio Lula da Silva nos seus dois primeiros mandatos e por Dilma Rousseff no seu primeiro mandato.

Katia Brembatti e Vinícius Valfré, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 23.01.23, às 9h32

sábado, 21 de janeiro de 2023

A rede de indícios

Jair Bolsonaro é cabeça da tentativa de golpe

Cenário de destruição no STF após a invasão de bolsonaristas - Pedro Ladeira - 13.jan.2023/Folhapress

O atentado de 8 de janeiro não existiria sem o comando político de Jair Bolsonaro.

A depredação dos palácios em Brasília, o financiamento do transporte e alimentação de golpistas acampados diante de quartéis ou a omissão de autoridades públicas, agentes policiais e militares, são parte de uma mesma cadeia.

O desafio jurídico é concatenar os acontecimentos, estabelecer a relação de causalidade entre o fato criminoso contra as instituições democráticas e a participação de Jair Bolsonaro, o cabeça do golpe.

Às vezes, a delinquência política e empresarial é camuflada. O crime organizado costuma ter vínculos ocultos de interesse e participação. Nem tudo se prova diretamente.

Para o contexto de dificuldade probatória, o Código de Processo Penal define "indício" como a "circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias". É o caso, por exemplo, do homicídio sem cadáver ou do mandante oculto.

No domingo, a Folha reconstituiu a "marcha do golpismo" e o Globo mostrou números do "legado golpista": uma ameaça de Bolsonaro a cada 23 dias, a maioria contra o Supremo. Não por acaso, o ataque ao plenário do STF é o ponto alto do teatro da destruição.

Bolsonaro depende do caos para emergir do esconderijo golpista –para impedir a posse de Lula ou, depois da posse, reverter o resultado da eleição e afastar o eleito. Quando é vitorioso, o golpista assume o poder. Tentativa é golpe que não dá certo, evento que se pune para desencorajar o delito.

Marco remoto da escalada golpista é o "acabou, porra", proferido em maio de 2020, depois de operação da PF envolvendo aliados e fake news.

É ardiloso. O presidente prega desobediência, mas finge respeito às instituições. A insubordinação é em nome da liberdade: "Estou com as armas da democracia nas mãos", resmunga o presidente alternando ataques, palavrões e falsos álibis. Atinge o ministro Alexandre de Moraes sem mencionar seu nome.

Em julho de 2021, amparado pelo então ministro da Justiça, Anderson Torres, Bolsonaro levanta suspeitas contra a urna eletrônica.

Torres, agora preso, não interrompe o jantar enquanto a malta bolsonarista tenta invadir a sede da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula. Ele, oficiais militares e o cabeça da conspiração esperam o caos que não se concretiza. Em sua casa, tem minuta de decreto de intervenção no TSE para reverter o resultado eleitoral.

Torres é nomeado secretário de Segurança do Distrito Federal. O governador Ibaneis Rocha (afastado pelo Supremo) tenta se distanciar da cena do crime, mesmo sabendo que o golpe não aconteceria sem a sua desconfortável participação. Torres assume, desmancha o protocolo de proteção da Praça dos Três Poderes e deixa o país sorrateiramente, criando o álibi das férias na Florida, refúgio de Bolsonaro.

Em julho, tem o briefing golpista para embaixadores estrangeiros. Bolsonaro estimula a compra de armas e dissemina rebeldia nos quartéis. Para tumultuar o segundo turno, a Polícia Rodoviária Federal, hierarquicamente submetida a Torres, realiza operações para dificultar o deslocamento de eleitores.

Os indícios se acumulam. Mesmo depois de 8 de janeiro, o ex-presidente compartilha em seu perfil oficial um post que contesta o resultado da eleição.

O olhar de Bolsonaro para o quebra-quebra é silencioso, dúbio, cínico, sorridente.

 Luís Francisco Carvalho Filho, o autor deste artigo, é Advogado criminal e autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado". Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, em 21.01.23.

O PT não falha

Bastaram alguns dias para que os canais do Estado fossem usados para disseminar a ‘verdade’ do partido

Ao anunciar a nova diretoria da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), o site oficial do governo comunicou que “o ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, indicou Rita Freire, presidente do Conselho Curador da EBC cassada após o golpe de 2016″, para um cargo de gerência da estatal.

O PT não falha. Bastaram alguns dias no poder para que o lulopetismo se assenhoreasse dos canais oficiais do Estado com o objetivo de transformá-los em porta-vozes do partido – e, por meio deles, espalhar sua “verdade oficial”. E nessa “verdade oficial” figura com destaque a versão segundo a qual o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016 foi um “golpe”.

O PT tem direito de fazer a interpretação que quiser do processo constitucional que levou à cassação de Dilma por suas manobras contábeis criativas, digamos assim, com o propósito de ocultar da sociedade o real estado das finanças do País. O que o partido e seus membros com cargos no Executivo federal não podem fazer é usar canais oficiais de comunicação para impor a todos os brasileiros sua visão particular dos acontecimentos como revanche.

Um dos princípios da administração pública consagrados no artigo 37 da Constituição é o princípio da impessoalidade. Isso significa, na prática, que aos administradores públicos é vedado desempenhar suas funções privilegiando interesses privados de indivíduos ou grupos. Um partido político, naturalmente, é uma entidade privada. Portanto, a comunicação oficial do governo federal não se confunde nem remotamente com a comunicação do PT – ou de qualquer partido político –, ainda que a legenda tenha logrado ascender novamente ao Executivo federal. Triunfos eleitorais, circunstanciais por natureza, não autorizam reescrever a história.

Evidentemente, não é surpresa para ninguém essa interpretação que os petistas e seus aliados fazem do processo de cassação de Dilma. Pouco importa para o partido que, objetivamente, o impedimento da ex-presidente tenha seguido rigorosamente todos os ritos previstos na Constituição e na Lei 1.079/1950 – e sob a supervisão do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Ao PT, interessa a versão, não os fatos.

O presidente Lula da Silva, contudo, já disse algumas vezes que seu terceiro mandato presidencial será o “mandato de sua vida”, e que deseja trabalhar para reunir famílias e reconciliar amigos que se afastaram por divergências políticas. Pois o presidente será tão bem-sucedido em seu desiderato auspicioso se, de fato, transformar suas intenções em gestos concretos no sentido da pacificação. Um bom começo é dissociar o interesse público dos interesses de seu partido.

Poucos hão de discordar: para poder avançar e levar o País de volta ao trilho do desenvolvimento político, econômico e social, a sociedade precisa, o quanto antes, cicatrizar as feridas abertas por ressentimentos cultivados entre os cidadãos pela polarização política extremada. Quando um canal oficial do governo chama o impeachment de Dilma de “golpe”, politiza a comunicação estatal, dissemina uma patranha e atiça a cizânia. Ou seja, nada de bom.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 21.01.23

Combate ao extremismo exige apoio mútuo de instituições

Extremismo político mostrado ao Brasil indica que vencê-lo será uma longa batalha. Ação conjunta de instituições pode fortalecer democracia e melhorar governabilidade.

(Foto de  Adriano Machado/REUTERS)

Forças de segurança disparam bombas de gás lacrimogêneo contra invasores dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. É possível ver uma bandeira do Brasil estendida no gramado e golpistas enfileirados na beirada da grama, no fundo da foto.Forças de segurança disparam bombas de gás lacrimogêneo contra invasores dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. É possível ver uma bandeira do Brasil estendida no gramado e golpistas enfileirados na beirada da grama, no fundo da foto.

Os recentes ataques aos Poderes da República brasileira representam a concretização de uma ameaça que ronda o país desde o surgimento do bolsonarismo: o uso da violência política para desestabilizar a democracia.

Não foram poucos os sinais de que esse dia poderia chegar, como de fato ocorreu no último domingo, 8 de janeiro. Ao nos depararmos com a destruição promovida pelas invasões criminosas, fomos expostos a uma realidade que vinha sendo esboçada ao longo dos últimos quatro anos, por meio de um governo que cultuou o negacionismo, a distopia, o desrespeito às instituições e às regras democráticas.

Os indícios que vinham sendo apresentados por esse fenômeno político de extrema direita, liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, culminaram na mais grave agressão ao Estado de direito e à democracia brasileira no pós-88.

A pacificação política do país e a responsabilização dos invasores impuseram-se como prioridades nacionais e passaram a ocupar o centro da agenda do Executivo, do Legislativo e do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas como se trata de um movimento em curso – e não um evento isolado, a desarticulação e a punição das redes de extremismo dependerão da capacidade de resposta coordenada dessas instituições.

Resposta coordenada dos Três Poderes

As primeiras medidas do recém-empossado presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos ataques apostaram nessa ação coordenada, evitando sinalizar qualquer apetite por poderes unilaterais.

Primeiro, recorreu ao seu poder emergencial, decretando a intervenção na segurança do Distrito Federal (DF), a partir de rápida articulação com os demais Poderes da República. Em seguida, anunciou medidas de contenção da violência de mãos dadas com o STF, Congresso e governadores de todas as unidades da Federação brasileira, incluindo aqueles que apoiaram o ex-chefe do Executivo, Jair Bolsonaro.

O presidente Lula assumiu seu mandato ciente dos desafios de governar com a sociedade dividida e polarizada, contexto no qual os resultados econômicos e sociais serão decisivos para tamponar ou aprofundar essas fendas. Mas apenas oito dias após sua posse, precisou compreender, e muito rapidamente, que os problemas resultantes dessa polarização são mais agudos e urgentes do que se supunha.

Se por um lado a gravidade dos eventos força a união das elites políticas e institucionais, por outro, ela exigirá sinais concretos do presidente sobre como superar isso juntos.

A coalizão governativa , apesar dos nove partidos integrantes e da diversidade de seus ministros, não tem a face de uma frente ampla. Isso porque não garante uma maioria parlamentar mínima, com 51% e 52% das cadeiras legislativas na Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente. É provável que a formação do governo ganhe novas rodadas e afete a agenda legislativa do Executivo. Logo, não só o Executivo, mas também o Congresso poderá sair fortalecido no atual cenário.

Desafios administrativos

Os desafios não são só legislativos, mas também administrativos. Os órgãos do poder executivo foram instrumento central na radicalização e polarização política liderada por Bolsonaro.

A aproximação de alguns deles com o bolsonarismo já mostrou seus efeitos, como na operação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante o segundo turno das eleições do ano passado e nas tensões entre os militares e o novo governo desde a transição presidencial.

Novas estruturas de governança

Lula enfrentará o desafio de realinhar as estruturas do Executivo, o que é razoável no início de um novo governo, mas em um ambiente polarizado em demasia e com potencial de aprofundar conflitos no interior de suas burocracias. Mais do que redesenho dessas estruturas, como já iniciado, a reversão disso requer novas estruturas de governança internas ao Executivo.

Desde a aprovação célere da PEC da Transição, o Congresso tem sinalizado disposição de cooperar com o governo, se contempladas as suas demandas. O desafio agora é forjar um alinhamento interno capaz de tornar governo e oposição democrática no eixo organizador das batalhas legislativas.

As chances de reeleição dos atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado aumentam nesse cenário, dado o apelo mais forte à continuidade e à celeridade das medidas de defesa da democracia e do Estado de direito.

Esses alinhamentos e pactos podem restringir o espaço e a voz da extrema direita no Congresso, mas certamente os desfechos das investigações e dos inquéritos sobre o 8 de janeiro serão decisivos. Retraídos agora diante da violência e do rechaço popular às invasões, logo os que sobreviverem, em mandato e reputação, disputarão o espólio de Bolsonaro na condução da extrema direita.

O papel do STF

Protagonista no combate aos movimentos antidemocráticos nos anos recentes, o STF adotou fortes medidas para a investigação e responsabilização dos envolvidos nos atos, como o afastamento do governador do DF, pedidos de prisão de autoridades e detenção de mais de mil envolvidos nas invasões. A gravidade da crise elevou a fervura das pressões contra o imobilismo dos demais órgãos do sistema de Justiça. Com isso, o Supremo sai, parcialmente, da posição isolada na contenção dos movimentos antidemocráticos e extremistas – que o transformou em alvo principal de desconfiança institucional.

As vitórias contra o extremismo violento dependem não só do acionamento desses órgãos, mas do seu engajamento ostensivo na defesa do Estado de direito e da democracia. Em alguns casos, a reconstrução e o realinhamento de suas estruturas e burocracias serão cruciais, particularmente onde "simpáticos" aos movimentos extremistas podem se tornar focos de resistências ou inação deliberada.

A face do extremismo político mostrada ao Brasil no último domingo indica que vencê-lo será uma longa batalha, na sociedade e dentro das instituições. Logo, tornar essas medidas e ações iniciais dos três Poderes, adotadas logo após as invasões, em iniciativas coordenadas e de reforços mútuos é o desafio seguinte.

Se bem-sucedidas, elas podem ser potencializadoras da governabilidade e da institucionalidade democrática. Afinal, nada melhor para a democracia do que a governança efetiva e responsiva para deixar para trás quem quer desestabilizá-la.

Autoras deste artigo - Magna Inácio é doutora em ciência política, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais. É coordenadora do PexNetwork (https://pex-network.com/), grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da UFMG. / Alessandra Costa é mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, jornalista e pesquisadora do PEX (CEL-UFMG). Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, e 13.01.23. O texto reflete a opinião das autoras, não necessariamente a da DW.

Bolsonaro voltará para o Brasil?

Qual é o plano de Jair Messias Bolsonaro, ainda hospedado próximo aos parques da Disney? Será que ele está esperando um golpe no Brasil para voltar aos braços de seus seguidores como salvador da pátria?

        
Jair Bolsonaro (Foto: Sergio Lima/AFP/Getty Images)

O saguão do aeroporto estava lotado de pessoas com camisas verde e amarela e bandeiras do Brasil. Algumas até fantasiadas, e outras vestindo camisetas com a imagem de Lula preso.

Foi uma loucura quando Bolsonaro saiu da área de desembarque. Colocaram nele uma faixa presidencial (fake, claro) e o carregaram nas costas até a saída do terminal. Enquanto isso, o candidato Bolsonaro dava socos em um boneco inflável de Lula vestido de presidiário.

Presenciei essa chegada triunfal de Bolsonaro no aeroporto de Curitiba, em março de 2018. Naquela manhã, um ônibus da caravana de Lula tinha sido alvo de tiros a caminho da mesma cidade, Curitiba. Era a última caravana de Lula antes de, alguns dias depois, ser preso por corrupção e lavagem de dinheiro.

Como as coisas mudam. Agora, em janeiro de 2023, temos Lula novamente presidente, e Bolsonaro fora do país sendo investigado pelo envolvimento nos ataques aos prédios do Congresso, STF e Palácio do Planalto por parte de seus seguidores. Uma "versão brasileira da invasão do Capitólio”.

Enquanto isso, desde o dia 30 de dezembro Bolsonaro está hospedado em Orlando, na Flórida, próximo aos parques da Disney. Há registros do ex-presidente em restaurantes fast-food e supermercados. Isso é vida de um ex-presidente? E para passar férias existiriam lugares mais aconchegantes, imagino.

E aí, Bolsonaro, vai encarar?

Fica a pergunta: Bolsonaro voltará ao Brasil? Ele terá coragem de enfrentar a justiça? Em 2018, Lula não fugiu do país, mesmo sabendo que passaria um bom tempo na cadeia. No caso de Bolsonaro, há a discussão sobre uma possível perda dos direitos políticos, ou seja, ficar inelegível por oito anos. E aí, Bolsonaro, vai encarar?

Imagino que ele queira uma volta ao Brasil de forma triunfal, com milhares de seguidores esperando por ele num aeroporto brasileiro, assim como na campanha de 2018. E outra vez sendo carregado pelo povo, aclamado como salvador do Brasil.

Para isso, primeiro teria que acontecer um golpe para tirar o governo legítimo de Lula do poder. Ainda há inquéritos em andamento, mas os acontecimentos do dia 8 de janeiro em Brasília me parecem uma tentativa de golpe. Bastaria Lula assinar um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para os militares assumirem. Mas Lula sacou isso.

O petista sabe do perigo que ele e seu governo estão correndo e já começou a exonerar militares da administração presidencial. Lula disse na semana passada: "Nós estamos em um momento de fazer uma triagem profunda, porque a verdade é que o Palácio estava repleto de bolsonaristas e militares, e nós queremos ver se a gente consegue corrigir”.

Especulava-se que, depois das eleições presidenciais de 2022, Bolsonaro poderia exercer o papel de líder da oposição ao governo petista. Ele teria uma maioria no Congresso para dificultar a vida de Lula e se preparar para, em 2026, voltar à presidência pela via democrática, ou seja: através de uma vitória nas urnas.

Mas parece que Bolsonaro tem outros planos. Ele quer ser como a espada de Dâmocles: uma ameaça, um perigo iminente à democracia brasileira. O Brasil deve ter tempos sombrios pela frente.

Thomas Milz , o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 21.01.23. O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A bobagem de Lula sobre o Banco Central

Fiel ao primitivismo petista, Lula ataca a autonomia do BC, como se a alta dos juros não fosse necessária para conter a inflação e preservar o poder de compra sobretudo dos pobres

Lula da Silva declarou, numa entrevista, que não gosta do Banco Central (BC) autônomo. E não gosta porque, para o lulopetismo clássico, o governo deve mandar na autoridade monetária para definir, conforme critérios políticos, quais devem ser os juros básicos da economia. A autonomia, segundo os petistas, “afeta a soberania popular e nacional” ao “transferir o controle do BC aos bancos privados”, como se lê em um comentário do partido a respeito do projeto de lei que conferiu independência ao BC, em 2021. Nada muito diferente dos manifestos radicais do PT primevo.

De volta ao poder, o presidente Lula mostrou que continua incapaz de compreender que, sem autonomia, o Banco Central depende da boa vontade do governante para fazer seu trabalho de preservação do poder de compra da moeda. A mão pesada de Dilma Rousseff no BC para forçar uma queda dos juros logo no início de seu primeiro mandato, em 2011, a título de impulsionar o crescimento, abriu a picada para o desastre que estava por vir – inflação descontrolada, instabilidade econômica e recessão. Mas Lula e o PT são teimosos.

Em entrevista à GloboNews, o presidente disse que a autonomia formal do BC é “uma bobagem”. Além disso, Lula sugeriu que, se autonomia fosse eficiente, a inflação não estaria tão alta. “Por que, com um banco independente, a inflação está do jeito que está?”, questionou, ignorando o fato, óbvio, de que a inflação só não está mais alta porque o BC tomou as providências necessárias. Aliás, pode-se dizer que, não fosse a autonomia do BC, o então presidente Jair Bolsonaro teria usado a autoridade monetária para seus propósitos eleitoreiros, mandando criar artificialmente um aumento momentâneo do poder de compra dos brasileiros para ganhar votos. Talvez até se reelegesse – vejam só os petistas do que a autonomia do BC nos livrou.

As declarações de Lula, portanto, não surpreendem ninguém, mas são dignas de lamento. É inacreditável que o presidente hesite em reconhecer a importância de um marco institucional tão relevante para o País.

Ao longo de sua história, o PT sempre defendeu o combate à inflação por meio do controle de preços de combustíveis, incentivos setoriais e uma política cambial que reduza a volatilidade da moeda. Não são propostas de um passado distante, mas as diretrizes expressas do programa apresentado por Lula na campanha eleitoral de 2022.

Esse receituário heterodoxo foi testado e reprovado no governo de Dilma, quando o BC ignorou os sinais de deterioração da economia e abriu mão da defesa da moeda, sua função primordial, perdendo o controle da inflação e da ancoragem das expectativas. A combinação entre juros em patamares artificialmente baixos e os efeitos de uma política fiscal expansionista mergulharam o País em uma profunda crise econômica até hoje não totalmente superada.

Foi após esse contexto que ressurgiu o debate sobre a autonomia do Banco Central. Um dos pilares do projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso foi o estabelecimento de mandatos fixos para os diretores e o presidente da instituição em períodos não coincidentes com os do presidente da República. Longe de representar privilégio aos membros da autarquia, a proposta deu a eles a blindagem necessária para executar suas atividades sem pressões políticas do governo de plantão, independentemente de seu viés político.

Tema completamente superado, a autonomia do BC é mais um dos vários dogmas aos quais o PT mantém um apego visceral. Quando Lula a critica, trai a si mesmo, pois sabe que a independência que deu ao BC lhe garantiu um primeiro mandato tranquilo. Pior: amplia as incertezas e a volatilidade da economia, desancora as expectativas do mercado e cria um ambiente propício para que um BC sobre o qual ele não tem qualquer poder ou ascendência volte a aumentar a taxa básica de juros. Com o enorme desafio de pacificar o País após os violentos ataques à democracia, Lula deveria abandonar essa retórica inconsequente. Com esse discurso, ele boicota seu próprio governo e castiga justamente os mais pobres, que ele diz tanto defender.

Editorial / Notas & Informações, em 20.01.23

A hora e a vez da despolitização das Forças, para o bem do Brasil e dos militares

Punir os oficiais que tiveram atuação golpista e organizar a volta integral aos quartéis são as duas únicas decisões que cabem ao comando das Forças Armadas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com os chefes das Forças Armadas nesta sexta-feira, 20, no Palácio do Planalto (Foto: RICARDO STUCKERT/PR)

As Forças Armadas vivem hoje a maior crise de sua história. É uma crise de legitimidade perante o sistema político, a sociedade e a ordem internacional. Houve outros momentos difíceis para a instituição, como no conturbado mandato de Floriano Peixoto ou no final da ditadura militar, mas em nenhum deles se teve tanto consenso sobre a imprescindível despolitização das Forças Armadas.

(Comandantes ‘estão cientes de que vamos tomar providências’, diz Múcio sobre punição a golpistas)

O cume dessa crise foi a Intentona do dia 8 de janeiro, quando se constatou que a ação dos militares tinha sido, no mínimo, conivente com golpistas que praticaram um ato terrorista sem paralelo na história democrática brasileira. Mas o processo não se iniciou naquele trágico evento. As origens estão na adesão de boa parte dos integrantes das três Forças ao bolsonarismo, deixando-se politizar em episódios como o desastroso combate à covid-19 e em eventos públicos de apoio ao presidente Bolsonaro, que prometeu benesses materiais e, sobretudo, um projeto de poder a integrantes ou à própria instituição militar.

Embora a cúpula militar tenha rechaçado a adesão ao plano de golpe preparado por Bolsonaro, uma parcela importante da instituição fez discursos ou agiu de modo golpista, como se estivéssemos ainda em 1964. Mas o mundo mudou. Os três Poderes e a Federação são mais fortes hoje e a maioria dos políticos defende firmemente a democracia. Setores sociais e econômicos importantes vão reagir a qualquer Intentona, como ficou claro nos últimos dias. E, mais do que isso, os países mais relevantes, especialmente os Estados Unidos, isolariam completamente o Brasil e vão pressionar por uma despolitização das Forças Armadas brasileiras.

Punir os militares que tiveram atuação golpista e organizar a volta integral aos quartéis, colocando a profissionalização e a excelência de seus quadros acima da política, são as duas únicas decisões que cabem ao comando das Forças Armadas. É isso que deveria ter sido feito desde a redemocratização, e foi adiado indefinidamente até Bolsonaro vender uma ilusão autoritária de poder. A hora e a vez da mudança é agora, pois evitá-la poderia levar a um questionamento maior de suas funções, inclusive de seu padrão de gastos.

Vale frisar que se submeter ao comando civil é algo mais do que obedecer ao presidente Lula. Os militares devem obediência à democracia e não podem colocar o Brasil em risco geopolítico e econômico. O papel permanente das Forças Armadas é muito importante para ser destruído por integrantes seduzidos pelo discurso de um “mau militar”, tal qual Bolsonaro foi definido exemplarmente por Geisel.

Fernando Luiz Abrucio, o autor deste artigo, é Doutor em Ciência Política pela USP, professor e pesquisador da FGV-Eaesp. Publicado originalmente n'O Estado de SA. Paulo, em 20.01.23.

Tem de respeitar o resultado da urna’, diz comandante do Sudeste

General Tomás Miguel Ribeiro Paiva fez pronunciamento com tropa formada no quartel general do CMSE na quarta-feira; vídeo mostra discurso de dez minutos do general

O comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva discursa em defesa da democracia Foto: Reprodução/CMSE

O comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, afirmou que o resultado das urnas deve ser respeitado. É a primeira manifestação pública de um comandante militar desde os ataques à sede dos três Poderes, em Brasília, no dia 8. “Vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, de alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna.”

Um dos três mais antigos oficiais generais do Alto Comando do Exército (ACE), Tomás, como é conhecido, foi um dos comandantes que se opuseram a qualquer tentativa de virada de mesa após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial. Por isso, tornou-se alvo, ao lado de outros integrantes do ACE, de uma campanha difamatória de bolsonaristas.

Na quarta-feira, dia 18 de janeiro, no quartel-general do Comando Militar do Sudeste (CMSE), com a tropa formada, o general discursou durante cerca de dez minutos. Na ocasião, ele lembrava os militares mortos na missão de paz das Nações Unidas no Haiti, onde o Brasil permaneceu de 2004 a 2017. Dezoito militares morreram no terremoto de 12 de janeiro de 2010, que destruiu parte do país caribenho em 2010. Quando coronel, Tomás comandou um batalhão no Haiti.

No meio do discurso, o general passou a tratar de outro “terremoto”, que atingiu recentemente o País. “Nós últimos dias, nós estamos vivendo um outro tipo de terremoto no País: um terromoto político, que não causou mortes” Esse terremoto, segundo ele, é movido pelo ambiente virtual, que não tem freio. “Todo nós somos hoje hiperinfomados. Para excesso de informação só tem um remédio: mais informação. É se informar com qualidade e buscar fontes fidedignas.”

De acordo com ele, essa violência, “essa intolerância tem nos atacado”. “Esse terremoto não está matando gente, mas está tentando matar a nossa coesão, a nossa hierarquia e a nossa disciplina, o nosso profissionalismo e o orgulho que a gente tem de vestir essa farda. E não vai conseguir.” Logo em seguida, o general reafirmou o Exército como instituição de Estado. “Ser militar é ter uma instituição de Estado, apolitica, apartidária; não interessa quem está no comando, a gente vai cumprir a missão do mesmo jeito. Isso é ser militar.”

O general disse ainda que os militares não devem ter correntes políticas e devem permanecer coesos. “(Ser militar) é não ter corrente. Isso não significa que ele não pode ter sua opinião. Ele pode ter, mas ele não pode se manifestar. Ele pode ouvir muita coisa: ‘faço isso, faça aquilo’, mas ele faz o que é correto, mesmo que o correto seja impopular.”

O general concluiu o discurso para a tropa com uma defesa enfática da democraia e do respeito ao resultado das urnas. “Essa é a mensagem que quero trazer para vocês. Em que pese o turbulhão, o terremoto, o tsunami, nós vamos continuar íntegros, coesos e respeitosos e vamos continuar garantindo a nossa democracia, porque a democracia pressupõe liberdade e garantias individuais e públicas. E é o regime do povo, da alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem de respeitar o reusltado da urna. Essa é a convicção que eu tenho, mesmo que a gente não goste do resultado – nem sempre é o que a gente queria. Mas essa é o papel da instituição de Estado, que respeita os valores da Pátria.”

Marcelo Godoy, originalmente, para O Estado de S. Paulo, em 20.01.23, às 20h23

Rodrigo Rangel, Exclusivo no Metrópoles: o caixa 2 de Jair Bolsonaro no Planalto

TRANSAÇÕES FINANCEIRAS DO MILITAR DO EXÉRCITO QUE ATUAVA COMO AJUDANTE DE ORDENS DO EX-PRESIDENTE FORAM MAPEADAS PELA POLÍCIA FEDERAL POR ORDEM DO STF

O tenente coronel do Exercito, Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro - MetrópolesDida Sampaio/Estadão

MILITAR PAGAVA CONTAS DO CLÃ PRESIDENCIAL EM DINHEIRO VIVO AO MESMO TEMPO QUE OPERAVA UMA ESPÉCIE DE “CAIXA PARALELO” NO PLANALTO QUE INCLUÍA RECURSOS SACADOS DE CARTÕES CORPORATIVOS

PAGAMENTOS ERAM FEITOS EM AGÊNCIA DO BANCO DO BRASIL LOCALIZADA DENTRO DO PALÁCIO

ENTRE AS CONTAS PAGAS ESTAVA A FATURA DE UM CARTÃO DE CRÉDITO USADO PELA EX-PRIMEIRA-DAMA MICHELLE BOLSONARO, MAS EMITIDO EM NOME DE UMA AMIGA DELA

ÁUDIOS COM A VOZ DE BOLSONARO REUNIDOS PELA INVESTIGAÇÃO, SOB COMANDO DO MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES, INDICAM QUE O PRESIDENTE CONTROLAVA E TINHA CIÊNCIA DE TUDO

As investigações que correm no Supremo Tribunal Federal sob o comando do ministro Alexandre de Moraes avançam sobre um personagem-chave que, por tudo o que se descobriu até agora e por sua estreita proximidade com Jair Bolsonaro, deixará o ex-presidente ainda mais encrencado.

As descobertas conectam o antigo gabinete de Bolsonaro diretamente à mobilização de atos antidemocráticos e lançam graves suspeitas sobre a existência de uma espécie de caixa 2 dentro do Palácio do Planalto, com dinheiro vivo proveniente, inclusive, de saques feitos a partir de cartões corporativos da Presidência e de quartéis das Forças Armadas.

O personagem em questão é o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid, o “coronel Cid”, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro até os derradeiros dias do governo que acabou em 31 de dezembro.

O militar compartilhava da intimidade do então presidente. Além de acompanhá-lo em tempo quase integral, dentro e fora dos palácios, Cid era o guardião do telefone celular de Bolsonaro. Atendia ligações e respondia mensagens em nome dele. Também cuidava de tarefas comezinhas do dia a dia da família. Pagar as contas era uma delas – e esse é um dos pontos mais sensíveis do caso.

Entre os achados dos policiais escalados para trabalhar com Alexandre de Moraes estão pagamentos, com dinheiro do tal caixa informal gerenciado pelo tenente-coronel, de faturas de um cartão de crédito emitido em nome de uma amiga do peito de Michelle Bolsonaro que era usado para custear despesas da ex-primeira-dama.


Vinícius Schmidt/Metrópoles

QUEBRA DE SIGILO PERMITIU MAPEAR TRANSAÇÕES

Já era sabido, há tempos, que Cid se tornara alvo dos inquéritos tocados por Moraes, em diferentes frentes. Ainda no ano passado, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que mensagens de texto, imagens e áudios encontrados no celular do oficial do Exército levaram os investigadores a suspeitar das transações financeiras realizadas por ele.

Pois bem. Depois disso, Moraes autorizou quebras de sigilo que permitiram revirar pelo avesso as operações realizadas pela equipe do tenente-coronel, muitas delas com dinheiro em espécie, na boca do caixa de uma agência bancária localizada dentro do Palácio do Planalto (foto acima).

As primeiras análises do material já apontavam que Cid centralizava recursos que eram sacados de cartões corporativos do governo ao mesmo tempo que tinha a incumbência de cuidar do pagamento, também com dinheiro vivo, de diversas despesas do clã presidencial, incluindo contas pessoais de familiares da então primeira-dama Michelle Bolsonaro.

Durante a investigação, os policiais se depararam com um modus operandi que lembrava em muito aquele adotado pelo clã bem antes da chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto e que, anos depois, seria esquadrinhado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro nas apurações das rachadinhas do hoje senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do ex-presidente. Dinheiro manejado à margem do sistema bancário. Saques em espécie. Pagamentos em espécie. Uso de funcionários de confiança nas operações. As semelhanças levaram a um apelido inevitável para as transações do tenente-coronel do Exército: “rachadinha palaciana”.

A certa altura do trabalho, os investigadores enxergaram indícios fortes de lavagem de dinheiro. Chamou atenção, em especial, a origem de parte dos recursos que o oficial e seus homens da ajudância de ordens manejavam.

Para além do montante sacado a partir de cartões corporativos que eram usados pelo próprio staff da Presidência, apareceram indícios de que valores provenientes de saques feitos por outros militares ligados a Cid e lotados em quartéis – sim, quartéis – de fora de Brasília eram repassados ao tenente-coronel. Os detalhes dessas transações ainda estão sendo mantidos sob absoluto sigilo, trafegando entre o gabinete de Moraes e o restrito núcleo de policiais federais que o auxilia nas apurações.

NA BOCA DO CAIXA, DENTRO DO PLANALTO

As investigações desceram à minúcia das transações. A partir dos primeiros sinais de que várias delas haviam sido feitas em espécie, os policiais esquadrinharam as fitas de caixa e pediram até as imagens do circuito de segurança da agência bancária onde os pagamentos eram feitos – a agência 3606 do Banco do Brasil, que funciona no complexo do Palácio do Planalto.

Da mesma forma que o MP do Rio conseguiu documentar o notório Fabrício Queiroz, operador das rachadinhas, pagando em dinheiro vivo contas de Flávio Bolsonaro, os policiais a serviço de Alexandre de Moraes foram buscar os registros em vídeo de que pessoas da equipe de Cid, o ajudante de ordens do presidente, eram as responsáveis por quitar – também em espécie, assim como Queiroz – os boletos do presidente, da primeira-dama e de seus familiares.

Michelle Bolsonaro e Rosimary Cardoso Cordeiro (Reprodução)

MICHELLE E O CARTÃO DA AMIGA

Entre os pagamentos, destacavam-se faturas de um cartão de crédito adicional emitido por uma funcionária do Senado Federal de nome Rosimary Cardoso Cordeiro. Lotada no gabinete do senador Roberto Rocha, do PTB do Maranhão, Rosimary é amiga íntima de Michelle Bolsonaro desde os tempos em que as duas trabalhavam na Câmara assessorando deputados.

Rosi, como os mais próximos a chamam, é apontada como a pessoa que aproximou Jair Bolsonaro e Michelle quando o ex-presidente ainda era um deputado do baixo clero que nem sonhava um dia chegar ao Palácio do Planalto. Moradora de Riacho Fundo, cidade-satélite de Brasília distante pouco mais de 20 quilômetros do centro do Plano Piloto, até hoje ela mantém laços estreitos com o casal.

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Amiga do peito: Rosi no casamento de Bolsonaro com Michelle, em 2013Reprodução/Facebook

Rosimary Cordeiro com Jair Bolsonaro e o general Augusto Heleno Ribeiro no avião presidencial (Reprodução/Redes sociais)


Rosi com Michelle em evento da campanha de Bolsonaro no Maranhão

Rosimary Cordeiro viajou com a então primeira-dama em um jato privado (Reprodução/Redes sociais)

Amiga do peito: Rosi no casamento de Bolsonaro com Michelle, em 2013 (Reprodução/Facebook)

A antiga amizade ganhou toques de glamour depois que a senhora Bolsonaro virou primeira-dama do Brasil – passou a contar, por exemplo, com viagens a bordo de jatinhos e até do avião presidencial. Em maio do ano passado, Rosi acompanhou Michelle em um tour por Israel que contou, ainda, com a participação da então ministra Damares Alves. As duas também foram juntas, em voos fretados pagos pelo PL, para eventos da campanha de Jair Bolsonaro à reeleição.

Em uma viagem oficial de Bolsonaro ao Maranhão, Rosi foi convidada a integrar a comitiva presidencial e registrou fotos ao lado dele na cabine principal do Airbus que serve à Presidência. A ascensão de Michelle fez a amiga também ascender no Congresso. No início do governo, era telefonista no gabinete de Rocha, aliado de Bolsonaro. Logo depois, foi promovida e viu seu salário aumentar. No fim do ano passado, ela ocupava um dos cargos comissionados mais altos da equipe, com salário de R$ 17 mil brutos. Como o mandato de Rocha está a dias do fim, Rosi já tem a promessa de ganhar uma função no futuro gabinete de Damares, eleita senadora pelo Distrito Federal. Michelle, claro, deu uma força.

ÁUDIOS DE BOLSONARO E CONEXÃO COM RADICAIS

O material reunido nas investigações sobre o tenente-coronel o coloca na cena da sucessão de atos antidemocráticos que já vinham sendo investigados por Moraes e que culminaram com a invasão das sedes dos três poderes, em 8 de janeiro. Pela proximidade com Bolsonaro e pela função que o militar exercia no Planalto, o ex-presidente é peça indissociável dos movimentos que ele fazia.

Em mensagens de texto e áudio, o tenente-coronel funcionava como elo entre Bolsonaro e vários dos radicais que há tempos vinham instigando a militância bolsonarista a atentar contra as instituições. Há fartas evidências nesse sentido. Um dos contatos frequentes de Cid era Allan dos Santos, o blogueiro que vive nos Estados Unidos e em outubro de 2021 teve a prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Jair Bolsonaro terá sérias dificuldades para se desvencilhar, ele próprio, das provas que engolfam seu ex-ajudante de ordens. O material compromete os dois. O ex-presidente aparece como interlocutor em várias das mensagens que Cid mantinha em seus aplicativos e foram copiadas pelos investigadores com autorização de Moraes. Uma série de áudios enviados por Bolsonaro ao subordinado indicam que ele tinha conhecimento e controle de tudo o que Cid fazia — seja na seara financeira, pagando as contas do clã em dinheiro vivo, seja na interlocução com os bolsonaristas radicais.

CID PAI, CID FILHO E BOLSONARO

Jair Bolsonaro e o tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid têm uma relação que transcende a carreira militar do ex-ajudante de ordens. O pai de Cid, general Mauro Cesar Lourena Cid, foi colega do ex-presidente no curso de formação de oficiais do Exército. Lourena Cid tornou-se amigo de Bolsonaro. Em 2019, ano em que foi para a reserva, ele ganhou do governo a confortável posição de chefe do escritório da Apex, a agência brasileira de promoção de exportações, em Miami. Com salário em dólares, o cargo lhe garantiu uma bolada mensal equivalente a mais de R$ 80 mil.

Cid filho, o ajudante de ordens, também ascendeu na carreira durante o governo passado. Era major e foi promovido a tenente-coronel. Tido como um dos mais radicais auxiliares do ex-presidente, o oficial já havia aparecido em várias das frentes de investigação a cargo de Moraes no STF.

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Bolsonaro embarca para a Suíça, em janeiro de 2019: Cid estava sempre ao lado (Alan Santos/PR)

Cid com Bolsonaro em viagem aos Estados Unidos em março de 2020 (Alan Santos/PR)

Acompanhado do ajudante de ordens, Bolsonaro visita museu em Dallas, em 2019 (Marcos Corrêa/PR)

Cid com Bolsonaro na Assembleia Geral da ONUAlan Santos/PR

Cid com Bolsonaro no debate da TV Globo, na antevéspera do segundo turno das eleições de 2022 (Reprodução/TV Globo)

A dupla Bolsonaro-Cid em viagem ao Catar, em 2021Isac Nóbrega/PR

O ajudante de ordens carregava a pasta e era o guardião do telefone do presidente (Isac Nóbrega/PR)


Ele foi investigado, por exemplo, por suspeita de atuar no vazamento de informações de um inquérito sigiloso sobre ameaças às urnas eletrônicas — parte do velho movimento bolsonarista destinado a descredibilizar o sistema eleitoral. Em dezembro passado, a Polícia Federal concluiu que o tenente-coronel Cid e Bolsonaro cometeram crime ao associar falsamente, durante um live, as vacinas anticovid com o vírus da Aids.

CID ESTÁ NOMEADO PARA CHEFIAR COMANDO DE FORÇAS ESPECIAIS

Antes de deixar o poder, Bolsonaro dispensou o tenente-coronel Mauro Cid da função de ajudante de ordens. O ato foi publicado em 31 de dezembro. O futuro do militar, porém, ficou encaminhado — e de uma forma não muito agradável para o novo governo. Com a bênção do então presidente, o comando do Exército o designou para comandar nada menos que o 1º Batalhão de Ações e Comandos, o 1º BAC, uma das unidades do prestigiado e temido Comando de Operações Especiais, com sede em Goiânia.

O batalhão reúne as mais bem treinadas tropas de elite do Exército e seus homens têm por atribuição, por exemplo, realizar operações de emergência para debelar ameaças a Brasília e, em eventuais situações de guerra, cumprir missões delicadas contra alvos tidos como difíceis. Textos publicados pelo próprio Exército dizem que cabe às tropas do BAC atuar em “ações contra alvos de alto valor” em “áreas hostis ou sob controle do inimigo”.

Mais cedo ou mais tarde, a designação de Cid para o posto será motivo de mais dor de cabeça para o novo governo na delicada relação com o alto comando do Exército — a quem, teoricamente, caberia uma eventual decisão capaz de reverter o ato assinado no apagar das luzes do governo Bolsonaro. Depois das invasões das sedes dos poderes, em 8 de janeiro, nas quais Lula já disse abertamente ter visto o dedo de militares, manter uma unidade tão sensível sob comando de um oficial sabidamente bolsonarista e reconhecidamente radical certamente será um problema para o atual chefe do Planalto.

Indagado pela coluna, o Exército informou nesta quinta-feira que a designação de Mauro Cid está mantida. O staff de imprensa da corporação disse não saber, porém, a data em que ele assumirá o comando do batalhão. O tenente-coronel viajou com Jair Bolsonaro para a Flórida, nos Estados Unidos, nos últimos dias de 2022.

“É PESSOAL”, DIZ AMIGA DE MICHELLE

A coluna tentou por mais de uma vez ouvir Rosimary, a amiga que cedia um cartão para Michelle Bolsonaro. Ela se negou a falar sobre o assunto. Primeiro, disse que estava em um almoço. “Bom, querido, quando eu for (informada da investigação) aí eu falo sobre o assunto, tá bom? Mas nesse momento eu não posso falar. Estou em almoço, estou com meu chefe aqui em reunião”, disse (ouça abaixo).

Horas depois, abordada novamente, desta vez no Senado, ela respondeu o seguinte: “É um assunto tão pessoal… Não quero falar. Até porque eu acho que não preciso dar satisfação para entrevista. É uma coisa minha, pessoal. (…) Eu não tô sabendo (da investigação), não, mas se tiver (sic) eu já vou resolver com os advogados, né? (…) Eu não quero tocar nesse assunto que não seja com advogado”.

A coluna tentou contato com Jair e Michelle Bolsonaro e com o tenente-coronel Mauro Cid nesta sexta-feira, sem sucesso.

Interlocutores do ex-presidente e da ex-primeira-dama disseram que Cid precisava lidar com dinheiro em espécie porque muitas das despesas, especialmente as que envolviam a primeira-dama, “tinham valor ínfimo” e precisavam ser pagas diretamente a fornecedores que “prestavam serviços informalmente”.

Apesar de admitirem haver “confusão” com os valores em espécie, esses mesmos interlocutores negaram que contas pessoais do clã e de parentes de Michelle fossem pagas com os recursos que eram provenientes de saques corporativos do governo.

Não houve resposta sobre o pagamento dos boletos, especialmente os do cartão que era cedido pela amiga de Michelle Bolsonaro, e das contas de familiares da ex-primeira-dama. Tampouco houve explicação sobre as razões pelas quais os tais “serviços de fornecedores”, por exemplo, não poderiam ser quitados por transferência bancária.

RODRIGO RANGEL E SARAH TEÓFILO, originalmente para o Metrópoles, em 20.01.23

Ibaneis Rocha: quem é o governador afastado alvo de operação da PF

A Polícia Federal cumpriu na sexta-feira (20/1) cinco mandados de busca e apreensão contra o governador afastado do Distrito Federal (DF), Ibaneis Rocha (MDB), e o ex-secretário executivo da Segurança Pública do DF Fernando Oliveira.

Operação da PF buscou provas em inquérito que apura suposta omissão de Ibaneis Rocha nos atos em Brasília (Reuters)

Ambos são alvo de um inquérito do Ministério Público Federal (MPF) que apura se autoridades do DF que se omitiram durante a invasão das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro.

A operação da PF foi em busca de provas para instruir essa investigação. A defesa do governador disse à imprensa que a ação foi inesperada porque ele vem colaborando com as investigações e acrescentou que isso irá provar definitivamente que ele não teve qualquer responsabilidade pelo ocorrido.

O ex-ministro Anderson Torres, que era o secretário de Segurança do DF na data, e o coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante-geral da Polícia Militar do DF (PM-DF), também são alvo do inquérito. Ambos estão presos.

Demissões de militares e policiais: o efeito da 'limpa' de Lula após invasões

A operação da PF teve como alvo a casa de Ibaneis em Brasília, o Palácio do Buriti, sede do governo do DF, um escritório ligado ao governador, a sede da Secretaria de Segurança do DF e a casa do ex-secretário.

Ela foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Ibaneis Rocha foi afastado do governo por 90 dias por decisão de Moraes após as invasões em Brasília.

No dia 8 de janeiro, as forças de segurança do DF não contiveram apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que invadiram e destruíram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF.

A decisão de Moraes diz que houve "omissão e conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência".

Segundo o ministro, "a escalada violenta dos atos criminosos" que resultou na invasão dos três prédios públicos "somente poderia ocorrer com a anuência, e até participação efetiva, das autoridades competentes pela segurança pública e inteligência, uma vez que a organização das supostas manifestações era fato notório e sabido, que foi divulgado pela mídia brasileira".

Com o afastamento de Ibaneis, quem assumiu o governo do DF foi a vice, Celina Leão (PP).

Até o momento, três pedidos de impeachment de Ibaneis já foram protocolados na Câmara Legislativa do DF por sua conduta durante os atos de domingo.

Governador reeleito, Ibaneis declarou apoio 'de coração' a Bolsonaro antes do segundo turno da eleição presidencial (Reuters)

Antes da decisão do Supremo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tinha decretado a intervenção federal na segurança do DF até 31 de janeiro, colocando a União no comando das competências do DF nessa área. A intervenção foi aprovada pelo Congresso.

Em depoimento à PF, Ibaneis afirmou acreditar que houve "algum tipo de sabotagem" na atuação das forças de segurança do DF.

O governador afirmou ainda que a responsabilidade de garantir a segurança na capital federal era integralmente da Secretaria de Segurança, chefiada por Anderson Torres, que foi exonerado do cargo por Ibaneis Rocha logo após os atos.

Em seu depoimento à polícia, Torres preferiu se manter em silêncio. Segundo sua defesa, o ex-secretário agiu assim porque seus advogados ainda não haviam tido acesso aos detalhes da investigação. Torres deve ser ouvido de novo na segunda-feira (23/1).

À PF, Ibaneis Rocha acrescentou que foi "absolutamente surpreendido com a falta da resistência exigida para a gravidade da situação por parte da PM-DF", e que ficou revoltado quando viu cenas de alguns policiais se confraternizando com manifestantes.

Fernando Oliveira, que estava à frente da secretaria de Segurança do DF porque Torres havia viajado de férias para os Estados Unidos na data, também prestou depoimento à PF e disse que seu ex-chefe aprovou o plano de segurança para o dia 8 de janeiro e não passou nenhuma orientação específica para inibir os atos.

Oliveira afirmou ainda que Torres não o "apresentou aos comandantes das forças policiais" antes de viajar. Ele foi demitido pelo interventor da Segurança Pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli, em 10 de janeiro.

Quem é Ibaneis Rocha, que apoiou Bolsonaro 'de coração'?

Ibaneis esteve ao lado de Bolsonaro durante o mandato de ambos. Bolsonaro disse que Ibaneis "teve harmonia" com o governo federal durante sua presidência e chamou o governador de "amigo" em outubro de 2022.

Na ocasião, antes do segundo turno da eleição, Ibaneis declarou apoio a Bolsonaro. Ele afirmou que seu apoio era "de coração" e "natural" — apesar de divergências durante a pandemia, quando Ibaneis contrariou o chefe do Executivo promovendo restrições à circulação de pessoas.

Em 2022, Ibaneis conseguiu ser reeleito ainda no primeiro turno da eleição, com pouco mais de 50% dos votos (Ag.  Brasil)

O agora governador afastado era novidade na política em 2018, quando se candidatou pela primeira vez ao governo do Distrito Federal e conseguiu ser eleito — na esteira do discurso de renovação da política e com apoio em igrejas evangélicas da região. Ele derrotou o então ocupante do cargo, Rodrigo Rollemberg (PSB), e figuras tradicionais da política brasiliense.

Em 2022, Ibaneis conseguiu ser reeleito ainda no primeiro turno da eleição, com pouco mais de 50% dos votos. Em sua posse, disse que o momento é de "união pelo Brasil".

Na semana passada, Ibaneis publicou nas redes sociais fotos com ministros do governo Lula em cerimônias de posse em Brasília, inclusive com Flávio Dino (Justiça).

Ele, que é brasiliense e formado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), abriu seu escritório de advocacia em 1990 e, de 2013 a 2015, foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF).

'Desculpas': o que disse Ibaneis após invasão

Forças de segurança do DF não contiveram apoiadores de Bolsonaro que invadiram e destruíram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF (Reuters)

Na tarde de domingo, Ibaneis anunciou a exoneração do secretário de Segurança DF, Anderson Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro. A medida foi lida como uma tentativa de se afastar do que, nas palavras do governador foi uma "baderna antidemocrática na Esplanada dos Ministérios".

Depois, no entanto, foi decretada a intervenção na segurança do DF pelo Executivo. E, em seguida, Moraes decidiu pelo afastamento do governador.

Ibaneis havia divulgado vídeo nas redes sociais pedindo "desculpas" aos chefes dos três poderes pelo que ocorreu em Brasília. "O que aconteceu na nossa cidade foi inaceitável."

"São verdadeiros terroristas, que terão de mim todo o efetivo combate para que sejam punidos", disse o governador, antes de ser afastado.

Após dizer que monitorava a situação, disse: "Não acreditávamos em momento nenhum que manifestações tomariam as proporções que tomaram".

Publicado originalmente por BBC News Brasil, em 09.01.23,

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

O STF e a democracia inabalada

Covardemente atacado no dia 8, o STF vem sendo vandalizado há anos por ameaças e ataques a seus ministros e à Corte. É preciso reconstruir seu edifício e reafirmar sua autoridade

A sede do Supremo Tribunal Federal (STF) foi o prédio mais atacado pela barbárie de 8 de janeiro. Os golpistas quebraram vidros, móveis e antiguidades, além de terem depredado vários ambientes e instalações. Ao assegurar a imediata reconstrução da sede do STF, a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, lembrou que o edifício é “patrimônio histórico dos brasileiros e da humanidade” e “símbolo do Poder Judiciário, um dos três pilares da democracia constitucional brasileira”.

A resposta do STF aos atos de 8 de janeiro, disse Rosa Weber, “passa também por difundir a mensagem de que esta Suprema Corte, assim como a defesa que a instituição faz da democracia e do Estado de Direito, seguem inabaláveis”. Nesse sentido, o Supremo lançou, no dia 17, a campanha Democracia Inabalada, que inclui vídeos na TV e publicações nas redes sociais. Segundo o tribunal, o objetivo é “chamar a atenção para o lamentável episódio, para que ele nunca seja esquecido e nem se repita, e destacar que a democracia e a Suprema Corte saem fortalecidas desses acontecimentos”.

Trata-se de iniciativa muito oportuna. É preciso comunicar a importância do STF para a democracia brasileira. Não há Estado Democrático de Direito sem uma Corte Constitucional independente. Não há proteção a direitos e garantias individuais sem um Judiciário forte e autônomo.

Covardemente atacado no dia 8 de janeiro, o STF vem sendo vandalizado há anos por ameaças e ataques a seus ministros e à Corte. Vale lembrar que não é apenas quebrando vidraças ou destruindo móveis que se ataca o STF. Nos últimos quatro anos, o bolsonarismo afrontou e enfrentou de forma reiterada a Corte e seus ministros, com ameaças, insinuações e muitíssima desinformação.

Tanto é assim que, em março de 2019, o então presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, se viu obrigado a determinar a abertura de um inquérito, com base no art. 43 do Regimento Interno do STF, a respeito de “notícias fraudulentas (...), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimo caluniante, difamante e injuriante que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo, de seus membros e de familiares”, precisamente para proteger as prerrogativas do tribunal. Ironicamente, os atos de 8 de janeiro explicitaram, com luzes novas e aterrorizantes, a plena legalidade do inquérito, repetidamente questionada pelos bolsonaristas. Os ataques e ameaças ao Supremo não eram uma invenção, como também não eram um singelo exercício da liberdade de expressão. Eram atos criminosos com o objetivo de vandalizar o STF, deslegitimando-o aos olhos dos cidadãos.

Depois de quatro anos de desinformação contra o Supremo, é necessário reconstruir a imagem pública da Corte Constitucional. É necessário reunir novamente a população em torno da Corte Constitucional, que é aliada, e não inimiga, dos direitos e liberdades individuais. As gravações com os atos de vandalismo dentro da sede do STF podem ajudar nessa tarefa, revelando a grande falácia do bolsonarismo, com sua pretensa defesa da liberdade. Os golpistas atacam o Supremo porque querem impor sua vontade sobre os demais e sobre a própria lei. Não almejam a liberdade, mas a barbárie.

A campanha Democracia Inabalada vem, portanto, em boa hora. Ao explicitar que a reconstrução do STF é muito mais do que reerguer um edifício, ela também é alerta para todos os ministros da Corte. Há um longo trabalho de resgate da legitimidade e do prestígio do STF perante a sociedade, trabalho este que é alicerçado por decisões técnicas e fundamentadas, rigorosamente contidas dentro dos limites de competência da Corte. Essa contenção é fundamental para preservar a autoridade do STF ao longo do tempo. O Judiciário aplica a lei. No caso, o Supremo defende e aplica a Constituição, que é extensa e aborda inúmeros temas. De toda forma, isso não autoriza o STF a tomar o espaço da política ou a abraçar atribuições funcionais que não lhe competem.

O País precisa do Supremo. É urgente reconstruir seu edifício e reafirmar sua autoridade. E que os golpistas, executores e mandantes, sejam punidos.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S. Paulo, em 19.01.23

Ex-GSI, coronel pede golpe, ameaça Dino, ofende comandante da Marinha e o desafia: ‘Venha me punir’

No dia dos ataques às sedes do STF, Congresso e Planalto, em Brasília, oficial do Exército incentivou revolta de coronéis com comando de tropa; ele foi um dos militares que apoiou a ação dos extremistas contra o governo Lula

O coronel José Placídio Matias dos Santos, ex-GSI, atuou na equipe do general Augusto Heleno por três anos

Homem que exerceu função de confiança no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) sob o comando do general Augusto Heleno durante três anos, o coronel do Exército José Placídio Matias dos Santos defendeu no dia 8 de janeiro que coronéis com comando de tropa se rebelassem e “entrassem no jogo, desta vez do lado certo”. Mais ainda. O oficial se dirigiu diretamente ao comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, para que ele se colocasse à frente de um golpe de Estado.

(‘Bolsonaro esperava voltar para o Brasil na glória de um golpe’, diz Lula)

“General Arruda, o Brasil e o Exército esperam que o senhor cumpra o seu dever de não se submeter às ordens do maior ladrão da história da humanidade. O senhor sempre teve e tem o meu respeito. FORÇA!!”, escreveu em postagem em sua conta no Twitter. Placídio e outro oficiais, além de bolsonaristas civis, nos dias que antecederam e na data do ataque às sedes dos três Poderes, viam em coronéis com comando de tropa uma alternativa aos generais que se recusavam a agir para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.

Placídio, que foi nomeado em fevereiro de 2019 como assessor chefe militar da Assessoria Especial de Planejamento e Assuntos Estratégicos da Secretaria Executiva do GSI, escreveu no dia 8 em seu perfil no Twitter (19 mil seguidores): “Brasília está agitada com a ação dos patriotas. Excelente oportunidade para as FA (Forças Armadas) entrarem no jogo, desta vez do lado certo. Onde estão os briosos coronéis com tropa na mão?” Ainda no dia 8, o coronel da reserva fez outra postagem em que ameaçou o ministro da Justiça, Flávio Dino: “Sua purpurina vai acabar”. Placídio permaneceu no GSI até março de 2022.

Oficial da Arma de Infantaria, ele tem curso de forças especiais (FE), como outros suspeitos de incentivar a quebra de hierarquia e de disciplina. Dois dias antes, xingou o comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, e o desafiou publicamente. Escreveu o coronel: “Marinha do Brasil!! Sai um herói patriota, entra uma prostituta do ladrão, com o devido respeito a elas. Venha me punir, Almirante, e me distinga em definitivo da sua estirpe.” Placídio se referia ao fato de o almirante Almir Garnier ter se recusado a passar o comando da Marinha em protesto contra Lula. Na posse, Olsen agradeceu ao presidente.

Os apelos de Placídio e de outros coronéis não surtiram efeito. Na noite do dia 8, após os ataques às sedes dos três Poderes, o general Arruda se reuniu com Flávio Dino e outros dois ministros (José Múcio, da Defesa, e Rui Costa, da Casa Civil). No encontro se decidiu cumprir na manhã do dia 9 a ordem de prisão contra os cerca de 1,2 mil acampados em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília.

Naquele mesmo dia 9, em meio às prisões dos extremistas, Placídio afirmava que centenas de oficiais da ativa estiveram presentes nos eventos do dia anterior. Nenhum foi preso ou identificado. Até agora o Exército puniu o coronel da reserva Adriano Testoni, que participou dos atos e ofendeu generais e o Exército. Eles se indispô até com colegas de turma, como o general da reserva Ridauto Fernandes, um FE que marchou na Esplanada naquele domingo.

Outro oficial que incentivou a ação em Brasília é o coronel Fernando Montenegro. Com 41 mil seguidores no Twitter, ele fazia enquetes defendendo a “intervenção militar”. Dizia que ela era “uma iniciativa de militares da ativa que não se inicia pelo comandante”. Montenegro é mais um FE – assim como a maioria dos oficiais que cercam Jair Bolsonaro. Ele teve a conta bloqueada por decisão judicial, em 29 de dezembro, mas continuou ativo. No dia 8, enviou mensagem aos radicais em Brasília, dizendo que toda manifestação contra o establishment é noticiada como antidemocrática. E concluiu: “Façam o que deve ser feito”.

As manifestações dos coronéis ocorreram após o fracasso do assédio a generais da ativa. Desde novembro, o Comando do Exército foi alvo de pressões bolsonaristas para não reconhecer a eleição de Lula. Logo após a derrota de Bolsonaro no pleito, manifestantes inconformados passaram a acampar em frente aos quartéis. Havia militares pressionando os colegas da ativa. Queriam um golpe. Alguns comandantes de tropa proibiram todo contato entre seu pessoal e os acampados. Outros não.

A coluna apurou que a maioria dos integrantes do Alto Comando do Exército se mostrou contrária à contestação do resultado das urnas. Diante desse fato, os extremistas lançaram uma campanha, em parte difundida nas redes sociais, que tinha por objetivos assediar o maior número de generais. Comandantes receberam mensagens nos seus telefones celulares. Um deles foi Kurt Everton Werberich, comandante da 13.ª Brigada de Infantaria Motorizada, em Cuiabá (MT). “E agora, general? No dia 01/jan/2023, V. Exa. pretende prestar continência a quem? Ao povo brasileiro ou aos Comunistas?”

General Kurt Werberich foi alvo de assédio dos extremistas que tentaram convencê-lo a dar o golpe Foto: Reprodução

Em outra frente, generais legalistas passaram a ser alvo de outra campanha que os qualificava como traidores e melancias. Ela atingiu, entre outros, os comandantes militares do Sudeste (Tomás Ribeiro de Paiva), do Leste (André Luiz Novaes), do Nordeste (Richard Nunes) e o chefe do Estado-Maior do Exército, Valério Stumpf. Mesmo assim, ainda em sua maioria, o Alto Comando se manteve contrário à virada de mesa, bem como o então comandante da Força, Marco Antônio Freire Gomes.

Em 16 de novembro, Freire Gomes divulgou nota em defesa dos generais. De acordo com o informe do Exército, “ao tentarem de forma anônima e covarde disseminar desinformação no seio da Força e da sociedade, esses grupos ou indivíduos atestam a sua falta de ética e de profissionalismo”. E conclui: “O Exército Brasileiro permanece coeso e unido, sempre em suas missões constitucionais, tendo a hierarquia e a disciplina de seus integrantes o amálgama que o torna respeitado pelo povo brasileiro, seu fiador”.

Freire Gomes também rebateu acusações feitas pelo jornalista Paulo Figueiredo Filho contra Richard, Tomás e Stumpf. No dia 28 de novembro, Figueiredo Filho afirmara que os três impediam uma “ação mais direta” contra as eleições. Em outra nota, o Exército disse: “Em relação ao divulgado pelo comentarista Paulo Figueiredo Filho, nos dias 28 e 29 de novembro de 2022, o Comando do Exército repele as alegações que ferem a imagem da Instituição e de integrantes do seu Alto Comando”.

Informe do Exército enviado ao público interno em defesa de generais do Alto Comando chamados de comunistas Foto: Reprodução/WhatsApp

Por sua atuação na defesa dos colegas e por ter se recusado a dar o golpe pretendido pelos extremistas, o general Freire Gomes também acabaria se tornando alvo das “operações psicológicas”. Elas incluíam uma aposta dos inconformados: buscar a quebra da disciplina e da hierarquia. Ao mesmo tempo, surgiu um manifesto de oficiais endereçado aos comandantes das Forças Armadas.

Em 26 de novembro, 221 militares da reserva – entre os quais 46 oficiais generais (33 da FAB, dez da Marinha e 3 do Exército) –, todos do grupo autodenominado Guardiões da Nação, assinaram uma petição aos comandantes das três Forças na qual pediam que agissem contra as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, que afastara a contestação sem provas feita pelo PL contra a vitória de Lula. O primeiro nome da lista era o do general e deputado federal bolsonarista Eliéser Girão (PL-RN).

Dois dias depois, apareceu outra carta, que dizia trazer assinaturas da ativa. Horas antes de seu surgimento, o coronel da reserva Márcio Amaro (49,6 mil seguidores no Twitter) afirmou que o manifesto ganharia outra relevância se subscrito pelos colegas em atividade. “Vocês ficaram sabendo da carta antes. Se houver carta dos oficiais da Ativa, a coisa muda de figura. Quem pode precionar (sic) ? O povo! Não haverá liderança externa. O povo nas ruas é a única força capaz de evitar a vergonha de sermos governados por ladrões”.

Amaro não tem curso de Estado-Maior. Ele gravou lives com o comentarista Paulo Figueiredo Filho, referências do bolsonarismo. O documento acabou assinado por uma dúzia de oficiais da ativa e por centenas de civis bolsonaristas. O coronel tinha um objetivo: depor Lula. Em meio ao ataque do dia 8, ele escreveu: “Não há condições desse governo que ainda não completou uma semana no poder continuar.”

No mesmo dia, o oficial publicou: “Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obdecem perdem o respeito”. Os extremistas buscavam emparedar o Alto Comando. Por fim, como último recurso, extremistas pretenderam “dar um bypass” nos generais, apelando aos coronéis com tropas para impedir a posse de Lula. A intentona falhou. Não se produziu nenhum coronel Mohamed Ali Seineldín ou mesmo um Tejero Molina no Brasil. Até ontem, Placídio, Montenegro e Amaro mantinham suas publicações nas redes sociais.

 Marcelo Godoy, O Estado de S. Paulo, em 19.01.23, às 11h36