quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Desrespeito à liberdade religiosa

Fanáticos bolsonaristas acusam adversários de pretenderem ‘fechar igrejas’, mas são eles que fazem arruaça em Aparecida, hostilizam padres nas homilias e atacam até o arcebispo de SP

A corrida presidencial de 2022 confirmou todas as previsões, mesmo as mais sombrias, de que esta seria uma das mais ignóbeis campanhas eleitorais da história recente do País. Nem mesmo a liberdade religiosa e de culto, garantia fundamental assegurada pela Constituição, tem sido respeitada.

É um desafio à memória de qualquer cidadão resgatar no passado algum episódio remotamente similar à profanação do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, quando uma súcia de bolsonaristas radicais achou que era o caso de usar o local sagrado para louvar o presidente Jair Bolsonaro – que lá estava, no dia 12 passado, Dia da Padroeira do Brasil, não para afirmar valores cristãos, mas para explorar a fé de milhões de católicos como arma política.

Aquele lamentável episódio foi até aqui o caso mais grave de uma escalada de abusos, desrespeito e estupidez dos fanáticos bolsonaristas que, a título de defender valores religiosos, na verdade vilipendiam a fé alheia. Os mesmos que acusam os adversários de representarem uma ameaça à religião e de apoiarem o fechamento de igrejas e templos são os que, na prática, estão a tolher o direito dos outros ao culto.

Padres católicos passaram a ser hostilizados durante suas homilias. Até dom Odilo Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo, passou a ser atacado nas redes sociais após fazer uma reflexão pertinente diante do crescimento dos episódios de violência religiosa. No Twitter, d. Odilo escreveu que “a fé em Deus permanece depois das eleições, assim como os valores morais, a justiça, a fraternidade, a amizade e a família”. Por fim, questionou: “Vale a pena colocar tudo isso em risco no caldo da briga política?”.

Foi por causa dessa mensagem de paz que os camisas pardas do bolsonarismo, infensos à razão e à empatia, passaram a acossar d. Odilo nas redes sociais, associando-o ao comunismo, a uma “agenda esquerdista” e, pasme o leitor, à defesa do aborto. Tal foi a virulência dos ataques contra d. Odilo, que o cardeal se viu compelido a explicar publicamente até a razão de ser da cor vermelha de suas vestes eclesiásticas. “Se alguém estranha minha roupa vermelha, saiba que a cor dos cardeais é o vermelho (sangue), simbolizando o amor à Igreja e a prontidão para o martírio, se preciso for”. É absurdo, quase cômico, que d. Odilo tenha sido obrigado a dar essas explicações, mas vivemos tempos em que o absurdo foi legitimado pelos liberticidas.

D. Odilo também repeliu a infame associação que os bolsonaristas mais radicais fizeram entre sua missão pastoral e uma suposta tolerância em relação ao aborto. “Escrevi muitos artigos contra o aborto, colocando claramente a minha posição”, escreveu o prelado no Twitter. Os leitores deste jornal conhecem bem a posição do cardeal. Não foram poucos os artigos de sua lavra no Estadão que abordaram esse tema sensível.

Mas a verdade é irrelevante na atual campanha. Para os bolsonaristas radicais, o candidato Lula da Silva, caso seja eleito presidente, perseguirá os católicos, a exemplo do que tem feito o ditador Daniel Ortega na Nicarágua, tratado por “companheiro” pelo líder petista. Malgrado seja incapaz de condenar a tirania de Ortega ou de qualquer outro esquerdista latino-americano, Lula jamais sugeriu que pudesse perseguir cristãos ou quaisquer outros religiosos.

Na verdade, quem tem agido sob inspiração de um espírito claramente anticristão é o próprio presidente Bolsonaro. Foi ele, em sua campanha pela reeleição, quem estimulou a obliteração das barreiras morais de muitos de seus apoiadores mais radicais, violentando alguns dos principais valores legados por Jesus Cristo, sobretudo os relacionados ao amor ao próximo, à tolerância e à solidariedade. Quem não aceita o “mito” como salvador é tratado como inimigo figadal por seus acólitos, mesmo aqueles que buscam nas igrejas um refúgio de paz e conforto espiritual.

É dessa forma, constrangendo religiosos que não dobram os joelhos diante de Bolsonaro, que os bolsonaristas pretendem fazer de seu candidato o campeão da defesa de Deus e da família?

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 20.10.22

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Distância entre Lula (49%) e Bolsonaro (45%) cai para quatro pontos percentuais

Rejeição a Bolsonaro oscila para baixo e vai a 50%. Lula é rejeitado por 46%

Segundo pesquisa, 94% já decidiram voto para presidente e 6% admitem mudar de ideia

Pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira aponta ainda os índices de rejeição aos candidatos que disputam o governo de São Paulo. Fernando Haddad (PT) é rejeitado por 49% dos eleitores; 42% não votariam em Tarcísio de Freitas de jeito nenhum.

A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, considerando um nível de confiança de 95%.

Na reta final do segundo turno destas eleições, o QG do presidente Jair Bolsonaro passou a ter dias de entusiasmo e otimismo com os rumos da campanha eleitoral.

Para integrantes do núcleo duro da campanha bolsonarista, esse movimento se deve aos efeitos do Auxílio Brasil, da recuperação da economia e da queda de preços – e do aumento à rejeição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), resultado da estratégia do PL de resgatar a memória dos escândalos de corrupção do mensalão e do petrolão. 

SP: Tarcísio tem 55% dos votos válidos contra 45% de Haddad

Pesquisa Datafolha divulgada nesta quarta-feira mostra que Tarcísio de Freitas (Republicanos) lidera a corrida pelo governo de São Paulo com 55% dos votos válidos. Fernando Haddad (PT) tem 45%.

A contagem dos votos válidos exclui os votos nulos e em branco. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. 

Comentários de Miriam Leitão e Ascânio Saleme

Míriam Leitão

@miriamleitao

É tecnicamente impreciso comparar votos válidos no primeiro turno, com votos válidos de pesquisa, mas dá uma ideia: Bolsonaro teve 47,71% em São Paulo no primeiro turno e agora teria 52,22%,  cinco a mais. Lula teve 40,89% e agora tem 47,7%, sete pontos a mais. #oglobonaseleicoes

7:50 PM · 19 de out de 2022

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É tecnicamente impreciso comparar votos válidos no primeiro turno, com votos válidos de pesquisa, mas dá uma ideia: Bolsonaro teve 47,71% em São Paulo no primeiro turno e agora teria 52,22%,  cinco a mais. Lula teve 40,89% e agora tem 47,7%, sete pontos a mais. #oglobonaseleicoes

7:50 PM · 19 de out de 2022

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Míriam Leitão

@miriamleitao

Entre quem recebem auxílio Brasil a diferença a favor de Lula é de 16 pontos ( 56x40). Caiu mto em relação à semana passada quando a diferença era 29 pontos, mas não houve muita diferença em relação ha duas semanas que era 19 pontos. A dianteira permanece. #OGlobonasEleicoes

7:26 PM · 19 de out de 2022

Míriam Leitão

@miriamleitao

Depois de 20 dias de uma campanha violenta, em que Bolsonaro usa o estado de forma criminosa e abusiva, tudo o que ele conseguiu foi tirar um ponto da diferença entre ele e Lula. A disputa está acirrada, mas o fato é Lula está na frente e tem se mantido assim. #OGlobonasEleicoes

7:19 PM · 19 de out de 2022

Ascânio Seleme

@ascanioseleme

Campanha de Lula confia na vitória pq entende que seus votos são inabaláveis. Mais do que torcida, dizem assessores, trata-se de uma certeza consolidada pelos resultados das pesquisas dos últimos meses. A ver. #OGlobonasEleicoes

6:58 PM · 19 de out de 2022

O Globo, em 19.10.22

Uso do FGTS futuro no financiamento de imóveis é aprovado a 12 dias do 2º turno

Medida vale para famílias com renda mensal bruta de até R$ 2.400

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Empreendimento que faz parte do Casa Verde e Amarela, programa habitacional do governo - Árbore - 19.set.22/Divulgação

O Conselho Curador do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) aprovou nesta terça-feira (18) proposta apresentada pelo governo Jair Bolsonaro (PL) que regulamenta o uso de recursos futuros do trabalhador no fundo em prestações de financiamento de imóveis para a baixa renda.

Aprovada às vésperas do segundo turno das eleições, que será no dia 30, a resolução é mais uma notícia com potencial para impulsionar a popularidade do presidente. Apesar disso, os bancos ainda passarão por um prazo de adaptação —e, por isso, os contratos que considerarão o instrumento só devem ser assinados após o pleito.

A medida é válida apenas para novos contratos e será limitada, em um primeiro momento, a famílias com renda mensal bruta de até R$ 2.400. Na prática, a resolução afetará principalmente os financiamentos ligados ao Casa Verde e Amarela, programa habitacional lançado por Bolsonaro em agosto de 2020 e que conta com subsídios dos cofres públicos.

A proposta foi aprovada por unanimidade pelo conselho, que é composto por representantes do governo, dos empregadores e dos trabalhadores.

Os bancos não demonstram até o momento interesse comercial em fazer esse tipo de empréstimo devido ao elevado índice esperado de inadimplência. Por isso, a Caixa Econômica Federal —que já é a gestora do FGTS— deve concentrar as operações.

Segundo a Caixa, o risco do negócio fica com o banco —que poderá tomar o imóvel caso o titular do empréstimo fique muito tempo sem pagar as parcelas do financiamento. Para os bancos privados, a execução desses imóveis gera custos elevados e pouco interesse comercial em leilões.

COMO FUNCIONA

Caberá ao trabalhador a decisão de usar (ou não) os depósitos futuros da conta do FGTS. Em caso de adesão, os valores acordados ficarão bloqueados para demais movimentações até o abatimento dos montantes combinados com o banco. Ou seja, o beneficiário não poderá sacar tais recursos, caso se enquadre em uma das regras que permitem o uso do dinheiro do fundo.

As instituições financeiras que se interessarem por esse negócio terão até 90 dias para regulamentação dos procedimentos operacionais –se for usado todo esse período, os primeiros financiamentos só devem ocorrer a partir de 2023.

Fica a critério do banco a exigência de que o trabalhador use todo o saldo de sua conta vinculada no momento da negociação do contrato habitacional. A instituição financeira deve informar sobre as condições de pagamento com ou sem uso desses depósitos futuros (que servirão como caução).

"O Ministério do Desenvolvimento Regional entende que essa medida dá mais liberdade para família, ela tem mais uma opção do que fazer com esse recurso que ela tem direito", afirmou Helder Melillo Lopes, representante da pasta no Conselho Curador do FGTS.

"Mais do que isso, ela vai ser um importante instrumento para que a família consiga a sua moradia própria, consiga acessar o financiamento, principalmente para essas famílias que muitas vezes não conseguem acessar o crédito por uma diferença pequena no valor a ser financiado", complementou.

(Trabalhadores poderão retirar o dinheiro até 30 de dezembro) 

O FGTS é um valor depositado pelo empregador em uma conta individual do trabalhador com carteira assinada, equivalente a 8% do salário. Até então, o valor acumulado pelo empregado podia ser usado na compra da casa própria em três hipóteses: como entrada, no pagamento de 12 parcelas (uma vez por ano, limitado a 80% do valor das prestações) ou na amortização do saldo devedor do contrato (uma vez a cada dois anos).

Com o uso do FGTS futuro, a previsão de recursos que o funcionário deverá receber pode entrar no cálculo da capacidade de pagamento de quem quer financiar um imóvel.

Um trabalhador com renda de R$ 2.000 mensais, por exemplo, hoje consegue financiar um imóvel pagando prestação de cerca de R$ 450. Com a inclusão dos depósitos mensais de R$ 160 em sua conta no FGTS, a capacidade de pagamento subiria a cerca de R$ 600.

A proposta de permitir o uso dos recebimentos futuros do FGTS foi aprovada pelo Congresso Nacional em julho, dentro do texto da MP (Medida Provisória) que criou novas linhas de microcrédito para pessoas físicas e MEIs (microempreendedores individuais), e convertida em lei em agosto.

Segundo o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Regional, a mudança será importante para as famílias de renda mais baixa na compra da casa própria.

"Uma família que tem uma renda e consegue acessar um financiamento com prestação de R$ 500. Só que [para] o imóvel que ela deseja, teria que pegar um financiamento em que a prestação sairia por R$ 600. A partir dessa medida, ela vai poder utilizar o crédito futuro para fazer a complementação e acessar esse imóvel que essa família não conseguiria sem essa medida", exemplificou Melillo Lopes.

A nova regra é válida para imóveis residenciais em área urbana e que atendam às condições do FGTS. Outra exigência é o intervalo de três anos da última transação de compra e venda para a nova negociação com a utilização de recursos do fundo, além da possibilidade de pagamento de até 80% do valor da prestação com depósitos futuros.

Em caso de aumento de salário do trabalhador –o que também elevaria os créditos futuros do FGTS–, será mantida a garantia pactuada em contrato, antes da ampliação dos valores.

Na reunião ordinária, o Conselho Curador do FGTS também aprovou o aumento de R$ 1 bilhão nos subsídios do programa Casa Verde e Amarela para 2023, totalizando R$ 9,5 bilhões para o orçamento operacional do MDR no próximo ano.

A pasta estima a construção de mais de 370 mil unidades habitacionais, beneficiando famílias com renda até R$ 4.400 do Casa Verde e Amarela.

Depois de terminar o primeiro turno cinco pontos atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro tem intensificado o uso da máquina pública a seu favor na busca da reeleição e anunciado uma série de medidas buscando efeitos positivos na campanha.

As novidades das últimas semanas incluem a liberação de crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil e BPC (Benefício de Prestação Continuada), a antecipação do pagamento de benefícios sociais pela Caixa, a inclusão de famílias no programa Auxílio Brasil, o perdão de débitos de famílias endividadas e a nomeação de concursados da PF (Polícia Federal) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal).

Mudanças envolvendo o Casa Verde e Amarela também foram divulgadas nos últimos meses.

Em julho, o Conselho Curador do FGTS já havia aprovado a elevação dos limites de renda familiar mensal bruta para conseguir financiar um imóvel pelo Casa Verde e Amarela. A faixa mais baixa –de até R$ 2.400– foi mantida. No grupo 2, o limite passou de R$ 4.000 para R$ 4.400. No grupo 3, foi de R$ 7.000 para R$ 8.000.

Em maio, o valor do subsídio para famílias de baixa renda financiarem imóveis por meio do programa teve um acréscimo de 12,5% a 21,4%, variando conforme a região, renda familiar e o tamanho da população do município.

USO DA MÁQUINA PÚBLICA EM FAVOR DA CAMPANHA DE BOLSONARO:

Anúncios de apoios de aliados nas dependências do Palácio da Alvorada
Uso do evento público do 7 de Setembro
Declarações ou entrevistas de ministros, como Paulo Guedes (Economia), exaltando o desempenho do governo usando a estrutura oficial e com transmissão pelo programa Voz do Brasil e pela estatal TV Brasil durante a campanha
Nomeação de concursados da PF e da PRF
Discurso na sacada da embaixada brasileira em Londres, durante viagem oficial
Antecipação do calendário de pagamentos do Auxílio Brasil no mês de outubro. Os benefícios estão sendo liberados antes do segundo turno das eleições
Adição de 500 mil famílias no Auxílio Brasil em outubro
Relançamento do programa Você no Azul, da Caixa, de renegociação de dívidas
Início de crédito consignado para beneficiários do Auxílio Brasil
Benefício extra de até R$ 500 no fim do ano para taxistas (que já recebem benefício mensal aprovado por uma PEC de interesse do governo em julho) e antecipação das datas de pagamento do auxílio para caminhoneiros
Promessa de adicional de R$ 200 para beneficiários do Auxílio Brasil que conseguirem emprego (medida, que já existe em lei desde 2021 e jamais foi regulamentada pelo governo e nem tinha valor definido, agora ressurge na campanha de Bolsonaro)
Promessa de 13º a partir de 2023 para famílias do Auxílio Brasil chefiadas por mulheres

Nathalia Garcia, de Brasília - DF para a Folha de S. Paulo, em 18.10.22, às 12h23. Colaborou Julio Wiziack.

Minas Gerais: Ministério comprou 2,2 milhões de cestas básicas de empresa laranja, diz TCU

Relatório interno da Corte de Contas aponta “fortes indícios” de que empresa vencedora de mais de R$ 200 milhões em compra de alimentos está em nome de beneficiário de auxílio emergencial

O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga fraude em duas licitações do governo federal para compra de até 2,2 milhões de cestas básicas. Relatório da Corte, obtido pelo Estadão, aponta “fortes indícios” de que uma das empresas vencedoras está em nome de “laranjas”. Os pregões foram organizados pelo Ministério da Cidadania nos últimos dois anos.

A pasta se dispôs a gastar até R$ 290,2 milhões para adquirir alimentos, como arroz, feijão, óleo, macarrão, farinha, leite em pó, açúcar e fubá, para atender famílias pobres em todo o País. A maior parte das licitações foi vencida pela empresa A Popular Cestas Básicas de Alimentos Eireli, de Contagem (MG), que ganhou 11 lotes no valor de até R$ 216 milhões.

Trecho de relatório do TCU sobre suspeita de empresa laranja vender cestas básicas para o governo 

Segundo a auditoria do TCU, a Popular está em nome de um “laranja”, beneficiário do Auxílio Emergencial, e faz parte de um grupo de empresas controladas por Carlos Murilo Pessoa Gonçalves Moreira e Paulo Sergio Pessoa Moreira. O relatório afirma que os dois empresários mineiros usaram “parentes e pessoas interpostas com a provável finalidade de ocultação patrimonial”.

Em relatório entregue ao ministro-substituto do TCU, Weder de Oliveira, a Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logísticas (Selog) pediu que o Ministério da Cidadania aponte quais são os mecanismos de controle adotados pela pasta para “garantir que a entrega das cestas básicas está sendo efetivamente realizada, principalmente em razão do presente ano eleitoral”. O ministro concordou com a solicitação em despacho de 21 de setembro.

A distribuição de cestas básicas pelo governo federal faz parte de uma ação do ministério contra a insegurança alimentar e nutricional. O valor autorizado pela pasta para a compra de alimentos, neste ano, é de R$ 116 mihões. Do total, R$ 79 milhões são para a Popular.

Técnicos do TCU identificaram que, em fevereiro deste ano, outra empresa do grupo supostamente comandado pelos irmãos Moreira entregou os alimentos ao Ministério da Cidadania, no lugar da Popular. A auditoria contabilizou 40.675 cestas básicas no valor de R$ 4,9 milhões, adquiridas no pregão do ano passado.

As mercadorias vendidas ao Ministério da Cidadania pela A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda. foram entregues pela transportadora Super Cesta Básica de Alimentos Eireli. Segundo o TCU, essa transportadora está impedida de licitar e contratar com a administração pública federal por causa de uma sanção aplicada pelo Comando da 4ª Região Militar, após a empresa não ter executado um contrato. O pregão do Ministério da Cidadania foi feito em fevereiro de 2021, dois meses após a Super Cesta Básica ter sido proibida de participar de licitação e de contratar com a União. O então ministro João Roma tinha acabado de assumir a Pasta. Um segundo pregão foi feito em maio deste ano já na gestão de Ronaldo Bento.

“Os indícios obtidos apontam que a participação da A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda. no certame teve como objetivo possível burla à sanção aplicada à empresa Super Cesta Básica de Alimentos Eireli”, afirma o relatório. “O contrato firmado pela primeira empresa (Popular) estaria, em realidade, sendo, ao menos parcialmente, executado pela segunda (Super Cesta Básica), que sequer participou do certame, pois não poderia, em razão da penalidade sofrida. Essa constatação implica em possível fraude à licitação.”

As licitações do Ministério da Cidadania tinham como objetivo criar atas de registro de preços. Nesta modalidade, as empresas concordam em vender uma quantidade pré-determinada de produtos por um valor previamente ajustado. Os órgãos podem comprar o número de produtos que desejarem e não são obrigados a adquirir toda a lista licitada. A ata registrada pelo ministério no ano passado foi encerrada. A deste ano está em aberto.

Apreensão

Parte das irregularidades apontadas pelos auditores do tribunal teve origem em uma apreensão da Secretaria de Fazenda da Paraíba. Em 21 de fevereiro, fiscais da pasta interceptaram uma carreta com cestas básicas em Campina Grande, interior do Estado. A carga estava acompanhada de uma nota fiscal no valor de R$ 233 mil, emitida pela Popular e tinha Hudson Rafael Rocha, beneficiário do auxílio emergencial, como destinatário.

A Secretaria de Fazenda identificou que o documento encontrado na carreta estava ligado a um grupo de outras notas fiscais no valor de R$ 11 milhões, emitidas entre 9 e 18 de fevereiro deste ano. Todas haviam sido emitidas pela Popular e destinadas a Hudson Rocha.

O relatório do TCU descreve que fiscais da secretaria paraibana estiveram no endereço onde as cestas seriam entregues, em Campina Grande, e “foram impedidos de entrar” no local. Dois dias depois da apreensão, em 23 de fevereiro, a pasta estadual recebeu uma ligação de Rachel Alves Pereira de Mello, servidora do Ministério da Cidadania, que se identificou como coordenadora de Aquisição e Distribuição de Alimentos. A funcionária informou que a Popular havia vencido a licitação e seria a responsável pela distribuição das cestas básicas.

Segundo o documento da Corte de Contas, na ocasião, a servidora foi informada que notas fiscais de remessa de bens e mercadorias não poderiam ter uma pessoa física como destinatário, como era o caso de Hudson Rocha, apenas um órgão público ou uma entidade. A norma é do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão vinculado ao Ministério da Economia.

O relatório descreve também que, no dia da ligação da servidora da Cidadania para a Secretaria da Fazenda da Paraíba, os fiscais voltaram ao galpão em Campina Grande. Hudson Rocha apresentou um email com uma autorização de Rachel Mello para emissão de nota fiscal em nome dele. Segundo o TCU, a data da mensagem “é posterior” à emissão de onze notas fiscais, de um conjunto de 49 relacionadas à aquisição de cestas básicas da Popular.

“Não há elementos que justifiquem razoavelmente o envio de mensagem de e-mail”, afirma a Selog. “O fato de ter havido questionamento do Ministério da Cidadania junto à Sefaz/PB, quase que imediatamente após a apreensão das cestas básicas, bem como o envio de e-mail de servidora desse órgão federal, autorizando a emissão de nota fiscal em nome de terceiro, pode indicar um possível acesso privilegiado da empresa A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda. junto ao contratante.”

Em 25 de fevereiro, fiscais da Secretaria de Fazenda de Minas Gerais foram aos endereços da Popular e de uma empresa encarregada de transportar as cestas básicas contratadas pelo Ministério da Cidadania, ambas em Contagem, interior do Estado. Na transportadora, receberam “documentos de controle de entrega das mercadorias” em nome da Super Cesta Básica de Alimentos Eireli, em vez da Popular.

“Cabe destacar que no Pregão Eletrônico 6/2022, a empresa A Popular Cestas Básicas de Alimentos Ltda., vencedora de quatro dos sete itens, apresentou atestado fornecido pelo Ministério da Cidadania, em face da licitação havida no ano anterior, ou seja, a possível fraude no Pregão Eletrônico 2/2021 teve reflexo no certame subsequente”, aponta o relatório.

Procurado, o Ministério da Cidadania não retornou. Ao Estadão, o empresário Paulo Moreira disse conhecer a Super Cesta Básica. Ele afirmou que não é dono da empresa Popular. A reportagem não localizou Hudson Rafael Carlos Murilo Pessoa Gonçalves Moreira.

Julia Affonso, de Brasília para o Estado de S. Paulo, 19.10.22, às 17h47

Bolsonaro agora evita falar em relatório das Forças Armadas sobre urnas e questiona repórter: 'Está botando na minha boca?'

Após falar, no dia da votação do primeiro turno, que aguardaria um relatório das Forças Armadas para se posicionar sobre a eficácia das urnas eletrônicas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) agora disse nesta quarta-feira (19) que não tem auditoria feita pelos militares. Questionado por jornalistas sobre relatório, Bolsonaro ainda rebateu: "Está botando [palavra] na minha boca agora?"


Na noite do dia 2 de outubro, após a definição de que Bolsonaro iria para o segundo turno com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente falou com jornalistas na porta da residência oficial do Palácio da Alvorada.

Na ocasião, Bolsonaro, questionado sobre como viu o desempenho do sistema eleitoral na votação, disse:

"Vou aguardar o parecer aqui das Forças Armadas que ficaram presentes hoje lá na sala cofre. Repito, elas foram convidadas a participar, integrar uma comissão de transparência eleitoral. Então isso aí fica a cargo do ministro da Defesa", disse Bolsonaro.

Na mesma entrevista, questionado quando receberia um relatório das Forças sobre as urnas, ele afirmou: "Olha, eles participaram da sala cofre. Devem estar lá até agora. Até o encerramento, vão estar lá. Vai ser feito um relatório pelo Ministrério da Defesa", disse Bolsonaro na ocasião.

Nesta terça (18), o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que a Defesa apresente os dados do relatório sobre a votação. A Defesa até agora não entregou material algum.

Bolsonaro foi questionado sobre o tema em entrevista no Palácio da Alvorada. Nesse momento, o presidente negou que haja algum relatório.

"As Forças Armadas não fazem auditoria. Lançaram equivocadamente. A comissão de transparência eleitoral não tem essa atribuição. Então furada, fake news", respondeu o presidente.
Um repórter insistiu se Bolsonaro não havia falado antes em relatório.

"Você agora está botando na minha boca agora? Não bota na minha conta, não", rebateu o presidente.

Guilherme Mazui, de Brasilia - DF para o g1, em 19.10.22, às 14h26 

Vítima de racismo, Seu Jorge viveu na rua por 7 anos e venceu pela arte

 Vítima de racismo durante show na última sexta-feira (14), Seu Jorge é um dos principais nomes da música brasileira das últimas duas décadas. Antes da fama, no entanto, ele teve uma vida difícil e viveu por sete anos em situação de rua.

Seu Jorge (Reprodução/Instagram)

Jorge Mário da Silva nasceu em 1970 e cresceu em uma favela de Belford Roxo, na Região Metropolitana do Rio. Vindo de uma família humilde, ele fez de tudo um pouco antes de participar do Farofa Carioca, grupo que fez sucesso nos anos 90 unindo samba e rock.

'Muita grosseria racista', diz Seu Jorge após sofrer ataques em show no RS

Antes da fama, ele esteve em situação de vulnerabilidade. Ainda em Belford Roxo, quando Jorge tinha 19, seu irmão Vitorio foi morto em uma chacina, o que desestabilizou a família. O jovem chegou a morar com um parente no Méier, Zona Norte do Rio, mas logo depois foi parar nas ruas da cidade.

Em entrevista a Jô Soares em 2001, ele contou que viveu nas ruas por sete anos, mas não abandonou a arte nesse período. Pelo contrário, quatro desses anos foram juntos a uma companhia de teatro.

"Dos sete anos (que morei nas ruas), quatro estive no teatro. Eu fiz com eles 26 espetáculos... Eu não tinha onde ficar, depois de duas semanas eu falei com ele: 'oh, Antonio (Pedro), roupa limpa tá acabando, já tô dormindo aqui escondido. Me dá essa condição aí porque eu quero aprender a profissão, me formar aqui, ser artista, ser músico'. Tinha o Paulo Moura, ele falou para eu ficar lá. Fui ficando", disse.

Após ser descoberto pelo clarinetista Paulo Moura, ele fez um teste para um musical e teve a vida mudada. Na sequência, ele recebeu o nome artístico de "Seu Jorge", dado pelo baterista Marcelo Yuka. Em 1997, chegou ao Farofa Carioca, e quatro anos depois gravou seu primeiro disco, o "Samba Esporte Fino", e fez parcerias com Planet Hemp, Ed Motta e Paula Lima.

Em 2005, ao ser entrevistado no "Roda Viva" (TV Cultura), ele detalhou como era viver nas ruas. Naquele ano, ele viveu um dos auges da carreira com a música "É Isso Aí", ao lado de Ana Carolina

"Tive bons encontros na minha vida, pessoas incríveis. O teatro foi um encontro. Lá dentro do teatro me encontrei com outras pessoas... Vivia muito bem com a coisa do violão, sabe? Não esticava a mão e pedia nada. Eu trocava. Tinha um vidro para limpar, eu pegava o álcool para limpar e o cara me dava uma quentinha", disse.

Eu lavava o banheiro, aquele sujo que ninguém queria lavar? Eu levava e pegava o meu rango. Nunca pedi nada. Sempre troquei as coisas.

Jorge disse que sempre teve a facilidade de imaginar o amanhã e "a coisa do sol" apesar das dificuldades, as quais enumerou durante a entrevista.

"(Morar na rua) É você não ter onde dormir, é as pessoas pularem por você. Por exemplo, você está dormindo no ponto de ônibus, porque a noite é muito difícil, tem muita covardia e ali sempre tem gente, uma luminária. Aí, chega de manhã, o cara pula você e diz: 'um cara desse tamanho, podia tá numa obra, mas tá aí largado, usando drogas'... Tem dificuldades. Banho é muito difícil, necessidades fisiológicas são difíceis e a higiene é muito difícil. Vai baixando a moral e acaba mexendo na sanidade mental. Você não consegue controlar as emoções. A humilhação é muito grande", contou ao "Roda Viva"

"Eu tive uma sorte muito grande que era a coisa do violão, defendia o meu rango, era querido no meio da roda, ali na Vila Isabel. No Petisco da Vila, por exemplo, eu chegava, ficava em volta das cadeiras e o pessoal me chamava para tocar violão. Sempre consegui ir driblando", completou.

Uma das pessoas para quem Seu Jorge pediu para dar uma canja foi Xande de Pilares, que também ainda não era reconhecido nacionalmente. O sambista contou a história em uma participação no "Esquenta", programa apresentado por Regina Casé na Globo, em 2015.

"Ele pegou o violão de Soneca (outro integrante do grupo) e começou a cantar. Ele roubou a cena de uma tal forma que eu não quis nem voltar", disse Xande, que só voltou a ver Seu Jorge quando o cantor já estava no Farofa Carioca.

Seu Jorge, na sequência, relembrou a difícil fase da vida. "A minha situação era muito ruim a ponto de não ter mesmo o que comer. Então, o lance de tocar não era o dinheiro. Mas é que tinha uma pizza no final que o Xande, sem nenhuma resenha, ele dividia aquilo", contou ele a Regina Casé.

Aos 52, hoje, Seu Jorge já recebeu prêmios por sua música, como o de Melhor Cantor no Prêmio Multishow 2009 e o de Melhor álbum pop contemporâneo no Grammy Latino 2012 pelo disco "Músicas Para Churrasco Vol. 1".

Como ator, ele participou de filmes de sucessos, como "Cidade de Deus" (2002), "Tropa de Elite 2" (2010), "Medida Provisória" (2020) e "Marighella" (2021).

"Muita grosseria racista"

Ontem, Seu Jorge usou as redes sociais para dizer que presenciou "muito ódio gratuito e grosseria racista" durante um show realizado no clube Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, A Polícia Civil está investigando o caso para identificar os envolvidos nos ataques.

Em vídeo de nove minutos divulgado em seu canal no Youtube, o artista aparece ao lado da bandeira do Rio Grande do Sul para afirmar seu amor ao estado e relatou ter escutou vaias e ofensas racistas em sua apresentação a um evento que "não viu a presença" de pessoas pretas.

"Quando chegou no final do show, eu sai do palco. Quando cheguei atrás do palco, eu começo a escutar muitas vaias e xingamentos. Por conta disso, eu percebi não seria possível voltar para fazer o famoso "bis", mas sozinho retornei ao palco e, de maneira respeitosa, agradeci a presença de todos e me retirei do local do show. Na verdade, o que eu quero dizer aqui é que não reconheci a cidade que aprendi amar e respeitar. Na verdade, o que eu presenciei foi muito ódio gratuito e muita grosseria racista", disse o cantor em trecho do vídeo.

Filipe Pavão, De Splash, no Rio de Janeiro  - RJ para o UOL, em 19.10.22

terça-feira, 18 de outubro de 2022

O desalento da juventude

Maioria dos jovens de 15 a 29 anos deseja sair do Brasil. E até agora, nem Lula nem Bolsonaro apresentarampropostas para resgatar a esperança desses jovens no País

O Brasil não se descortina como um país promissor para a grande maioria dos jovens entre 15 e 29 anos na próxima década, de acordo com uma pesquisa Datafolha divulgada na semana passada. 

O que é isso, afinal, se não um atestado de incompetência de sucessivos governos nos últimos anos? O resultado da pesquisa revela que todas as administrações mais recentes, em maior ou menor grau, foram incapazes de compreender que o nível de atenção às necessidades das novas gerações está fundamentalmente ligado ao nível de desenvolvimento social, político e econômico do País.

De acordo com a pesquisa Datafolha, 67% dos jovens entre 15 e 29 anos têm esperança de que sua situação pessoal estará “muito melhor” nos próximos dez anos – 65% acham o mesmo em relação à sua situação financeira, especificamente. No entanto, apenas 25% desses jovens acreditam que o Brasil seguirá a mesma trajetória auspiciosa na próxima década.

O resultado dessa profunda desconexão entre as aspirações dos mais jovens e a crença que eles têm no potencial do Brasil para oferecer-lhes as condições para seu desenvolvimento pessoal pode ser medido pelo número de jovens que não veem o seu futuro diretamente atrelado ao futuro do País. A grande maioria dos jovens entre 15 e 29 anos ouvidos pelo Datafolha (76%) afirma ter “muita” ou “alguma vontade” de sair do Brasil. É extremamente preocupante constatar que o País segue incapaz de transmitir esperança aos mais jovens.

O desalento da juventude não é novo. Há pelo menos dez anos, este jornal tem alertado para o risco de negligenciar os cuidados com as novas gerações, especialmente com a sua educação. No editorial A geração nem-nem (26/9/2012), alertávamos que a mão de obra com um mínimo de competência técnica começava a escassear, e que esse processo dramático, letal para o desenvolvimento do País, seria acelerado se não houvesse “uma virada drástica e imediata no sistema educacional, de modo a atrair novamente essa massa de jovens para os estudos e a especialização, fazendo-os perceber que a educação pode significar um futuro melhor”.

A “virada drástica” na educação não veio, como se viu. Políticas públicas voltadas à formação humana e profissional dos mais jovens vieram aos solavancos, muitas vezes interrompidas ou modificadas a cada ciclo eleitoral. Chegou-se ao paroxismo no curso do governo de Jair Bolsonaro – que entrará para a história como o governo que dizimou o Ministério da Educação em nome de seus interesses eleitorais.

O resultado aí está: apenas uma minoria dos entrevistados pelo Datafolha (19%) acredita que “estudar é a única forma de ter mais renda no futuro”. Outros 13% disseram que estudar é “uma das formas”, mas não “a melhor forma” de melhorar a situação financeira. Evidentemente, a educação formal não é, de fato, a única força propulsora do desenvolvimento profissional e financeiro de um indivíduo. No entanto, quando um número tão alto de jovens não vê os estudos como uma base sólida para seu crescimento pessoal, isso significa que há uma crise de desconfiança na capacidade do Estado de oferecer uma educação pública de qualidade para quem precisa. É melancólico, mas não surpreende que apenas para 8% dos jovens entre 15 e 29 anos o término da formação escolar seja sua maior aspiração.

“Não há melhor preditor do futuro do País do que o universo dos jovens de hoje”, afirmaram em junho do ano passado os pesquisadores da FGV Social, a propósito da publicação da pesquisa Jovens: Projeções Populacionais, Percepções e Políticas Públicas.

O Atlas da Juventude, realizado pelas redes de organizações Em Movimento e Pacto das Juventudes pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em parceria com a FGV Social, também tem mostrado periodicamente que a descrença dos brasileiros mais jovens em relação ao País é uma das grandes barreiras para um futuro mais promissor.

Daqui a pouco menos de 15 dias, os brasileiros voltarão às urnas para escolher o próximo presidente da República e, lamentavelmente, nem o petista Lula da Silva nem o presidente Jair Bolsonaro apresentaram propostas concretas para resgatar a confiança dos mais jovens no Brasil que eles pretendem governar.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 18.10.22, às 03h00

Sob Bolsonaro, Brasil se afasta de meta de erradicar pobreza

Número de brasileiros na pobreza aumentou em 10 milhões entre 2020 e 2021, representando agora quase 30% da população. Especialistas criticam foco eleitoreiro do Auxílio Brasil e falta de propostas na campanha.

O mundo não conseguirá cumprir a meta estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) de erradicar a pobreza até 2030 — e o Brasil apresenta retrocessos sociais que também vão nesse sentido. Esse é o panorama 30 anos após a ONU instituir o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, em 17 de outubro de 1992.

O prognóstico negativo foi confirmado em relatório divulgado no início deste mês pelo Banco Mundial. E encontra eco nos números, segundo os quais a pandemia de covid-19 causou o pior momento desde que os dados vêm sendo monitorados, nos anos 1990, empurrando mais de 70 milhões de pessoas para a linha extrema em 2020. E os prognósticos, com a guerra na Ucrânia e a inflação decorrente do conflito, indicam que esse contingente ficará ainda maior.

De acordo com a instituição, 719 milhões de pessoas atualmente subsistem com menos de 2,15 dólares por dia — o que significa pobreza extrema. E a projeção é que até o fim deste ano 115 milhões a mais estejam nesse limiar da fome.

A linha da pobreza teve o valor mínimo reajustado pelo banco, tendo em vista o aumento dos custos em escala global. Antes, era de 5,50 dólares por dia. Agora é de 6,85. Considerando essa faixa, uma em cada cinco pessoas do mundo está abaixo da linha da pobreza.

O balde de água fria no sonho de acabar com a fome até 2030 tem sua explicação justamente no clima de otimismo dos anos 1990.

"Existia naquele contexto de final de século a expectativa de que o fortalecimento das democracias no pós-Guerra Fria fortaleceria os mercados e promoveria a redução da miséria, através da globalização e do neoliberalismo. Essas pretensões acabaram não acontecendo. Ao contrário, acabaram criando mais desigualdade pelo mundo", avalia o sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia de São Paulo e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Brasil: 30% do país na pobreza

No Brasil, o cenário é preocupante. "A queda [dos índices de pobreza] no Brasil foi até 2015", aponta o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais FGV Social.

Ele se baseia em dados que apontam que, no fim do ano passado, havia um recorde do contingente de pobres no país desde o início da série histórica — 62,9 milhões de brasileiros, ou quase 30% da população, vivendo com renda domiciliar per capita igual ou inferior a R$ 497 por mês (5,50 dólares por dia). O número significa 10,1 milhões pessoas a mais do que no ano anterior, 2020.

O levantamento realizado pelo FGV Social com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresenta um quadro nítido e preciso do que ocorreu nos últimos dez anos, início da série histórica. Em 2012, eram 54 milhões pobres no Brasil, número que caiu para 47,6 milhões em 2014, quando voltou a subir. Em 2018, eram 55,1 milhões. E 2021 terminou com o recorde histórico de 62,9 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza.

Para Ramirez, nesta conta é preciso acrescentar, além do cenário global, os cortes de programas sociais durante os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, ou mesmo a não atualização compatível dos valores destinados a eles. Mas ele também observa que como essas estatísticas se baseiam no ganho diário em dólar, a desvalorização da moeda brasileira significa "o aumento da quantidade de pessoas que entram" nessa desfavorável lista.

Avanços e retrocessos

Segundo Neri, nos últimos 30 anos, é possível destacar uma série de esforços históricos para a redução desse cenário. Nos anos 1990, havia a famosa campanha empreendida pelo sociólogo Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, com sua organização Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

Em 2001, no fim do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, foram implementados os programas Bolsa-escola e Bolsa Alimentação, precursores dos modelos de transferência de renda.

O auge da luta contra a pobreza extrema viria, contudo, na gestão posterior, sob o comando do petista Luiz Inácio Lula da Silva, com o programa Fome Zero e a instituição do Bolsa Família.

"O compromisso [de erradicar a pobreza] veio com o governo FHC, com algumas bolsas, e conseguiu uma expansão eficaz nos governos Lula e Dilma, quando a fome foi de fato extirpada do país e houve um compromisso com a empregabilidade, permitindo que o brasileiro pudesse ter três refeições por dia", comenta Ramirez. "Mas isso ainda não significou o fim da pobreza."

O Bolsa Família unificou e ampliou os programas de transferência de renda então existentes. Em 2014 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que o Brasil havia saído do mapa da fome, o programa foi apontado como um dos responsáveis pelo feito.

O programa beneficiava 14,7 milhões de famílias em 2021, quando foi extinto pela gestão Jair Bolsonaro. Em seu lugar, foi implementado o Auxílio Brasil, uma das principais bandeiras eleitoreiras do candidato à reeleição.

Neri avalia que "a política social de cunho assistencial está crescendo em dinheiro, mas perdendo em eficácia operacional", com o domínio de uma "visão oportunista eleitoral e pouco foco na superação da pobreza estrutural". "Anda para trás em relação ao que o Bolsa Família já fazia."

"Hoje [o programa Auxílio Brasil] tem foco eleitoreiro mas provavelmente não [funcionará] depois das eleições", considera o economista.

Ele aponta que há gargalos bastante problemáticos, a começar porque o benefício foi aprovado graças a um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), apelidado de "Kamikaze", que colocou o Brasil em estado de emergência até o fim deste ano. Ao contrário do Bolsa Família, portanto, o Auxílio Brasil não é um programa com previsão de continuidade.

Outra questão que vem sendo trazida de forma recorrente por estudiosos é que o Bolsa Família fazia parte de um conjunto de políticas sociais implementadas pelo governo federal. Era condicionado à frequência escolar e vacinação em dia das crianças e caminhava em paralelo com outras medidas, como o projeto Minha Casa Minha Vida, de habitação popular, e melhorias no acesso ao ensino superior, com cotas e programas de financiamento. Também foi um período em que havia ganho real do salário mínimo, com reajustes anuais acima da inflação.

Discussão politizada

Neri crê que no momento qualquer solução fica difícil de ser avaliada, pois "a discussão está muito politizada e volúvel no Brasil". No cenário de campanha eleitoral, o vale-tudo das promessas não permite enxergar o que vem por aí.

"Bolsonaro implementou um pacote de benefícios no fim do mandato, mas não há nenhuma garantia de que serão mantidos ou que teremos orçamento para mantê-los", alerta Ramirez. "Lula carrega o histórico de ter liquidado a fome no Brasil, mas em sua campanha não fica nítido de onde viriam os recursos [para implementar programas do tipo]."

"Infelizmente, esta campanha eleitoral é uma das mais pobres em termos de propostas políticas. Pouco demonstram o que vai ser feito [para erradicar a pobreza] ou como vai ser feito", lamenta o sociólogo. "As pautas morais ganharam fôlego porque debater pobreza tem tido pouca repercussão entre eleitores em um mundo em que o sensacionalismo e os factoides ganham destaque."

Edison Veiga, Repórter, para Deutsche Welle Brasil, em 17.10.22

Janja posta nova entrevista em que Bolsonaro fala de 'meninas bonitinhas' da Venezuela

Afirmação de presidente de que 'pintou um clima' com adolescentes foi explorada por opositores


Bolsonaro em entrevista a um podcast nesta sexta-feira (14) - Reprodução

A socióloga Rosângela Silva, a Janja, mulher do ex-presidente Lula (PT), postou no Twitter uma nova entrevista em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) conta a história da visita que fez a uma casa em que estavam adolescentes venezuelanas, em 2020

Na conversa com entrevistadores do podcast Collab, o presidente narra exatamente os fatos que revelou ao canal Paparazzo: ele diz que viu "meninas bonitinhas" em uma rua do Distrito Federal, pediu para entrar na casa delas e encontrou um ambiente de prostituição.

"Inacreditável que o 'presidente' já tenha exposto essas meninas venezuelanas, anteriormente em outra entrevista. A minha indignação só aumenta. O 'cidadão de bem' deveria ter denunciado se houvesse qualquer indício de exploração de menores. É essa proteção das famílias que ele prega?" escreve Janja na rede social.

Na entrevista ao Collab, realizada no dia 12 de setembro deste ano, Bolsonaro defende sua atitude de andar sem máscaras em plena epidemia de Covid-19.

"'O presidente sem máscara'. Deixa eu morrer, porra. Deixa eu morrer sem máscara, pô", afirma. Em seguida, ele narra a história das adolescentes venezuelanas. "Tem uma passagem minha, de 2020, vale a pena contar aqui."

"Eu estava, eu acho que é Paraíso o nome do... São Sebastião, em Brasília. Com a moto lá, segurança. Tinha lá o pessoal da segurança, etc. Eu parei numa esquina, tirei o capacete. Daí eu olhei para trás, tinha umas duas, três meninas bonitinhas, de uns 14, 15 anos de idade. Me chamou a atenção. Menina bonitinha, sábado, né? Mas por que me chamou a atenção? Eram parecidas. Eu vi que apareceu mais uma, mais outra. Eu desci da moto. 'Posso entrar [na casa em que elas estavam]?' Tinha umas 15 meninas dessa faixa etária, 14, 15, 16 anos", descreveu.

"Todas muito bem arrumadas, tinha tomado banho, estavam fazendo o cabelo. Venezuelanas. Estavam se arrumando para quê? Alguém tem ideia? Quer que eu fale? Eu vou falar: para fazer programa", seguiu o presidente. "Vocês acham que elas queriam fazer isso? Qual era a fonte de sobrevivência delas? Essa."

O presidente também narrou o mesmo episódio em discurso na 36ª edição da Apas Show, feira de alimentos, bebidas e supermercados, em maio deste ano. A fala de Bolsonaro foi inclusive compartilhada em sua página do Facebook.

A exploração da narrativa de Bolsonaro por apoiadores de Lula abalou a campanha do presidente.

Na entrevista anterior, ao Paparazzo, ele disse que, quando viu as meninas, "pintou um clima", e por isso desceu para conversar com elas. Opositores associaram a frase à pedofilia.

Além disso, a informação de Bolsonaro de que as meninas se prostituíam foi desmentida por mulheres que estavam no local. Elas narraram ao UOL que, naquele dia, um projeto social envolvendo treinamento de cabeleireiras e maquiadoras fazia um evento com as adolescentes, que estavam se arrumando.

No mesmo dia da divulgação da primeira entrevista, a campanha de Bolsonaro reagiu nas redes sociais e acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para impedir que o PT e seus aliados sigam divulgando o vídeo.

O ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido, mas o PT recorreu.

O impacto negativo levou a senadora eleita Damares Alves e a primeira-dama Michelle Bolsonaro a procurarem as entidades que têm ligação com o projeto. As famílias exigiram a retratação de Bolsonaro.

Em outro post no Twitter, Janja contou que já atuou em um programa de proteção a crianças e adolescentes na região fronteiriça do Brasil. "Trabalhei durante anos no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes na tríplice fronteira e ouvir o 'presidente' falando que 'pintou um clima' com meninas de 14 anos me causa tanta revolta e indignação que nem consigo descrever aqui", afirmou ela.

MÔNICA BERGAMO com BIANKA VIEIRA, KARINA MATIAS e MANOELLA SMITH em sua coluna na Folha de S. Paulo, em 18.10.22, àa 11h38.

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A eficiência da justiça brasileira

É possível melhorar a atuação do Executivo para poder aumentar a contribuição da justiça para o bem-estar da Nação.

O tema está na ordem do dia. Os indicadores de eficiência interna apresentam resultados ambíguos. Quando comparados com outros países, o número de juízes por habitante e a quantidade de sentenças por juiz apontam para uma produtividade elevada, e, por outro lado, o custo do Judiciário em relação ao PIB e o tempo médio de sentenças mostram uma ineficiência relativa aqui.

Considerando que a justiça é um bem público, é necessário analisar seu impacto na eficiência da economia como um todo e como o ambiente institucional em que atua afeta seu desempenho. Uma forma para aferir seu impacto é fazer uma comparação entre o tempo médio de sentenças com a taxa de recuperação de falências. É fato: quanto maior a demora, maior é a destruição de valor.

Tomando como base o tempo médio de uma sentença do Reino Unido, o da Itália é 1,6 vez maior e o do Brasil é 4,8 vezes maior. Comparando também com o Reino Unido, o valor do que é perdido numa falência é 1,3 vez maior na Itália e 4,7 vezes maior no Brasil. A correlação é elevada e corrobora a relação de causação de que uma justiça mais demorada é mais onerosa para a sociedade.

Outro aspecto a ser considerado é comparar a complexidade institucional entre os países e o tempo médio de sentenças. Usando como indicador de complexidade o número de horas médio por empresas para pagar impostos e comparando também com o do Reino Unido, o italiano é 2,1 vezes mais complexo e o brasileiro é 13,2 vezes mais.

A ordem de causação é inversa: quanto mais complexa for a tributação, maior é a demora das sentenças. Um juiz brasileiro tem de administrar justiça num ambiente mais ininteligível. Proporcionalmente, é mais eficiente que seus colegas estrangeiros. São dezenas de impostos, taxas e contribuições a mais aqui, no Brasil.

Outro exemplo que ilustra a complexidade institucional é a indexação. Enquanto a Inglaterra e a Itália têm apenas um indexador, que é usado com parcimônia, o Brasil tem mais de dez, usados profusamente. O assunto é tão confuso que há processos sobre a indexação nos planos de estabilização que duram décadas. Centenas de milhões de reais gastos com advogados.

Uma agravante da indexação é a correção de dívidas fiscais. São corrigidas pela taxa Selic. É um contrassenso: desde o Plano Real, aumentou dez vezes mais do que a inflação medida pelo IPCA, 6.676% e 645%, respectivamente. O Estado foca primordialmente em extrair, no curto prazo, o máximo de recursos, mesmo que em prejuízo da sobrevivência econômica dos devedores.

O montante atual das dívidas fiscais equivale à metade do total de crédito do sistema financeiro nacional. Sua quase totalidade é composta da correção monetária e das multas sobre os valores originais, que fazem com que pequenos montantes se transformem em dívidas impagáveis.

O problema é agravado porque o governo entra com ações na justiça para cobrar devedores, com causas com chances remotas de sucesso. Ao todo, são 26,8 milhões de processos de execução fiscal. Há casos de processos em que a causa é de R$ 2,00, e o custo é alocado ao Judiciário, quando deveria ser alocado ao Poder Executivo. O poder público é o maior litigante no Poder Judiciário brasileiro.

As execuções fiscais representam 35% do total de casos pendentes no Brasil. Há processos que se eternizam. São 7,1 milhões de processos suspensos e entram mais processos do que saem. Na crise, a inadimplência piorou e o Estado, em vez de ser parte da solução, é parte do problema da economia, entulhando e onerando o Judiciário.

O Poder Judiciário é utilizado como cobrador de dívidas de devedores sem patrimônio para quitá-las. Há uma interpretação equivocada da Lei de Responsabilidade Fiscal no que concerne à renúncia de receitas. Não é possível falar em renúncia de receita quando o montante perseguido é inferior ao próprio custo do processo.

Agravando o quadro, quando perde, o Estado recorre sistematicamente usando prerrogativas processuais, tais como prazos diferenciados para contestação, ser um credor privilegiado na falência, em detrimento de demais credores, e a prática dos atos judiciais de seu interesse independe de prévio depósito. A justificativa para essas prerrogativas é o interesse público.

Interesse público é a promoção do emprego, da solvência de cidadãos e empresas, de um Judiciário eficiente e de ressarcir o Judiciário por serviços recebidos. Interesse público não pode ser confundido com extrativismo fiscal, um regime em que se paga apenas porque a lei prescreve.

É fato: a eficiência interna da Justiça pode ser aprimorada. Há várias ações em curso nesse sentido, com destaque para propostas do Conselho Nacional de Justiça e de trabalhos de juízes da Associação Paulista de Magistrados em conjunto com o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social. É fato, também, que há espaços para melhorias na atuação do Executivo de todos os níveis de governo, que podem aumentar a contribuição da justiça para o bem-estar da nação brasileira.    

Roberto Luis Troster e Vanessa Ribeiro Mateus, os autores deste artigo, são, respectivamente, economista e juiza de direito. Publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 17.10.22, às 03h00

Bolsonaro não tem do que se queixar

Presidente reclama que o Judiciário o persegue, mas o fato é que ele faz o que bem entende na campanha, transforma a estrutura do Estado em máquina eleitoral e permanece impune

Campanha eleitoral antecipada

Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro disse que “a maioria” dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) “não tem isenção”, pois “os caras têm lado político” – contra ele, naturalmente. Bolsonaro se queixou ainda de que, em “qualquer ação no Supremo e no TSE” contra ele e seu governo, essas Cortes superiores invariavelmente “dão ganho de causa para o outro lado”.

Mas Bolsonaro não tem do que se queixar: se ele ainda é presidente e pode até se reeleger, é porque as instituições, judiciais e políticas, não só foram coniventes com seus abusos, como muitas vezes os legitimaram.

Tivesse o Congresso cumprido seus deveres constitucionais, por exemplo, Bolsonaro teria sido cassado quando ainda era deputado, por seus frequentes atentados ao decoro e à ordem democrática. Mais impressionante, porém, é o catálogo de crimes de responsabilidade acumulados durante a Presidência e deixados impunes pelo Congresso.

O candidato “antissistema” de 2018, que conseguiu se eleger prometendo fazer terra arrasada da “velha política” – simbolizada pelo Centrão, comparado pela campanha bolsonarista a um bando de ladrões –, tornou-se rapidamente vassalo desse mesmo Centrão, que lhe garantiu a permanência no poder, a despeito das inúmeras razões para seu impeachment, e ainda alavancou sua reeleição. Sem o Centrão como inimigo, o bolsonarismo, como qualquer movimento populista, logo inventou outro: o Judiciário.

Retratados pelo bolsonarismo como ardilosos manipuladores, encerrados em seus gabinetes escuros, envoltos em suas togas sinistras, os magistrados foram apontados por Bolsonaro como a fonte de todos os problemas nacionais e, principalmente, como ameaça real à “liberdade”.

A realidade, contudo, é muito diferente do que a propaganda bolsonarista alardeia. Não foram poucas as vezes em que decisões judiciais impediram, por exemplo, que as robustas suspeitas de que a família Bolsonaro operou por muitos anos um esquema de rachadinha fossem devidamente esclarecidas.

Ademais, o Tribunal Superior Eleitoral parece mais ocupado em patrulhar as redes sociais do que em julgar ações contra o evidente abuso de poder político e econômico por parte do presidente, como nos atos eleitorais extemporâneos, a utilização do Palácio da Alvorada como núcleo de campanha e a transformação de comemorações cívicas e atos oficiais da chefia de Estado em comícios. Motivos para cassar a candidatura do presidente não faltaram.

Mais grave, contudo, é o sequestro das políticas públicas para fins eleitorais, escandaloso desvio que nem sequer está sendo abordado pela Justiça Eleitoral. Alimentada com cargos e verbas, a clientela parlamentar de Bolsonaro não só o blindou de um impeachment, como solapou a Constituição, o pacto federativo, a ordem jurídica, os marcos fiscais e a legislação eleitoral para fabricar incontáveis “pacotes de bondades” que se dissolverão ao fim do ano eleitoral. Em pleno segundo turno, o governo anuncia o perdão de dívidas, mais dinheiro para o Auxílio Brasil e benefícios extras para taxistas. À força de canetadas, o presidente transformou os contribuintes em financiadores compulsórios de sua campanha.

Assim como Bolsonaro atacava o Parlamento por fora, enquanto o corrompia por dentro, assim ele agride a Justiça Eleitoral por fora (bombardeando-a com acusações fraudulentas sobre a lisura das urnas) e a degrada por dentro (estraçalhando o equilíbrio eleitoral com o peso da máquina pública). Tudo sob o olhar dócil da Procuradoria-Geral da República.

Como parte de seu figurino antissistema, Bolsonaro hostilizou todas as instituições desenhadas para conter arroubos autoritários como os seus. Essas instituições, tão desmoralizadas pela retórica bolsonarista em razão de seu “ativismo”, na realidade se desmoralizaram a si mesmas por sua omissão ou cumplicidade. Freios e contrapesos foram estiolados, abrindo precedentes perniciosos para os demagogos do futuro.

Muito além de sanar as mazelas conjunturais legadas pelo desgoverno Bolsonaro, a pauta mais relevante da agenda pública nos próximos anos será restaurar a estrutura institucional degradada até a raiz pela razia antidemocrática bolsonarista.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 17.10.22, às 03h00

Cynthia Fleury, a filósofa que aplica a psicanálise à política: "O ressentimento é gangrena para as democracias"

A acadêmica tem estudado as patologias sofridas pelos regimes democráticos

A filósofa e psicanalista Cynthia Fleury em Pamplona em 8 de outubro.

Magra e veemente, vestida de preto rigoroso com jeans, bota de cano alto e suéter de lã, Cynthia Fleury (Paris, 48 ​​anos) subiu ao palco no sábado, 8 de outubro, para falar sobre como curar ressentimentos no quadro da Encontros de Pamplona 72-22, realizados até 18 de outubro na capital de Navarra . Filósofa, especializada em política e psicanalista, ocupa a cátedra de Humanidades e Saúde no Conservatoire national des Arts et Métiers e é professora na École nationale supérieure des Mines de Paris (Mines-ParisTech).

Destacam-se na obra de Fleury seu estudo das patologias da democracia e sua análise de como curar aquele estado de ressentimento que, como enfatizou em seu discurso, é absolutamente estéril e "só produz estagnação". Esses sujeitos envenenados e ressentidos, para não cair em depressão, transformam o ódio que sentem por si mesmos no outro, por exemplo, o imigrante, transformando-o em objeto, quase fetiche, negativo. "Você tem que sair dessa armadilha, porque o sofrimento existe, mas não pode ficar nesse laço que implica em falta de maturidade, e prende quem sofre com isso em busca de algum sinal para validar sua tese", alertou Fleury. . "O ressentimento não é a tradução exata da desigualdade socioeconômica, é uma disfunção psíquica, uma alienação, uma gangrena que põe em risco as democracias."

Na manhã seguinte, pouco antes do voo de volta a Paris, concedeu esta entrevista para expor sua dissecação clínica e filosófica das mazelas das democracias e falou sobre suas ideias sobre como enfrentar outro dos grandes males: a crise de representatividade. O Fleury faz parte do comitê de governança que supervisiona o funcionamento e as regras da convenção de fim de vida na França, que apresentará suas conclusões sobre as leis que devem reger a eutanásia.

Pergunta: O que o levou a investigar as patologias da democracia há mais de uma década?

Resposta: Comecei em 2005 e depois com a Primavera Árabe quis ver se podíamos fazer uma tipologia de regimes democráticos de acordo com a sua idade. Ele queria estudar o processo de nascimento das democracias ocidentais para ver o que elas tinham em comum. Eu também queria saber o que diferenciava as democracias mais velhas e maduras e o que isso significava, se isso realmente importava ou não. Usei a metodologia clínica, para procurar sintomas e chegar a um diagnóstico, como na medicina. Partiu da ideia de que a relação entre doença e saúde não é impermeável, mas porosa. O normal e o patológico estão intimamente interligados. Eu venho de uma escola de psicoterapia institucional que trabalha muito com o que se chama de normopatia.

P. Como isso se traduz na filosofia política?

R. Significa partir da ideia de que as normas da sociedade são também sistemas disfuncionais.

P. Disfuncionais porque são imperfeitos?

R. As regras em uma democracia devem proteger os mais vulneráveis, mas se baseiam na ideia de que o indivíduo deve ter muito desempenho e ser muito competente. Isso é disfuncional, porque é falso epistemológica e eticamente, mas também é estúpido porque não funciona.

P. O que você descobriu sobre as patologias das democracias?

R. Vi que existem patologias intrínsecas e outras que variam conforme a idade das democracias. Interessei-me pelos avatares do individualismo e, embora naqueles anos as redes sociais não tivessem tanta presença como hoje, falei do histrionismo como uma deriva do individualismo que vimos nos políticos (Trump, Bolsonaro, Berlusconi), mas também em indivíduos. Nas redes sociais há essa hipervisibilidade, essa histeria, esse hipernarcisismo interno e ao mesmo tempo uma enorme fragilidade. Tudo isso explodiu nesta era do espetáculo, das redes sociais, do grande panóptico.


A filósofa e psicanalista Cynthia Fleury em Pamplona.

P. Que outras tendências se acentuaram?

R. Vemos uma transformação da comunidade, e a reivindicação da vítima, que é uma nova histeria, porque é outra forma de reivindicar um status identitário forte. Perversão narcisista e desparentalidade são dois tópicos que abordei. Também o que Richard Sennett chama de carisma incivil; um termo muito interessante, porque o exercício da civilidade hoje é considerado uma sujeição, uma submissão. Antes, respeitar o outro fazia parte do exercício dessa civilidade, mas hoje, para provar minha dignidade, assino esse carisma incivil.

P. Você errou em algum de seus diagnósticos?

R. No momento, não vejo onde errei, mas isso é normal porque a metodologia da filosofia política funciona a longo prazo, não sou louco de megalomania.

P. Você viu uma onda de populismo chegando como a que veio?

R. Nós filósofos somos capazes de identificar todos os ingredientes de uma revolução ou de uma reforma, de um colapso, mas não podemos identificar o momento em que tudo explode. Há décadas dizemos 'olho, atenção', e não é que estejamos errados, mas não somos precisos, não damos uma data. O processo histórico é latente e cristaliza essa sedimentação de camadas, de valores, de transformações sociais.

P. Que papel desempenha a memória histórica nas democracias adultas? E nas nascentes?

R. A democracia é o único regime político que reivindica a responsabilidade pela continuidade da história. A democracia assume responsabilidades e outros regimes não, porque é construída sobre um discurso de não impunidade. Isso significa que ele assume a responsabilidade pelo que aconteceu antes e faz parte de sua tarefa iluminar esses buracos negros na história. Quanto mais velha é uma democracia, mais o discurso do que aconteceu é divulgado. É complicado, mas é aí que reside a sua força, embora ali se liberte a dor e a injustiça.

P. O esquecimento também é necessário?

R. Usamos o esquecimento em escala individual de forma pragmática e é muito importante viver, mas isso não significa que vamos lançar um discurso de apagamento. É preciso transmitir e educar. Como diz Nietzsche, temos a faculdade do esquecimento e a faculdade da memória e assim construímos reconciliações.

P. O outro lado do ressentimento é o perdão?

R. Não. Perdoar é uma coisa que só pertence ao sujeito, e há quem diga que é um escândalo, porque o que é perdoável, bem, é e pronto, e se algo é imperdoável é um escândalo perdoar . Não podemos perdoar alguém e ao mesmo tempo lançar politicamente uma reconciliação. O perdão não deve ser instrumentalizado politicamente, mas deixado a cada um, mesmo que organizemos processos diários de reconciliação. A outra face do ressentimento é a sublimação. O ressentimento deixa você preso em um loop, é um sistema fechado, como um dogma.

P. Como ele cura?

R. O antídoto é mostrar uma dimensão criativa, conseguir humor, abertura, uma desconstrução. Como conseguir isso? Uma das grandes capacidades da democracia é que ela é uma cultura de alternativas.

P. Você defende que o ressentimento tem um componente de infantilização. Existe uma parte de não assumir o papel que se tem, a responsabilidade?

R. O ressentimento nasce em pessoas que não conseguem superar o que chamamos de angústia de separação. A necessidade de reparação, a frustração, a necessidade de proteção, tudo isso está relacionado à infância.

P. Também nasce da opressão?

R. Não, e é terrível dizer isso, mas você pode sofrer muita opressão e não desenvolver ressentimento. Essas pessoas sentem que não podem se proteger bem contra a opressão se ficarem presas ao ressentimento.

Andrea Aguillar, a autora deste artigo,  é jornalista de cultura. Graduada em História e Política pela University of Kent, recebeu uma bolsa de estudos da Graduate School of Journalism da Columbia University, em Nova York. Seu trabalho, com foco especial no mundo literário, também apareceu em revistas como The Paris Review e The Reading Room Journal. Publicado originalmente no EL PAÍS, em 17.10.22, às 00:40hs.

Os cinco temas que dominaram o debate entre Lula e Bolsonaro

Entre os principais temas discutidos pelos presidenciáveis estão pandemia, fake news, economia e benefícios sociais.

Os candidatos à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) participaram no domingo (16/10) do primeiro debate na corrida do segundo turno. (Reprodução TV Bandeirantes)

No encontro, transmitido pela TV Bandeirantes e um "pool" de outros veículos, os candidatos se enfrentaram diretamente em três blocos e durou quase duas horas.

Apesar da tensão nas campanhas, o debate teve poucos momentos mais acalorados — o que se refletiu, por exemplo, no número relativamente baixo de pedidos de direito de resposta, ao contrário do que ocorreu no último debate do primeiro turno.

Em alguns momentos, Lula administrou mal o tempo que poderia usar para responder e questionar o adversário dele. No terceiro bloco, por exemplo, Lula esgotou o tempo dele quando Bolsonaro, que tenta a reeleição e está atrás nas pesquisas, ainda tinha mais de cinco minutos para falar.


A última pesquisa feita pelo instituto Datafolha, divulgada na sexta-feira (16/10) mostrou Lula com 49% das intenções de voto contra 44% de Bolsonaro. O segundo turno das eleições presidenciais acontecerão no dia 30 de outubro.

Confira abaixo uma seleção feita pela BBC News Brasil de alguns trechos do que foi discutido no debate.

Pandemia

O primeiro bloco do debate entre os presidenciáveis foi tomado pelas discussões sobre a pandemia. De um lado, Lula responsabilizou Bolsonaro por mais de 400 mil mortes de brasileiros que, segundo ele, poderiam ter sido evitadas e teriam sido causadas diretamente por atraso na compra de vacinas.

"O Brasil tem 5% da população mundial e 11% das mortes. Por que houve tanta demora para comprar vacina?", questionou o petista.

Bolsonaro se defendeu dizendo que não atrasou a vacina, pois "não havia venda em 2020".

"No Brasil, em janeiro de 2021 começaram a vacinar. Todos aqueles que quiseram se vacinar, se vacinaram. E o Brasil foi um dos países que vacinou mais rápido", afirmou o candidato do PL.

Lula, então, retrucou dizendo que esse "é um fato de concreto" de que a negligência de Bolsonaro levou brasileiros à morte na pandemia.

"A verdade é que o senhor debochou, o senhor gozou das pessoas e deixou as pessoas morrerem afogadas por falta de oxigênio em Manaus. Apareceu na TV imitando pessoas sem ar."

Bolsonaro, então, atacou Lula afirmando que "tem um vídeo de Lula dando graças a Deus que à natureza criou a covid".

"O que eu fui contra é protocolo do sr. Mandetta (então ministro da Saúde), que mandava à pessoa irem pra casa até sentir falta de ar. A vacina não é para quem está contaminado - é para quem ainda não foi", disse.

Bolsonaro também acusou o PT e políticos do Nordeste de corrupção na pandemia.

Benefícios sociais

Bolsonaro iniciou o debate dizendo que o Auxílio Brasil será mantido de "forma vitalícia", caso ele seja reeleito e que o PT era contra o benefício.

Lula respondeu dizendo que o PT havia feito proposta de Auxílio maior antes da determinação dos 600 reais. "O presidente só propunha 200 reais", disse o petista.

O petista disse ainda que "se souber planejar vai ter dinheiro para fazer as coisas" e fala em aprovar uma reforma tributária.

O ex-presidente citou feitos do seu governo: "Fizemos a maior política social que esse país já teve, geramos 22 mi de empregos" e cita criação de universidades. E questionou Bolsonaro sobre quantas universidades ele fez em seu governo.

Bolsonaro disse que "não tinha cabimento abrir universidade para ficar fechada (na pandemia)" e disse que deu anistia a dívidas do Fies.

Fake news

Uma declaração de Bolsonaro, dada em entrevista a um podcast, causou polêmica nas redes sociais nesta semana após ele narrar um episódio em que teria visto adolescentes venezuelanas em situação de vulnerabilidade no Distrito Federal. Vídeos mostram o presidente dizendo que "pintou um clima" ao passar pelas meninas que, segundo ele próprio, teriam entre 14 e 15 anos.

Bolsonaro aproveitou a pergunta de um jornalista para tocar no tema e chamar a campanha de Lula de mentirosa.

"O seu programa, influenciado por Gleisi Hoffmann, me acusou de pedofilia, tentando me atingir naquilo que tenho mais de sagrado: a defesa da família brasileira, defesa das crianças", afirmou Bolsonaro.

E usou uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, que mandou excluir vídeo sobre as meninas e também proibiu que o PT o use em sua campanha.

"O sr. Alexandre de Moraes dá uma sentença contrária a essas mentiras. Diz a sentença aqui: 'A postagem realizada pela representada Gleisi Hoffmann (que representa o PT), em 15 de outubro, agora, se descola da realidade por meio de inverdades, fazendo uso de recortes em encadeamentos inexistentes de falas gravemente descontextualizadas do representante Jair Bolsonaro, com o intuito de induzir o eleitorado negativamente. Tal contexto evidencia a divulgação de fato'."

Lula, por outro lado, diz que o adversário dele tem 36 processos por fake news

"A imprensa publica fartamente que pelo menos seis ou sete mentiras por dia são contadas (por Bolsonaro). Brinca-se de contar mentira. Levanta de madrugada, tem vontade, vai e conta uma mentira, faz uma live e conta uma mentira, sabe? Levanta até uma hora da manhã para fazer live", afirmou o petista.

Meio ambiente

Outro tema muito debatido entre Bolsonaro e Lula foi o meio ambiente, principalmente o desmatamento na Amazônia.

Lula afirmou que o Brasil era reconhecido como um país que preservava o meio ambiente.

"O Brasil participou da COP-15, em Copenhagen, e de um encontro em Paris, em que era elogiado porque era o país que menos desmatava e que mais cuidava da questão ambiental. Não existiu nenhum governo que fizesse o que a gente fez na questão ambiental", afirmou.

O candidato petista dise que, caso seja eleito, vai implantar políticas de preservação que vão atrair investimento internacional para o país.

"E agora nós vamos fazer mais, porque nós vamos fazer com que a agricultura de baixo carbono possa fazer com que o Brasil receba, quem sabe, muito dinheiro da União Europeia e de outros países, por conta do sequestro de gás de efeito estufa que nós vamos fazer preservando a Amazônia, coisa que você (Bolsonaro) não sabe. Nós vamos tentar fazer da biodiversidade da Amazônia uma forma de enriquecimento daquele povo", afirmou.

Já Bolsonaro disse que a intenção do candidato petista é dar parte da riqueza da Floresta Amazônica a outros países.

"Lula, tu acabou de dizer, há poucas semanas, que ia dividir a biodiversidade da Amazônia com o mundo. Você já está se curvando ao mundo. Em vez de você falar que a Amazônia é nossa, você quer dividir a nossa biodiversidade", afirmou Bolsonaro.

O candidato à reeleição disse ainda que Lula não executou políticas para proteger a floresta durante os anos em que ele e Dilma Rousseff foram presidentes do país.

"Em 14 anos, você não fez nada. Está prometendo que vai fazer pela Amazônia agora? Você não fez nada! Você passeou por aí, nas suas viagens, mas nada além disso", disse.

Corrupção

Lula disse que houve corrupção no governo Bolsonaro durante a compra de vacinas, algo que foi investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

"O senhor atrasou a vacina, depois tendo um processo inclusive de corrupção definido e denunciado pela CPI. E o fato concreto é que a sua negligência fez com que 680 mil pessoas morressem quando mais da metade poderia ter sido salva. A verdade é que o senhor não cuidou, debochou, riu, dizia que quem tomava vacina virava jacaré, virava homossexual, que não podia tomar vacina. O senhor gozou das pessoas, imitou as pessoas morrendo afogada por falta de oxigênio em Manaus", disse o petista.

Bolsonaro disse que Lula mentiu e disse que "não teve corrupção porque não teve vacina no Brasil". E retrucou dizendo que o PT se envolveu em corrupção durante a pandemia.

"Corrupção fez o seu partido na covid. Quando chegou na CPI a notícia de 50 milhões de reais desviados do sr. Carlos Gabas, ex-ministro de Dilma Rousseff, que passeava de bicicleta com ela, a CPI, dos seus amigos Renan Calheiros e Omar Aziz, não quis investigar. 50 milhões torrados em uma casa de maconha, não chegou nenhum respirador, e daí sim irmãos nordestinos morreram por falta de ar, por corrupção do sr. Carlos Gabas, deixar bem claro, e, em especial, o seu governador da Bahia, Rui Costa", afirmou o candidato à reeleição.

Publicado originalmente por BBC News Brasil, em 17.10.22

domingo, 16 de outubro de 2022

Lula enfrenta reta final liderando em algumas pesquisas que deixam margem para dúvidas

Bolsonaro está um pouco menos de 5 pontos atrás na média, mas a subestimação geral do atual presidente no primeiro turno coloca em dúvida onde cairão os decisivos 7,6% de indecisos

Lula (48,6%) está consistentemente à frente de Bolsonaro (43,8%) na corrida ao Planalto segundo todas as pesquisas realizadas após o primeiro turno eleitoral. 

Mas sua vantagem é pequena (menos de 5 pontos) e, portanto, inconclusiva, pelo menos ainda não. Na verdade, essa distância é substancialmente menor do que o número total de indecisos restantes entre os prováveis ​​eleitores. Isso deixa a batalha mais aberta, e nas mãos desse grupo de céticos que impedem qualquer um dos dois candidatos de chegar a metade mais um do total.

De acordo com as assembleias de voto, nenhum dos dois candidatos que foram para o segundo turno mal conseguiria somar apoio se contarmos como ponto de partida aqueles que já obtiveram em 2 de outubro. Não pelo menos em porcentagem: apenas 0,4 ponto a mais para Bolsonaro e míseros 0,2 para Lula. Como resultado, há tantos eleitores indecisos quanto pessoas que optaram por candidatos de terceiros no primeiro turno. Cabe lembrar aqui que todas essas quantidades são relativas: porcentagens de uma massa previamente definida como "prováveis ​​eleitores". Mas as saídas e entradas dessa massa (e, portanto, para a abstenção) contam tanto ou mais do que as transferências entre seus componentes (as candidaturas).

A maioria das pesquisas o coloca abaixo de 50% (e nenhuma além de 51, onde ele ocupa o segundo lugar). A vantagem atribuída a ele varia de 0,4 a 9 pontos. A média é 4,8. Este é um valor quase idêntico ao que resultou da primeira volta: 5.2. A maior surpresa na época foi justamente esse número, que era metade do esperado pelo consenso demográfico. Em outras palavras: o maior erro da maioria das assembleias de voto ocorreu então na subestimação do potencial eleitoral de Jair Bolsonaro. Foi quase sem dúvida a única grande falha, na verdade. Todo o resto foi cumprido conforme o esperado pelas pesquisas, que informaram corretamente os contornos essenciais do resultado: Lula estaria à frente do atual presidente, ambos estariam bem acima dos demais candidatos,

Apesar de todos esses sucessos, o foco do debate público desde a noite de 2 de outubro rapidamente se voltou para o erro com a direita. Essa fixação no erro é comum em períodos pós-eleitorais e pode ser explicada do ponto de vista cognitivo: se as pesquisas são um espelho no qual a sociedade espera se ver refletida, a distorção sempre chamará mais atenção do que o sucesso. Mesmo uma pessoa que nunca teve um espelho diante de si pode sentir seu rosto e contar dois olhos, um nariz, duas orelhas, uma boca. Da mesma forma, uma sociedade pode, desajeitada e imperfeitamente, explorar-se por meio de conversas mais ou menos gerais (nos bares, nas redes sociais ou na mídia) e ao menos saber que não houve rival realista para Lula ou Bolsonaro. Além disso, uma vez que confirmamos o que intuímos diante do espelho, a previsão torna-se paisagem. É atribuída uma probabilidade de 100% e deixamos de usá-la como critério para avaliar a qualidade da previsão. Paradoxalmente, isso chama a atenção para onde permanece a maior incerteza, precisamente o que é mais difícil para métodos desajeitados e precisos de prever.

Agora, nem tudo é viés cognitivo. Há um sentido analítico e prospectivo nessa atenção: afinal, chegando a um segundo turno com apenas dois candidatos, um hipotético erro significativo com um deles poderia significar, agora, um erro também no essencial: antecipar o vencedor. É muito cedo para adivinhar, e ainda há tempo para os indecisos se decidirem e para as pesquisas ajustarem os métodos. Mas, por enquanto, há pelo menos uma indicação para ficarmos atentos: há uma correlação negativa entre o erro que cada pesquisador cometeu com sua última pesquisa publicada sobre Bolsonaro e o voto que eles preveem para ele hoje. Ou seja: quem subestimou o atual presidente então hoje continua a tê-lo na faixa baixa, apesar de todos já assumirem que ele terá pelo menos um valor semelhante ao obtido no dia 2 nas urnas.

Embora a distância média antecipada por esses mesmos pesquisadores entre os dois candidatos seja menor do que o total de indecisos declarados, bastaria que, como aconteceu em 2 de outubro, a maioria deles decidisse pelo atual presidente para que essa vantagem fosse reduzir drasticamente. Portanto, as pesquisas não viram essa virada.

Jorge Galindo, o autor deste artigo, é analista colaborador do EL PAÍS, doutor em sociologia pela Universidade de Genebra com duplo mestrado em Políticas Públicas pela Central European University e pela Erasmus University of Rotterdam. É coautor dos livros 'The Invisible Wall' (2017) e 'La Urna Rota' (2014), e é membro do EsadeEcPol (Esade Center for Economic Policy). Publicado no EL PAÍS, em 16.10.22, às 07:15hs