quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A inflação corrói a renda dos brasileiros, mas ela é mais cruel com quem tem menos

Alta dos preços acumula 10,7% em 12 meses, mas o impacto nos menos favorecidos é dois pontos porcentuais maior do que para os privilegiados

 

Mulher observa produtos no mercado de Santo Amaro, em São Paulo, Brasil, em 25 de novembro de 2021 Crédito da foto: (Lela Beltrão).

É quinta-feira no fim da manhã e uma feira de produtos frescos em uma rua de Santo Amaro, região de classe média baixa de São Paulo, está quase deserta por culpa de um fenômeno que o Brasil não vivia há um quarto de século: uma inflação que chega aos dois dígitos, sobe a cada mês e ainda não foi contida. O aumento dos preços que percorre o mundo após a chegada da pandemia é sentido em cheio por aqui. Afasta a clientela, obriga a fechar barracas e, em um efeito perverso, aumenta a desigualdade que corrói o país. A inflação atinge com mais dureza o estômago dos brasileiros pobres do que o bolso dos ricos. Uma cliente aqui e outra ali compram um pouco de fruta ou verdura enquanto uma terceira mulher recolhe discretamente o que encontra de aproveitável entre os produtos descartados pelos feirantes.

Dayane Ferreira, de 38 anos, era analista financeira até que a pandemia a deixou sem trabalho, então ela entende um pouco de preços e de inflação. Depois de terminar a compra, apoiada no carrinho da filha, estima que nesta feira os preços de muitos produtos subiram entre 30 e 40%. Sua receita para equilibrar as contas inclui os seguintes ingredientes. Um, comprar menos quantidade dos produtos cujos preços dispararam. “Antes pagávamos entre 9 e 10 reais por meio quilo de café, agora custa 17; o preço do tomate dobrou”, detalha. Dois, procurar todo tipo de oferta e ir onde estiverem. Três, “não desperdiçamos nada. Só compramos o que vamos comer”. Ela está procurando trabalho, até agora sem sucesso. Portanto, nem pensar em viajar ou em qualquer outro luxo que antes podia pagar.

Com aumentos mensais nos últimos 12 meses, o Brasil acumula uma inflação de 10,7%, menor do que a inflação da Venezuela ou da Argentina, mas altíssimo para um país que manteve os preços notavelmente estáveis nas últimas duas décadas — é o dobro da meta do Banco Central. Além disso, esse número médio esconde o impacto muito desigual entre os mais privilegiados, os menos favorecidos e todos os que estão entre eles. Para os mais pobres (que ganham menos de 1.800 reais), a alta dos preços é de 11,39%, como detalha Maria Andreia Lameira no último relatório de conjuntura do Ipea. Por outro lado, para os que ganham mais de 17.000 reais por mês, a inflação é dois pontos porcentuais a menos, 9,32%.

Clientes no mercado de Santo Amaro, em São Paulo, Brasil. (Lela Beltrão)

Para os mais pobres, os aumentos nas contas de luz, gás, aluguel, e os preços da batata, café ou açúcar os atinge como um míssil supersônico, levando à insegurança alimentar. Todos os dias 19 milhões de brasileiros acordam sem saber como conseguirão ou se conseguirão a próxima refeição.

Em contraste, os aumentos nos produtos essenciais afetam pouco os orçamentos dos ricos. Os aumentos que mais os prejudicam são os da gasolina, das passagens aéreas (agora que voltam a planejar férias, festas de Ano Novo ou até Carnaval) e do transporte do tipo Uber, conforme o relatório do Ipea.

Quem conheceu os tempos da hiperinflação não os esquece. Rosa Lopes Masomoto, de 77 anos, que trabalhou em um banco até se aposentar, é uma delas. “Foram terríveis, piores do que hoje. O poder aquisitivo era pequeno, tínhamos de chegar à feira correndo, antes que mudassem os preços. Era uma loucura, os aumentos eram galopantes”, recorda enquanto procura verduras frescas. As generosas pensões que os brasileiros mais favorecidos da elite recebem amorteceram para eles um golpe que impacta, como sempre, de maneira desproporcional os milhões que ganham a vida no mercado informal. São aquelas senhoras idosas que ficam nas esquinas para vender doces caseiros.

Ou os protagonistas de uma das cenas que mais horrorizou os cidadãos deste país orgulhoso de ter saído do mapa mundial da fome há alguns anos. As pessoas das filas de ossos, aquelas que aguardam em fila para receber os descartes do açougue para matar a fome.

Para milhões de famílias, como a da empresária Jéssica Batista, de 30 anos, a pandemia e a consequente queda de renda obrigou a mudar a dieta alimentar. Ela conta que em sua casa consomem “mais carne branca e menos carne vermelha”, já que a pandemia reduziu a renda familiar à metade. Mais frango e mais porco.

Mercado de Santo Amaro, em São Paulo (Lela Beltrão)

Arnaldo Silva, de 59 anos e 40 como açougueiro, afirma que nunca na vida tinha visto um quilo de contrafilé a 178 reais. É o produto que mais subiu. Parte dos clientes passou a comprar cortes mais baratos, outros desapareceram. No meio da manhã, seu açougue está vazio. Ele diz que as entregas em domicílio são o que os manteve a salvo.

A feira de Santo Amaro está entrando em um círculo perigoso, explica o fruteiro Rogério Fernández, de 53 anos. Sem clientela, as barracas de carne e de peixe fecharam como uma das barracas de fruta, outra de banana, outra de pastéis... “São onze horas e veja como está”, diz, apontando para o vazio deixado pelos outros feirantes. “E daqui a pouco todo mundo vai almoçar e ninguém mais virá aqui”. Seu medo é que, à medida que a oferta diminua, a clientela pare de comprar lá e leve os que ainda sobrevivem à ruína.

NAIARA GALARRAGA GORTÁZAR, originalmente de São Paulo, para o EL PAÍS, em 02.12.21

Por que você é de esquerda?

Saber que a sociedade é um mosaico de personalidades políticas deveria nos ajudar a compreender que nenhuma ideologia é essencialmente superior. E que, portanto, pactuar com o outro é dialogar com a natureza humana

Pedro Sánchez responde a Pablo Casado em uma sessão de controle ao Governo no Congresso. (Crédito da foto: Eduardo Parra / Europa Press)

Ou de direita? Cada um tem suas razões: voto no mesmo partido que os meus pais (ou no partido adversário, para ser do contra), venho de um bairro operário, frequentei um colégio de freiras, escutava debates políticos em uma tenra idade, entre outras. Mas todos nós temos certeza de que foi um processo racional: escolhemos conscientemente a ideologia que melhor se ajusta à maneira como vemos o mundo.

No entanto, vários estudos científicos sugerem que nossa ideologia também é determinada por aspectos inconscientes. A estrutura neural das pessoas de esquerda e de direita é diferente. Os progressistas têm mais massa cinzenta no córtex cingulado anterior e os conservadores na amígdala direita. Diante de estímulos idênticos, as pessoas de direita franzem a testa e piscam mais. E embora as análises genéticas sejam difíceis, parece que também progressistas e conservadores se diferenciam em um gene receptor de dopamina.

O novo fascismo eterno

Segundo alguns especialistas, como John Hibbing, o que caracteriza as pessoas de direita é que são mais sensíveis às mudanças (de alimentação, população, costumes, seja o que for); principalmente aquelas percebidas como negativas ou incertas. Ao contrário, ali onde os conservadores veem uma ameaça, os progressistas adivinham uma oportunidade.

E isso torna nossas vidas ligeiramente diferentes. Os conservadores preferem a arte realista e os progressistas a abstrata; as casas de direita têm mais produtos de limpeza e calendários; as de esquerda, mais malas e livros. E também leva a diferentes atitudes políticas. As pessoas de direita, mais suscetíveis aos estímulos negativos, preferem políticas que reduzam as ameaças (como gastos com defesa ou tratamento duro aos criminosos) e promovam a conformidade social (cantar o hino na escola), a responsabilidade individual (oposição a ajudas públicas generosas) ou a tradição (religiosa e familiar).

Mas o fato de a ideologia estar parcialmente (cuidado, não totalmente) programada em nosso subconsciente não significa que esquerdistas e direitistas estejam condenados a se confrontar, muito pelo contrário. Saber que a sociedade é um mosaico de personalidades políticas deveria nos ajudar a compreender que nenhuma ideologia é essencialmente superior. E que, portanto, pactuar com o outro é dialogar com a natureza humana. @VictorLapuente

Victor Lapuente, originalmente para o EL PAÍS, em 02.12.21

No tabuleiro eleitoral, há opções para todos menos Bolsonaro

As peças estão se mexendo cada vez mais rápido para 2022. Em meio a várias possibilidades de alianças para fortalecer a esquerda de Lula ou uma terceira via no centro, Bolsonaro parece cada vez mais isolado.

"Alguém topa ser vice de Bolsonaro, além de algum sapo que se ache príncipe?", escreve o colunista Thomas MilzFoto: Evaristo Sa/AFP

Com João Doria definido como candidato do PSDB à Presidência do Brasil, abriram-se novas (ou velhas) possibilidades de chapas presidenciais para 2022.

Para começar, a vitória de Doria nas prévias tucanas resulta na saída de Geraldo Alckmin do PSDB. Haverá conversas sobre uma nova filiação do ex-governador de São Paulo e sobre uma possível chapa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seria uma opção interessante para Lula entrar no eleitorado social-democrata, o "centrão bacana", e aumentar seu leque eleitoral para além da "esquerda pura"

Como Lula aparece nas pesquisas com um núcleo forte de 35% a 40% das intenções de votos, e com o presidente Jair Messias Bolsonaro na casa dos 20% a 25%, temos um eleitorado de aproximadamente 35% no centro.

É aí que a "terceira via" está pescando seus peixes. E há vários pescadores por aí, entre eles a senadora Simone Tebet (MDB) e Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado. Os dois têm, ao mesmo tempo, "cheiro" de uma possível chapa com Lula, caso a opção Alckmin falhe. Principalmente Tebet seria uma opção interessante para Lula, pois ela representaria as mulheres e os ruralistas do Centro-Oeste.

Haverá mais uma vez a "terceira via Ciro Gomes" ou, melhor dizendo, a "terceira via raivosa". Ciro parece ter um destino parecido ao de Marina Silva: começar forte nas pesquisas para depois terminar em terceiro e cair fora. Parece que seu temperamento lhe prejudica nos momentos cruciais. Será que ele continuará nunca chegando lá? Pode ser diferente agora em 2022? Seu orgulho lhe deixaria entrar numa aliança ampla da esquerda para apoiar Lula num eventual segundo turno?

E o que dizer de Sergio Moro e João Doria? Está pintando uma possível aliança entre os dois? Para Doria, seria uma quase continuação do seu discurso anti-PT de 2018, mas sem a casca de banana do bolsonarismo. Mas considerando que tanto Moro quanto Doria têm um ego forte, quem cederia para ser o vice? Ou poderia haver uma espécie de job sharing, para trocar de lugar em 2026? Moro deve estar tranquilo por enquanto, esperando as pesquisas de maio ou junho de 2022. Se aparecer forte, vai sozinho. Se aparecer fraco, poderia pegar carona numa outra candidatura, como a de Doria.

Por outro lado: Moro já sentiu como é ser apenas o "sub" de um ego grande no caso de Bolsonaro, que colocou Moro como seu ministro da Justiça para depois tirar os poderes dele. Moro entraria novamente numa fria dessas? E Doria, teria perfil de vice?

Quem já provou que tem perfil de vice é Hamilton Mourão, o atual vice-presidente. Ele poderia seguir o general Santos Cruz e se juntar ao Podemos, de Sergio Moro. Poderemos ter a ala militar, decepcionada com Bolsonaro, migrando para Moro.

Vocês perceberam algo importante? Estamos falando de várias opções para fortalecer a esquerda de Lula ou uma terceira via no centro. Todo mundo, aparentemente, tem opções. Menos o próprio Bolsonaro, que parece estar cada vez mais isolado.

Agora ele se filiou ao PL e está, portanto, de volta ao "verdadeiro centrão". Alguém topa ser vice dele, além de algum sapo que se ache príncipe? Olhando para as pesquisas atuais, tem de ser suicida político ou bem baixo clero para topar ser vice de Bolsonaro. Ele é tóxico até na esfera política. Ele é um escorpião, ninguém confia.

Mas tudo pode mudar de uma hora para a outra na política brasileira. E, até onde sei, ninguém tem bola de cristal.

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Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. / Publicado originalmente pela Dewtsche We

Waack: Os caciques e o efeito Moro

Candidatura do ex-juiz antecipou a corrida e as dúvidas sobre o presidencialismo brasileiro

Embalado pelo próprio 'efeito' inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Os fatos se adiantaram aos cálculos dos operadores políticos e eles tiveram de correr devido ao “efeito Moro”. Previam a largada para as eleições do ano que vem apenas em abril. O “grid” estará completo, porém, ainda antes do Natal – quase meio ano de antecipação, uma enormidade de tempo na política.

O “efeito Moro” se define pela velocidade e abrangência com que um dos competidores alcançou projeção especialmente nos grupos de formadores de opinião. O alarme entre os concorrentes soou devido a um fato do qual já se fala há tempos, mas que esse “efeito” tornou ainda mais evidente.

Embalado pelo próprio 'efeito' inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. Foto: Dida Sampaio/Estadão
É a existência ou não de uma mistura (a proporção de combustível e ar no mundo dos motores) pronta para ser incendiada. Trata-se do potencial de voto em busca de quem não seja Lula ou Bolsonaro. A presença dessa larga camada é sabida há meses, e o mérito do “efeito Moro” até aqui foi demonstrar que, aparentemente, essa mistura está mais próxima de reagir à faísca do que se pensava.

Os operadores de várias forças políticas reagiram rápido ao “efeito Moro”, fato que reconhecem em público, mas não acham que seja necessário alterar outro cálculo: o de que decisiva mesmo nas próximas eleições é a formação de grandes bancadas. É o que explica movimentos de fusão (como PSL e DEM) e a relativa facilidade com que o Legislativo driblou o STF e convergiu com o Planalto para aprovar matérias que garantem a irrigação de emendas, com transparência ou não, e fundos eleitorais. Grandes bancadas dependem de grandes verbas.

Essa postura das raposas da política é uma útil lição para se entender o fundamental dos cenários pós-eleições. Emendas do relator e orçamento secreto não são outra coisa senão a expressão do avanço do Legislativo em suas prerrogativas – leia-se poder de fato. Traduz um progressivo enfraquecimento da autoridade do presidente da República no uso de ferramentas como alocação de recursos via orçamento, iniciada com a incompetência política de Dilma Rousseff (competência que Temer demonstrou ao escapar de duas denúncias) e acelerada pela incompetência política de Bolsonaro.

Está longe ainda do grande público a ideia de que o presidente que for eleito no ano que vem terá menos poderes frente aos parlamentares do que o presidente eleito em 2018. Embalado pelo próprio “efeito” inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas (PSDB e PFL) nos idos de FHC é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. É bom lembrar que FHC mandava mais, e do lado de lá tinha só um grande cacique. 

William Waack, Jornalista e Apresentador do Jornal da CNN, originalmente, para O Estado de S.Paulo, em 02 de dezembro de 2021.

"O PSDB foi devastado pelo bolsonarismo"

No Brasil do petismo e do bolsonarismo, legenda que nasceu com cara de centro-esquerda vive crise de identidade e caminha para ser um partido "pequeniníssimo", analisa cientista político.

Fundado em 1988, a partir de dissidências com o antigo MDB, o PSDB nasceu com cara de centro-esquerda, reunindo social-democratas e liberais progressistas. Em pouco tempo o partido se tornou uma das âncoras da política partidária no Brasil, tendo elegido Fernando Henrique Cardoso presidente. Os últimos anos, no entanto, foram complexos para a legenda, que se misturou em 2018 ao bolsonarismo e se depara, agora, com um enorme desafio.

O governador de São Paulo, João Doria, derrotou o colega Eduardo Leite (RS) e foi o escolhido em prévias partidárias como o nome do PSDB para disputar a Presidência da República em 2022. O resultado, no entanto, mostra um partido dividido quase ao meio e lideranças históricas com bastante dificuldade em caminhar ao lado de Doria. O drama do PSDB reflete a conjuntura político-partidária do Brasil, analisa o cientista político Jairo Nicolau, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"O PSDB vive uma crise de identidade muito grande, não consegue se encontrar neste cenário nacional. Aconteceu a mesma coisa com o [antigo] PFL, com o MDB também. Esses três partidos, que eram âncoras da política brasileira durante muito tempo, foram devastados pelo bolsonarismo. Uma parte deles aderiu ao bolsonarismo, outra parte rompeu com Bolsonaro, mas eles não têm mais lugar. Essas forças de centro, centro-direita, centro-esquerda, de 2018 para cá foram perdendo muito espaço na política brasileira com a ascensão do bolsonarismo", diagnostica o professor.

Doria não é um nome consensual no partido, mas não pode ser subestimado, diz Nicolau. "Ele foi se impondo a lideranças tradicionais e hoje controla o partido. Ele mostrou muita força. É uma pessoa muito determinada."

Para o cientista político, o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro se colocou no palco de 2022 há poucos dias e é em função dele que os outros partidos começaram a se movimentar. Sem uma liderança óbvia e carismática, os partidos que tentam ocupar o espaço do centro patinam, tentando emplacar um nome sem sucesso, enquanto Moro reaparece "e toma todo o espaço", analisa.

DW Brasil: Além da polêmica do processo das prévias em si, com problemas na votação pelo aplicativo e denúncias de fraudes, o resultado mostrou um PSDB bem dividido. Quais as consequências disso?

Jairo Nicolau: Uma consulta para escolha de candidato por intermédio de prévias sempre tem esse risco. Em geral, achamos simpático, porque é uma forma de consultar os filiados e dar voz às pessoas que participam da vida do partido. Mas muitas vezes há o risco de que esse processo seja tão polarizado e complexo que gere rusgas que depois transbordem para além das prévias. No caso do PSDB, sem as prévias o partido já estava dividido. Não sou especialista na vida interna do PSDB, mas o que vimos foi a formação de uma frente ampla contra o João Doria, e essa frente foi derrotada. Ela uniu políticos da primeira geração do PSDB, como é o caso de Tasso Jereissati, o PSDB de Minas, o PSDB do Rio Grande do Sul, com Eduardo Leite [derrotado por Doria nas prévias]. Mas não deu certo.

O Doria tem o controle do partido, já se supunha que isso aconteceria. Tentaram a candidatura do Tasso, que talvez tivesse mais envergadura para enfrentar o Doria, mas não deu certo. Claro que uma parte de governadores e políticos que apostaram no Eduardo Leite vão se recompor politicamente com Doria. Mas há outros segmentos. O [Geraldo] Alckmin foi derrotado, o Aécio [Neves] em Minas. E o próprio Eduardo Leite, que não deve participar da campanha [presidencial] ativamente. Ele não deve participar do comando da campanha do Doria.

O PSDB já estava numa situação difícil, o partido perdeu muito espaço na política nacional e tem uma divisão interna muito forte, com uma ala grande bolsonarista. Temos visto isso nas votações no Congresso, com o partido sempre acompanhando o governo. O partido perdeu muito, e Doria não é um nome consensual. Ele foi se impondo a lideranças tradicionais e hoje controla o partido. Ele mostrou muita força. É uma pessoa muito determinada. Mas o partido já vinha num processo de esvaziamento, perda de lideranças, foi mal em 2018, se recuperou um pouco em 2020.

Quais seriam, na sua avaliação, as causas desse esvaziamento do PSDB? Essa guinada à direita, certa adesão ao bolsonarismo, teria relação com isso, pelo paradoxo de o PSDB ter nascido como um partido social-democrata?

Acho que o partido ficou muito tempo fora do governo, durante a era petista. Foram quatro derrotas em sequência, no segundo turno. O partido foi perdendo força, e houve aposentadorias, esvaziamento da bancada, dificuldades estaduais. Exemplo: no Ceará tem o Tasso Jereissati [hoje senador], mas ele não criou uma liderança do partido para sucedê-lo. No Paraná, tinha o José Richa, fundador do PSDB. O Beto Richa [ex-governador] herdou, mas depois de escândalos também não tem liderança jovem e emergente no partido. As únicas exceções talvez fossem o Bruno Covas [ex-prefeito de São Paulo], que faleceu em São Paulo, e o próprio Eduardo Leite, que tem menos de 40 anos.

Depois de 2014, foi um momento de recuperação do PSDB, mas isso mudou de 2015 para frente, com o seu candidato a presidente [Aécio Neves] envolvido em escândalos de corrupção, e depois com o Doria se afastando de lideranças antigas do partido. Não vamos esquecer que a inflexão do PSDB forte para Bolsonaro aconteceu em 2018, quando Doria e Eduardo Leite o apoiaram no segundo turno.

Tem aí um componente de um partido que vive uma crise de identidade muito grande, não consegue se encontrar neste cenário nacional. Aconteceu a mesma coisa com o PFL, que sumiu também agora, virou outra coisa, outra força, essa União Brasil. Com o MDB também. Esses três partidos que eram âncoras da política brasileira durante muito tempo foram devastados pelo bolsonarismo. Uma parte deles aderiu ao bolsonarismo, outra parte rompeu, mas não tem mais lugar. Essas forças de centro, centro-direita, centro-esquerda, de 2018 para cá foram perdendo muito espaço na política brasileira com a ascensão do bolsonarismo.

Alguns políticos foram atraídos como ímã, não são social-democratas, nem social-liberais; são políticos pragmáticos que estão no PSDB e que poderiam estar em qualquer outra legenda. Eu não vou me assustar se uma parte do PSDB, em abril de 2022, muitos dirigentes e deputados, acabar indo para o campo do [Sergio] Moro, ou para o União Brasil, ou um campo bolsonarista. Não resta muito lugar no Brasil para a centro-esquerda.

Por quê?

O Brasil não tem mais centro, nem centro-esquerda. Virou um país do petismo e do bolsonarismo. Os outros são satélites destas duas forças e estão esperando os movimentos de cada um, as composições dos palanques estaduais. É realmente difícil a situação do PSDB. Tinham um candidato que poderia ajudar a renovar o partido, a direção e a linguagem [Eduardo Leite], mas ele foi derrotado. Não é que Doria não seja uma renovação. Também é. Mas ele divide muito o partido internamente, cria muitas arestas. Ainda não se sabe como Doria está compondo com esse campo de centro-direita. Parece que ele conversa, mas não vejo hoje um lugar muito especial para o PSDB no cenário político pós-2022. Acho que o PSDB vive muita dificuldade e caminha para ser um pequeniníssimo partido, com quem sobrar, algumas lideranças.

João Doria tem alguma condição de ser uma espécie de catalisador desta eventual terceira via?

É muito cedo. Eu diria que não, mas já errei duas vezes. Errei muitas vezes com o Doria. Achava que ele não ia conseguir indicação para ser candidato a prefeito. Depois ele ganhou no primeiro turno, em todas as favelas e bairros da periferia de São Paulo. Depois saiu para a eleição de governador, sem base, e ganhou. E agora esse movimento das prévias nacionais. Ele é um político muito ousado, rápido. É uma biografia relâmpago. Agora, não sei se podemos tirar o Doria [do páreo]. Ele pode fazer uma campanha bem feita, ganhar força a partir de São Paulo. A probabilidade de sucesso dele, para mim, é baixa, mas eu não diria que não existe. Ele é um sujeito obstinado, tem um papel importante no processo de vacinação no país, tem recursos para fazer campanha [pessoal e do PSDB]. Ele está mal nas pesquisas, pior do que se imaginava, mas vamos deixar o tempo decantar. Com o Doria eu aprendi que é necessário prudência. Em 2018, todo mundo apostava que o [Geraldo] Alckmin ia virar, ia subir com aquela aliança no horário eleitoral e aquela dinheirama, e não subiu. E pode ser que o Doria consiga. Eu não descartaria. Está muito cedo para descartes peremptórios.

Você citou que há pouco espaço entre petismo e bolsonarismo. Mas a avaliação positiva de Bolsonaro não está ultrapassando 20% nas pesquisas recentes. Ou seja, tem um universo aí no meio que não se organiza partidariamente pelo centro. É reflexo de um momento político?

Sim, o governo federal está tendo muitas dificuldades. Bolsonaro cometeu muitos erros de gestão de políticas públicas e de coordenação política, e está pagando por isso. Primeiro, não tem nenhuma liderança política óbvia neste campo alternativo. Veja o Sergio Moro [ex-juiz e ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro]. Ele se filiou ao Podemos há 20 dias e já está operando. E em função dele a política está se reorganizando. Pessoas estão se filiando ao Podemos, ele atraiu a cúpula dos militares, a turma da Lava Jato. Ou seja, isso é fazer política, no sentido de ocupar espaço.

Agora, a política brasileira depende muito de lideranças. Não somos como a política alemã, em que os partidos escolhem [nomes e candidatos]. Há países que têm força partidária, as pessoas têm vínculos com os partidos. Você sabe que tem uma parte conservadora e busca o candidato conservador, seja quem for. Veja aqui: se o PSDB tivesse um nome brilhante, jovem, popular, se o Moro não tivesse feito as lambanças da Lava Jato e tivesse no PSDB, nossa mãe... Seria o casamento de um partido que tem estrutura e tradição de disputar eleição presidencial com um nome.

Agora não tem esse casamento. Os nomes que vão aparecendo vão morrendo, inclusive nas pesquisas. Eles não convencem os colegas do mesmo campo político. O [Luiz Henrique] Mandetta não conseguiu, o [Luciano] Huck não conseguiu, o [Eduardo] Leite não conseguiu, o Tasso [Jereissati] desistiu, o Ciro [Gomes] está vivendo dificuldades. Não apareceu um nome óbvio, bom de palanque, carismático, com popularidade. Não apareceu. Aí os partidos ficam batendo cabeça, lançado nomes para ver se alguém pega. Ninguém pegou. Ninguém passou de 5 pontos nas pesquisas. Neste vazio, reapareceu o Moro. Na ideia de que a elite tradicional ia se acertar com o Mandetta, o Eduardo Leite, alguém do MDB, ou o Rodrigo Pacheco (PSD), quem tiver melhor fica, nisso apareceu o Moro e tomou todo espaço.

Malu Delgado, originalmente, há 17 horas, para a Deutsche Welle Brasil.

Anitta rebate comentário de Bolsonaro sobre educação política: "Fiz mais que o senhor"

Presidente havia debochado de lives da cantora com a jornalista Gabriela Prioli


                                                     (crédito: Instagram/Reprodução)

Em discurso com apoiadores, Jair Bolsonaro (sem partido) debochou de uma live realizada no Instagram sobre aulas de educação política com a participação da cantora Anitta e a advogada e apresentadora Gabriela Prioli. Após repercussão, Anitta respondeu o vídeo: "Ao invés de estar preocupado com o que eu estou fazendo da minha vida, devia estar cuidando do país, não é mesmo? “ e "Fiz mais que o senhor". 

O presidente falou em entrevista: “Outro dia eu tive o saco de ver, uns 10 minutos, duas mulheres – podia ser dois homens também, né? – ela não sabe nada, não sabe o que é poder executivo. Daí ela fala: “não existe deputado municipal?”. Essas coisas absurdas. Isso aí não é essas pessoas apenas não, é comum”, finalizou o político no vídeo replicado nas redes sociais.

Por  meio dos stories do Instagram, a cantora rebateu o comentário. "Se eu fosse presidente, e fosse ruim no que eu tô fazendo, também ia fazer isso... Ia só ficar só falando merda, falando besteira dos outros pra chamar atenção para viralizar e não ia responder nada das coisas que tô precisando fazer.", disse.

A live que o presidente se refere foi realizada em maio de 2020 em uma sequência de três episódios, falando sobre o beabá da política brasileira. “Vocês sabem que eu sou amiga da Gabriela Prioli e outro dia a gente estava conversando sobre a situação política do país. A gente resolveu fazer juntas uma live onde eu vou fazer várias perguntas pra ela, beabá mesmo, pra quem não entende nada de política, nesta sexta-feira. A gente vai tentar fazer isso toda semana, trazendo perguntas bem simples pra ela”, explicou Anitta na época.

Anitta respondeu as alfinetadas que o presidente Jair Bolsonaro fez a ela. ????pic.twitter.com/V9l3jWh88.

Luísa Mariana Moura, originalmente, para o Correio Braziliense, em 23/11/2021 10:33 

O nosso inescondível racismo: Policial algema homem negro a moto em movimento

A ação do policial militar foi apontada como ato de tortura. Polícia Militar de São Paulo abriu inquérito para investigar o policial.

 (crédito: Reprodução/Instagram)

Um vídeo que circulou, nas redes sociais, na terça-feira (30/11), mostra um policial militar em uma moto em movimento puxando um homem negro algemado. O caso foi registrado por um motorista que trafegava na Avenida Professor Luís Inácio de Anhaia Melo, Zona Leste de São Pulo, no momento do fato. Pelo vídeo, é possível ver que o policial acelera a motocicleta em alguns momentos, obrigando o homem a correr.

No entanto, o homem que fez o vídeo parece comemorar o ato de justiçamento, que remete às torturas do tempo de escravidão. "Olha o cara algemou e está andando igual escravo.Vai roubar mais agora?"

O coordenador do MTST e da Frente Povo sem medo, Guilherme Boulos, afirmou, em seu perfil de rede social, que o episódio gravado se trata dee um caso explícito de tortura. "Brasil, mais de 300 anos de escravidão. Tortura a sangue frio praticao por um PM de SP. Inaceitável."

A vereadora de Belo Horizonte Macaé Evaristo (PT) destacou, em seu perfil nas redes, que o policial cometeu um ato de racismo e tortura. "A violência do Estado, especialmente das forças policiais dono Brasil elimina direitos humanos. De forma criminosa, trata a população negra como escravizados", escreveu.

A Polícia Militar de São Paulo divulgou nota em que informa que será aberta uma investigação para apurar a conduta do policial. Veja a nota na íntegra.

A Polícia Militar, imediatamente após tomar ciência das imagens, determinou a instauração de um inquérito policial militar para apuração da conduta do referido policial e o seu afastamento do serviço operacional. A Polícia Militar repudia tal ato e reafirma o seu compromisso de proteger as pessoas, combater o crime e respeitar as leis, sendo implacável contra pontuais desvios de conduta.

Márcia Maria Cruz, originalmente, para o Estado de Minas, em 01/12/2021 15:02

Senado aprova André Mendonça como novo ministro do STF por 47 a 32

André Mendonça é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga do ministro aposentado Marco Aurélio Mello. 

Sua indicação ao cargo foi aprovada por 47 votos a 32 durante votação no plenário do Senado na noite desta quarta-feira (1/12), 105 dias depois de ter sido indicado pelo presidente Jair Bolsonaro.

André Mendonça em sabatina no Senado (Marcos Oliveira/Agência Senado)

É a segunda vez que o Senado aprova uma escolha do atual mandatário. Antes de Mendonça, havia sido referendado em 2020 o ministro Nunes Marques, que substituiu Celso de Mello. O ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça percorreu um longo caminho de quase quatro meses para ter seu nome votado, devido à resistência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, (CCJ) em pautar sua sabatina.

A aprovação do nome de Mendonça pode ser considerada uma vitória do presidente Jair Bolsonaro, embora o Palácio do Planalto, devido à demora do Senado de apreciar o nome do ex-ministro, tenha abandonado o candidato à própria sorte. As dificuldades de Mendonça começaram quando Bolsonaro insistiu em ter alguém "terrivelmente evangélico" no cargo para atender parte de seu eleitorado, quando a escolha de um nome para a Corte jamais deveria estar condicionada ao seu credo religioso.

O que faltou ao governo, como ficou claro durante os 105 dias nos quais Mendonça percorreu sozinho os gabinetes de senadores em busca de aprovação, foi articulação política por parte do Palácio do Planalto. Na história recente da República, nenhuma indicação do presidente da República para o Supremo demorou tanto para ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado quanto a do advogado André Mendonça.

As razões para isso são várias, e vão desde a própria intenção do presidente Jair Bolsonaro de indicar um nome identificado com as pautas conservadoras com as quais se apresenta ao seu eleitorado até uma manifesta atuação estratégica do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que relutava em pautar indicação de Mendonça. Todas elas, no entanto, têm um ponto em comum: são uma evidência da falta de articulação política do atual governo.

A resistência ao nome de Mendonça foi a mais visível aos olhos da multidão. Mas não foi incomum. No auge da popularidade, o então presidente Lula quis nomear seu ministro da Justiça, Tarso Genro, para o STF. Na ocasião, as antenas do Planalto plotaram uma resistência sólida ao nome do petista. Mais hábil que Bolsonaro, Lula simplesmente desistiu da indicação e poupou-se do desgaste.

Sabatina na CCJ

A primeira etapa para a indicação do ex-ministro André Mendonça para uma vaga no STF foi cumprida durante 5 horas. Antes da votação no plenário, por 18 votos a 9, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou seu nome para ser submetido a votação em Plenário. Os senadores seguiram o parecer da senadora Eliziane Gama (PDT-ES), relatora da indicação, e antecipado pela Conjur.

Durante sua sabatina na CCJ, o ex-ministro André Mendonça reafirmou seu compromisso com a democracia e o estado de direito. "A democracia é uma conquista da humanidade. Não há espaço para retrocesso, e o STF é o guardião desses direitos e direitos fundamentais", disse.

"Assumo o compromisso com a Justiça e com o aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito. Reafirmo meu compromisso irrestrito com a imparcialidade. Darei tratamento igualitário a todas as partes", completou.

O indicado ao STF também se manifestou sobre a prisão em segunda instância, mas se esquivou de uma resposta mais contundente. "Entendo que a questão está submetida ao Congresso Nacional, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o STF revistar o assunto apenas após eventual pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja indagado a fazê-lo", afirmou. Em outras ocasiões, ele já se manifestou favorável à prisão em segunda instância.

O próprio Mendonça fez questão de trazer à tona a questão de sua confissão religiosa, que acabou tomando vulto por causa das manifestações seguidas do presidente Bolsonaro, que insistiu em indicar alguém, segundo ele, "terrivelmente evangélico".

"A Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo. Como tenho dito para mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição", afirmou. "Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal", afirmou.

O ex-AGU lembrou que entre 2016 e 2018, atuou na CGU, onde teve oportunidade de coordenar as equipes de negociação dos acordos de leniência instituídos pela lei 12.186 de 2013 e assim aprimorar a efetividade da recuperação de ativos no Brasil. Nesse período, segundo ele, CGU e AGU firmaram acordos com diversas empresas, inclusive incluídas na "lava jato".

Em outro momento, Mendonça disse acreditar que delação premiada não é elemento de prova. "Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, eu entendo que o combate à corrupção tem que ser feito respeitando-se direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios, nós precisamos respeitar a política", afirmou Mendonça aos senadores.

"Todo mundo aqui é contra corrupção, lógico. Mas acho que há mais consensos que podemos estabelecer. Não se pode criminalizar a política. Eu aprendi nos meus estudos em Salamanca primeiro que a corrupção é um problema complexo, e o direito sancionador não é um elemento determinante para resolver esse problema", acrescentou.

Ele também argumentou que não utilizou a Lei de Segurança Nacional (LSN) na condição de ministro de Estado para perseguir ninguém e, sim, para responder a ofensas ao presidente da República. "Em boa hora, o Congresso aprovou o texto que revogou a Lei de Segurança Nacional", disse o ministro, afirmando que era sua função, como ministro da Justiça, utilizar a LSN por ofensas ao presidente, sem intenção de perseguir ninguém. "Reafirmo a preservação de direitos e garantias fundamentais. Juiz não é acusado e acusador não é juiz", salientou.

"Sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso sob pena de não o fazendo incidir em crime de prevaricação", completou.

Questões polêmicas

Mendonça também afirmou que "há espaço para posse e porte de arma" no Brasil. Ele, porém, evitou falar sobre a legalidade dos decretos de Jair Bolsonaro sobre o tema. "Há espaço para posse e porte de armas. A questão que deve ser discutida é quais são os limites. Não posso me manifestar sobre o tratamento que foi dado pelos decretos, mas a segurança pública deve ser um objetivo a ser alcançado por todos nós. O principal debate deve ser no Legislativo, mas há um espaço para a regulação", salientou.

Disse, ainda, que não será submisso ao presidente Bolsonaro, embora o mandatário tenha sido responsável pela sua indicação. "Há uma diferença entre ser ministro do governo e ministro do STF", pontuou.

O senador Fabiano Contarato (Rede Sustentabilidade-ES) foi um dos únicos que questionou mais duramente o ex-ministro, ao lembrar diversas ações controversas de Mendonça quando ocupou o ministério da Justiça e a AGU, como assinar pedido de Habeas Corpus do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, quando este afrontou o STF dizendo que era preciso prender os integrantes da Corte.

E também indagou a opinião do indicado sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mendonça tergiversou e disse apenas que não compactua com discriminação, sem responder diretamente se votaria contra ou a favor em um eventual julgamento sobre a questão. Mas disse que defende o direito constitucional de união de pessoas do mesmo sexo.

Demora e fraqueza

O intervalo entre a indicação de Mendonça e a sabatina no Senado foi o maior da história recente da República. Bolsonaro encaminhou o nome do ex-AGU em 12 de julho, depois de passar uma semana insultando o Judiciário e o Senado, disparando ofensas e ataques ao STF, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e à CPI da Covid.

A demora fez com que os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) acionassem o Supremo para obrigar Alcolumbre a marcar a sabatina. No início de outubro, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu que a questão era interna corporis, e que não cabia ao Judiciário interferir no funcionamento de outro Poder da República.

Nas últimas semanas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, passou a ser cobrado pela omissão de Alcolumbre, principalmente por parlamentares e líderes evangélicos. Na última quarta, Alcolumbre finalmente anunciou que agendaria a sabatina.

Nota de Fux

No início da noite, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, divulgou nota e adiantou que pretende dar posse a Mendonça ainda este ano. "Manifesto satisfação ímpar pela aprovação de André Mendonça porque sei dos seus méritos para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Além disso, em função da atuação na Advocacia Geral da União, domina os temas e procedimentos da Suprema Corte, que volta a ficar mais forte com sua composição completa. Pretendo dar posse ao novo ministro ainda neste ano", afirma o magistrado.

Severino Goes, originalmente, para o Consultor Jurídico, em 01.12.21

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

As muitas faces de um escândalo

Câmara e Senado se uniram para manter o ‘orçamento secreto’ e afrontar o Supremo com desassombro poucas vezes visto na história recente

 O Congresso mostrou que está disposto a tudo, inclusive a descumprir nada menos que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), para seguir com a apropriação de uma expressiva parcela do Orçamento da União por meio das emendas de relator-geral – tecnicamente conhecidas como emendas RP-9 – sem qualquer tipo de fiscalização institucional. O único controle, por assim dizer, sobre o manejo de cerca de R$ 16 bilhões em emendas RP-9 no ano que vem, assim como foi em 2020 e 2021, será o conchavo entre quem libera, quem distribui e quem recebe essa dinheirama, uma concertação de bastidor orientada por qualquer coisa, menos pelo interesse público e pelo respeito à Constituição. É o patrimonialismo escancarado.

Na segunda-feira passada, deputados e senadores aprovaram uma resolução conjunta que não apenas institucionaliza o desvirtuamento das emendas RP-9, como sustenta o sigilo sobre a origem e o destino dos bilionários recursos liberados por meio dessa rubrica orçamentária. Na Câmara dos Deputados, a resolução antirrepublicana foi aprovada por folgada maioria: 268 votos favoráveis e 31 contrários. No Senado, a oposição ao texto foi maior, mas insuficiente para fazer prevalecer a decência: 34 senadores votaram a favor da resolução e 32, contra.

O resultado é fruto do esforço pessoal dos presidentes de ambas as Casas Legislativas. Tanto Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado, manobraram para que o mistério que ronda a liberação das emendas RP-9 permanecesse ao abrigo do escrutínio público. A resolução aprovada prevê que o relator “poderá” dar publicidade aos valores e aos “patronos” dos recursos, mas, obviamente, o tempo verbal não foi escolhido por acaso.

Poucas vezes na história recente do País o STF foi afrontado com tamanho desassombro por outro Poder. No dia 10 de novembro, a Corte ordenou que o governo federal suspendesse imediatamente o pagamento das emendas de relator e que o Congresso desse “ampla publicidade” às liberações realizadas até aquele momento. O STF não fez nada além de reafirmar o princípio da publicidade dos atos da administração pública inscrito na Constituição. A ministra Rosa Weber foi direta ao afirmar que “o regramento pertinente às emendas de relator distancia-se dos ideais republicanos”. Noutros tempos, menos confusos, um “lembrete” desses nem sequer teria que ser feito ao presidente da República e aos presidentes das duas Casas Legislativas.

Mas são tempos estranhos. Tão estranhos que Rodrigo Pacheco, ao defender a astuciosa resolução, chegou a afirmar que “as emendas de relator vão salvar muita gente no Brasil”. Faltou explicar ao distinto público a quem ele se referia.

A bem da verdade, não há nada de ilegal ou imoral na concepção originária da emenda RP-9: é uma rubrica de natureza eminentemente técnica, por meio da qual o relator-geral corrige erros e omissões no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) encaminhado pelo Poder Executivo. Com a adulteração do propósito da RP-9 para atender a interesses paroquiais, fisiológicos e eleitoreiros, longe dos controles democráticos, atropelam-se a Constituição e os valores republicanos. 

A resolução aprovada pelo Congresso no dia 29 passado estabelece que as emendas de relator não se prestam mais apenas à correção de erros ou omissões na lei orçamentária, mas podem ser usadas para distribuição de recursos do Orçamento da União de acordo com as vontades do Congresso, que assim usurpa uma prerrogativa que é, eminentemente, do Poder Executivo.

A raiz do mau uso das emendas RP-9, portanto, é a absoluta falta de governo no Brasil. O interesse primordial do presidente Jair Bolsonaro não é governar o País, mas sim ser reeleito. Com qual propósito, só ele sabe. Bolsonaro é um ergofóbico incapaz técnica e moralmente de governar. Não surpreende que, a despeito de todos os sérios problemas que estão sobre sua mesa à espera de solução, o presidente encontre tempo para passar horas acenando para motoristas na beira de uma estrada ou para dirigir ônibus pelas avenidas de Brasília. Enquanto isso, o Congresso toma conta do Orçamento e dos destinos do País, desde que estes não colidam com os interesses particulares dos parlamentares.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 01.12.21

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Atlas: Lula amplia vantagem e Moro vai a terceiro lugar, tirando voto de Doria, Bolsonaro e Ciro

Pesquisa da Atlas Político mostra que ex-presidente amplia vantagens sobre adversários com 42,8% de intenções para 2022 e venceria a todos no segundo turno. Ex-juiz alcança 13,7% das intenções. Bolsonaro mantém vice liderança (31,5%) e Doria fica na lanterna

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-juiz Sergio Moro.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliou sua vantagem sobre os adversário na corrida eleitoral de 2022, conforme pesquisa do Atlas Político divulgada nesta terça-feira. Se a eleição fosse hoje, Lula teria 42,8% das intenções de votos, contra 31,5% de Jair Bolsonaro (sem partido), reforçando sua liderança. A entrada do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (Podemos) na disputa bagunçou a chamada terceira via, dividindo a preferência dos eleitores antipetistas. Moro assumiu a terceira posição, com 13,7% dos votos, tirando uma parcela de votos de Bolsonaro, mas também de Ciro Gomes (PDT) ―na quarta posição com 6,1% dos votos―, e especialmente de João Doria (PSDB).

Doria, confirmado candidato tucano após as prévias deste final de semana, foi o candidato que mais perdeu com a chegada do ex-juiz. “O eleitorado de Moro é uma base antipetista, apoiador da Lava Jato, que vê o ex-juiz como herói e busca um candidato mais ao centro”, diz o cientista político Andrei Roman, CEO do Atlas. “Esse resultado reflete o momento de Doria, que já estava com dificuldade de decolar e teve prévias conturbadas com seu partido rachado”, diz.

Aprovação ao Governo Bolsonaro cai para 19%, nível mais baixo desde que chegou ao Planalto

Doria venceu as prévias do partido finalizadas no dia 27 de novembro. Ganhou por uma diferença pequena de votos ―53,99% contra 44,66% do governador gaúcho Eduardo Leite. Enquanto Doria tem a tarefa de reconstituir relações internas e convencer seus próprios pares de que ele é uma opção viável, Moro avança como a novidade numa terceira via. “É a primeira vez que um candidato [da terceira via] vai acima dos 10 pontos desde janeiro”, destaca Roman. A Atlas vem testando os nomes de possíveis candidatos que se opõem a Lula e Bolsonaro desde o início do ano. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o governador gaúcho Eduardo Leite e o próprio Moro já havia entrado nas pesquisas anteriores, mas nunca havia ultrapassado a barreira dos dois dígitos.

O levantamento on-line feito com 4.401 pessoas entre os dias 27 e 29 de novembro, perguntou como seria a eleição em um cenário sem Moro, para entender o impacto da chegada do ex-juiz nos candidatos. Apenas Lula mantém sua posição inalterada. Bolsonaro saltaria para 34,3% das intenções de voto ― uma diferença de quase 3 pontos percentuais (p.p.); enquanto Ciro iria para 8,5% (+2,4 p.p.); e Doria subiria para 5,7% (+4 p.p.)

“Até então, Bolsonaro não tinha competição”, afirma Roman. O presidente vinha perdendo espaço na corrida eleitoral para sua própria atuação no Governo. A aprovação de Bolsonaro alcançou seu índice mais baixo desde o início de 2019: 65,3% dos brasileiros rejeitam seu Governo. Somente 19% aprovam o seu Governo, a pior marca desde o início da sua gestão, conforme mostra a pesquisa Atlas, divulgada nesta segunda, dia 29.

Segundo turno

Em um cenário de segundo turno, a pesquisa mostra que Lula vence de todos os candidatos: com 50,5% das intenções de voto numa disputa contra Bolsonaro; 46,4% dos votos contra Moro; 42,3% contra Ciro; e 47,2% contra Doria. O número de eleitores que declaram voto em branco, nulo ou que não sabem em quem votar ainda é alto nos cenários em que Lula disputa com Moro, Ciro e Doria, o que mostra que o eleitor ainda está em dúvida. Numa disputa entre Lula e Bolsonaro, somente 13,5% dos eleitores não se posicionam. Esse número sobe, de acordo com o candidato: 24,4% mostram indecisão num confronto entre Lula e Moro, e 37,4% no caso de uma disputa entre Lula e Doria.-

Já no caso de uma disputa entre Bolsonaro e os demais candidatos no segundo turno, o atual presidente perde de todos, menos de João Doria, com quem teve com empate técnico.

O desempenho de Moro mostra um recall positivo do ex-ministro, que saiu de cena em 2019 e seguiu para uma consultoria nos Estados Unidos. Houve sempre uma expectativa se ele abraçaria uma campanha eleitoral, o que se confirmou no dia 10 de novembro em sua filiação ao Podemos, quando se perfilou pré-candidato para liderar a terceira via.

Mas seu avanço na pesquisa expõe também os erros de campanha do pedestista Ciro Gomes, que tem como marqueteiro João Santana. Ciro assumiu uma postura de confronto com o PT em busca de votos no bolsonarismo. A pesquisa do Atlas revela uma falha nesse cálculo, uma vez que votos dele se mostram voláteis e migram para Moro.

Perfil dos eleitores

A pesquisa mostra que 7% dos eleitores que afirmaram terem votado em Bolsonaro na eleição passada agora têm intenção de votar em Lula. O petista também está atraindo 40% daqueles que declararam terem votado em branco ou nulo e 48% dos que não compareceram na eleição de 2018 ― quando 42 milhões de eleitores escolheram não votar em nenhum dos candidatos. Esse público poderia ter mudado o rumo da eleição passada, uma vez que Bolsonaro teve 57,7 milhões de votos Fernando Haddad (PT), 47 milhões.

Moro também está atraindo uma parcela importante de ex-bolsonaristas: 18% daqueles que votaram no atual presidente em 2018 dizem que agora vão votar nele. O ex-juiz também é a aposta de 29% de eleitores que votaram branco e nulo e 22% que não compareceram na eleição passada. O eleitor de Moro é bastante equilibrado no quesito gênero e escolaridade. O ex-juiz tem a preferência de pessoas com mais de 35 anos e dos mais ricos: 30% dos eleitores com renda acima de 10.000 reais têm intenção de votar no ex-juiz.

O petista é um candidato forte entre as mulheres (49% das eleitoras afirmam votar em Lula), a maioria do público com ensino fundamental (45%) e médio (46%). Também os moradores da região Nordeste (51%). Bolsonaro tem 30% dos eleitores nordestinos e Moro, 7%. Lula continua na preferência do eleitor com renda de até 2.000 reais (56%) ― um reflexo do programa sociais, como o Bolsa Família, encerrado na atual gestão com a criação do Auxílio Brasil. Apesar de ser um político veterano, Lula atrai um público jovem: 46% dos eleitores de 16 a 24 anos têm intenção de votar no ex-presidente.

Já Bolsonaro tem a preferência dos eleitores homens (39%), bem divididos entre aqueles com ensino fundamental, médio e superior. O presidente ganha destaque entre 37% de moradores das regiões Sudeste e 35% do Centro-Oeste. A maioria de seus eleitores têm renda entre 2.000 e 3.000 reais (40%), são evangélicos (47%) e têm mais de 35 anos. Bolsonaro mantém um público fiel: 65% daqueles que votaram no presidente na última eleição pretendem repetir o voto.

REGIANE OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS, em - 30 NOV 2021 - 15:25 BRT

Ômicron: dados ainda são insuficientes, mas variante tem potencial gigantesco de disseminação, diz virologista

Baixa vigilância sobre variantes na América Latina vira ameaça ao mundo

Após Alfa, Beta, Gama e Delta, ômicron entra na lista das variantes de preocupação do coronavírus mantida pela OMS (Getty Images)

O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), Flávio da Fonseca, diz que os dados disponíveis até o momento sobre a variante ômicron ainda são insuficientes para prever o impacto que terá, mas aponta que ela tem "potencial de disseminação gigantesco".

"Embora os dados ainda sejam fragmentados, está claro que ela (ômicron) tem potencial de disseminação gigantesco — pelo número alto de mutações e pela rapidez com que já se disseminou", disse em entrevista à BBC News Brasil o virologista, que também é professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A variante ômicron do coronavírus, detectada na África do Sul, acendeu o alerta entre autoridades de saúde de todo o mundo nos últimos dias - o que gerou medidas restritivas principalmente relativas a viagens com origem em países do sul da África. As ações foram condenadas pelo governo da África do Sul, que as considera injustificadas (leia mais abaixo).

A quantidade e a variedade de mutações na ômicron, algumas delas inéditas, vêm sendo apontadas como motivos de preocupação por cientistas. A nova variante tem uma longa lista de alterações genéticas — 50 no total. Destas, 32 estão na proteína spike (ou espícula) do vírus — a parte que conecta o microorganismo à célula humana para iniciar a infecção.

Ômicron pode ter efeito como o da delta no Brasil?

Antes de sabermos da existência da ômicron, outra variante levou países da Europa e de outras regiões a registrarem novas ondas de infecções: a delta.


É cedo para prever, diz Fonseca. É que a resposta para esta pergunta depende principalmente de dois pontos que ainda não estão claros: dados sobre como as mutações verificadas na variante afetam ou não a eficácia das vacinas e informações sobre o comportamento da variante em países com cobertura vacinal maior que a verificada no sul da África.

"Neste momento, é difícil dizer se a ômicron teria um impacto mínimo na nossa sociedade como a delta teve", diz Fonseca.

"Na delta, com nossa cobertura vacinal crescendo rápida e adequadamente, e com o fato de que tivemos segunda onda muito intensa com um vírus que também apresentava muitas mutações (gama), isso em conjunto explica o impacto que a variante teve no Brasil quando comparado à Europa."

Em seguida, no entanto, ele alerta que a ômicron apresenta uma "constelação de mutações que vai muito além das existentes na gama ou na delta".

É por isso que cientistas buscam agora entender se as vacinas atualmente em uso são capazes de dar a mesma proteção em relação à ômicron.

Fonseca diz que essa resposta, por sua vez, ajudará a entender o possível impacto da variante no Brasil. Além desse fator, ele reforça que os pesquisadores estão atentos ao comportamento dessa variante em regiões com maior cobertura vacinal do que o sul da África, como alguns países da Europa, para buscar mais elementos para tentar prever impactos em território brasileiro.

Presidente da África do Sul condenou as proibições de viagens decretadas contra seu país e seus vizinhos devido à ômicron (Getty Images)

Diversos países já conseguiram detectar casos da variante, como Reino Unido, Alemanha, Itália, Austrália, República Tcheca, Israel, Bélgica, Honk Kong, Botsuana, além da África do Sul.

No Brasil, ainda não houve divulgação oficial de casos da nova variante.

O governo brasileiro anunciou, na noite de sexta-feira (26/11), o fechamento de voos vindos de seis países do sul da África.

EUA, Canadá, União Europeia e Reino Unido estão entre os que anunciaram uma sequência de restrições a viagens e voos vindos de locais em que já há casos confirmados de infecção desse novo tipo de coronavírus.

Depois do anúncio dessas medidas, o presidente da África do Sul condenou as proibições de viagens decretadas contra seu país e seus vizinhos devido à ômicron.

Cyril Ramaphosa disse estar "profundamente desapontado" com as medidas, que ele descreveu como injustificadas, e pediu que as proibições fossem suspensas com urgência.

A ômicron foi classificada como uma "variante de preocupação" pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e informou que evidências preliminares sugerem que essa variante oferece um risco maior de reinfecção de covid-19 do que suas antecessoras.

A médica sul-africana que primeiro identificou a nova variante ômicron do coronavírus, Angelique Coetzee, diz que os pacientes infectados até o momento mostram "sintomas extremamente leves" — mas mais tempo ainda é necessário para avaliar o efeito em pessoas vulneráveis.

Questionada se os países em que a variante foi identificada estão em pânico desnecessariamente, Coetzee diz que, neste momento, avalia que sim.

"Os casos já devem estar circulando nos países sem serem notados. Então, nesse momento, eu diria que com certeza [o pânico é desnecessário]. Em duas semanas, talvez nossa avaliação mude."

Laís Alegretti - @laisalegretti, de Londres para a  BBC News Brasil, em 30 novembro 2021, 11:21 -03

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Moro diz que está conversando com outros partidos para apresentar um 'projeto de Brasil'

No discurso de filiação ao Podemos, Sérgio Moro admitiu que sua voz racha de vez em quando. O ex-juiz rachou a direita e encantou os bolsonaristas arrependidosNo discurso de filiação ao Podemos, Sérgio Moro admitiu que sua voz racha de vez em quando. 

O ex-juiz rachou a direita e encantou os bolsonaristas arrependidos | Foto Divulgação

Sergio Moro continua requisitado pelo mercado financeiro. Mais do que nunca candidato, gravou no fim de semana, em São Paulo, um vídeo de 40 minutos que será exibido no dia 7 no evento Money Week, da EQI Investimentos.

Nele, Moro anuncia que está conversando com outros partidos políticos para apresentar um "projeto de Brasil" em 2022.

O ex-juiz também mostrou-se enquadrado num novo figurino. E não está se falando do terno, camisa social e gravata preta de seus tempos de magistratura — ele estava de paletó azul marinho e camisa social azul clara. Mas da nítida preocupação com a diversificação dos temas: falou por cerca de dez minutos sobre a importância do meio ambiente.

Moro também reafirma seu compromisso de combater a corrupção, deixa claro que é a favor do livre mercado e defende a venda de estatais. Diz Moro:

— Quero deixar claro que sou a favor das privatizações. O que precisamos avaliar é o modelo. Para não transformar eventualmente um monopólio público em um monopólio privado.

Prudentemente, não antecipa se é favorável a desestatizar o Banco do Brasil e a Petrobras, dois sonhos dourados do mercado financeiro.

No mais, diz aquilo a Faria Lima gosta de ouvir. Reforçou que chamou Afonso Celso Pastore para elaborar o seu plano econômico, que tem preocupação com a responsabilidade fiscal, que a iniciativa privada é mais eficiente que o estado e que ainda o país não venceu o desafio da educação.

Lauro Jardim n'O Globo online, às 17:25 de 29/11/2021 

Variante ômicron representa risco global muito alto, diz OMS

Apesar de incertezas sobre transmissibilidade e gravidade, Organização Mundial da Saúde alerta que nova cepa tem mutações preocupantes e pode ter "consequências graves". Variante já chegou a mais de dez países.

A nova variante ômicron do coronavírus, detectada inicialmente no sul da África e potencialmente mais contagiosa, representa um risco global muito alto, afirmou a Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta segunda-feira (29/11).

A agência da ONU afirmou que a ômicron provavelmente vai se espalhar internacionalmente e pode ter "consequências graves" em algumas áreas. A entidade pediu que países acelerem a vacinação de grupos vulneráveis e tenham "planos de mitigação" para o caso de uma alta nas infecções.

Embora ainda haja incertezas em relação ao quão contagiosa e perigosa seja a ômicron, a OMS ressaltou que a nova cepa tem um número sem precedentes de mutações da proteína spike (ou proteína S) do coronavírus, "algumas das quais são preocupantes por seu potencial impacto na trajetória da pandemia".

"O risco global geral relacionado à nova variante é avaliado como muito alto", afirmou a OMS, alertando para possíveis novas ondas de covid-19 impulsionadas pela ômicron.

A presença de mutações múltiplas da proteína spike sugere que a ômicron pode ter uma alta probabilidade de fuga imunológica da proteção por meio de anticorpos e ser mais transmissível, apontou.

A agência ressaltou, no entanto, que são necessários mais estudos sobre o potencial de a nova variante escapar da imunidade induzida tanto por vacinas quanto por infecções anteriores e que ainda não foram registradas mortes ligadas à cepa.

Variante se espalha pelo mundo

A variante foi detectada inicialmente em amostras coletadas em 11 de novembro em Botsuana e em 14 de novembro na África do Sul. Ela foi reportada pela primeira vez à OMS no dia 24 de novembro pela África do Sul, onde somente 24% da população foi completamente vacinada contra a covid-19 e as infecções vêm aumentando acentuadamente.

"Uma alta dos casos, independentemente de uma mudança na gravidade [da doença], pode significar demandas esmagadoras para sistemas de saúde e pode levar a um aumento da morbidade e da mortalidade. O impacto em populações vulneráveis poderia ser significativo, particularmente em países com baixa cobertura vacinal", alertou a agência da ONU.

Após ser reportada pela África do Sul, a variante ômicron já chegou a mais de dez países, entre eles os europeus Alemanha, Bélgica, Itália, Holanda, Dinamarca, República Tcheca, Reino Unido e Portugal. A Áustria e a França analisam casos suspeitos. O Canadá confirmou duas infecções no domingo. Israel e Austrália também tem um caso confirmado cada.

A Anvisa comunicou neste domingo que um brasileiro que passou pela África do Sul está com covid-19, mas ainda não está claro se a infecção dele é com a ômicron.

Países tentam se blindar

A nova variante levou vários países a anunciar restrições de viagens. O Brasil, o Reino Unido, os Estados Unidos e vários países da Europa impuseram restrições para viagens com origem na África do Sul e países vizinhos.

Nesta segunda-feira, embora ainda não tenha detectado nenhuma infecção pela ômicron, o Japão se juntou a Israel e anunciou o fechamento de suas fronteiras para todos os estrangeiros.

"Estamos adotando esse passo como uma precaução emergencial para evitar o pior caso possível no Japão", anunciou o primeiro-ministro, Fumio Kishida, acrescentando que a proibição entra em vigor nesta terça. "Trata-se de uma medida temporária e excepcional que estamos adotando por segurança até que haja informações mais claras sobre a variante ômicron."

No comunicado emitido nesta segunda, a OMS reiterou que países deveriam adotar "uma abordagem baseada nos riscos para ajustar suas medidas de viagens internacionais" e pediu cautela em relação a proibições de viagens.

"Com a variante ômicron agora detectada em várias regiões do mundo, adotar proibições de viagem mirando a África afronta a solidariedade global", disse a diretora regional da OMS Matshidiso Moeti.

O presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, apelou a países de todo o mundo para que encerrem logo as restrições a viajantes vindos do sul do continente africano. Ele disse que se trata de uma medida discriminatória, para a qual não há justificativa científica. O chefe de Estado afirmou que o bloqueio apenas prejudica ainda mais a economia e dificulta a capacidade de resposta perante a pandemia de covid-19.

O governo do Reino Unido convocou uma reunião de emergência para esta segunda-feira entre ministros da Saúde dos países que integram o G7, grupo das sete economias mais desenvolvidas do mundo, para debate sobre a variante ômicron.

Deutsche Welle Brasil, em 29.11.21

Escolha de Doria impõe ‘divã’ ao PSDB para curar feridas e ganhar fôlego como terceira via em 2022

Governador paulista é tido como pouco “palatável” e não poupou confrontos na campanha para ser lançado candidato à presidência pelo partido. Com a vitória, terá de refazer laços ao mesmo tempo em que prepara ataques a Lula e Bolsonaro

Ao centro, o governador paulista João Doria comemora vitória nas prévias do PSDB, ao lado do presidente da sigla, Bruno Araújo, e de Eduardo Leite, principal adversário na disputa. (Evaristo Sá / Agencia France Press - AFP)

O maior adversário de João Doria nunca esteve exatamente entre seus pares, por mais que não lhe faltem desafetos dentro e fora de seu partido. O tucano, agora na versão presidenciável, terá que trabalhar o temperamento egocentrado para juntar os cacos que ele ajudou a espalhar dentro do PSDB. A despeito da bem-sucedida campanha de vacinação que encampou desde o início da pandemia de coronavírus e de números razoavelmente positivos da economia estadual, Doria, com vitória apertada nas prévias, terá a tarefa de reconstituir relações internas que serão encaradas numa espécie de divã pré-eleitoral pelas lideranças de seu partido.

O governador de São Paulo precisará alinhar as expectativas e interesses pessoais ao mesmo tempo em que a sua candidatura se depara com o desafio de virar naturalmente uma terceira via. A interlocutores, logo depois do resultado de que fora vitorioso nas prévias, deu a entender que a busca por apoio dentro do partido deve andar de mãos dadas à desconstrução das imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do atual mandatário, Jair Bolsonaro. Mais que isso, Doria entende que o momento é de atrair para sua campanha nomes que disputam com ele furar a bolha do petismo e do bolsonarismo. Sergio Moro será procurado para uma conversa com Doria na próxima semana, ainda que o ex-juiz já tenha se colocado em campo, com viagem marcada para o Nordeste em janeiro, numa extensão da agenda camuflada de candidato que assumiu há pouco mais de um mês.

O desempenho apertado de Doria nas prévias é atribuído por pessoas próximas à dificuldade que ele encontrou para estabelecer novos aliados ou recompor antigas amizades, que, com o tempo, tornaram-se adversários muito além do fogo amigo. Dois deles ajudaram a colocar lama na areia movediça com que o paulista se deparou ao longo do processo para escolha do presidenciável do partido. Depois do fiasco da primeira eleição, no domingo passado, os ex-governadores de Minas Gerais, Aécio Neves, e de São Paulo, Geraldo Alckmin, reforçaram nos últimos dias o que parece ser uma revisitada política do café com leite, àquela que, durante a Velha República, mostrou a briga entre oligarquias paulista e mineira pelo poder nacional.

Agora numa versão exclusivamente tucana, os ex-governadores tiveram influência direta na forma como Doria atuou desde o início do ano, uma vez que procuraram fazer refluir o poder de Doria no partido e, assim, tentar recuperar o espaço que ambos perderam por diferentes motivos: Aécio foi flagrado pedindo propina de 2 milhões de reais para um empresário, enquanto Alckmin foi responsável pelo pior desempenho do PSDB numa eleição presidencial, em 2018, quando ficou em quarto lugar com cerca de 5% dos votos.

Tanto Aécio quanto Alckmin trabalharam nos bastidores a favor do principal adversário de Doria nas prévias, o governador gaúcho Eduardo Leite. Aécio fez jantares com lideranças, em Brasília e Minas, no intuito de atrair simpatizantes. Seus aliados foram a campo. “Estamos fechados com o Leite”, disse o presidente do diretório do PSDB em Minas, que em fevereiro deste ano reuniu 14 parlamentares em um almoço em torno de Leite, em Porto Alegre. Alckmin, padrinho político de Doria, também formou um time contra seu afilhado. Márcio França (PSB), outro ex-governador de São Paulo, aliou-se a Alckmin nas críticas a Doria. “Há tempos que o Doria não governa o Estado, deixou para o Rodrigo (Garcia, atual vice). O projeto do Doria sempre foi chegar a presidente, mas não consegue uma eleição tranquila nem no seu próprio partido.”

Enquanto isso, o governador de São Paulo procurava personificar-se como uma figura central do PSDB, aumentando dia após dia fissuras num partido que anda distante da polarização para 2022 que se avizinha entre o PT de Lula e Jair Bolsonaro, prestes a ingressar no PL. Diante da estatura política ou eleitoral dos adversários, Doria buscou apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o recebeu em um jantar regado a água com gás em seu apartamento em Higienópolis. FHC gravou um vídeo de apoio ao governador paulista, não sem antes lembrar que Doria precisaria controlar o temperamento intempestivo para que o partido não se tornasse uma armadilha de suas próprias intenções eleitorais.

O tucano ainda enfrentou a prévia com especulações de uma debandada em massa de correligionários do PSDB. Aécio e Alckmin estariam à frente do movimento dissidente na sigla a partir da vitória de Doria nas prévias. Doria precisou dar garantias de espaço aos aliados num eventual Governo, ainda que as pesquisas de intenção de voto não parecem animadoras em ninho tucano, o que tem feito com que parlamentares avaliem um realinhamento de rota. Levantamento do EL PAÍS divulgado um dia após o fiasco da primeira tentativa de eleição, domingo passado, mostrou que pelo menos 13 dos 33 deputados tucanos pensam em deixar a legenda a partir de abril, quando é aberta a janela partidária, para possivelmente ingressar em partidos do Centrão.

Estudiosos da política nacional falam da importância em estabelecer uma relação partidária sem trincas. “Há uma ideologia em torno do petismo e do bolsonarismo, o que o PSDB perdeu em grande medida ao longo dos últimos anos, e isso não é de responsabilidade do Doria. Mas ele terá que rezar na cartilha e buscar apoio de grupos ligados a figuras com as quais estabeleceu uma relação fratricida”, reitera o analista político Rubens Figueiredo.

Ao mesmo tempo em que suava a camisa polo para ganhar apoio nas prévias, seu entourage trabalhou para aplacar o fogo amigo com o discurso da excelência em gestão, o mesmo que o levou à Prefeitura de São Paulo, em 2016, mas que perdeu simpatizantes com o tempo. Doria precisava de musculatura, principalmente contra Eduardo Leite, que, além de exibir o physique du rôle em suas redes sociais, também alardeava uma política de resultados no Rio Grande do Sul, onde sanou dívidas e colocou em dia o pagamento de servidores públicos. A luta contra a pandemia do coronavírus tornou-se bandeira de Doria para tentar fazer dele o único governador responsável por produzir e distribuir vacina para boa parte dos primeiros brasileiros que conseguiram se imunizar. Nem por isso, deixou de avançar sinais. Um trabalho da Agência Lupa, de verificação de dados, mostrou que a redução no número de mortes por covid-19 em São Paulo ocorreu por causa do represamento de dados, e não por políticas de prevenção.

Se é alvo de fogo amigo por conta de suas decisões, o papel de João Doria na campanha de vacinação contra a covid-19 aparece desde já como sua provável principal plataforma eleitoral. Na contramão do Governo federal, que chegou a negar a necessidade de vacina e pregou contra os protocolos de segurança contra a doença, o Governo de São Paulo atuou fortemente para introduzir o imunizante não só no mercado paulista, mas em todo o território. Quando havia cerca de 20% da população vacinada com a primeira dose, a CoronaVac —produzida em parceria entre a chinesa Sinovac e Instituto Butantan, era responsável por quase a totalidade de imunização naquele período.

O empenho do governador rendeu elogios de opositores. No entanto, uma informação vinda à tona na semana passada mostrou que os próprios tucanos tentaram adiar o início da vacinação pelo Governo de São Paulo. Eduardo Leite admitiu ter conversado com Doria a pedido do Governo federal para adiar o início da campanha, sob pretexto de que se fazia necessária uma mobilização nacional. Doria não recuou e no dia ‘7 de janeiro, num evento acompanhado ao vivo pelas emissoras de TV, o Governo de São Paulo deu o pontapé inicial à campanha que ajudou a diminuir os números da doença.

Mesmo orientado a evitar confrontos, o governador continuava comprando briga com personagens importantes do partido pela disputa ao poder. Autoproclamado “um líder confiável, e não palatável”, como repetiu algumas vezes nas últimas semanas, reconhece a dificuldade de interlocução com parte da legenda. Um tucano do alto escalão disse ao EL PAÍS que será necessário colocar o partido numa terapia em grupo para aplacar os traumas.

Dentro do PSDB, o perfil centralizador criou um ambiente indigesto, e restou ao governador correr ele próprio atrás do prejuízo nos últimos meses enquanto nadava contra uma corrente interna. Doria viajou a 21 Estados, reuniu-se com lideranças locais, cobrou lealdade e prometeu empenho para unir o partido. Ligava ele mesmo para cerca de 30 correligionários por dia.

Corrida por votos

A campanha de Doria acompanhou de perto o humor dos filiados. Um núcleo usou um programa de internet que rastreava declarações públicas na imprensa ou posts em redes sociais de vereadores, deputados, senadores, presidentes de diretórios e várias outras faixas de filiados. Telas de TV com a preferência do eleitor foram espalhadas no bunker do tucano. Em azul, mostravam a preferência por Doria, enquanto bolinhas vermelhas indicavam apoio a Leite. Em alguns casos, ao longo das prévias, as bolas mudaram de cor, indicando migração no apoio de uma candidatura para a outra. “Nosso monitoramento mostra desde o início do processo a vantagem do João (Doria). A vitória dele não seria surpresa”, diz Daniel Braga, responsável pelo marketing digital da campanha de Doria.

As estatísticas apontadas no programa de rastreamento indicavam que a briga interna com Eduardo Leite não seria fácil. O humor oscilava, ora a favor de Doria, ora positivamente para o gaúcho. “O João (Doria) fez questão de conversar pessoalmente com muita gente”, diz Marco Vinholi, coordenador de campanha do governador paulista

A agenda de Doria era definida com base na coleta dessas informações, as quais balizavam o mapa de viagens do governador-candidato. Foi num desses encontros, ocorrido no sertão da Paraíba, que Doria discorreu sobre o progresso nos Emirados Árabes. E perguntou: “Alguém aqui já foi a Dubai?”. A sala foi tomada por risadas. Assim que o vídeo viralizou, Doria disse que a pergunta estava inserida num contexto. “Ele é assim, e vai continuar sendo. Doria às vezes parece viver não só fora do ninho tucano, mas em outra dimensão mesmo”, diz um deputado estadual tucano.

A disputa por votos provocou insinuações de que a tesouraria do PSDB havia entrado no jogo. Aliado de Aécio, o deputado estadual Gustavo Valadares (PSDB-MG) publicou no Twitter a informação de que o tesoureiro nacional do partido, César Gontijo, esteve em Belo Horizonte para “pressionar prefeitos que tiveram acesso ao fundo eleitoral em 2020 e cobrando apoio a Doria”. Gontijo não foi encontrado para comentar.

O Estado de São Paulo, embora represente 62% de todos os mais de 1 milhão de filiados registrados no partido (apenas 29.300 votaram), não oferece ainda uma estrada totalmente pavimentada para Doria. O imbróglio no berço tucano acontece justamente com Alckmin no centro do debate. O ex-governador tem intenção de ter seu nome aprovado pelo partido para disputar o Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo paulista, ano que vem. Doria, no entanto, trabalhou para que seu vice, Rodrigo Garcia, deixasse o DEM e, ao ingressar no PSDB, assumisse a corrida à sua sucessão. Na disputa, Doria saiu ganhando e o PSDB confirmou a candidatura de Garcia.

Ao tirar Alckmin da eleição paulista, pelo menos dentro do PSDB, Doria condensou ainda mais os problemas internos. Alckmin tem dito a lideranças que poderá deixar o partido para disputar o posto que já ocupou, ao mesmo tempo em que mantém conversas informais sobre a possibilidade de ser vice na chapa encabeçada por Lula, o que a direção do PSDB tenta evitar. Para isso, dependeria de um realinhamento político pouco provável entre o padrinho e o afilhado. Um ex-secretário do governo paulista hoje influente na Assembleia Legislativa faz um diagnóstico sobre os embaraços impostos ao PSDB nesse processo. “O Alckmin não tem interesse em disputar uma vaga no Congresso, e as conversas no sentido de uma aliança com o PT ainda estão no campo da especulação. Se ele decidir concorrer ao Governo de SP por outro partido, o PSDB perde em força justamente no seu berço político”, diz.

Daqui em diante, Doria seguirá em duas frentes. Além de manter as viagens para angariar o apoio de quem esteve ao lado de Leite, pretende se colocar no espaço ainda esvaziado da terceira via. Para isso, manterá principalmente o embate com Bolsonaro. Assim tem sido nos últimos meses, inclusive com disposição para uma coreografia saltitante no alto de um carro de som numa das manifestações anti-Bolsonaro. Também abraçou publicamente e nas redes sociais os apelidos de “calcinha apertada e coxinha”, como se comum fosse um governante ser tratado dessa maneira até pelo presidente da República. “Ele vai fazer campanha de calça apertada e vai continuar sendo chato”, diz um aliado, lembrando a peça publicitária levada ao ar em que Doria é tido como chato pois cobraria excelência no que faz.

Os tucanos justificaram as prévias como um processo democrático, mas que ao longo do tempo foi contaminada por tentativas dos próprios candidatos de ganhar voto a qualquer preço. Primeiro a tomar um revés foi o próprio Doria. A comissão das prévias do PSDB excluiu o direito ao voto de 92 prefeitos e vice-prefeitos paulistas tidos como próximos de Doria, mas que tiveram filiações contestadas por terem sido feitas foram do prazo limite. Em seguida, foi a vez da campanha do gaúcho ser atingida, enquanto tentava assegurar os votos de outros 34 nomes, que também acabaram foram da eleição pelo mesmo motivo.

Até mesmo o aplicativo de internet que serviria como instrumento de votação foi colocado à prova, criando embaraços para todo o PSDB, enquanto Doria procurava outra saída para a votação. O clima esquentou quando, um dia antes da eleição, um vereador de uma cidade no interior de São Paulo gravou um vídeo mostrando que ele havia conseguido se registrar em nome de um outro filiado escolhido aleatoriamente.

Dias atrás, Doria atacou fortemente o orçamento secreto do Governo Bolsonaro. “Quem manda no orçamento do Governo é o presidente da Câmara. E a gente nunca fez isso na história política do Brasil, exceto agora no Governo Bolsonaro”, disse Doria. O governador, no entanto, também decidiu abrir os cofres e aumentou os repasses de verbas políticas para atender a pedidos de parlamentares. O volume de recursos, considerado inédito entre os políticos, beneficia não só seus aliados na Assembleia Legislativa, mas até mesmo deputados federais. O vínculo de cada parlamentar com as liberações, feitas com recursos públicos, não é divulgado ao público pela gestão tucana. O valor é quase seis vezes o liberado pelo Governo com essa finalidade em todo o ano de 2020 —de aproximadamente 182,9 milhões de reais.

Doria deve permanecer à frente do Palácio dos Bandeirantes até abril do ano que vem, quando terá de deixar o cargo. Até lá, deve manter a rotina frenética de reuniões, visitas, inaugurações e viagens, no papel de governador. Também não abandonará a dieta magra em carboidratos e as aulas de musculação, assim como os polivitamínicos, já apelidados de Vita|D (de Doria, claro), os mesmos que ele distribui para assessores e secretários. O governador de São Paulo entra na corrida à sucessão presidencial com fôlego para uma disputa de 100 metros rasos. Tem pela frente, no entanto, uma corrida quilométrica de obstáculos.

FLÁVIO FREIRE, de São Paulo para o EL PAÍS, em 28 NOV 2021 - 12:24 BRT

Aprovação ao Governo Bolsonaro cai para 19%, nível mais baixo desde que chegou ao Planalto

Pesquisa Atlas mostra que aprovação à figura do presidente também chegou ao índice mais baixo: 29,3% dos brasileiros aprovam seu desempenho. Corrupção, inflação e desemprego são as maiores 

O presidente Jair Bolsonaro durante entrevista coletiva em viagem a Dubai, em 15 de novembro- (AFP)

A aprovação do presidente Jair Bolsonaro alcançou seu índice mais baixo desde o início de seu Governo: 29,3% dos brasileiros aprovam seu desempenho na presidência, enquanto 65,3% o rejeitam, conforme mostra a pesquisa Atlas, realizada pelo AtlasIntel e divulgada nesta segunda-feira. O levantamento também aponta que para 59,7% da população a gestão do mandatário é ruim ou péssima, enquanto 19% a classificam como ótima ou boa. A queda ocorre em meio à crise econômica que atinge o país: 59% dos entrevistados apontaram questões como corrupção, desemprego, inflação, desigualdade social e pobreza como alguns dos principais problemas do Brasil.

A desidratação da popularidade de Bolsonaro já aparecia nas sondagens anteriores, com queda na avaliação positiva do Governo de 36%, em agosto, para 32%, em setembro, para agora não chegar numericamente aos 30%. Já a alta da rejeição evolui de forma menos intensa, passando de 62%, em agosto, para 64% na consulta de setembro —e agora 65%. O levantamento atual ouviu dos 4.921 pessoas de forma on-line, via convites randomizados, entre os dias 23 e 26 de novembro. A margem de erro é de um ponto percentual, para mais ou para menos, e índice de confiança é de 95%.

A primeira pesquisa de popularidade publicada após a conclusão da CPI da Pandemia no Senado —cujo relatório final pede o indiciamento de Bolsonaro por crime contra a humanidade, além de delitos como incitação e propagação da pandemia— aponta um enfraquecimento do núcleo de apoiadores fiéis do bolsonarismo que sempre serviu de flutuador para o Governo em meios às crises que pressagiavam naufrágios. “Esse recorde de impopularidade deveria preocupar o presidente, porque sua aprovação caiu abaixo do que, por muito tempo, considerávamos um piso (30%)”, comenta o cientista político Andrei Roman, CEO do AtlasIntel. Ele destaca que o cenário aponta um fenômeno sustentado, “mais estrutural”, de queda de aprovação, ao lembrar que o presidente só havia despertado proporcional rejeição de forma temporária, quando o noticiário dava conta de escândalos políticos e de corrupção, como o esquema das rachadinhas (que consiste em contratar funcionários fantasmas pelos gabinetes e reter parte de seus salários) no qual sua família é investigada. “Também acontecia quando havia queda de ministros ou de nomes fortes do Governo, mas essa impopularidade agora se dá na ausência de qualquer crise desse tipo”, avalia Roman.

Para o pesquisador, os números indicam que o chamado “núcleo duro do bolsonarismo” não está imune à inflação galopante —os juros já subiram de 2% em janeiro para 7,75% no início de novembro—, ao aumento de preço de mercadorias, como a gasolina, que superou os sete reais, e ao desemprego. Mais de 13 milhões de brasileiros estão sem trabalho (13,2% no último trimestre) e 25 milhões trabalham por conta própria (desde o motorista do Uber ao entregador de comida). A renda do trabalhador despencou 10% no último ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Abaixo da corrupção, citada por 21,4% dos participantes da pesquisa Atlas, aparecem a pobreza e desigualdade social, escolhidas por 19,3% dos respondentes como “o maior problema do Brasil hoje em dia”. Nas pesquisas realizadas em 2020, o indicador “corrupção”, impulsionou a eleição de Bolsonaro em 2018 com a promessa de combatê-la, era citado por 40% das pessoas como o principal problema do país. “A população passou a enxergar a economia como um tema mais importante e 46% acreditam que os preços subiram fora de controle nos últimos seis meses. Essa é uma preocupação que penetra todos os segmentos da sociedade. Enquanto Bolsonaro não controlar a inflação, melhorar os índices de desemprego e gerar crescimento econômico, continuará perdendo apoio”, diz Roman. O cientista político pondera, no entanto, que como o presidente apostou suas fichas no auxílio emergencial distribuído durante a pandemia para chegar a outro eleitorado, tem chance de melhorar sua imagem com a “população que reage a estímulos econômicos”.

A pesquisa Atlas mostra que os desafios econômicos do país devem ser destaque nos debates políticos e eleitorais do ano que vem. “Todos os candidatos terão que demonstrar credibilidade para enfrentar esse cenário. As pessoas acreditavam que, se não com o final, pelo menos com o controle da pandemia a economia poderia melhorar, mas esse horizonte nunca chega.”

Bolsonaro x Moro

A popularidade de Bolsonaro piora no momento em que o xadrez para as eleições de 2022 se movimenta. Enquanto a aprovação de Bolsonaro cai, aumenta a do seu ex-ministro da Justiça —e hoje desafeto— Sergio Moro, recém-filiado ao Podemos e potencial candidato. A pesquisa Atlas aponta que a imagem positiva do ex-magistrado chegou a 30% (era de 25% em setembro), enquanto sua imagem negativa, que chegou a ser de 63% em março deste ano, diminuiu para 55%. “São processos que se retroalimentam”, diz o CEO do AtlasIntel. 

“Na medida em que o Governo enfrenta problemas de diversos tipos, desde gestão incompetente em várias áreas e uma atuação internacional onde fica cada vez mais claro que o Brasil está isolado, Sergio Moro vem se firmando como alternativa ao Bolsonaro dentro do núcleo antipetista da população.”

Quem também teve uma leve melhora de imagem segundo a pesquisa foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: de 46% em setembro para 48%. De acordo com Ronan, isso pode se explicar pela visita do ex-presidente à Europa e o contraste com o tipo de diálogos que Bolsonaro mantêm com líderes globais. O petista discursou no Parlamento Europeu, no dia 15 de novembro, e aproveitou para esboçar uma proposta para a eleição do ano que vem, citando medidas contra a pobreza. Segundo Ronan, a imagem de Lula vem melhorando desde que foram anuladas, em abril, as condenações da Lava Jato que pesavam sobre ele. “44,9% da população é contra a prisão de Lula, mas o mesmíssimo percentual é a favor disso, mesmo depois do processo, e parece quase impossível reverter a opinião desse segundo grupo”, destaca o cientista político, lembrando que os afetos movidos pela figura do ex-presidente também serão uma das dinâmicas mais importantes de 2022.

JOANA OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS, em  29 NOV 2021 - 06:35 BRT