sábado, 4 de dezembro de 2021

A aritmética de Hitler

A vingança, como se deu com o austríaco, tem-se dado nas ações repetidas da polícia no Brasil em operações marcadas por malvadeza.

Em 23 de março de 1944, na Rua Rosella, em Roma, ocupada por tropas alemãs, 32 soldados nazistas foram mortos em atentado preparado pela resistência italiana. Por ordem de Hitler, para cada alemão morto deveriam ser fuzilados dez italianos. Assim, aleatoriamente, 335 romanos foram levados às Fossas Ardeatinas, ao sul da cidade, e lá executados.

Conforme o oficial responsável pelo massacre, Priebke, condenado anos depois, na Itália, à prisão perpétua, a ordem de Hitler consistia em “represália ao atentado organizado pela resistência”.

O médico Attilio Ascarelli, autor da autópsia das vítimas do massacre, bem definiu: “Foi a cruel satisfação dum brutal espírito de vingança”.

A vingança, seja a calculadamente arquitetada, seja a de imediato aplicada, ao não ter proporção com o mal antes sofrido, visa apenas ao deleite do espírito perverso com a crueldade imposta.

Assim se deu com Hitler, assim se tem dado nas ações repetidas da polícia brasileira em operações-vingança, marcadas por malvadeza, acentuadas no governo Bolsonaro.

Essas operações-vingança atingem em geral pessoas pobres, negras e moradoras das favelas ou da periferia destituídas de cidadania, pois reputadas como “não sujeitos de direitos”, passíveis, por consequência, de ter violadas sua vida, sua integridade física e moral. Quem os ataca, com violência sanguinária, são soldados ou inspetores de origem também humilde, mas que pretendem ser alheios a esta categoria dos desprovidos de direitos, sobre os quais afirmam sua “autoridade e superioridade”.

Fiquemos em exemplos deste ano: no dia 6 de maio, em operação da Polícia Civil, 200 policiais a pé, quatro blindados, com apoio de helicópteros, entraram na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, para cumprir 21 mandados de prisão. Logo no início, deu-se o infausto homicídio de policial civil atingido por um tiro. A operação de cumprimento de mandado de prisão transformou-se em operação-vingança, resultando em 27 pessoas mortas.

Muitos, rendidos ou recolhidos em casa, foram executados a sangue frio. Atingiram-se aleatoriamente pessoas com ou sem antecedentes criminais (como se ter antecedente significasse a permissão para ser executada), e, dos 27 mortos, apenas 3 constavam dos mandados de prisão. Cenas horripilantes foram protagonizadas. A comunidade ficou entregue à agressividade destruidora.

De forma irresponsável, o presidente da República elogiou a operação e publicou nas redes este comentário: “Ao tratar como vítimas traficantes que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda os igualam ao cidadão comum, honesto, que respeita as leis e o próximo”. Na verdade, dos assassinados pela polícia, poucos tinham relação com o tráfico.

Para reafirmar a prevalência do direito e em apoio ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 20 de maio seis ex-ministros da Justiça, entre os quais eu, lançaram carta aberta: “Como ex-ministros e cidadãos, estamos convencidos da necessidade de atuação do Supremo Tribunal Federal para garantir a força normativa da Constituição e limitar a ação estatal em segurança pública que não esteja pautada pelo respeito à vida e às ordens judiciais”. No dia seguinte, o STF, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, em voto do relator, reafirmou a permissão para operação policial apenas em caso excepcional, com aviso prévio ao Ministério Público. Pouco adiantou!

Em 12 de junho de 2021, na cidade de Tabatinga (1.106 km de Manaus), bairro da Baixada, houve troca de tiros: atirador e sargento da PM, à paisana, morreram. Policiais militares entraram no bairro em busca de cúmplices e mataram sete pessoas, sendo três jogadas no lixão. Durante a invasão do bairro, um PM disse a familiares das vítimas: “Agora é a lei do Bolsonaro, bandido bom é bandido morto”.

No mês passado, como represália à morte do soldado Leandro da Silva, assassinado em patrulhamento, policiais militares, desconfiando estar o assassino no Complexo do Salgueiro, no Rio de Janeiro, executaram aleatoriamente nove pessoas dessa comunidade, deixando os corpos no mangue. E o pior: instalado o terror, os policiais festejaram com churrasco e cerveja. 

Em 2017, o Brasil, por não se apurar o massacre na Favela Nova Brasília, foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Nenhum efeito reeducativo: pouco se investigam massacres e muitos inquéritos são arquivados. A aritmética de Hitler continua impune.

O que resta fazer? Deve-se cobrar de governadores o ensino de direitos humanos na formação dos quadros das instituições policiais. A prevenção e repressão penal nada perdem, só ganham, se policiais respeitarem os direitos fundamentais: a polícia que se teme abre estrada para o crime organizado.

Medida eficaz está em ser o trabalho do policial monitorado por câmeras corporais, que revelam os fatos como eles são. De outra parte, entidades da sociedade podem promover a responsabilidade civil do Estado pela violação a preceitos fundamentais, visando, assim, a constranger o Tesouro estadual.

Quanto a Bolsonaro, este é um caso perdido.

Miguel Reale Junior, o autor deste artigo, é Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior escreve mensalmente na seção Espaço Aberto d'O Estado de São Paulo. Publoicado originalmente em 04.12.21.

A pena de morte do nosso dia a dia

Se não aprendermos que a natureza tem suas regras, mataremos os alertas da ciência, tal qual a polícia mata a esmo no Brasil.

O absurdo se uniu ao disparate e à insensatez e, agora, corremos o risco de pensar até que dessa perniciosa união possa surgir uma nova normalidade. Despreocupados, caminhamos rumo ao horror tal qual a menina do chapeuzinho vermelho saiu estrada afora, por um caminho deserto sem saber que o lobo estava ali por perto. Os doces para a vovozinha lhe tiravam a visão.

Não me refiro apenas aos bolsonarianos tempos iniciados em janeiro de 2019. O horror vem de muito antes e, passo a passo, instalou-se no aparelho estatal e daí passou à sociedade inteira. Tudo, inclusive a própria vida, vulgarizou-se ou se banalizou há tempos, crescendo e se acentuando no atual governo.

No Brasil não há pena de morte. Por mais terrível e brutal que seja o crime, um juiz não pode condenar o assassino à pena máxima, mesmo que a mais perversa crueldade esteja documentada em cada folha do processo. No entanto, a polícia mata abertamente e a esmo, como se usufruísse de um direito próprio e intransferível que deva aplicar por intuição, sem nem sequer investigar.

Sim, pois a grande maioria das vítimas não resulta de confrontos entre suspeitos e policiais militares. Na maioria das vezes, a polícia chega atirando e, assim, mata sem saber sequer se dispara contra o verdadeiro delinquente. É como se o tiro tivesse prioridade e obedecesse a um lema trágico e obsceno: “Primeiro se atira, depois se investiga”.

Parece tratar-se de um novo torneio Rio-São Paulo, em que as duas maiores cidades do País disputam, agora, a hegemonia, tal qual em tempos passados se enfrentavam no futebol. O antigo torneio Rio-São Paulo deu origem aos campeonatos nacionais de futebol de hoje. No dia a dia da insegurança das grandes cidades, a atual guerra civil encoberta se transforma em confrontação direta na qual não se confia sequer nos que deveriam proteger a sociedade inteira.

No Rio de Janeiro, as chamadas “milícias”, com membros recrutados na própria polícia, já têm, em várias regiões, mais poder que o Estado em si ou se substituem a ele. São Paulo não chegou a tal aberração, mas a truculência policial pode (pelo medo) abrir caminho para a implantação do poder das “milícias” apoiadas no narcotráfico.

Tão só no primeiro semestre de 2020, 3.148 pessoas foram mortas pela polícia no Brasil. No mesmo período, 176 policiais foram mortos. Não são os números díspares, porém, que marcam e definem o horror. O que se espera do assaltante ou do delinquente é que seja o nosso contrário, disposto a tudo para nos subjugar. O que se espera da polícia é que seja nosso defensor e aliado e que se dedique a reprimir o crime, não a matar.

No último domingo de novembro, o Fantástico, da TV Globo, mostrou indesmentíveis cenas do morticínio perpetrado pela polícia em São Paulo. Viu-se, inclusive, policiais desligando as câmeras presas ao uniforme e, assim, mudando armas de lugar para simular que haviam sido atacados e apenas “revidado” em “legítima defesa”.

Por outro lado, numa mostra do novo “torneio Rio-São Paulo”, apareceram cenas das oito pessoas mortas dias antes pela polícia fluminense num manguezal. O horror mostrado pelas imagens televisivas é indesmentível e vale mais do que qualquer descrição minuciosa.

Qual a causa dessa distorção das funções policiais? Será um vício comum à maioria do aparelho público estatal e que, por isso, deve-se analisar em defesa das corretas funções do próprio Estado?

É comum que não se busquem as origens do mal, seja ele qual for. Um exemplo a esmo (sem qualquer relação com o que dizemos da pena de morte aplicada pela polícia, mas que mostra o descaso geral) é o aparecimento de tubarões próximos a Ubatuba, no litoral paulista, por duas vezes em novembro, ferindo banhistas.

A remoção e dragagem da areia do mar foi a causa aparente da perigosa presença de tubarões. Mesmo assim, próximo dali, em Ilhabela, a prefeitura prepara-se para dragar e retirar areia do mar e alargar a praia. Procura, com isso, repor a erosão das faixas de areia provocadas pelas obras do Porto de São Sebastião e do terminal da Petrobras, que mudaram o fluxo d’água no entorno da ilha, estreitando as praias.

A falta de um planejamento amplo, que abarcasse toda a região marítima quando o porto e o terminal foram construídos, acabou impactando no conjunto das praias do litoral norte. Será que a expansão e o embelezamento ainda maior das praias de Ilhabela não perceberam que a natureza tem regras próprias e que nós, humanos, temos de respeitá-las e coabitar com elas?

Ou continuamos com a velha e carcomida ideia (ou concepção) de que o ser humano pode subjugar a natureza e fazê-la escrava das extravagâncias do nosso dia a dia?

Se assim for, nada teremos aprendido da reunião de Glasgow sobre as mudanças climáticas e estaremos matando os alertas da ciência, tal qual a polícia mata a esmo no Brasil, sem nem sequer investigar.

Flávio Tavares, o autor deste artigo, Jornalista e escritor, multipremiado, é Professor Aposentado da UnB. Publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 04.12.21,

O escarcéu como método

Ausência de bolsonaristas nos testes da urna eletrônica prova que a bagunça provocada pelo presidente a respeito da confiabilidade do voto era só para distrair o País

A conclusão dos testes de integridade da urna eletrônica pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no fim de novembro comprovou a confiabilidade de um sistema moderno e do qual o Brasil pode se orgulhar. Por seis dias, as urnas ficaram à disposição de ataques de “hackers do bem”, um trabalho que teve como objetivo aprimorar a tecnologia para a disputa de 2022. Vinculados a universidades, empresas privadas e órgãos públicos, 26 investigadores se inscreveram para o desafio de procurar vulnerabilidades físicas e tecnológicas para invadir o sistema. Das 29 iniciativas, 24 falharam completamente e 5 apontaram apenas oportunidades de aperfeiçoamento. Nenhuma foi capaz de alterar o voto dos eleitores, explicou o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

Chamou a atenção, no entanto, o desinteresse dos partidos políticos em participar do processo de fiscalização da urna eletrônica, principalmente dos apoiadores do presidente da República. Nem parece que há quatro meses o Brasil foi palco de um show de horrores liderado por Jair Bolsonaro, que contestava o sistema que o elegeu deputado federal por cinco vezes e que lhe conferiu o mais alto cargo do País em 2018. Sem apresentar nenhuma prova sequer sobre a vulnerabilidade das urnas, o presidente mobilizou as atenções dos cidadãos e das instituições, alimentando a hipótese – de resto não inteiramente afastada – de que não reconhecerá o resultado das eleições do ano que vem se ele não for o vencedor.

Os deputados rejeitaram o retorno da obrigatoriedade do voto impresso, mas apenas a apreciação do tema na Câmara já mostrou o ridículo da situação. É simbólico que ele tenha sido pauta depois de mais de 615 mil mortes em razão da pandemia de covid-19, crescimento da evasão escolar, desemprego elevado, inflação descontrolada e economia em recessão técnica. É bom lembrar que imprimir o voto, segundo estimativa do TSE, custaria ao Orçamento ao menos R$ 2,5 bilhões.

Em um simulacro do que Donald Trump promoveu ao incentivar a invasão do Capitólio nos Estados Unidos na véspera da posse de Joe Biden, Bolsonaro, durante meses, insuflou milhares de pessoas a ir às ruas para defender um evidente retrocesso. No dia da votação, em um sinal da captura das instituições pelo bolsonarismo, as Forças Armadas se prestaram ao papel de tentar intimidar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) com um desfile de blindados na Esplanada dos Ministérios, ao custo de R$ 3,7 milhões dos cofres públicos. Antes, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, mandou avisar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não haveria eleições no ano que vem caso não houvesse impressão dos votos e contagem pública dos resultados. A ameaça, revelada pelo Estado, é investigada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Felizmente, a Câmara derrubou o voto impresso, mas ainda assim boa parte dos parlamentares deu apoio ao texto – que somente não passou por não ter conquistado os 308 votos necessários para uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Defendida nas manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro, a principal bandeira bolsonarista, subitamente, deixou de ser prioridade. “Passamos a acreditar no voto eletrônico”, disse o presidente, no início de novembro. “Capítulo encerrado”, acrescentou.

Não é por acaso que nenhum partido do Centrão e nem mesmo um único político da base tenham ido testemunhar o sucesso da inspeção da urna eletrônica depois de meses de embates na Câmara. As Forças Armadas enviaram observadores e integraram uma comissão do TSE, mas não participaram dos testes. A ausência diz muito sobre todos aqueles que se mantêm no grupo de apoio do governo: o problema nunca foi a segurança da urna.

Erra quem avalia que a derrota teria afinal convencido Bolsonaro sobre a confiabilidade do sistema eleitoral. Não era o voto impresso em si que motivava o presidente, mas sim inventar argumentos para trazer instabilidade para o País e, assim, mobilizar a horda de fanáticos que o seguem. É no caos que o autoritarismo bolsonarista prospera.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 04 de dezembro de 2021 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

A habilidade de Moro

Como mostram também as pesquisas de opinião, há um grande contingente de eleitores que não compraram a narrativa de que houve injustiça contra o ex-presidente Lula e de que o então juiz Moro foi parcial nos julgamentos. 

Não há mais a menor dúvida de que o surgimento de Sergio Moro como pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos provocou, no mínimo, um toque de alerta nos até agora favoritos, o ex- presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Os dois se preparam para lutar entre si, cada um achando que o outro é o adversário mais fácil de ser derrotado.

Basta ver que tanto petistas quanto bolsonaristas escolheram Moro como alvo principal da campanha que finge não ter começado ainda, mas está a pleno vapor, comendo etapas num processo acelerado. O PT começou um movimento para garantir a eleição de Lula no primeiro turno, igualando Moro a Bolsonaro, e aí mora o perigo.

Moro virou herói de milhões de brasileiros ao lutar contra a corrupção institucionalizada, enfrentando os poderosos da época, leia-se Lula e o PT. Para esses, Moro como juiz construiu sua reputação e realizou sua grande obra, a Operação Lava-Jato. Com a publicação de seu livro e as várias entrevistas que tem dado, Moro já se mostrou disposto a encarar o grande desafio de enfrentar a campanha de desmoralização que foi armada contra ele, “com Supremo, com tudo”, como pregava o ex-líder de todos os governos Romero Jucá.

Como mostram também as pesquisas de opinião, há um grande contingente de eleitores que não compraram a narrativa de que houve injustiça contra o ex-presidente Lula e de que o então juiz Moro foi parcial nos julgamentos. A campanha se encarregará de relembrar os acontecimentos. Caberá a ele confirmar a fidelidade desses que empolgou como juiz e agora busca cativar como candidato. Há uma grande variedade, entretanto, nesse nicho em que Moro terá de buscar votos.

Há os que estão desenganados pela atuação de Bolsonaro, que recuou em todos os compromissos assumidos de combate à corrupção; há os que votaram contra o PT, e não a favor de Bolsonaro, e hoje estão abertos a uma alternativa que veste bem em Moro; há as viúvas do PSDB original, sem alternativa a esta altura, que levam em consideração até mesmo votar em Lula contra Bolsonaro; e há os que gostariam de ver em Moro um Bolsonaro 2.0, a versão original do justiceiro que elegeram em 2018 e depois se entregou ao Centrão.

Há ainda eleitores que sempre votaram no PSDB porque não havia alternativa eleitoralmente viável mais à direita, liberal-conservadora, e preferem votar em Bolsonaro a apoiar um candidato simpático a ideias que consideram de esquerda, como as políticas identitárias. Mas nunca confiaram realmente nos tucanos como adversários do petismo e, como o ministro Paulo Guedes diz, os consideram sociais-democratas da mesma linhagem dos petistas.

“Será que, como político, veremos a mesma coragem e coerência do juiz?”, perguntam-se alguns. Muitos não veem em Moro a capacidade política de enfrentar em vantagem Lula e o PT, ficam em dúvida ao constatar o que classificam de “timidez” diante daqueles que, no Supremo e na Procuradoria-Geral da República, trabalharam para desfazer sua obra e conspurcar sua biografia.

Para esse grupo, se o candidato Moro espera efetivamente conquistar um espaço político na centro-direita capaz de lhe alçar ao segundo turno, terá de demonstrar, com ênfase, sua indignação contra os que envergonharam a Justiça brasileira. As manifestações do 7 de Setembro, que acobertaram uma clara tentativa de golpe autoritário contra o Supremo, que se contrapunha à distribuição em massa de fake news e aos avanços de grupos autoritários sobre a democracia instigados por Bolsonaro, tinham como bandeiras principais, na definição desse nicho direitista, a defesa da liberdade de expressão e críticas a ações que consideravam eticamente vexaminosas e autoritárias do Supremo.

Se o candidato Moro se dispuser a vestir a fantasia de Bolsonaro 2.0, poderá tirar eleitores do presidente, mas pode também se confundir com os extremistas. Para avançar no campo da centro-direita, terá de se contrapor ao Bolsonaro de 2022 e reafirmar compromissos que foram abandonados por ele em 2018. Terá de trilhar esse caminho delicado com o cuidado de um equilibrista. Coisa de quem tira a meia sem tirar o sapato, como se diz de políticos hábeis.

Merval Pereira, Jornalista, originariamente para O Globo, em 03.12.21

PGR abriu seis apurações preliminares envolvendo Bolsonaro com base em relatório da CPI da Covid

Além do presidente, ministros e parlamentares são alvos de 10 apurações sigilosas da Procuradoria-Geral da República; veja a lista

Augusto Aras (Foto: REUTERS/Adriano Machado)

Com base no relatório final produzido pela CPI da Covid, a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu um conjunto de seis novas investigações preliminares envolvendo  o presidente Jair Bolsonaro junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e também ministros do governo e parlamentares. Os procedimentos estão sob sigilo, a pedido da PGR. No total, foram apresentadas dez petições ao STF na semana passada. Esses documentos relacionam 12 autoridades com foro privilegiado no STF — algumas delas aparecem em mais de um processo.

As petições estão sob análise dos seis ministros relatores que foram sorteados para cuidar dos casos. As informações foram confirmadas por integrantes do STF. A PGR dividiu as petições com base nos supostos crimes apontados pela CPI em seu relatório final. Todos os pedidos se baseiam nas informações apuradas pela comissão parlamentar ao longo dos seis meses de trabalho, sem nenhuma prova adicional produzida até o momento.

Trata-se ainda de um estágio anterior à abertura de inquérito, solicitado pela PGR para fazer uma análise prévia sobre os fatos e avaliar se há indícios suficientes de crimes que justifiquem a abertura de inquéritos. Nas petições, a PGR pediu a expedição de ofícios ao Senado para a obtenção de documentos complementares da CPI da Covid e também solicitou que os alvos sejam intimados para apresentarem esclarecimentos por meio de suas defesas.

Dentro dessas petições, também será analisada a conduta de ministros do governo e parlamentares bolsonaristas. Por exemplo: a petição do crime de epidemia cita a conduta do ministro da defesa Braga Netto e do ministro da Saúde Marcelo Queiroga, com base no relatório da CPI. A petição sobre incitação ao crime envolve a atuação de deputados bolsonaristas na divulgação de informações falsas sobre a Covid-19, como o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), os deputados Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP) e Carlos Jordy (PSL-RJ), além de blogueiros bolsonaristas.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), é alvo de outras duas petições, para apurar crimes de advocacia administrativa e organização criminosa envolvendo tratativas de vacinas com o Ministério da Saúde.

Por último, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, é alvo de uma petição que cita suspeita do crime de prevaricação na atuação da CGU para investigar a compra da vacina Covaxin. 

Aguirre Talento e Mariana Muniz, originalmenre, para O Globo, em 02.12.21

O credo do novo ministro do Supremo

Por quanto tempo André Mendonça será vinculado a Bolsonaro e aos critérios inconstitucionais que o levaram ao STF, só ele pode dizer

O Senado aprovou a indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) por 47 votos a favor e 32 contra. Mendonça obteve apenas seis votos acima do mínimo necessário e chega à mais alta instância do Poder Judiciário com a menor aprovação parlamentar da história recente. Mas, a rigor, isso é apenas um reflexo dos obtusos critérios que pautaram a sua indicação pelo presidente Jair Bolsonaro. O placar já não tem a menor importância. Uma vez que o ex-advogado-geral da União seja empossado, seus votos como ministro do STF valerão rigorosamente a mesma coisa que os votos de seus dez colegas. E sobre Mendonça recairá a mesma e ingente obrigação dos demais ministros: garantir a ordem constitucional do País acima de tudo.

A partir de agora, portanto, os olhares devem estar voltados para o futuro, um longo futuro. Com 48 anos, André Mendonça poderá permanecer no STF por quase três décadas. Por um lado, isso inspira preocupação porque é tempo demais para que tenha assento na Corte Constitucional um ministro que, até o momento, só deu mostras nos cargos públicos que ocupou de que não hesita em rebaixar a Constituição quando estão em jogo valores da fé religiosa que professa ou os interesses de ocasião de seu padrinho político, o presidente Bolsonaro.

Evidente que toda indicação ao STF é política. A própria Corte é eminentemente política. Mendonça jogou o jogo para ser indicado e, depois, aprovado pelo Senado. Assim é o arranjo constitucional brasileiro no que concerne à composição do Supremo. O que merece atenção, no caso particular de Mendonça, é que Bolsonaro fez questão de enfatizar o tempo todo que só indicou o ex-advogado-geral da União ao cargo por ele ser o que chamou de “terrivelmente evangélico” e, em tese, leal a seus interesses. Bolsonaro é alguém que pensa o Estado e o exercício do poder sob a ótica do patrimonialismo. Basta lembrar que há pouco tempo o presidente da República afirmou ter “10% do STF”, e que só indicou o ministro Kassio Nunes Marques porque este “toma tubaína” com ele nos fins de semana. Se Bolsonaro passará a ter “20%” do STF, só André Mendonça pode dizer.

Por outro lado, o longo tempo que Mendonça tem pela frente no STF – muito além de mandatos presidenciais – servirá para que ele, que se diz “genuinamente evangélico”, mostre à sociedade que é, antes, genuinamente um ministro da Corte, que tem como norte apenas a Constituição. É o que se espera. Por quanto tempo o ministro calouro será identificado com Bolsonaro e com os critérios inconstitucionais que orientaram sua indicação depende exclusivamente dele.

Se a fé religiosa de Mendonça foi uma espécie de passaporte para sua entrada no STF, agora se converte em um fardo do qual o ministro precisa se livrar caso queira dissipar as suspeitas que pairam sobre sua atuação na Corte. Não foi por outra razão que Mendonça abriu sua fala na sabatina perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado afirmando que defende, antes de tudo, a democracia e o Estado de Direito – era só o que faltava dizer o contrário – e a laicidade do Estado. “Ainda que genuinamente evangélico, comprometo-me com o Estado laico. Entendo não haver espaço para manifestação pública ideológica durante sessões do Supremo”, disse Mendonça, negando um pedido de Bolsonaro para que, uma vez ministro, fizesse uma “oração semanal” no início das sessões do STF.

Durante a sabatina, na verdade uma encenação coletiva, Mendonça deu respostas sob medida – corretas e longamente treinadas – para delimitar seu comportamento como cidadão, pastor presbiteriano e ministro do STF. “Na vida, a Bíblia”, disse o sabatinado, “no Supremo, a Constituição.” Entretanto, já aprovado, Mendonça afirmou que sua entrada na Corte era “um passo para o homem, um salto para os evangélicos.”

Espera-se que a paráfrase da notória fala do astronauta americano Neil Armstrong tenha sido apenas uma espécie de prestação de contas às lideranças evangélicas que fizeram intenso lobby pela sua chegada ao STF, e não um sinal de como se portará o novo ministro daqui para a frente.

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 03.12.21


Com mais um recuo, o País mantém um dos piores desempenhos econômicos do mundo, longe da fantasia do ministro Paulo Guedes

Com dois tombos em dois trimestres, inflação disparada e desemprego muito alto, o Brasil mantém um desempenho econômico desastroso, muito longe da ficção sustentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Sem nenhum grande avanço para celebrar, economistas discutem agora se o País voltou à recessão, com duas taxas trimestrais negativas, ou se está apenas estagnado, em contraste com a maior parte do mundo. A discussão pode ir longe, enquanto a economia mal se move. No período de julho a setembro o Produto Interno Bruto (PIB) foi 0,1% menor que nos meses de abril a junho, quando já havia diminuído 0,4% em relação ao volume dos primeiros três meses. Essa sequência, segundo analistas, caracteriza uma recessão técnica. Como as quedas foram pequenas, há quem prefira falar de “estabilidade”, mas isso em nada melhora o quadro.

Desmentindo o ministro Guedes e seus auxiliares, os dados internacionais mostram o Brasil em posição muito desvantajosa. O PIB cresceu nos três primeiros trimestres – 0,7%, 1,7% e 0,9% – no conjunto de países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na União Europeia houve recuo de 0,1% nos primeiros três meses e avanços de 2% e 2,1% nos períodos seguintes. Na maior parte dos grandes emergentes os números também têm sido positivos. Além disso, o desemprego na OCDE já caiu para 5,8% e a inflação nos 12 meses até outubro ficou em média em 5,2%.

No Brasil, todos os principais indicadores são muito piores. Embora em queda, o desemprego ainda correspondeu no terceiro trimestre a 12,6% da força de trabalho, com 13,5 milhões de pessoas em busca de ocupação. A alta dos preços ao consumidor chegou a 10,73% nos 12 meses terminados em novembro, segundo a prévia da inflação, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15). Enquanto os dados pioram no dia a dia, pioram também as projeções para o próximo ano e até para o seguinte, o primeiro do próximo período presidencial.

Não há surpresa, portanto, nos números muito ruins do terceiro trimestre, em parte já indicados pelas prévias do PIB publicadas mensalmente pelo Banco Central e pela Fundação Getúlio Vargas.

A maior parte da economia foi mal no período de julho a setembro. Só um dos três grandes setores produtivos, o de serviços, teve desempenho positivo no terceiro trimestre, com expansão real de 1,1%. A agropecuária produziu 8% menos que nos três meses anteriores, em parte por causa da base de comparação elevada, em parte por causa das más condições do tempo. O conjunto da indústria ficou estagnado, com variação zero. Isso é em parte atribuível a falhas no suprimento de insumos, um problema global e muito sério para a produção automobilística.

Mas a explicação geral tem de ser mais ampla, porque só um dos segmentos industriais, o da construção, teve resultado positivo, com avanço de 3,9%. Parte importante da resposta deve estar na demanda final. O consumo das famílias aumentou 0,9%, mas permaneceu muito contido, por causa do desemprego, da inflação e da perda de renda. Em quatro trimestres, o gasto com o consumo familiar aumentou só 2,1% enquanto o PIB cresceu 3,9%. O empobrecimento, um dado inegável, condena a maior parte da população a conter os gastos severamente, baixando os padrões de consumo e, em muitos casos, limitando as possibilidades de desenvolvimento dos filhos.

Desemprego, inflação, perda de renda, falhas nas ações anticíclicas e de ajuda emergencial mantêm o presente estagnado e o futuro incerto. A insegurança quanto aos próximos anos é agravada pelo risco de piora das contas públicas, ameaçadas pela irresponsabilidade presidencial e pelo rompimento com as boas normas de uso do dinheiro público, sujeito cada vez mais aos fins pessoais do presidente e ao apetite de seus apoiadores. Quase encerrado o ano, os sinais econômicos positivos permanecem escassos, enquanto as incertezas se acumulam, alimentadas também pelo temor de novas cepas de coronavírus, tanto mais perigosas quanto maior a carência de um governo sério e competente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 03.12.21

Governo Bolsonaro já trocou ao menos 20 delegados de cargos de chefia na PF

Série de intervenções não encontra precedentes e é atribuída a divergências políticas com o governo e com a cúpula da corporação, ou de investigações que desagradaram ao Planalto      

Sede da PF em São Paulo; colegas afirmam que Dominique de Castro Oliveira era crítica à gestão do delegado-geral da organização, Paulo Maiurino. Foto: Divulgação

Com a saída da delegada Dominique de Castro Oliveira do escritório da Interpol, o governo Jair Bolsonaro já acumula ao menos duas dezenas de mudanças na Polícia Federal em razão de divergências políticas com o governo e com a cúpula da corporação, ou de investigações que desagradaram ao Planalto.

Para delegados ouvidos pelo Estadão, a série de intervenções não encontra precedentes, e levou à geladeira, ou “corredor” – termo usado na PF para quem está em estado de fritura pela direção – experientes quadros, com histórico de participação em importantes investigações. As mudanças continuam mesmo em meio a uma investigação que se arrasta há mais de um ano no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre suspeita de interferência política do presidente Jair Bolsonaro na corporação. 

“Fiz algum comentário que contrariou. Qual foi, quando, para quem, em que contexto e ambiente, não sei”, disse Dominique, em mensagem encaminhada aos colegas. “Há uma forte sensação de revolta e de estar sendo injustiçada”, escreveu. A delegada atuava há 16 meses na Interpol, cargo de indicação da direção. 

Internamente, colegas afirmam que ela era crítica à gestão do delegado-geral, Paulo Maiurino, e que assinou manifestação pública a favor do delegado Felipe Barros Leal, afastado do inquérito que investiga suposta interferência política de Bolsonaro na PF. Pelas mãos da delegada passou também o pedido de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Em nota, a cúpula da PF afirma que o episódio não teve relação com a saída da delegada, que teria atuado de maneira protocolar ao encaminhar o pedido, sem decidir nada a respeito. 

Dominique vai reforçar a Superintendência da PF no Distrito Federal, para onde já foram deslocados outros sete delegados desde que Maiurino assumiu o comando da corporação. Hoje, há 45 delegados naquela unidade.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Félix de Paiva, afirmou que a entidade acompanha o caso. “Com as informações disponíveis até o momento, a associação não concorda que colegas sejam movimentados sem fundamentação clara e sem critérios.” Além deste, outros casos recentes que chamam atenção dos delegados.

A delegada Silvia Amelia da Fonseca, que deu andamento ao processo de extradição de Allan dos Santos, foi exonerada da diretoria do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Dias antes da extradição, o secretário Nacional de Justiça, Vicente Santini – homem de confiança da família Bolsonaro, que já ocupou diversos cargos no governo – havia pedido para ter acesso a processos de extradição ativa, aqueles em que o Brasil pede a outros países a entrega de alvos da Justiça.

Outro caso recente é de Thiago Delabarry, que chefiou a área de combate a corrupção e lavagem de dinheiro na cúpula da PF e deixou o cargo após Maiurino assumir a Diretoria-Geral. Em julho deste ano, a Superintendência da PF no Rio Grande do Sul indicou Delabarry para o comando da delegacia de combate a corrupção, em Porto Alegre. Em setembro, seu nome foi vetado por Maiurino. 

O veto é atribuído ao fato de que, sob sua gestão, o delegado Bernardo Guidale conduziu o acordo de delação premiada do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, que citou o ministro do STF Dias Toffoli e o presidente do STJ, Humberto Martins. Maiurino foi segurança de Toffoli e trabalhava para a Presidência do STJ antes de ser nomeado. Ele teria se surpreendido com o pedido de investigação do ministro do Supremo. Toffoli se aproximou de Bolsonaro ao longo do governo. 

Bernardo Guidali, que conduziu a delação de Cabral, também perdeu cargo no Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq), responsável por investigar autoridades com foro privilegiado. 

Em nota, a PF afirmou que “as movimentações de servidores dentro da instituição é regular e faz parte dos mecanismos de gestão administrativa, não havendo outras razões que não a de ordem técnica para melhor atender as finalidades institucionais”. Diz ainda que “eventuais substituições de cargos de chefia um processo natural que não causa qualquer tipo de prejuízo aos serviços prestados”. O Estadão tentou contato com Maiurino, mas ele não se manifestou. O Palácio do Planalto não havia se manifestado até o momento.

Relembre outros episódios

Extradição de blogueiro

Delegada Dominique de Castro Oliveira foi transferida do escritório da Interpol e a delegada Silvia Amelia da Fonseca, que deu andamento ao processo, foi exonerada da diretoria do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional.

Mensagens hackeadas  

O delegado Felipe Leal foi tirado do Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq) após elaborar relatório em que disse não ser possível “presumir” a autenticidade das mensagens hackeadas de integrantes da força-tarefa da Lava Jato.

Sérgio Cabral 

Bernardo Guidali, que conduziu a delação na qual o ex-governador do Rio Sérgio Cabral citou o ministro Dias Toffoli, do STF, perdeu cargo. 

Operação Akanduba

O delegado Franco Perazzoni, que conduziu a operação que mirou o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, teve seu nome barrado para assumir a chefia do combate ao crime organizado. 

Ricardo Salles 

O ex-superintendente da PF no Amazonas Alexandre Saraiva foi exonerado após acusar Salles de crime ambiental. 

Polícia Federal

Em nota, a PF afirmou que “as movimentações de servidores dentro da instituição é regular e faz parte dos mecanismos de gestão administrativa, não havendo outras razões que não a de ordem técnica para melhor atender as finalidades institucionais”.

Rayssa Motta, Luiz Vassallo e Davi Medeiros, originariamente, para O Estado de S.Paulo, em 03 de dezembro de 2021 | 05h00

Evangélica, Marina Silva critica frase de Mendonça após nomeação ao STF

A ex-ministra do Meio Ambiente retrucou a declaração de que a entrada do ex-advogado geral da União na Corte era "um salto para os evangélicos".

Ex-ministra do Meio Ambiente e uma das principais lideranças políticas da Rede Sustentabilidade, Marina Silva criticou uma declaração de André Mendonça, futuro ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Após ter o nome aprovado no Senado na quarta-feira (1/12), Mendonça disse que a entrada dele na Corte era “um passo para o homem, mas um salto para os evangélicos".

Marina, que é evangélica, disse que Mendonça interpretou a aprovação para ser ministro como “um passo dele, mas significando avanço dos evangélicos”, e criticou o papel de “ministro evangélico”, empregado ao ex-advogado geral da União.

“O povo brasileiro espera que os ministros do STF sejam juízes impessoais e imparciais, com o devido saber jurídico para, em conformidade com nossas leis e a nossa Constituição, promoverem a justiça para todos os habitantes do país que ali recorram. Não se espera que ministros do STF sejam a representação de qualquer segmento da sociedade. O espaço da representação política é o parlamento”, escreveu em uma postagem no Instagram.

Em 2014, Marina foi candidata à presidência da república. Ela terminou em terceiro lugar, recebendo 22,1 milhões de votos.

Pedro Grigori, originalmente, para o Correio Braziliense, em 02.12.21.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

A inflação corrói a renda dos brasileiros, mas ela é mais cruel com quem tem menos

Alta dos preços acumula 10,7% em 12 meses, mas o impacto nos menos favorecidos é dois pontos porcentuais maior do que para os privilegiados

 

Mulher observa produtos no mercado de Santo Amaro, em São Paulo, Brasil, em 25 de novembro de 2021 Crédito da foto: (Lela Beltrão).

É quinta-feira no fim da manhã e uma feira de produtos frescos em uma rua de Santo Amaro, região de classe média baixa de São Paulo, está quase deserta por culpa de um fenômeno que o Brasil não vivia há um quarto de século: uma inflação que chega aos dois dígitos, sobe a cada mês e ainda não foi contida. O aumento dos preços que percorre o mundo após a chegada da pandemia é sentido em cheio por aqui. Afasta a clientela, obriga a fechar barracas e, em um efeito perverso, aumenta a desigualdade que corrói o país. A inflação atinge com mais dureza o estômago dos brasileiros pobres do que o bolso dos ricos. Uma cliente aqui e outra ali compram um pouco de fruta ou verdura enquanto uma terceira mulher recolhe discretamente o que encontra de aproveitável entre os produtos descartados pelos feirantes.

Dayane Ferreira, de 38 anos, era analista financeira até que a pandemia a deixou sem trabalho, então ela entende um pouco de preços e de inflação. Depois de terminar a compra, apoiada no carrinho da filha, estima que nesta feira os preços de muitos produtos subiram entre 30 e 40%. Sua receita para equilibrar as contas inclui os seguintes ingredientes. Um, comprar menos quantidade dos produtos cujos preços dispararam. “Antes pagávamos entre 9 e 10 reais por meio quilo de café, agora custa 17; o preço do tomate dobrou”, detalha. Dois, procurar todo tipo de oferta e ir onde estiverem. Três, “não desperdiçamos nada. Só compramos o que vamos comer”. Ela está procurando trabalho, até agora sem sucesso. Portanto, nem pensar em viajar ou em qualquer outro luxo que antes podia pagar.

Com aumentos mensais nos últimos 12 meses, o Brasil acumula uma inflação de 10,7%, menor do que a inflação da Venezuela ou da Argentina, mas altíssimo para um país que manteve os preços notavelmente estáveis nas últimas duas décadas — é o dobro da meta do Banco Central. Além disso, esse número médio esconde o impacto muito desigual entre os mais privilegiados, os menos favorecidos e todos os que estão entre eles. Para os mais pobres (que ganham menos de 1.800 reais), a alta dos preços é de 11,39%, como detalha Maria Andreia Lameira no último relatório de conjuntura do Ipea. Por outro lado, para os que ganham mais de 17.000 reais por mês, a inflação é dois pontos porcentuais a menos, 9,32%.

Clientes no mercado de Santo Amaro, em São Paulo, Brasil. (Lela Beltrão)

Para os mais pobres, os aumentos nas contas de luz, gás, aluguel, e os preços da batata, café ou açúcar os atinge como um míssil supersônico, levando à insegurança alimentar. Todos os dias 19 milhões de brasileiros acordam sem saber como conseguirão ou se conseguirão a próxima refeição.

Em contraste, os aumentos nos produtos essenciais afetam pouco os orçamentos dos ricos. Os aumentos que mais os prejudicam são os da gasolina, das passagens aéreas (agora que voltam a planejar férias, festas de Ano Novo ou até Carnaval) e do transporte do tipo Uber, conforme o relatório do Ipea.

Quem conheceu os tempos da hiperinflação não os esquece. Rosa Lopes Masomoto, de 77 anos, que trabalhou em um banco até se aposentar, é uma delas. “Foram terríveis, piores do que hoje. O poder aquisitivo era pequeno, tínhamos de chegar à feira correndo, antes que mudassem os preços. Era uma loucura, os aumentos eram galopantes”, recorda enquanto procura verduras frescas. As generosas pensões que os brasileiros mais favorecidos da elite recebem amorteceram para eles um golpe que impacta, como sempre, de maneira desproporcional os milhões que ganham a vida no mercado informal. São aquelas senhoras idosas que ficam nas esquinas para vender doces caseiros.

Ou os protagonistas de uma das cenas que mais horrorizou os cidadãos deste país orgulhoso de ter saído do mapa mundial da fome há alguns anos. As pessoas das filas de ossos, aquelas que aguardam em fila para receber os descartes do açougue para matar a fome.

Para milhões de famílias, como a da empresária Jéssica Batista, de 30 anos, a pandemia e a consequente queda de renda obrigou a mudar a dieta alimentar. Ela conta que em sua casa consomem “mais carne branca e menos carne vermelha”, já que a pandemia reduziu a renda familiar à metade. Mais frango e mais porco.

Mercado de Santo Amaro, em São Paulo (Lela Beltrão)

Arnaldo Silva, de 59 anos e 40 como açougueiro, afirma que nunca na vida tinha visto um quilo de contrafilé a 178 reais. É o produto que mais subiu. Parte dos clientes passou a comprar cortes mais baratos, outros desapareceram. No meio da manhã, seu açougue está vazio. Ele diz que as entregas em domicílio são o que os manteve a salvo.

A feira de Santo Amaro está entrando em um círculo perigoso, explica o fruteiro Rogério Fernández, de 53 anos. Sem clientela, as barracas de carne e de peixe fecharam como uma das barracas de fruta, outra de banana, outra de pastéis... “São onze horas e veja como está”, diz, apontando para o vazio deixado pelos outros feirantes. “E daqui a pouco todo mundo vai almoçar e ninguém mais virá aqui”. Seu medo é que, à medida que a oferta diminua, a clientela pare de comprar lá e leve os que ainda sobrevivem à ruína.

NAIARA GALARRAGA GORTÁZAR, originalmente de São Paulo, para o EL PAÍS, em 02.12.21

Por que você é de esquerda?

Saber que a sociedade é um mosaico de personalidades políticas deveria nos ajudar a compreender que nenhuma ideologia é essencialmente superior. E que, portanto, pactuar com o outro é dialogar com a natureza humana

Pedro Sánchez responde a Pablo Casado em uma sessão de controle ao Governo no Congresso. (Crédito da foto: Eduardo Parra / Europa Press)

Ou de direita? Cada um tem suas razões: voto no mesmo partido que os meus pais (ou no partido adversário, para ser do contra), venho de um bairro operário, frequentei um colégio de freiras, escutava debates políticos em uma tenra idade, entre outras. Mas todos nós temos certeza de que foi um processo racional: escolhemos conscientemente a ideologia que melhor se ajusta à maneira como vemos o mundo.

No entanto, vários estudos científicos sugerem que nossa ideologia também é determinada por aspectos inconscientes. A estrutura neural das pessoas de esquerda e de direita é diferente. Os progressistas têm mais massa cinzenta no córtex cingulado anterior e os conservadores na amígdala direita. Diante de estímulos idênticos, as pessoas de direita franzem a testa e piscam mais. E embora as análises genéticas sejam difíceis, parece que também progressistas e conservadores se diferenciam em um gene receptor de dopamina.

O novo fascismo eterno

Segundo alguns especialistas, como John Hibbing, o que caracteriza as pessoas de direita é que são mais sensíveis às mudanças (de alimentação, população, costumes, seja o que for); principalmente aquelas percebidas como negativas ou incertas. Ao contrário, ali onde os conservadores veem uma ameaça, os progressistas adivinham uma oportunidade.

E isso torna nossas vidas ligeiramente diferentes. Os conservadores preferem a arte realista e os progressistas a abstrata; as casas de direita têm mais produtos de limpeza e calendários; as de esquerda, mais malas e livros. E também leva a diferentes atitudes políticas. As pessoas de direita, mais suscetíveis aos estímulos negativos, preferem políticas que reduzam as ameaças (como gastos com defesa ou tratamento duro aos criminosos) e promovam a conformidade social (cantar o hino na escola), a responsabilidade individual (oposição a ajudas públicas generosas) ou a tradição (religiosa e familiar).

Mas o fato de a ideologia estar parcialmente (cuidado, não totalmente) programada em nosso subconsciente não significa que esquerdistas e direitistas estejam condenados a se confrontar, muito pelo contrário. Saber que a sociedade é um mosaico de personalidades políticas deveria nos ajudar a compreender que nenhuma ideologia é essencialmente superior. E que, portanto, pactuar com o outro é dialogar com a natureza humana. @VictorLapuente

Victor Lapuente, originalmente para o EL PAÍS, em 02.12.21

No tabuleiro eleitoral, há opções para todos menos Bolsonaro

As peças estão se mexendo cada vez mais rápido para 2022. Em meio a várias possibilidades de alianças para fortalecer a esquerda de Lula ou uma terceira via no centro, Bolsonaro parece cada vez mais isolado.

"Alguém topa ser vice de Bolsonaro, além de algum sapo que se ache príncipe?", escreve o colunista Thomas MilzFoto: Evaristo Sa/AFP

Com João Doria definido como candidato do PSDB à Presidência do Brasil, abriram-se novas (ou velhas) possibilidades de chapas presidenciais para 2022.

Para começar, a vitória de Doria nas prévias tucanas resulta na saída de Geraldo Alckmin do PSDB. Haverá conversas sobre uma nova filiação do ex-governador de São Paulo e sobre uma possível chapa com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seria uma opção interessante para Lula entrar no eleitorado social-democrata, o "centrão bacana", e aumentar seu leque eleitoral para além da "esquerda pura"

Como Lula aparece nas pesquisas com um núcleo forte de 35% a 40% das intenções de votos, e com o presidente Jair Messias Bolsonaro na casa dos 20% a 25%, temos um eleitorado de aproximadamente 35% no centro.

É aí que a "terceira via" está pescando seus peixes. E há vários pescadores por aí, entre eles a senadora Simone Tebet (MDB) e Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado. Os dois têm, ao mesmo tempo, "cheiro" de uma possível chapa com Lula, caso a opção Alckmin falhe. Principalmente Tebet seria uma opção interessante para Lula, pois ela representaria as mulheres e os ruralistas do Centro-Oeste.

Haverá mais uma vez a "terceira via Ciro Gomes" ou, melhor dizendo, a "terceira via raivosa". Ciro parece ter um destino parecido ao de Marina Silva: começar forte nas pesquisas para depois terminar em terceiro e cair fora. Parece que seu temperamento lhe prejudica nos momentos cruciais. Será que ele continuará nunca chegando lá? Pode ser diferente agora em 2022? Seu orgulho lhe deixaria entrar numa aliança ampla da esquerda para apoiar Lula num eventual segundo turno?

E o que dizer de Sergio Moro e João Doria? Está pintando uma possível aliança entre os dois? Para Doria, seria uma quase continuação do seu discurso anti-PT de 2018, mas sem a casca de banana do bolsonarismo. Mas considerando que tanto Moro quanto Doria têm um ego forte, quem cederia para ser o vice? Ou poderia haver uma espécie de job sharing, para trocar de lugar em 2026? Moro deve estar tranquilo por enquanto, esperando as pesquisas de maio ou junho de 2022. Se aparecer forte, vai sozinho. Se aparecer fraco, poderia pegar carona numa outra candidatura, como a de Doria.

Por outro lado: Moro já sentiu como é ser apenas o "sub" de um ego grande no caso de Bolsonaro, que colocou Moro como seu ministro da Justiça para depois tirar os poderes dele. Moro entraria novamente numa fria dessas? E Doria, teria perfil de vice?

Quem já provou que tem perfil de vice é Hamilton Mourão, o atual vice-presidente. Ele poderia seguir o general Santos Cruz e se juntar ao Podemos, de Sergio Moro. Poderemos ter a ala militar, decepcionada com Bolsonaro, migrando para Moro.

Vocês perceberam algo importante? Estamos falando de várias opções para fortalecer a esquerda de Lula ou uma terceira via no centro. Todo mundo, aparentemente, tem opções. Menos o próprio Bolsonaro, que parece estar cada vez mais isolado.

Agora ele se filiou ao PL e está, portanto, de volta ao "verdadeiro centrão". Alguém topa ser vice dele, além de algum sapo que se ache príncipe? Olhando para as pesquisas atuais, tem de ser suicida político ou bem baixo clero para topar ser vice de Bolsonaro. Ele é tóxico até na esfera política. Ele é um escorpião, ninguém confia.

Mas tudo pode mudar de uma hora para a outra na política brasileira. E, até onde sei, ninguém tem bola de cristal.

--

Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos. / Publicado originalmente pela Dewtsche We

Waack: Os caciques e o efeito Moro

Candidatura do ex-juiz antecipou a corrida e as dúvidas sobre o presidencialismo brasileiro

Embalado pelo próprio 'efeito' inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Os fatos se adiantaram aos cálculos dos operadores políticos e eles tiveram de correr devido ao “efeito Moro”. Previam a largada para as eleições do ano que vem apenas em abril. O “grid” estará completo, porém, ainda antes do Natal – quase meio ano de antecipação, uma enormidade de tempo na política.

O “efeito Moro” se define pela velocidade e abrangência com que um dos competidores alcançou projeção especialmente nos grupos de formadores de opinião. O alarme entre os concorrentes soou devido a um fato do qual já se fala há tempos, mas que esse “efeito” tornou ainda mais evidente.

Embalado pelo próprio 'efeito' inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. Foto: Dida Sampaio/Estadão
É a existência ou não de uma mistura (a proporção de combustível e ar no mundo dos motores) pronta para ser incendiada. Trata-se do potencial de voto em busca de quem não seja Lula ou Bolsonaro. A presença dessa larga camada é sabida há meses, e o mérito do “efeito Moro” até aqui foi demonstrar que, aparentemente, essa mistura está mais próxima de reagir à faísca do que se pensava.

Os operadores de várias forças políticas reagiram rápido ao “efeito Moro”, fato que reconhecem em público, mas não acham que seja necessário alterar outro cálculo: o de que decisiva mesmo nas próximas eleições é a formação de grandes bancadas. É o que explica movimentos de fusão (como PSL e DEM) e a relativa facilidade com que o Legislativo driblou o STF e convergiu com o Planalto para aprovar matérias que garantem a irrigação de emendas, com transparência ou não, e fundos eleitorais. Grandes bancadas dependem de grandes verbas.

Essa postura das raposas da política é uma útil lição para se entender o fundamental dos cenários pós-eleições. Emendas do relator e orçamento secreto não são outra coisa senão a expressão do avanço do Legislativo em suas prerrogativas – leia-se poder de fato. Traduz um progressivo enfraquecimento da autoridade do presidente da República no uso de ferramentas como alocação de recursos via orçamento, iniciada com a incompetência política de Dilma Rousseff (competência que Temer demonstrou ao escapar de duas denúncias) e acelerada pela incompetência política de Bolsonaro.

Está longe ainda do grande público a ideia de que o presidente que for eleito no ano que vem terá menos poderes frente aos parlamentares do que o presidente eleito em 2018. Embalado pelo próprio “efeito” inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas (PSDB e PFL) nos idos de FHC é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. É bom lembrar que FHC mandava mais, e do lado de lá tinha só um grande cacique. 

William Waack, Jornalista e Apresentador do Jornal da CNN, originalmente, para O Estado de S.Paulo, em 02 de dezembro de 2021.

"O PSDB foi devastado pelo bolsonarismo"

No Brasil do petismo e do bolsonarismo, legenda que nasceu com cara de centro-esquerda vive crise de identidade e caminha para ser um partido "pequeniníssimo", analisa cientista político.

Fundado em 1988, a partir de dissidências com o antigo MDB, o PSDB nasceu com cara de centro-esquerda, reunindo social-democratas e liberais progressistas. Em pouco tempo o partido se tornou uma das âncoras da política partidária no Brasil, tendo elegido Fernando Henrique Cardoso presidente. Os últimos anos, no entanto, foram complexos para a legenda, que se misturou em 2018 ao bolsonarismo e se depara, agora, com um enorme desafio.

O governador de São Paulo, João Doria, derrotou o colega Eduardo Leite (RS) e foi o escolhido em prévias partidárias como o nome do PSDB para disputar a Presidência da República em 2022. O resultado, no entanto, mostra um partido dividido quase ao meio e lideranças históricas com bastante dificuldade em caminhar ao lado de Doria. O drama do PSDB reflete a conjuntura político-partidária do Brasil, analisa o cientista político Jairo Nicolau, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

"O PSDB vive uma crise de identidade muito grande, não consegue se encontrar neste cenário nacional. Aconteceu a mesma coisa com o [antigo] PFL, com o MDB também. Esses três partidos, que eram âncoras da política brasileira durante muito tempo, foram devastados pelo bolsonarismo. Uma parte deles aderiu ao bolsonarismo, outra parte rompeu com Bolsonaro, mas eles não têm mais lugar. Essas forças de centro, centro-direita, centro-esquerda, de 2018 para cá foram perdendo muito espaço na política brasileira com a ascensão do bolsonarismo", diagnostica o professor.

Doria não é um nome consensual no partido, mas não pode ser subestimado, diz Nicolau. "Ele foi se impondo a lideranças tradicionais e hoje controla o partido. Ele mostrou muita força. É uma pessoa muito determinada."

Para o cientista político, o ex-ministro e ex-juiz Sergio Moro se colocou no palco de 2022 há poucos dias e é em função dele que os outros partidos começaram a se movimentar. Sem uma liderança óbvia e carismática, os partidos que tentam ocupar o espaço do centro patinam, tentando emplacar um nome sem sucesso, enquanto Moro reaparece "e toma todo o espaço", analisa.

DW Brasil: Além da polêmica do processo das prévias em si, com problemas na votação pelo aplicativo e denúncias de fraudes, o resultado mostrou um PSDB bem dividido. Quais as consequências disso?

Jairo Nicolau: Uma consulta para escolha de candidato por intermédio de prévias sempre tem esse risco. Em geral, achamos simpático, porque é uma forma de consultar os filiados e dar voz às pessoas que participam da vida do partido. Mas muitas vezes há o risco de que esse processo seja tão polarizado e complexo que gere rusgas que depois transbordem para além das prévias. No caso do PSDB, sem as prévias o partido já estava dividido. Não sou especialista na vida interna do PSDB, mas o que vimos foi a formação de uma frente ampla contra o João Doria, e essa frente foi derrotada. Ela uniu políticos da primeira geração do PSDB, como é o caso de Tasso Jereissati, o PSDB de Minas, o PSDB do Rio Grande do Sul, com Eduardo Leite [derrotado por Doria nas prévias]. Mas não deu certo.

O Doria tem o controle do partido, já se supunha que isso aconteceria. Tentaram a candidatura do Tasso, que talvez tivesse mais envergadura para enfrentar o Doria, mas não deu certo. Claro que uma parte de governadores e políticos que apostaram no Eduardo Leite vão se recompor politicamente com Doria. Mas há outros segmentos. O [Geraldo] Alckmin foi derrotado, o Aécio [Neves] em Minas. E o próprio Eduardo Leite, que não deve participar da campanha [presidencial] ativamente. Ele não deve participar do comando da campanha do Doria.

O PSDB já estava numa situação difícil, o partido perdeu muito espaço na política nacional e tem uma divisão interna muito forte, com uma ala grande bolsonarista. Temos visto isso nas votações no Congresso, com o partido sempre acompanhando o governo. O partido perdeu muito, e Doria não é um nome consensual. Ele foi se impondo a lideranças tradicionais e hoje controla o partido. Ele mostrou muita força. É uma pessoa muito determinada. Mas o partido já vinha num processo de esvaziamento, perda de lideranças, foi mal em 2018, se recuperou um pouco em 2020.

Quais seriam, na sua avaliação, as causas desse esvaziamento do PSDB? Essa guinada à direita, certa adesão ao bolsonarismo, teria relação com isso, pelo paradoxo de o PSDB ter nascido como um partido social-democrata?

Acho que o partido ficou muito tempo fora do governo, durante a era petista. Foram quatro derrotas em sequência, no segundo turno. O partido foi perdendo força, e houve aposentadorias, esvaziamento da bancada, dificuldades estaduais. Exemplo: no Ceará tem o Tasso Jereissati [hoje senador], mas ele não criou uma liderança do partido para sucedê-lo. No Paraná, tinha o José Richa, fundador do PSDB. O Beto Richa [ex-governador] herdou, mas depois de escândalos também não tem liderança jovem e emergente no partido. As únicas exceções talvez fossem o Bruno Covas [ex-prefeito de São Paulo], que faleceu em São Paulo, e o próprio Eduardo Leite, que tem menos de 40 anos.

Depois de 2014, foi um momento de recuperação do PSDB, mas isso mudou de 2015 para frente, com o seu candidato a presidente [Aécio Neves] envolvido em escândalos de corrupção, e depois com o Doria se afastando de lideranças antigas do partido. Não vamos esquecer que a inflexão do PSDB forte para Bolsonaro aconteceu em 2018, quando Doria e Eduardo Leite o apoiaram no segundo turno.

Tem aí um componente de um partido que vive uma crise de identidade muito grande, não consegue se encontrar neste cenário nacional. Aconteceu a mesma coisa com o PFL, que sumiu também agora, virou outra coisa, outra força, essa União Brasil. Com o MDB também. Esses três partidos que eram âncoras da política brasileira durante muito tempo foram devastados pelo bolsonarismo. Uma parte deles aderiu ao bolsonarismo, outra parte rompeu, mas não tem mais lugar. Essas forças de centro, centro-direita, centro-esquerda, de 2018 para cá foram perdendo muito espaço na política brasileira com a ascensão do bolsonarismo.

Alguns políticos foram atraídos como ímã, não são social-democratas, nem social-liberais; são políticos pragmáticos que estão no PSDB e que poderiam estar em qualquer outra legenda. Eu não vou me assustar se uma parte do PSDB, em abril de 2022, muitos dirigentes e deputados, acabar indo para o campo do [Sergio] Moro, ou para o União Brasil, ou um campo bolsonarista. Não resta muito lugar no Brasil para a centro-esquerda.

Por quê?

O Brasil não tem mais centro, nem centro-esquerda. Virou um país do petismo e do bolsonarismo. Os outros são satélites destas duas forças e estão esperando os movimentos de cada um, as composições dos palanques estaduais. É realmente difícil a situação do PSDB. Tinham um candidato que poderia ajudar a renovar o partido, a direção e a linguagem [Eduardo Leite], mas ele foi derrotado. Não é que Doria não seja uma renovação. Também é. Mas ele divide muito o partido internamente, cria muitas arestas. Ainda não se sabe como Doria está compondo com esse campo de centro-direita. Parece que ele conversa, mas não vejo hoje um lugar muito especial para o PSDB no cenário político pós-2022. Acho que o PSDB vive muita dificuldade e caminha para ser um pequeniníssimo partido, com quem sobrar, algumas lideranças.

João Doria tem alguma condição de ser uma espécie de catalisador desta eventual terceira via?

É muito cedo. Eu diria que não, mas já errei duas vezes. Errei muitas vezes com o Doria. Achava que ele não ia conseguir indicação para ser candidato a prefeito. Depois ele ganhou no primeiro turno, em todas as favelas e bairros da periferia de São Paulo. Depois saiu para a eleição de governador, sem base, e ganhou. E agora esse movimento das prévias nacionais. Ele é um político muito ousado, rápido. É uma biografia relâmpago. Agora, não sei se podemos tirar o Doria [do páreo]. Ele pode fazer uma campanha bem feita, ganhar força a partir de São Paulo. A probabilidade de sucesso dele, para mim, é baixa, mas eu não diria que não existe. Ele é um sujeito obstinado, tem um papel importante no processo de vacinação no país, tem recursos para fazer campanha [pessoal e do PSDB]. Ele está mal nas pesquisas, pior do que se imaginava, mas vamos deixar o tempo decantar. Com o Doria eu aprendi que é necessário prudência. Em 2018, todo mundo apostava que o [Geraldo] Alckmin ia virar, ia subir com aquela aliança no horário eleitoral e aquela dinheirama, e não subiu. E pode ser que o Doria consiga. Eu não descartaria. Está muito cedo para descartes peremptórios.

Você citou que há pouco espaço entre petismo e bolsonarismo. Mas a avaliação positiva de Bolsonaro não está ultrapassando 20% nas pesquisas recentes. Ou seja, tem um universo aí no meio que não se organiza partidariamente pelo centro. É reflexo de um momento político?

Sim, o governo federal está tendo muitas dificuldades. Bolsonaro cometeu muitos erros de gestão de políticas públicas e de coordenação política, e está pagando por isso. Primeiro, não tem nenhuma liderança política óbvia neste campo alternativo. Veja o Sergio Moro [ex-juiz e ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro]. Ele se filiou ao Podemos há 20 dias e já está operando. E em função dele a política está se reorganizando. Pessoas estão se filiando ao Podemos, ele atraiu a cúpula dos militares, a turma da Lava Jato. Ou seja, isso é fazer política, no sentido de ocupar espaço.

Agora, a política brasileira depende muito de lideranças. Não somos como a política alemã, em que os partidos escolhem [nomes e candidatos]. Há países que têm força partidária, as pessoas têm vínculos com os partidos. Você sabe que tem uma parte conservadora e busca o candidato conservador, seja quem for. Veja aqui: se o PSDB tivesse um nome brilhante, jovem, popular, se o Moro não tivesse feito as lambanças da Lava Jato e tivesse no PSDB, nossa mãe... Seria o casamento de um partido que tem estrutura e tradição de disputar eleição presidencial com um nome.

Agora não tem esse casamento. Os nomes que vão aparecendo vão morrendo, inclusive nas pesquisas. Eles não convencem os colegas do mesmo campo político. O [Luiz Henrique] Mandetta não conseguiu, o [Luciano] Huck não conseguiu, o [Eduardo] Leite não conseguiu, o Tasso [Jereissati] desistiu, o Ciro [Gomes] está vivendo dificuldades. Não apareceu um nome óbvio, bom de palanque, carismático, com popularidade. Não apareceu. Aí os partidos ficam batendo cabeça, lançado nomes para ver se alguém pega. Ninguém pegou. Ninguém passou de 5 pontos nas pesquisas. Neste vazio, reapareceu o Moro. Na ideia de que a elite tradicional ia se acertar com o Mandetta, o Eduardo Leite, alguém do MDB, ou o Rodrigo Pacheco (PSD), quem tiver melhor fica, nisso apareceu o Moro e tomou todo espaço.

Malu Delgado, originalmente, há 17 horas, para a Deutsche Welle Brasil.

Anitta rebate comentário de Bolsonaro sobre educação política: "Fiz mais que o senhor"

Presidente havia debochado de lives da cantora com a jornalista Gabriela Prioli


                                                     (crédito: Instagram/Reprodução)

Em discurso com apoiadores, Jair Bolsonaro (sem partido) debochou de uma live realizada no Instagram sobre aulas de educação política com a participação da cantora Anitta e a advogada e apresentadora Gabriela Prioli. Após repercussão, Anitta respondeu o vídeo: "Ao invés de estar preocupado com o que eu estou fazendo da minha vida, devia estar cuidando do país, não é mesmo? “ e "Fiz mais que o senhor". 

O presidente falou em entrevista: “Outro dia eu tive o saco de ver, uns 10 minutos, duas mulheres – podia ser dois homens também, né? – ela não sabe nada, não sabe o que é poder executivo. Daí ela fala: “não existe deputado municipal?”. Essas coisas absurdas. Isso aí não é essas pessoas apenas não, é comum”, finalizou o político no vídeo replicado nas redes sociais.

Por  meio dos stories do Instagram, a cantora rebateu o comentário. "Se eu fosse presidente, e fosse ruim no que eu tô fazendo, também ia fazer isso... Ia só ficar só falando merda, falando besteira dos outros pra chamar atenção para viralizar e não ia responder nada das coisas que tô precisando fazer.", disse.

A live que o presidente se refere foi realizada em maio de 2020 em uma sequência de três episódios, falando sobre o beabá da política brasileira. “Vocês sabem que eu sou amiga da Gabriela Prioli e outro dia a gente estava conversando sobre a situação política do país. A gente resolveu fazer juntas uma live onde eu vou fazer várias perguntas pra ela, beabá mesmo, pra quem não entende nada de política, nesta sexta-feira. A gente vai tentar fazer isso toda semana, trazendo perguntas bem simples pra ela”, explicou Anitta na época.

Anitta respondeu as alfinetadas que o presidente Jair Bolsonaro fez a ela. ????pic.twitter.com/V9l3jWh88.

Luísa Mariana Moura, originalmente, para o Correio Braziliense, em 23/11/2021 10:33 

O nosso inescondível racismo: Policial algema homem negro a moto em movimento

A ação do policial militar foi apontada como ato de tortura. Polícia Militar de São Paulo abriu inquérito para investigar o policial.

 (crédito: Reprodução/Instagram)

Um vídeo que circulou, nas redes sociais, na terça-feira (30/11), mostra um policial militar em uma moto em movimento puxando um homem negro algemado. O caso foi registrado por um motorista que trafegava na Avenida Professor Luís Inácio de Anhaia Melo, Zona Leste de São Pulo, no momento do fato. Pelo vídeo, é possível ver que o policial acelera a motocicleta em alguns momentos, obrigando o homem a correr.

No entanto, o homem que fez o vídeo parece comemorar o ato de justiçamento, que remete às torturas do tempo de escravidão. "Olha o cara algemou e está andando igual escravo.Vai roubar mais agora?"

O coordenador do MTST e da Frente Povo sem medo, Guilherme Boulos, afirmou, em seu perfil de rede social, que o episódio gravado se trata dee um caso explícito de tortura. "Brasil, mais de 300 anos de escravidão. Tortura a sangue frio praticao por um PM de SP. Inaceitável."

A vereadora de Belo Horizonte Macaé Evaristo (PT) destacou, em seu perfil nas redes, que o policial cometeu um ato de racismo e tortura. "A violência do Estado, especialmente das forças policiais dono Brasil elimina direitos humanos. De forma criminosa, trata a população negra como escravizados", escreveu.

A Polícia Militar de São Paulo divulgou nota em que informa que será aberta uma investigação para apurar a conduta do policial. Veja a nota na íntegra.

A Polícia Militar, imediatamente após tomar ciência das imagens, determinou a instauração de um inquérito policial militar para apuração da conduta do referido policial e o seu afastamento do serviço operacional. A Polícia Militar repudia tal ato e reafirma o seu compromisso de proteger as pessoas, combater o crime e respeitar as leis, sendo implacável contra pontuais desvios de conduta.

Márcia Maria Cruz, originalmente, para o Estado de Minas, em 01/12/2021 15:02

Senado aprova André Mendonça como novo ministro do STF por 47 a 32

André Mendonça é o novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga do ministro aposentado Marco Aurélio Mello. 

Sua indicação ao cargo foi aprovada por 47 votos a 32 durante votação no plenário do Senado na noite desta quarta-feira (1/12), 105 dias depois de ter sido indicado pelo presidente Jair Bolsonaro.

André Mendonça em sabatina no Senado (Marcos Oliveira/Agência Senado)

É a segunda vez que o Senado aprova uma escolha do atual mandatário. Antes de Mendonça, havia sido referendado em 2020 o ministro Nunes Marques, que substituiu Celso de Mello. O ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça percorreu um longo caminho de quase quatro meses para ter seu nome votado, devido à resistência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, (CCJ) em pautar sua sabatina.

A aprovação do nome de Mendonça pode ser considerada uma vitória do presidente Jair Bolsonaro, embora o Palácio do Planalto, devido à demora do Senado de apreciar o nome do ex-ministro, tenha abandonado o candidato à própria sorte. As dificuldades de Mendonça começaram quando Bolsonaro insistiu em ter alguém "terrivelmente evangélico" no cargo para atender parte de seu eleitorado, quando a escolha de um nome para a Corte jamais deveria estar condicionada ao seu credo religioso.

O que faltou ao governo, como ficou claro durante os 105 dias nos quais Mendonça percorreu sozinho os gabinetes de senadores em busca de aprovação, foi articulação política por parte do Palácio do Planalto. Na história recente da República, nenhuma indicação do presidente da República para o Supremo demorou tanto para ser examinada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado quanto a do advogado André Mendonça.

As razões para isso são várias, e vão desde a própria intenção do presidente Jair Bolsonaro de indicar um nome identificado com as pautas conservadoras com as quais se apresenta ao seu eleitorado até uma manifesta atuação estratégica do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que relutava em pautar indicação de Mendonça. Todas elas, no entanto, têm um ponto em comum: são uma evidência da falta de articulação política do atual governo.

A resistência ao nome de Mendonça foi a mais visível aos olhos da multidão. Mas não foi incomum. No auge da popularidade, o então presidente Lula quis nomear seu ministro da Justiça, Tarso Genro, para o STF. Na ocasião, as antenas do Planalto plotaram uma resistência sólida ao nome do petista. Mais hábil que Bolsonaro, Lula simplesmente desistiu da indicação e poupou-se do desgaste.

Sabatina na CCJ

A primeira etapa para a indicação do ex-ministro André Mendonça para uma vaga no STF foi cumprida durante 5 horas. Antes da votação no plenário, por 18 votos a 9, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou seu nome para ser submetido a votação em Plenário. Os senadores seguiram o parecer da senadora Eliziane Gama (PDT-ES), relatora da indicação, e antecipado pela Conjur.

Durante sua sabatina na CCJ, o ex-ministro André Mendonça reafirmou seu compromisso com a democracia e o estado de direito. "A democracia é uma conquista da humanidade. Não há espaço para retrocesso, e o STF é o guardião desses direitos e direitos fundamentais", disse.

"Assumo o compromisso com a Justiça e com o aperfeiçoamento do Estado democrático de Direito. Reafirmo meu compromisso irrestrito com a imparcialidade. Darei tratamento igualitário a todas as partes", completou.

O indicado ao STF também se manifestou sobre a prisão em segunda instância, mas se esquivou de uma resposta mais contundente. "Entendo que a questão está submetida ao Congresso Nacional, cabendo a este deliberar sobre o tema, devendo o STF revistar o assunto apenas após eventual pronunciamento modificativo por parte do Poder Legislativo sobre a matéria e caso o Judiciário seja indagado a fazê-lo", afirmou. Em outras ocasiões, ele já se manifestou favorável à prisão em segunda instância.

O próprio Mendonça fez questão de trazer à tona a questão de sua confissão religiosa, que acabou tomando vulto por causa das manifestações seguidas do presidente Bolsonaro, que insistiu em indicar alguém, segundo ele, "terrivelmente evangélico".

"A Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo. Como tenho dito para mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição", afirmou. "Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal", afirmou.

O ex-AGU lembrou que entre 2016 e 2018, atuou na CGU, onde teve oportunidade de coordenar as equipes de negociação dos acordos de leniência instituídos pela lei 12.186 de 2013 e assim aprimorar a efetividade da recuperação de ativos no Brasil. Nesse período, segundo ele, CGU e AGU firmaram acordos com diversas empresas, inclusive incluídas na "lava jato".

Em outro momento, Mendonça disse acreditar que delação premiada não é elemento de prova. "Eu não posso basear uma convicção com base em uma delação. Delação não é acusação. Dito isso, eu entendo que o combate à corrupção tem que ser feito respeitando-se direitos e garantias individuais. Os fins não justificam os meios, nós precisamos respeitar a política", afirmou Mendonça aos senadores.

"Todo mundo aqui é contra corrupção, lógico. Mas acho que há mais consensos que podemos estabelecer. Não se pode criminalizar a política. Eu aprendi nos meus estudos em Salamanca primeiro que a corrupção é um problema complexo, e o direito sancionador não é um elemento determinante para resolver esse problema", acrescentou.

Ele também argumentou que não utilizou a Lei de Segurança Nacional (LSN) na condição de ministro de Estado para perseguir ninguém e, sim, para responder a ofensas ao presidente da República. "Em boa hora, o Congresso aprovou o texto que revogou a Lei de Segurança Nacional", disse o ministro, afirmando que era sua função, como ministro da Justiça, utilizar a LSN por ofensas ao presidente, sem intenção de perseguir ninguém. "Reafirmo a preservação de direitos e garantias fundamentais. Juiz não é acusado e acusador não é juiz", salientou.

"Sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso sob pena de não o fazendo incidir em crime de prevaricação", completou.

Questões polêmicas

Mendonça também afirmou que "há espaço para posse e porte de arma" no Brasil. Ele, porém, evitou falar sobre a legalidade dos decretos de Jair Bolsonaro sobre o tema. "Há espaço para posse e porte de armas. A questão que deve ser discutida é quais são os limites. Não posso me manifestar sobre o tratamento que foi dado pelos decretos, mas a segurança pública deve ser um objetivo a ser alcançado por todos nós. O principal debate deve ser no Legislativo, mas há um espaço para a regulação", salientou.

Disse, ainda, que não será submisso ao presidente Bolsonaro, embora o mandatário tenha sido responsável pela sua indicação. "Há uma diferença entre ser ministro do governo e ministro do STF", pontuou.

O senador Fabiano Contarato (Rede Sustentabilidade-ES) foi um dos únicos que questionou mais duramente o ex-ministro, ao lembrar diversas ações controversas de Mendonça quando ocupou o ministério da Justiça e a AGU, como assinar pedido de Habeas Corpus do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, quando este afrontou o STF dizendo que era preciso prender os integrantes da Corte.

E também indagou a opinião do indicado sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mendonça tergiversou e disse apenas que não compactua com discriminação, sem responder diretamente se votaria contra ou a favor em um eventual julgamento sobre a questão. Mas disse que defende o direito constitucional de união de pessoas do mesmo sexo.

Demora e fraqueza

O intervalo entre a indicação de Mendonça e a sabatina no Senado foi o maior da história recente da República. Bolsonaro encaminhou o nome do ex-AGU em 12 de julho, depois de passar uma semana insultando o Judiciário e o Senado, disparando ofensas e ataques ao STF, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e à CPI da Covid.

A demora fez com que os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) acionassem o Supremo para obrigar Alcolumbre a marcar a sabatina. No início de outubro, o ministro Ricardo Lewandowski decidiu que a questão era interna corporis, e que não cabia ao Judiciário interferir no funcionamento de outro Poder da República.

Nas últimas semanas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, passou a ser cobrado pela omissão de Alcolumbre, principalmente por parlamentares e líderes evangélicos. Na última quarta, Alcolumbre finalmente anunciou que agendaria a sabatina.

Nota de Fux

No início da noite, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, divulgou nota e adiantou que pretende dar posse a Mendonça ainda este ano. "Manifesto satisfação ímpar pela aprovação de André Mendonça porque sei dos seus méritos para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Além disso, em função da atuação na Advocacia Geral da União, domina os temas e procedimentos da Suprema Corte, que volta a ficar mais forte com sua composição completa. Pretendo dar posse ao novo ministro ainda neste ano", afirma o magistrado.

Severino Goes, originalmente, para o Consultor Jurídico, em 01.12.21

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

As muitas faces de um escândalo

Câmara e Senado se uniram para manter o ‘orçamento secreto’ e afrontar o Supremo com desassombro poucas vezes visto na história recente

 O Congresso mostrou que está disposto a tudo, inclusive a descumprir nada menos que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), para seguir com a apropriação de uma expressiva parcela do Orçamento da União por meio das emendas de relator-geral – tecnicamente conhecidas como emendas RP-9 – sem qualquer tipo de fiscalização institucional. O único controle, por assim dizer, sobre o manejo de cerca de R$ 16 bilhões em emendas RP-9 no ano que vem, assim como foi em 2020 e 2021, será o conchavo entre quem libera, quem distribui e quem recebe essa dinheirama, uma concertação de bastidor orientada por qualquer coisa, menos pelo interesse público e pelo respeito à Constituição. É o patrimonialismo escancarado.

Na segunda-feira passada, deputados e senadores aprovaram uma resolução conjunta que não apenas institucionaliza o desvirtuamento das emendas RP-9, como sustenta o sigilo sobre a origem e o destino dos bilionários recursos liberados por meio dessa rubrica orçamentária. Na Câmara dos Deputados, a resolução antirrepublicana foi aprovada por folgada maioria: 268 votos favoráveis e 31 contrários. No Senado, a oposição ao texto foi maior, mas insuficiente para fazer prevalecer a decência: 34 senadores votaram a favor da resolução e 32, contra.

O resultado é fruto do esforço pessoal dos presidentes de ambas as Casas Legislativas. Tanto Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, como Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado, manobraram para que o mistério que ronda a liberação das emendas RP-9 permanecesse ao abrigo do escrutínio público. A resolução aprovada prevê que o relator “poderá” dar publicidade aos valores e aos “patronos” dos recursos, mas, obviamente, o tempo verbal não foi escolhido por acaso.

Poucas vezes na história recente do País o STF foi afrontado com tamanho desassombro por outro Poder. No dia 10 de novembro, a Corte ordenou que o governo federal suspendesse imediatamente o pagamento das emendas de relator e que o Congresso desse “ampla publicidade” às liberações realizadas até aquele momento. O STF não fez nada além de reafirmar o princípio da publicidade dos atos da administração pública inscrito na Constituição. A ministra Rosa Weber foi direta ao afirmar que “o regramento pertinente às emendas de relator distancia-se dos ideais republicanos”. Noutros tempos, menos confusos, um “lembrete” desses nem sequer teria que ser feito ao presidente da República e aos presidentes das duas Casas Legislativas.

Mas são tempos estranhos. Tão estranhos que Rodrigo Pacheco, ao defender a astuciosa resolução, chegou a afirmar que “as emendas de relator vão salvar muita gente no Brasil”. Faltou explicar ao distinto público a quem ele se referia.

A bem da verdade, não há nada de ilegal ou imoral na concepção originária da emenda RP-9: é uma rubrica de natureza eminentemente técnica, por meio da qual o relator-geral corrige erros e omissões no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) encaminhado pelo Poder Executivo. Com a adulteração do propósito da RP-9 para atender a interesses paroquiais, fisiológicos e eleitoreiros, longe dos controles democráticos, atropelam-se a Constituição e os valores republicanos. 

A resolução aprovada pelo Congresso no dia 29 passado estabelece que as emendas de relator não se prestam mais apenas à correção de erros ou omissões na lei orçamentária, mas podem ser usadas para distribuição de recursos do Orçamento da União de acordo com as vontades do Congresso, que assim usurpa uma prerrogativa que é, eminentemente, do Poder Executivo.

A raiz do mau uso das emendas RP-9, portanto, é a absoluta falta de governo no Brasil. O interesse primordial do presidente Jair Bolsonaro não é governar o País, mas sim ser reeleito. Com qual propósito, só ele sabe. Bolsonaro é um ergofóbico incapaz técnica e moralmente de governar. Não surpreende que, a despeito de todos os sérios problemas que estão sobre sua mesa à espera de solução, o presidente encontre tempo para passar horas acenando para motoristas na beira de uma estrada ou para dirigir ônibus pelas avenidas de Brasília. Enquanto isso, o Congresso toma conta do Orçamento e dos destinos do País, desde que estes não colidam com os interesses particulares dos parlamentares.

Editorial / Notas&Informações, O Estado de S.Paulo, em 01.12.21

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Atlas: Lula amplia vantagem e Moro vai a terceiro lugar, tirando voto de Doria, Bolsonaro e Ciro

Pesquisa da Atlas Político mostra que ex-presidente amplia vantagens sobre adversários com 42,8% de intenções para 2022 e venceria a todos no segundo turno. Ex-juiz alcança 13,7% das intenções. Bolsonaro mantém vice liderança (31,5%) e Doria fica na lanterna

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-juiz Sergio Moro.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ampliou sua vantagem sobre os adversário na corrida eleitoral de 2022, conforme pesquisa do Atlas Político divulgada nesta terça-feira. Se a eleição fosse hoje, Lula teria 42,8% das intenções de votos, contra 31,5% de Jair Bolsonaro (sem partido), reforçando sua liderança. A entrada do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (Podemos) na disputa bagunçou a chamada terceira via, dividindo a preferência dos eleitores antipetistas. Moro assumiu a terceira posição, com 13,7% dos votos, tirando uma parcela de votos de Bolsonaro, mas também de Ciro Gomes (PDT) ―na quarta posição com 6,1% dos votos―, e especialmente de João Doria (PSDB).

Doria, confirmado candidato tucano após as prévias deste final de semana, foi o candidato que mais perdeu com a chegada do ex-juiz. “O eleitorado de Moro é uma base antipetista, apoiador da Lava Jato, que vê o ex-juiz como herói e busca um candidato mais ao centro”, diz o cientista político Andrei Roman, CEO do Atlas. “Esse resultado reflete o momento de Doria, que já estava com dificuldade de decolar e teve prévias conturbadas com seu partido rachado”, diz.

Aprovação ao Governo Bolsonaro cai para 19%, nível mais baixo desde que chegou ao Planalto

Doria venceu as prévias do partido finalizadas no dia 27 de novembro. Ganhou por uma diferença pequena de votos ―53,99% contra 44,66% do governador gaúcho Eduardo Leite. Enquanto Doria tem a tarefa de reconstituir relações internas e convencer seus próprios pares de que ele é uma opção viável, Moro avança como a novidade numa terceira via. “É a primeira vez que um candidato [da terceira via] vai acima dos 10 pontos desde janeiro”, destaca Roman. A Atlas vem testando os nomes de possíveis candidatos que se opõem a Lula e Bolsonaro desde o início do ano. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o governador gaúcho Eduardo Leite e o próprio Moro já havia entrado nas pesquisas anteriores, mas nunca havia ultrapassado a barreira dos dois dígitos.

O levantamento on-line feito com 4.401 pessoas entre os dias 27 e 29 de novembro, perguntou como seria a eleição em um cenário sem Moro, para entender o impacto da chegada do ex-juiz nos candidatos. Apenas Lula mantém sua posição inalterada. Bolsonaro saltaria para 34,3% das intenções de voto ― uma diferença de quase 3 pontos percentuais (p.p.); enquanto Ciro iria para 8,5% (+2,4 p.p.); e Doria subiria para 5,7% (+4 p.p.)

“Até então, Bolsonaro não tinha competição”, afirma Roman. O presidente vinha perdendo espaço na corrida eleitoral para sua própria atuação no Governo. A aprovação de Bolsonaro alcançou seu índice mais baixo desde o início de 2019: 65,3% dos brasileiros rejeitam seu Governo. Somente 19% aprovam o seu Governo, a pior marca desde o início da sua gestão, conforme mostra a pesquisa Atlas, divulgada nesta segunda, dia 29.

Segundo turno

Em um cenário de segundo turno, a pesquisa mostra que Lula vence de todos os candidatos: com 50,5% das intenções de voto numa disputa contra Bolsonaro; 46,4% dos votos contra Moro; 42,3% contra Ciro; e 47,2% contra Doria. O número de eleitores que declaram voto em branco, nulo ou que não sabem em quem votar ainda é alto nos cenários em que Lula disputa com Moro, Ciro e Doria, o que mostra que o eleitor ainda está em dúvida. Numa disputa entre Lula e Bolsonaro, somente 13,5% dos eleitores não se posicionam. Esse número sobe, de acordo com o candidato: 24,4% mostram indecisão num confronto entre Lula e Moro, e 37,4% no caso de uma disputa entre Lula e Doria.-

Já no caso de uma disputa entre Bolsonaro e os demais candidatos no segundo turno, o atual presidente perde de todos, menos de João Doria, com quem teve com empate técnico.

O desempenho de Moro mostra um recall positivo do ex-ministro, que saiu de cena em 2019 e seguiu para uma consultoria nos Estados Unidos. Houve sempre uma expectativa se ele abraçaria uma campanha eleitoral, o que se confirmou no dia 10 de novembro em sua filiação ao Podemos, quando se perfilou pré-candidato para liderar a terceira via.

Mas seu avanço na pesquisa expõe também os erros de campanha do pedestista Ciro Gomes, que tem como marqueteiro João Santana. Ciro assumiu uma postura de confronto com o PT em busca de votos no bolsonarismo. A pesquisa do Atlas revela uma falha nesse cálculo, uma vez que votos dele se mostram voláteis e migram para Moro.

Perfil dos eleitores

A pesquisa mostra que 7% dos eleitores que afirmaram terem votado em Bolsonaro na eleição passada agora têm intenção de votar em Lula. O petista também está atraindo 40% daqueles que declararam terem votado em branco ou nulo e 48% dos que não compareceram na eleição de 2018 ― quando 42 milhões de eleitores escolheram não votar em nenhum dos candidatos. Esse público poderia ter mudado o rumo da eleição passada, uma vez que Bolsonaro teve 57,7 milhões de votos Fernando Haddad (PT), 47 milhões.

Moro também está atraindo uma parcela importante de ex-bolsonaristas: 18% daqueles que votaram no atual presidente em 2018 dizem que agora vão votar nele. O ex-juiz também é a aposta de 29% de eleitores que votaram branco e nulo e 22% que não compareceram na eleição passada. O eleitor de Moro é bastante equilibrado no quesito gênero e escolaridade. O ex-juiz tem a preferência de pessoas com mais de 35 anos e dos mais ricos: 30% dos eleitores com renda acima de 10.000 reais têm intenção de votar no ex-juiz.

O petista é um candidato forte entre as mulheres (49% das eleitoras afirmam votar em Lula), a maioria do público com ensino fundamental (45%) e médio (46%). Também os moradores da região Nordeste (51%). Bolsonaro tem 30% dos eleitores nordestinos e Moro, 7%. Lula continua na preferência do eleitor com renda de até 2.000 reais (56%) ― um reflexo do programa sociais, como o Bolsa Família, encerrado na atual gestão com a criação do Auxílio Brasil. Apesar de ser um político veterano, Lula atrai um público jovem: 46% dos eleitores de 16 a 24 anos têm intenção de votar no ex-presidente.

Já Bolsonaro tem a preferência dos eleitores homens (39%), bem divididos entre aqueles com ensino fundamental, médio e superior. O presidente ganha destaque entre 37% de moradores das regiões Sudeste e 35% do Centro-Oeste. A maioria de seus eleitores têm renda entre 2.000 e 3.000 reais (40%), são evangélicos (47%) e têm mais de 35 anos. Bolsonaro mantém um público fiel: 65% daqueles que votaram no presidente na última eleição pretendem repetir o voto.

REGIANE OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS, em - 30 NOV 2021 - 15:25 BRT