quinta-feira, 29 de abril de 2021

Gilberto Gil: “Um evento drástico como a pandemia ajuda a fortalecer o desejo da humanidade avançar”

Compositor baiano conta que reza para que o presidente do Brasil alcance a compreensão e o acolhimento ao que é diverso a ele num momento em que há uma cultura de destruição. Gil fala da “chuva de partículas tropicalistas” que ficou como legado do movimento que ele integrou

O músico e compositor brasileiro Gilberto Gil. (Reprodução Instagram) 

Gilberto Gil tem vivido sentimentos difusos ao longo da pandemia. A indignação com os casos de fura-fila da vacina e festas clandestinas dão ao compositor uma expressão séria, como se a serenidade que lhe é característica desaparecesse. Mas ele logo se recupera. “Um evento dramático e drástico como esse ajuda a humanidade a fortalecer o seu desejo de avançar”, afirmou em entrevista por chamada de vídeo ao EL PAÍS. Essa dualidade entre o bem e o mal agir é, para Gil, o componente principal da humanidade. “A raça humana é a ferida acesa/Uma beleza, uma podridão”, dizem os versos da canção Raça Humana, de meados dos anos 1980. “Estamos sempre entre a virtude e o pecado, o tempo todo”, comenta. Quando a avaliação recai sobre o presidente Jair Bolsonaro, Gil respira fundo. “Quero que o aperfeiçoamento humano aconteça em todos os indivíduos, inclusive para os que não comungam uma visão generosa da sociedade”, explica. Mas nem só de compaixão vive o homem. “São pessoas que querem nos destruir, que fazem de tudo para fazer prevalecer uma visão maldosa da bondade”, afirma.

O artista analisou a crise no meio ambiente - ele acaba de lançar uma música em parceria com Instituto Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado -, a situação da cultura brasileira, onde foi ministro de Lula, e a própria existência quase octogenária, celebrada recentemente com o título de Doutor Honoris Causa do campus em Valência da Universidade de Berklee, com sede em Boston, nos EUA.

Pergunta. Como tem visto a situação da cultura no atual governo? Qual a impressão deixada pelo secretário Mário Frias até aqui?

Resposta. (A cultura) não é uma questão central no governo. Pelo menos não tem sido até agora. Não vejo apreço da mentalidade governamental por esse aspecto da vida do povo. Ou pelo menos eles devem ter uma visão sobre o que é cultura ou o que deve ser cultura, mas essa visão não abrange a todos. Na verdade, é uma monocultura, com uma completa aversão a tudo que não se enquadra nessa caixinha que eles escolheram. Desprezam um modo diverso de ver a cultura, se voltam contra aquilo que foi feito antes e querem um depois que nós não sabemos o que será. É uma dificuldade enorme até para entendê-los e compreendê-los, e até de ajudar se for caso. Mas o que nós vemos é destruição e incapacidade de construir junto com a sociedade e de entender as várias partes do Brasil que precisam ser convocadas para a realização de um projeto. Na verdade, é a falta de projeto. Um projeto cultural brasileiro teria que considerar a grandeza de nossa variedade. Isso que está acontecendo contra nós negros (o repórter é negro) na Fundação Palmares [presidida por Sérgio Camargo], uma visão discriminatória, que quer se fazer prevalecer e dificulta qualquer arranjo. Ficamos sem modos de contribuir e ajudar. E aparentemente não querem. Eles querem insistir num modo de rejeição permanente.

P. Recentemente, quando questionado sobre o presidente Jair Bolsonaro, você disse que rezava por ele e que torcia para que “um ser pleno chegasse até ele e regesse suas energias”. No que consiste a esperança de que ele possa assumir outra forma?

R. Quero que o aperfeiçoamento humano aconteça em todos os indivíduos, não só para os meus familiares, amigos. Quero que essa possibilidade de existência mais amorosa chegue também àqueles que não comungam de uma visão generosa e positiva da sociedade. São pessoas que querem nos destruir, que fazem de tudo para fazer prevalecer uma visão maldosa da bondade. Quando falo do presidente do Brasil, falo de uma dificuldade de assumir considerações sobre a variedade humana e a diversidade. Essa insistência de que o mundo precisa ser do jeito que ele e seus parceiros querem. Fico achando que pode, ou deveria haver, um meio para que ele viesse a compartilhar o ser humano em sua universalidade. Ter capacidade do perdão, da ctr. Quando falo em rezar é nesse sentido: continuar acreditando que somos resultado de uma grande maternidade universal que nos abarca a todos, e que portanto todos deveriam se beneficiar dessa condição de sermos e nos compreendermos. Bolsonaro e qualquer outra pessoa é depositário dessa esperança.

P. Há no ar um autoritarismo muito forte, mas isso é algo da nossa história, com a escravidão e a ditadura militar, por exemplo. É possível nos desvencilharmos disso ou estamos fadados a viver ciclos mais ou menos autoritários?

R. É algo que carregamos desde a colônia, passando pelo Império, pelas repúblicas que se sucederam, todas precárias. Tudo isso é uma fonte evidente de referência nos modos de fazer política e exercer poder. São heranças que nos guiam. Mas, ao mesmo tempo, a palavra democracia entrou em vigência permanente, com seus sentidos e significados cada vez mais firmes na sociedade. Quando nós temos um governo como o de agora, com uma diminuição da visão relativa da importância da democracia, há uma quantidade enorme de pessoas que reclamam. Essas são discussões que estão na pauta brasileira e mundial, dos regimes que adotam um flerte com o autoritarismo e com a intolerância. A vontade da sociedade humana já se dirigiu para esse modo mais amplo de vida que a visão democrática oferece. Isso é irreversível.

P. Você acaba de lançar Refloresta, uma canção sobre meio ambiente, área em que o Brasil é pressionado internacionalmente. Como analisa o cenário atual?

R. O movimento ambientalista, a necessidade de que a gente deve preservar a natureza da nossa própria capacidade predatória, é algo que está aí há 40 anos. São temas que foram ganhando força depois da Segunda Guerra Mundial, com essa capacidade destruidora das armas nucleares, com o descuido que tivemos aos modos de exploração da natureza, da terra para nos nutrirmos e ao devolvermos à natureza essa capacidade de nutrição, e a consolidação de um circuito permanente de tomar e devolver. Tudo isso que a ecologia trouxe também está sendo desprezado pelo atual governo. O respeito ao meio ambiente é algo que está entranhado em parte significativa da sociedade brasileira e que está reagindo não só à inércia, mas à ignorância que tem sido predominante. O movimento ambientalista mundial é uma conquista importante nas últimas décadas no mundo, e quando o Brasil reage dessa maneira insensível a todas essas conquistas, os países exigem essa sensibilidade de volta.

P. O fotógrafo Sebastião Salgado disse que a busca pelo progresso e a extração de bens naturais, com os males advindos daí, eram a contradição da nossa espécie. Como sair desse dilema?

R. Assumindo que é um dilema e que temos que nos dispor a enfrentar isso e entender as variáveis positivas e negativas. Não há um resolver permanente. “Acabou!”. Bom, aí acabou o movimento das coisas, findou-se a humanidade, tudo está resolvido e chegaremos enfim à vida plena em que não há mais sentido, porque não há contraste com nada. Esse contraste entre vida e morte é que vai continuar nos impulsionando a entender os avanços nas formas de pensar e como ajustamos a produção humana a uma produtividade mais sadia. Como nos livramos um pouco mais das guerras entre nós, homens, e também contra outras espécies na natureza. Como nos livrarmos do mal causado pelos sistemas econômicos, com um capitalismo mais solidário e menos submisso à ideia de acumulação sem fim e sem distribuição da riqueza que é produzida por todos. As tentativas que o socialismo fez, frustradas parcialmente. O sistema econômico está em xeque, assim como o sistema tecnocientífico, o existencial, nas formas de relacionamento humano. Isso significa que precisamos programar o próximo movimento no tabuleiro desse grande jogo de xadrez. A questão é: que peça mover? Para onde?

P. Você tem dito que a pandemia trouxe um sentimento aflitivo não só pelo impacto aos seus familiares, mas à humanidade, como algo comum a todos. Ao mesmo tempo, vemos casos de fura fila da vacina e festas clandestinas. Temos sido solidários como pede o momento?

R. A humanidade continua parecida com o que ela tem sido sempre. Um conjunto de seres com personalidades, individualidades, reações variadas aos estímulos da vida e do mundo. Cultivos variados de valores, níveis diferentes de consideração a esses valores, transpassados pelas religiões e filosofias. Nós, os homens, somos pecadores e estamos sempre entre a virtude e o pecado. Numa situação de pressão mais aguda, acerca do que somos e o que devemos ser, essa dimensão da realidade fica mais evidente. Em alguns aspectos há progressos nas relações sociais, mas em outros aspectos não. Continuamos conservadores, reacionários por vezes. No aspecto da solidariedade, que neste momento seria mais exigida, existem aqueles que reagem melhor e outros, pior. A esperança geral é que nós tenhamos condições de avançar em relação a um padrão genericamente aceito de nos relacionarmos. Quando vemos essas festas clandestinas, pessoas furando a fila da vacina, são os velhos modos humanos de ser, sem a empatia que a situação merece. Que possamos melhorar.

P. A pandemia acentuou algo que já vivemos em outros períodos, como o entrave entre o conhecimento científico, em contraposição às crenças da fé, das religiões. Estamos lidando com o dilema da maneira correta?

R. O que é a maneira correta? O justo meio está na igual possibilidade dos extremos. Os extremos do bem e do mal, do bom agir e mal agir, eles continuam aí, estão em diálogo permanente. A expectativa geral é que a humanidade avance. Mas, veja, avançar para onde? Avançar significa se livrar de certas maneiras de ser e adotar outras. Ao mesmo tempo, essas coisas todas dependem de valores que vem da ética, da moral, da dimensão religiosa. Não tem uma resultante universalmente perceptível no sentido de dizer que estamos manifestando uma qualidade nova nas relações humanas ou, pelo contrário, que podemos estar apresentando uma desqualificação mais antiga da humanidade. Desigualdades foram escancaradas em um momento como esse. Há um descompasso muito grande entre as possibilidades de uns e as de outros. O modo como os mais pobres são mais afetados. A pandemia só acentua uma série de questões muito amplas. Ao mesmo tempo, o esforço de avançar continua. Um evento dramático e drástico como esse ajuda a humanidade a fortalecer o seu desejo de querer ir mais à frente e encontrar formas de amparar os mais necessitados.

P. Vivemos um período muito duro do ponto de vista do luto e da solidão em alguns casos. Há aquele verso: “É só o coração dizer não/ quando a mente tenta nos levar pra casa do sofrer”. Você tem um refúgio espiritual que te afasta da casa do sofrer?

R. Tenho. É algo que nós vamos construindo ao longo da existência, é uma busca da vida inteira, no sentido de apaziguamento, pacificação, resignação, capacidade de aceitação e também de superação. É um lugar que me dá conforto para declarar aquilo que penso, nos meus posicionamentos às injustiças da vida e do mundo, em relação às mais variadas formas de dor. No início, com as primeiras notícias de dizimação que os velhinhos estavam sofrendo na Espanha, Itália, nos momentos em que havia uma incerteza sobre o que era a doença, eu fiquei muito aflito. E agora estamos vivendo algo muito difícil no Brasil, que é o epicentro da pandemia, com tantas notícias horríveis nos rodeando. Essa vitimização sobre a humanidade nos traz muito sofrimento. A tentativa de enfrentamento desse sofrer é algo constituído ao longo de uma vida, uma busca que vem dos sofrimentos que nos atingem no cotidiano, os pequenos aborrecimentos. É uma casa que vai sendo reformada com o passar dos anos. Estamos sempre à procura de um telhado mais firme que possa resistir às tempestades mais duras.

P. Você já disse que por estar focado na pandemia não sentia impulso para compor. Fiquei pensando no período em que esteve preso, quando compôs Cérebro Eletrônico, Futurível e Vitrines. Qual foi o impulso criativo que a prisão proporcionou e que a pandemia tem bloqueado?

R. É preciso levar em consideração os dois momentos existenciais. Lá atrás eu era um menino de vinte e poucos anos, com energias novas e em busca de condições de manifestação dessas energias. Agora eu sou um homem velho de quase 80 anos de idade, com outras energias. Aquelas energias antigas estão atenuadas, já se submeteram ao escoamento natural nos afluentes da força juvenil e já desembocaram neste grande estuário que é a condição velha de existir. São exigências muito diferentes de quando estive preso na cela de uma cadeia do momento atual. Por exemplo: naqueles dois meses de prisão eu acabei sendo tomado por uma volúpia mínima de pensar, escrever e exercer a minha condição humana, e isso resultou em algumas canções. Agora é outra história. Eu fico aqui tocando o meu violão, tranquilo. Alguma coisa pode resultar desses períodos vividos um pouco na Bahia, aqui em Itaipava (região serrana do Rio) ou em Copacabana, fruto desse estreitamento da possibilidade de viver. Mas a volúpia, a busca dessa resultante, não é a mesma daquela época. É outra forma de quietude.

P. Já ouvi você dizer que os discos feitos na década de 1970, a partir de Expresso 2222 (1972), são mais tropicalistas do que os feitos na década anterior, servindo de influência para nomes como Ney Matogrosso, Novos Baianos, entre outros. Aquela estética musical e de atitude foi totalmente incorporada à canção brasileira?

R. O mundo explode e as migalhas caem todas sobre Copabacana, como diria Caetano em Superbacana. Está tudo aí. Houve uma chuva de partículas tropicalistas provocadas por aquela nuvem que passou ou por aquela bomba que explodiu. Todos esses meninos que fazem músicas em cultura popular no Brasil, que eventualmente estão no teatro ou no cinema, têm uma herança tropicalista muito nítida. Só que assim, manifestada em fragmentos, às vezes diafanamente espalhadas por aí, essa captação da dimensão tropicalista fica dificultada, por vezes obliterada. Mas aquilo que nós desejávamos e colocamos em prática está aí: diversidade, liberdade, pluralismo, todo um repertório e ideário que era base da Tropicália. Está tudo solto na plataforma do ar, diria Luiz Melodia.

P. Você já fez algumas lives durante a pandemia utilizando o repertório de toda a carreira, definindo-se como um “visitante do seu território criativo”. O trajeto pelo próprio caminho é prazeroso ou há solavancos?

R. Há solavancos, claro, porque são naturais da vida. São momentos da minha existência, quando quis traduzir sentimentos, algumas formas de experiência. Os caminhos são tortuosos, porque são resultado da transformação da minha intensidade interna em linguagem, em expressão, no meu caso como músico e compositor. Esse desejo de me expressar, que é um sintoma natural do estar vivo, se manifesta cheio de contradições. E no meio do caminho há uma expectativa que isso desemboque em novas formas de me comunicar, que se transforme em canções, músicas, encontros. Durante a pandemia, temos tentado fazer isso com lives, e mais adiante, conforme a pandemia vá se desdobrando, isso também vai influenciar nossa poética e o fazer artístico.

GUILHERME HENRIQUE para o EL PAÍS, em 26 ABR 2021 - 22:23 BRT

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Morre Michael Collins, o astronauta "esquecido" da Apollo 11

Collins fez parte da primeira missão do homem à lua, mas, ao contrário de Neil Armstrong e Buzz Aldrin, não saiu do módulo espacial. Ele tinha 90 anos. Nasa afirma que ele foi um "verdadeiro pioneiro".

Collins pilotou a espaçonave na missão Apollo 11

O astronauta norte-americano Michael Collins morreu nesta quarta-feira (28/04), aos 90 anos, devido a um câncer.

Ele ficou conhecido como "o astronauta esquecido” da primeira missão do homem à lua. Em 20 de julho de 1969, Collins permaneceu no módulo de comando da Apollo 11, enquanto seus colegas Neil Armstrong e Buzz Aldrin viajavam à superfície para se tornarem os primeiros humanos a caminharem na Lua.

Collins ficou sozinho pilotando o módulo lunar por mais de 21 horas. Ele perdeu contato com o controle da missão em Houston todas as vezes em que a espaçonave circundou o lado escuro da lua.

"Desde Adão, nenhum humano conheceu tanta solidão quanto Mike Collins", registrou o diário da missão, referindo-se à figura bíblica.

Diferentemente de seus colegas, ele evitou grande parte do frisson midiático com que os astronautas foram recebidos ao voltar à Terra.

"Sei que eu seria um mentiroso ou um tolo se dissesse que tenho o melhor dos três assentos da Apollo 11, mas posso dizer com verdade e equanimidade que estou perfeitamente satisfeito com o que tenho", escreveu Collins em sua autobiografia de 1974, Carrying the Fire..

Sua lembrança mais forte da Apollo 11 foi contemplar a Terra, que ele descreveu parecer "frágil".

"Eu realmente acredito que se os líderes políticos do mundo pudessem ver seu planeta a uma distância de 100.000 milhas, sua perspectiva poderia ser radicalmente alterada”, disse ele. "Aquela fronteira tão importante seria invisível, aquela discussão barulhenta, silenciada."

A Nasa prestou homenagem a Collins, chamando-o de "verdadeiro pioneiro".

"A Nasa lamenta a perda deste piloto e astronauta talentoso, um amigo de todos os que buscam expandir o potencial humano. [...] Seu espírito irá conosco enquanto nos aventuramos em direção a horizontes mais distantes," disse o chefe interino da NASA , Steve Jurczyk, em comunicado.

Buzz Aldrin, agora o último membro sobrevivente da missão Apollo 11, homenageou o amigo pelo Twitter.

"Caro Mike, onde quer que você tenha estado ou esteja, você sempre terá o fogo para nos levar habilmente a novas alturas e ao futuro”

Collins nasceu em Roma, na Itália, em 31 de outubro de 1930. Era filho de um militar americano que servia como adido no país europeu. Ele começou como piloto de testes da Força Aérea, antes de ser escolhido para o programa de astronautas da Nasa, em 1964.

A missão Apollo 11 foi seu segundo e último voo espacial. Mais tarde, se tornou o chefe do Museu Nacional do Ar e do Espaço.

Deutsche Welle Brasil, em 28.04.2021

Cresce aversão ao Brasil no mercado mundial

Empresas que querem exportar ou captar financiamento no exterior vivem momentos difíceis. Visto como pária por sua política ambiental, país é cada vez mais criticado. Opção pelo isolamento vai custar caro à economia.

Reações negativas a discurso de Bolsonaro são um alerta para as empresas brasileiras

É fascinante como nas últimas semanas o empresariado brasileiro vem discutindo aspectos ambientais de maneira séria e intensa. A cúpula sobre o clima promovida pelos EUA na semana passada acelerou isso. Nela, o presidente Bolsonaro quis se apresentar como um ambientalista convertido. Disse que o Brasil será climaticamente neutro já em 2050, que o desmatamento ilegal na Amazônia será zerado até 2030 e que imediatamente dobrará o orçamento para as autoridades ambientais. Mas a tal virada fracassou.

Era evidente que quem falava era o capitão da reserva e não um ambientalista. "Falta credibilidade à coisa toda", diz Fábio Alperowitch, chefe da Fama Investimentos, uma das pioneiras entre os fundos para investimentos sustentáveis ​​no Brasil. Ele diz que Bolsonaro aponta metas distantes, mas sem um plano de ação.

Solidão

Após cerca de dois anos e meio no cargo, Bolsonaro fica cada vez mais solitário no mundo. Depois que Donald Trump deixou o poder nos EUA, ele é o único chefe de governo de um grande país que não dá a mínima para as mudanças climáticas. Mas agora sobretudo o empresariado está incomodado com o papel de pária ambiental do Brasil.

Porque, além da falta de reformas e da fraca gestão da crise, que empurra a esperada recuperação econômica cada vez mais para 2022, existe agora a ameaça de pressão adicional do exterior por causa da desastrosa política ambiental. Isso é algo que já vem sendo sentido por fundos e investidores que dependem de empréstimos externos.

Com isso, o banqueiro Armínio Fraga teve que suspender a captação de um multibilionário fundo de private equity antes do esperado, devido à falta de investidores, principalmente do exterior. "O pessoal está meio em greve", lamenta o ex-presidente do Banco Central.

Aversão ao Brasil

Guilherme Leal, empresário e ex-candidato a vice-presidente do Partido Verde, também sente resistência do exterior. Os investidores não querem mais ir ao Brasil por causa da política ambiental. A controladora da rede de cosméticos Natura teme que a aversão dos consumidores ao redor do mundo aos produtos do Brasil saia do controle. "Parceiros comerciais estão com uma série de ruídos. E existe um risco disso chegar aos consumidores, e aí não tem quem controle", afirma.

Essa crítica cada vez maior ao Brasil acaba ofuscando outros aspectos. Por suas usinas hidrelétricas, biocombustíveis e fontes alternativas de energia como solar, biogás e eólica, o Brasil possui uma das produções de energia mais sustentáveis ​​entre os principais países do mundo.

O Brasil é criticado mundialmente exclusivamente por causa da destruição florestal e do governo que nada está fazendo para evitá-la. "O Brasil tem a matriz energética mais sustentável entre as principais economias do mundo. Poderíamos ser uma referência neste mundo da descarbonização", diz Markos Jank, um dos maiores especialistas em agroindústria do Brasil.

Papel do setor privado

Mas a falta de credibilidade é um obstáculo. Isso também se aplica a parte do próprio empresariado brasileiro. Jank defende, por exemplo, que o setor privado se torne mais ativo na proteção do meio ambiente, que sobretudo os agricultores façam mais para combater o desmatamento ilegal.

Para o investidor financeiro Alperowitch, o discurso nada convincente de Bolsonaro na cúpula do clima e as reações negativas a ele são um alerta para as empresas brasileiras listadas em bolsa de valores. "Greenwashing não ajuda nada, só prejudica!"

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch, autor deste artigo, é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. / Publicado originalmente por Deutsche Welle Brasil, em 28.04.2021

Marco Aurélio Mello determina que governo realize Censo em 2021

Para ministro do STF, não realização da pesquisa fere a Constituição e prejudica políticas públicas. Ministério da Economia havia anunciado cancelamento da pesquisa após corte de verbas.

Último censo foi realizado em 2010

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello determinou nesta quarta-feira (28/04) que o governo federal adote "medidas voltadas à realização do Censo". Ele atendeu a pedido feito pelo governo do Maranhão.

Na semana passada, o Ministério da Economia informou que, devido a cortes de verbas, não seria possível realizar o Censo em 2021. Por lei, o levantamento deve acontecer a cada 10 anos - o último foi feito em 2010.

"Defiro a liminar, para determinar a adoção de medidas voltadas à realização do censo, observados os parâmetros preconizados pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], no âmbito da própria discricionariedade técnica", decidiu Marco Aurélio.

Para o ministro, não realizar o Censo fere a Constituição. 

"A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional – artigo 21, inciso XV, da Constituição de 1988. Ameaçam, alfim, a própria força normativa da Lei Maior", explicou.

Na decisão, Marco Aurélio também destacou que o Censo é fundamental para a análise da realidade brasileira, possibilitando a formulação e implementação de políticas públicas adequadas a cada região.

"Como combater desigualdades, instituir programas de transferência de renda, construir escolas e hospitais sem prévio conhecimento das necessidades locais?", questionou Marco Aurélio.

Durante a tramitação do Orçamento de 2021 no Congresso, os valores que seriam destinados ao Censo foram reduzidos de R$ 2 bilhões para R$ 71 milhões.

Para agravar ainda mais a situação, o presidente Jair Bolsonaro impôs um veto na lei do Orçamento publicada pelo Diário Oficial da União de sexta-feira passada, que reduz esse valor para R$ 53 milhões, impossibilitando a realização da pesquisa.

Os dados do Censo são utilizados para os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e em várias outras transferências da União para estados e municípios. Somente em 2019, em torno de R$ 396 bilhões foram transferidos, sendo que aproximadamente 65% desse valor (R$ 251 bilhões) foram repassados com base nos dados populacionais.

Deutsche Welle Brasil, em 28.04.2021

Butantan começa a produzir nova vacina contra covid-19

Imunizante, batizado de ButanVac, será produzido inteiramente no Brasil, sem a necessidade de insumos importados. Instituto já pediu autorização à Anvisa para começar testes clínicos em humanos.   

Vacina é desenvolvida a partir da inoculação do vírus em ovos embrionados de galinhas

O governador de São Paulo, João Doria, anunciou nesta quarta-feira (28/04) que o Instituto Butantan começou a produzir uma vacina própria contra a covid-19, batizada de ButanVac.

Ao contrário da Coronavac e da AstraZeneca-Oxdord, a principal vantagem do imunizante é que ele pode ser produzido inteiramente no Brasil, sem a necessidade de insumos estrangeiros, já que é desenvolvido a partir da inoculação do vírus em ovos embrionados de galinhas – a mesma tecnologia usada na produção da vacina contra a influenza (gripe).

De acordo com o instituto, além de ser barata e muito disseminada, especialmente em países emergentes, a técnica é uma especialidade do Butantan: o Instituto produz anualmente 80 milhões de vacinas da gripe usando ovos.

"Essa vacina será muito rapidamente produzida aqui no Brasil e não depende de nenhuma importação de matéria-prima", explicou o presidente do Instituto, Dimas Covas, que também garantiu que a fábrica da vacina da gripe está liberada para iniciar a produção da ButanVac

Para começar a produção, o Butantan já recebeu 520 mil ovos. Com esse e novos lotes, a expectativa é ter, no mínimo, 18 milhões de doses prontas até 15 de junho.

"A ButanVac pode fazer diferença a partir do segundo semestre para o Brasil e para os outros países", salientou Covas. A expectativa é ter, já em julho, 40 milhões de doses aguardando o resultado do estudo clínico.

A tecnologia da ButanVac utiliza um vetor viral que contém a proteína Spike do coronavírus de forma íntegra. O vírus utilizado como vetor nesta vacina é o da Doença de Newcastle, uma infecção que afeta aves. Por esta razão, o vírus se desenvolve bem em ovos embrionados, permitindo eficiência produtiva num processo similar ao utilizado na vacina da gripe.

Em contraste com o vírus da influenza, o vírus da Doença de Newcastle não causa sintomas em seres humanos, sendo uma alternativa muito segura na produção. Além disso, o vírus é inativado para a formulação, facilitando sua estabilidade e deixando a vacina ainda mais segura.

Estudo clínico inédito

O Butantan já solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para iniciar os testes em humanos. As doses já em produção no Instituto serão armazenadas e fornecidas à população somente após a autorização da Anvisa, o que deve acontecer no segundo semestre.

O estudo clínico que vai atestar a segurança e a resposta imunológica da ButanVac, comparando-a com as demais vacinas em uso, será inédito no mundo.

"O Brasil será o primeiro país a testar uma vacina nessas condições. Nenhum outro país começou um estudo de comparação com as vacinas existentes", afirmou Covas. 

A diferença do estudo de comparabilidade para os estudos clínicos tradicionais é que não é necessário comparar um grupo vacinado e um grupo controle, porque o padrão já foi estabelecido pelas demais vacinas em uso. Ou seja: já se sabe o que esperar de uma vacina contra a covid-19.

"Existem os marcadores imunológicos e os parâmetros de segurança, e nós vamos avaliar a nova vacina de forma comparativa, sempre na perspectiva de que ela possa ser melhor”, ressaltou Covas.

Na fase inicial, será pesquisado se a vacina é segura e não causa efeitos adversos. Em um segundo momento, será estudada a resposta imunológica que os participantes no estudo desenvolverão. Esses resultados serão comparados aos das vacinas já descritas e permitirão avaliar a eficiência da ButanVac.

De acordo com o presidente do Butantan, a partir da 16ª ou 17ª semana do estudo já será possível obter resultados de análise primária e, com eles, solicitar a autorização de uso emergencial da vacina à Anvisa.

A ButanVac é resultado de um consórcio internacional que tem, como produtores públicos, o Butantan, o Instituto de Vacinas e Biologia Médica do Vietnã e a Organização Farmacêutica Governamental da Tailândia. A tecnologia da Butanvac usa o vírus da doença de NewCastle desenvolvido‪ por cientistas na Icahn School of Medicine no Mount Sinai, em Nova York. A proteína S utilizada foi desenvolvida na Universidade do Texas em Austin.

O Butantan é responsável pelo envasamento local da Coronavac, de origem chinesa, a principal vacina contra covid-19 usada no Brasil no momento. O envasamento, que é a última etapa de produção, é feito a partir de matéria-prima importada da China. De acordo com o instituto, o desenvolvimento da ButanVac não afetará a produção da Coronavac. 

Deutsche Welle Brasil, em 28.04.2021

Brasil registra mais 3.163 mortes por covid-19 em 24 horas

País também contabilizou 79.726 novos casos. Total de óbitos já ultrapassa 398 mil e infecções superam 14,5 milhões.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 189,5

O Brasil registrou oficialmente 3.163 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quarta-feira (28/04).

Também foram confirmados 79.726 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 14.521.289, e os óbitos somam agora 398.185.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 13.091.714 pacientes se recuperaram da doença até esta quarta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 189,5 a 14ª mais alta do mundo, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 32,2 milhões de casos, e da Índia, com 17,9 milhões de pessoas infectadas. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 574 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 149 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3,1 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 28.04.2021

Editorial do Estadão: A CPI do óbvio

Os fatos estão claros para todos, restando à comissão o trabalho de organizá-los, para que o País entenda quais foram os erros e quem deve responder por isso

O histórico das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) mostra que o sucesso das investigações costuma depender do surgimento de alguma testemunha bombástica. No caso da recém-instalada CPI da Pandemia isso não será necessário: os fatos essenciais são abundantes e estão claros para todos, restando à comissão o duro trabalho de organizá-los, para que o País entenda quais foram os terríveis erros que resultaram em tantas mortes evitáveis e quem deve responder por isso.

Do ponto de vista estritamente institucional, a CPI terá cumprido seu papel se dela resultarem medidas legislativas destinadas a impedir que esses erros se repitam e, também, se encaminhar às autoridades competentes os elementos necessários para a responsabilização civil e criminal dos infratores.

Mas a CPI é também um foro político, em que a oposição exerce seu direito constitucional de fiscalizar o governo. Por isso, é inevitável que, ao longo dos trabalhos da comissão, os depoimentos e provas trazidos ao escrutínio público sirvam para constranger o presidente Jair Bolsonaro – cuja patente irresponsabilidade inspirou, quando não determinou, o comportamento omisso e inconsequente das autoridades sanitárias federais no combate à pandemia.

Ciente dos estragos que a CPI causará a seu projeto de reeleição, Bolsonaro tratou de mobilizar boa parte de seus ministros para organizar sua defesa. Se o presidente tivesse usado no combate à pandemia a mesma energia que está gastando para se safar da CPI, o País não teria quase 400 mil mortos e um sistema de saúde em frangalhos.

Mas a incompetência, produto da mediocridade que é a segunda pele do governo Bolsonaro, mais uma vez se impôs. A título de se antecipar aos questionamentos da CPI, os ministros produziram uma lista de acusações mais completa e detalhada do que a formulada por integrantes da comissão.

Além disso, no afã de tentar impedir que o senador Renan Calheiros, desafeto de Bolsonaro, fosse nomeado relator da CPI, bolsonaristas recorreram à Justiça e obtiveram uma liminar absurda que interferia em decisão exclusiva do Congresso. Enquanto a liminar vigorou, os governistas a usaram para tumultuar a CPI.

Mas a desarticulação da base governista, já célebre, mais uma vez cobrou a conta. O senador independente Omar Aziz (PSD-AM), apoiado pela oposição, elegeu-se presidente da CPI inclusive com o voto de um governista, o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI). Ato contínuo, o senador Aziz escolheu Renan Calheiros como relator.

Profundo conhecedor dos desvãos do Congresso e expert em chicanas para esquivar-se da Justiça, Renan é o nome ideal para a relatoria. Sua notória competência servirá para inibir manobras governistas destinadas a tirar o foco da CPI, isto é, a administração delinquente do Ministério da Saúde sob as ordens de Bolsonaro.

O fato é que a perspectiva de uma CPI dominada pela oposição e com relatoria de Renan Calheiros preocupa muito o governo. E isso fica claro diante do nervosismo de Bolsonaro, que voltou a fazer ameaças citando as Forças Armadas e a ofender governadores. Essas declarações reafirmam o autoritarismo de Bolsonaro, mas, sobretudo, expõem a tática manjada de desviar a atenção do que realmente importa: a desídia e a inépcia do governo diante do vírus.

“Por que tanto medo?”, perguntou o senador Renan Calheiros nas redes sociais ante a inquietação bolsonarista. A pergunta, claro, é retórica. Quando os muitos ministros da Saúde de Bolsonaro forem questionados na CPI, o País afinal saberá como foram tomadas as decisões cruciais que resultaram no atraso da vacinação, na falta de campanha nacional para a adoção de medidas preventivas, na sabotagem do distanciamento social e no desabastecimento de equipamentos e drogas para o atendimento de doentes.

A rigor, nem seria necessária uma CPI. Quando Bolsonaro escarnece da inteligência alheia, dizendo que o intendente Eduardo Pazuello “fez o dever de casa” ao não comprar vacinas em 2020, ou quando o próprio ex-ministro da Saúde faz chacota dos brasileiros ao aparecer sem máscara e todo pimpão, num shopping de Manaus, a responsabilidade pela tragédia nacional fica óbvia.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 28 de abril de 2021 | 03h00

Ministro da Casa Civil diz que se vacinou ‘escondido’ para ‘não criar caso’

Ramos afirma que seguiu ‘orientação’ do governo e que tenta convencer Bolsonaro a se imunizar: ‘A vida dele, no momento, corre risco’

 O ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, afirmou nesta terça-feira, 27, que tomou “escondido” a vacina contra a covid-19, por “orientação” e para “não criar caso”. Sem saber que era gravado, Ramos disse, em reunião do Conselho de Saúde Suplementar (Consu), que também tenta convencer Jair Bolsonaro a ser imunizado porque a vida do presidente está em risco.

“Estou envolvido pessoalmente, tentando convencer o nosso presidente (a tomar a vacina), independente de todos os posicionamentos. Nós não podemos perder o presidente para um vírus desse”, observou o titular da Casa Civil. “A vida dele, no momento, corre risco. Ele tem 65 anos”, disse o general, errando a idade do presidente, que completou 66 anos no mês passado.

Ramos estava diante dos ministros Paulo Guedes (Economia), Marcelo Queiroga (Saúde), Anderson Torres (Justiça) e de representantes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no Palácio do Planalto.

Descontraído, ele lembrou que, quando tomou a primeira dose da AstraZeneca, no último dia 18, a informação acabou sendo divulgada. “Tomei escondido, né, porque era a orientação, mas vazou (...). Não tenho vergonha, não. Vou ser sincero: eu, como qualquer ser humano, quero viver. Tenho dois netos maravilhosos, uma mulher linda. Tenho sonhos ainda. Quero viver, porra! Se a ciência, a medicina, está dizendo que é vacina, quem sou eu para me contrapor?”, desabafou o chefe da Casa Civil, que tem 64 anos. 

Nenhum dos presentes sabia que a reunião estava sendo transmitida ao vivo pela internet. Ramos afirmou, ainda, que a pandemia é “uma praga”, que está “ceifando vidas”. Além disso, destacou que a doença não tem “partido”. “Ataca todos nós”, resumiu.

Aos 66 anos, Bolsonaro já poderia ter sido vacinado desde o dia 3 no Distrito Federal. O presidente argumenta, porém, que já contraiu o vírus e só será imunizado “depois que o último brasileiro” tiver sido vacinado. Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro minimizou a pandemia e desdenhou de medidas para evitar o contágio, como isolamento social e uso de máscara. Ele sempre disse que já estava imunizado por ter pego covid, ignorando a possibilidade de reinfecção.

General Ramos é o articulador político do Planalto Foto: Gabriela Biló / Estadão

Eu não vou tomar vacina e ponto final. Minha vida está em risco? O problema é meu”, declarou Bolsonaro, em dezembro do ano passado. De lá para cá, no entanto, ele modulou o discurso, principalmente depois que sua popularidade começou a cair e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou à cena política, cobrando a vacinação. Agora, Bolsonaro tem dito que vai se vacinar, mas “no fim da fila”. Continua, porém,  provocando aglomerações em suas viagens e mesmo quando sai para visitas na periferia de Brasília.

Na mesma reunião desta terça-feira, no Planalto, Guedes disse que “o chinês inventou o vírus e a vacina dele é menos efetiva que a do americano”. O ministro da Economia avaliou, ainda, que o SUS não deve dar conta de prestar atendimento à população no longo prazo e sugeriu até mesmo a entrega de “voucher” para uso da rede privada.

“Você é pobre? Você está doente? Está aqui seu voucher. Vai no Einstein, se você quiser”, afirmou o ministro, numa referência ao Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Horas depois, Guedes  disse ter sido “infeliz” em seus comentários. O chefe da equipe econômica tem 71 anos e, no mês passado, foi vacinado com a Coronavac. “Hoje usei uma imagem infeliz”, admitiu o ministro, ao ponderar que falava sobre “como é importante que o setor privado colabore no combate à pandemia”. “É uma imagem que não tinha nenhum objetivo (de ofender)”, assegurou. “Foi um mal entendido”.

Em mensagem postada no Twitter, Ramos disse que estão inventando “crise onde não existe”. “Como tomei vacina escondido se saiu na imprensa?”, perguntou o ministro, embora suas frases tenham sido gravadas. “Fui vacinado como mais de 38 milhões de brasileiros, apenas não quis fazer desse momento individual um ato político”. O general ponderou, ainda, que a liberdade é o “bem mais precioso”. “Sou livre para fazer minhas escolhas e essa foi uma delas”, escreveu.

A Casa Civil preparou uma tabela contendo 23 afirmações com as quais o governo pode ser confrontado na CPI da Covid, instalada nesta terça-feira, 27, no Senado. Um e-mail com esses tópicos, que apontam erros do governo na condução da pandemia de covid-19, foi disparado para vários ministérios, pedindo informações de cada área para reforçar a estratégia de defesa do governo na CPI. “Nunca vi uma confissão de culpa antecipada”, ironizou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão.

Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo, em 27 de abril de 2021 | 21h18

Um apresentador de TV pode derrotar o governo ultraconservador da Polônia?

Famoso por comandar show de calouros, apresentador polonês funda partido político e tenta promover "conservadorismo light" entre eleitores decepcionados com governo nacionalista de direita.

Szymon Holownia diz querer uma "mudança completa de sistema" na política polonesa

Jornalista experiente, Szymon Holownia sabe como lidar com a mídia, sabe a importância de uma boa iluminação em entrevistas de TV e responde com serena soberania mesmo as perguntas mais críticas. Há algum tempo, ele vem se tornando cada vez mais o que pode ser chamado de um político profissional. No ano passado, fez campanha para ser presidente da Polônia e conseguiu chegar em terceiro lugar.

No final de março, o movimento fundado por ele ganhou seu registro oficial como partido político. De acordo com pesquisas de opinião, o "Polônia 2050 de Szymon Holownia" pode ser uma ameaça ao governista Lei e Justiça (PiS) liderado por Jaroslaw Kaczynski. Uma pesquisa do site investigativo OKO.Press e do diário liberal Gazeta Wyborcza mostra que 23% dos eleitores votariam na nova agremiação – apenas 3% abaixo do que obteria o partido ultraconservador de Kaczynski, que governa o país desde 2015.

Holownia ficou conhecido como apresentador na televisão do show de talentos Mam talent! (tenho talento). Ele também ganhou fama como chefe do canal cristão liberal Religia.tv, extinto em 2015. Era para ele que os jornalistas ligavam quando precisavam de uma entrevista sobre questões da igreja. Ele também era popular por proporcionar uma lufada de ar fresco aos temas religiosos: com sua maneira leve e irreverente.

No ano passado, ele provou que também pode dar certo como político, após chegar em terceiro lugar nas eleições para presidente da Polônia. A dinâmica política em torno de Holownia continuou desde então, assim como seu entusiasmo pessoal.

Outro tipo de conservadorismo

"Polska 2050 é certamente um movimento que Kaczynski teme, porque atrai eleitores que se afastaram do PiS. Holownia é atraente para eles porque incorpora um tipo diferente de conservadorismo", afirma Marek Czyz, jornalista, analista político e chefe do portal de opinião e informação Czyz Tak!. "Ele é conservador o suficiente e, ao mesmo tempo, também suficientemente liberal", acrescenta.

Jaroslaw Kaczynski, líder do PiS e vice-primeiro-ministro polonês, é o homem que dá as cartas no governo

Czyz afirma que Holownia incorpora uma espécie de conservadorismo de que as pessoas não se envergonham de apoiar, enquanto alguns dos próprios eleitores do PiS passaram a ter vergonha do partido governista pelo seu ultranacionalismo e sua rígida hierarquia. Já Holownia tem um certo charme de modernidade. Contribui para isso o fato de ele, autor de vários livros sobre temas religiosos, ter criado duas fundações que ajudam mais de 40 mil pessoas em todo o mundo. Além disso, Holownia se engaja pelos direitos das crianças e pela proteção dos animais.

Sem aliança, fica difícil

"Mas sozinho, Holownia não tem chance alguma", pondera Czyz, observando ser necessário unir forças com outros partidos se ele realmente quiser ser perigoso para Kaczynski. Nas pesquisas, Polska 2050 estava sempre à frente do principal partido de oposição Plataforma Cívica (PO). Mas o chefe do novo partido evita se aproximar dos liberais poloneses. Em uma entrevista à DW, Holownia disse que o cenário político polonês precisa de uma "mudança completa de sistema".

Holowina, entretanto, diz não ser um "simetrista", que é como os poloneses chamam eleitores que consideram tanto o PiS e como o PO como os dois grandes males da política nacional. Mas ele afirma que a Polônia não precisa mais dos dois grandes partidos que lutam pelo poder há anos.

Entretanto, ele reconhece que os ultraconservadores do PiS estão causando muito mais danos ao país do que os liberais do oposicionista PO. "O PiS e a direitistas unidos estão promovendo o desmantelamento do Estado de direito e da democracia na Polônia, pisoteando a Constituição. Desmantelam instituições criadas especialmente para cuidar para que a democracia nunca se torne uma mera ditadura da maioria parlamentar", avalia.

Holownia durante campanha à presidência: apresentador conseguiu terceiro lugar no pleito

Política climática para futuras gerações

A meta de Holownia é adaptar a política polonesa ao século 21. Ele afirma que Kaczynski ficou preso na década de 1980; já o novato na política quer olhar para a frente, por exemplo com a perspetiva do que o ano de 2050 trará para a sua filha, hoje com três anos e meio. Daí o "2050" do nome do partido de Holownia.

"É muito importante para mim não deixar grandes somas de dinheiro na conta bancária para minha filha, mas criar um mundo consciente do clima", disse ele à DW. Em um país onde o carvão ainda é, de longe, a mais importante fonte de energia, isso soa como uma visão futurística.

Nova política para a Igreja

Quando se trata da Igreja, Holownia também quer abrir novos caminhos. Ele tem seu conhecimento na área: quando jovem, foi um noviço dominicano. Hoje, ele critica abertamente a Igreja Católica em seu país natal e se diz a favor de uma "separação coordenada" entre Estado e Igreja – algo longe de ocorrer sob o regime do PiS, em que bispos fazem eco ao governo, atacando o movimento LGBT na Polônia e membros do partido usam a Igreja para seus próprios fins políticos.

"Aqui o Estado deve dar um passo para trás e dizer claramente: a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", diz Szymon Hołownia. Ele lembra que na Polônia a Igreja vive uma profunda crise como instituição, em meio a escândalos de abuso sexual e pedofilia por parte de padres.

Trzaskowski: segundo lugar na votação para presidente, prefeito de Varsóvia é um dos políticos mais populares da Polônia

Captando eleitorado do PiS

Ao contrário dos liberais, que estão bastante distantes da Igreja, Holownia pode marcar pontos entre eleitores decepcionados com o ultraconservador PiS, através de seus fortes vínculos com a religião, numa época em que o radicalismo do partido governista em questões de política religiosa parece ir longe demais para alguns. Mas a tarefa não será fácil, pois o eleitorado do partido no poder é considerado particularmente fiel; perdoando muitos deslizes do governo.

Analistas acreditam que a oposição da Polônia terá de se unir se quiser enfrentar o PiS. Na campanha para as eleições presidenciais de 2020, Holownia apoiou apenas parcialmente, no segundo turno, o prefeito de Varsóvia Rafal Trzaskowski do PO, adversário derrotado do presidente Andrzej Duda, que se reelegeu. Trzaskowski atualmente goza de altos níveis de popularidade. Mais de 40% dos entrevistados numa pesquisa recente expressaram sua confiança no político. Há muito tempo não eram vistos valores tão bons para um representante da oposição.

Trzaskowski deixa claro não ter simpatia especial pelo novato na política Holownia. "Parece-me que Holownia entrou na política para mudá-la – mas infelizmente a política está mudando Holownia", disse Trzaskowski em entrevista na emissora de televisão Polsat acrescentando que já que nem liberais, nem esquerda, nem Polska 2050 terão votos suficientes para governar sozinhos, é necessário unir forças.

Deutsche Welle Brasil, em 27.04.2021

Índia supera marca de 200 mil mortos na pandemia. (Brasil com muito menos habitantes está próximo dos 400 mil)

Pela primeira vez, país registra mais de 3 mil mortes por covid-19 em 24 horas. Hospitais e crematórios estão lotados. Especialistas afirmam que governo esconde real dimensão da epidemia no país.

Profissionais da saúde carregam um corpo para ser cremado em Jammu, na Índia

A Índia superou a marca de 200 mil mortes na pandemia de covid-19, com o registro de mais 3.293 óbitos, anunciou o governo na manhã desta quarta-feira (28/04).

Segundo o governo, o total chegou a 201.187 mortos. Foi a primeira vez que o país registrou oficialmente mais de 3 mil mortos em 24 horas. Especialistas afirmam que os números reais devem ser muito maiores.

Também nesta quarta foram registradas 360.960 novas infecções. Foi o sétimo dia seguido com mais de 300 mil novos casos diários. O total de pessoas que já foram infectadas na Índia soma quase 18 milhões, dos quais 6 milhões só em abril.

"Tempestade perfeita"

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que a segunda onda na Índia foi causada por uma "tempestade perfeita" de grandes eventos, baixa taxa de vacinação e variantes mais contagiosas. A organização destacou que a culpa pela situação não é apenas das novas variantes, mas também de um comportamento complacente.

A explosão no número de casos nos últimos dias, atribuída à chamada variante indiana do novo coronavírus e aos grandes comícios eleitorais e festejos religiosos, lotou os hospitais do país, onde faltam leitos, medicamentos, respiradores e oxigênio.

A crise é particularmente grave na capital, Nova Délhi, com pessoas morrendo às portas de hospitais lotados.

A DW falou com um médico que trabalha num hospital indiano e ele relatou que recebe todos os dias mais de 500 telefonemas de pessoas pedindo ajuda. Ele afirmou que a situação é muito pior do que se pode imaginar.

Crematórios são improvisados num terreno vazio em Délhi

Crematórios com fila de espera

Crematórios pelo país estão operando sem interrupção. Em algumas regiões falta lenha, e as pessoas que desejam cremar os cadáveres de seus parentes são orientadas a trazerem sua própria madeira.

Em Délhi, crematórios foram improvisados em terrenos vazios e estacionamentos devido à grande demanda. A espera para uma cremação pode chegar a 20 horas. "As pessoas estão simplesmente morrendo, morrendo e morrendo", declarou um funcionário.

Um especialista em modelos matemáticos de previsão declarou que a Índia só deverá atingir o pico da segunda onda em meados de maio, podendo chegar a 500 mil casos diários.

"A situação atual é muito grave, e a positividade dos testes é de mais de 20%, por isso já há uma grande transmissão comunitária, que não parece provável baixar no curto prazo", disse o professor de Gautam Menon, da Universidade Ashoka, à agência de notícias Lusa.

Governo sob críticas

Oficialmente, a Índia é o segundo país do mundo com mais casos, atrás dos Estados Unidos, e o quarto com mais óbitos, depois dos EUA, do Brasil e do México.

Também na Índia a ação do governo é alvo de críticas. A vacinação anda a passos lentos, e o primeiro-ministro Narendra Modi foi acusado de minimizar os riscos do coronavírus. Em março de 2020 o governo anunciou um lockdown de três semanas. Este ano, porém, permitiu festejos religiosos e campanhas eleitorais.

Especialistas internacionais afirmam que o governo está escondendo a real dimensão da pandemia no país e dizem que o número de mortos deve ser de cinco a dez vezes maior.

A Índia aplicou cerca de 150 milhões de vacinas para uma população de 1 bilhão e 300 milhões de pessoas. A partir deste sábado, o programa de vacinação englobará todos os adultos, ou 600 milhões de pessoas.

Muitos estados indianos reclamam da falta de vacinas, e especialistas pediram ao governo que dê prioridade aos grupos mais vulneráveis e às áreas mais afetadas.

Vários países já prometeram ajudar a Índia. O Reino Unido enviou respiradores e oxigênio, que já chegaram a Délhi. A Alemanha também vai enviar oxigênio, além de medicamentos. Os Estados Unidos anunciaram o envio de vacinas.

Deutsche Welle Brasil, em 28.04.2021. ( o registro quanto ao Brasil, entre parêntesis, não consta do original da matéria. Para melhor compreensão, foi incluído pelo editor do blog).

Ivermectina: de tratamento para gado ao Nobel, a história do remédio sem eficácia comprovada contra covid-19

"Ela foi uma maravilha para a pecuária. Os rebanhos costumavam sofrer muito com verminoses intestinais, que fazem os animais perderem peso, e com os carrapatos, que se fixam no couro e inviabilizam seu uso comercial", descreve o biólogo Carlos Eduardo Winter, professor do Departamento de Parasitologia do ICB-USP.

Em pouco tempo, o medicamento começou a ser usado em larga escala em bois, cavalos, porcos e ovelhas.

A história da ivermectina começou num lugar bastante inusitado: um campo de golfe. (Crédito da foto: Getty Images).

Os moradores de alguns vilarejos na África Central tinham duas certezas na vida: a primeira era que, na infância e no início da adolescência, eles precisariam guiar e auxiliar os familiares e vizinhos mais velhos, a maioria deles vítima de cegueira.

E o destino inexorável se certificava que, após os 20 e poucos anos de idade, eles também seriam acometidos pela deficiência visual e necessitariam do auxílio dos mais jovens para sobreviver.

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O drama, que se repetia geração após geração, era causado pelo verme Onchocerca volvulus, transmitido pela picada de mosquitos borrachudos muito comuns nessa região (e também na América Latina e no Iêmen).

O parasita pode viver escondido no corpo por até 15 anos — com o passar do tempo, ele libera milhões de larvas microscópicas que afetam a pele, o sistema linfático e o nervo óptico, que nos dá a capacidade de ver o mundo.

O quadro, conhecido como oncocercose ou cegueira dos rios, ainda afeta cerca de 18 milhões de pessoas todos os anos.

A condição acomete principalmente um grupo de 28 países africanos, que respondem por 99% dos casos.

A cada 12 meses, um total de 6,5 milhões de pessoas desenvolvem sintomas da infecção, como lesões na pele e dificuldade para enxergar.

Dessas, 270 mil perdem a visão de forma definitiva.


Essa foto, tirada nos anos 1970, retrata três vítimas da "cegueira dos rios" num povoado da África Central. (Crédito da foto: Getty Images)

Mas a situação já foi ainda pior e só começou a melhorar a partir 1988, com a adoção de um remédio que acabara de ser aprovado para uso em humanos: a ivermectina.

No final dos anos 1980, esse medicamento passaria a fazer parte de um gigantesco programa de doação e alcançaria um dos maiores sucessos de saúde pública da história recente.

Mas para entender como esse fármaco saiu das bancadas de laboratórios, mudou a realidade do mundo e voltou aos holofotes durante a pandemia de covid-19 por causa de disputas politizadas em torno de sua suposta eficácia (que ainda não foi comprovada por estudos científicos rigorosos), é preciso voltar ao ano de 1973 e acompanhar uma descoberta inusitada que aconteceu num campo de golfe da cidade de Ito, no Japão.

Ali começaria a história que mudaria a vida de milhões de pessoas pelos próximos anos.

Surpresas da terra

Desde o início de sua carreira, o bioquímico japonês Satoshi Õmura se especializou em estudar a produção de moléculas por micro-organismos.

Sua ideia era identificar moléculas com potencial farmacológico, que poderiam eventualmente ser utilizadas como tratamento para várias doenças.

Vale lembrar que esse tipo de pesquisa já rendeu grandes avanços à humanidade. A penicilina, o primeiro antibiótico da história, por exemplo, foi obtida pela primeira vez a partir de uma colônia de fungos, cultivada em 1928 pelo cientista escocês Alexander Fleming.

No início dos anos 1970, o trabalho de Õmura no Instituto Kitasato, em Tóquio, consistia em coletar amostras do solo e investigar o comportamento dos seres microscópicos que viviam ali.

As substâncias que mostravam algum potencial eram então enviadas aos laboratórios da farmacêutica Merck, Sharpe & Dome (MSD), nos Estados Unidos, onde passavam por uma nova rodada de testes mais aprofundados.

Foi assim que surgiu a ivermectina: o bioquímico japonês coletou um pouco de terra nas cercanias de um campo de golfe da cidade de Ito, que fica a 130 quilômetros de Tóquio.

"Foi lá que ele descobriu uma cepa da bactéria Streptomyces avermitilis", conta o microbiologista Gabriel Padilla, coordenador do Laboratório de Bioprodutos do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

Nas análises, Õmura isolou uma molécula chamada avermectina, que parecia ter algum potencial para inibir vermes, insetos e aracnídeos.

O material foi entregue aos colegas americanos em 1974. Cinco anos depois, foram publicados os primeiros artigos científicos que descreviam a molécula e suas propriedades.

Após uma série de experimentos que perduraram até o final dos anos 1970, um time da MSD liderado pelo bioquímico irlandês e americano William Campbell chegava à formulação final do novo medicamento.

Nascia, assim, a ivermectina.

Mas a droga ainda demoraria quase uma década para chegar aos seres humanos: antes, ela seria usada por um bom tempo na medicina veterinária.

Remédio para gado

As experiências iniciais indicavam que a ivermectina era uma ótima molécula para tratar dois tipos de parasitas: aqueles que se instalam no sistema digestivo ou na pele.

"Ela foi uma maravilha para a pecuária. Os rebanhos costumavam sofrer muito com verminoses intestinais, que fazem os animais perderem peso, e com os carrapatos, que se fixam no couro e inviabilizam seu uso comercial", descreve o biólogo Carlos Eduardo Winter, professor do Departamento de Parasitologia do ICB-USP.

Em pouco tempo, o medicamento começou a ser usado em larga escala em bois, cavalos, porcos e ovelhas.

Nos primeiros cinco anos após seu lançamento, a ivermectina foi aprovada em 46 países e chegou a ser aplicada em quase 500 milhões de animais.

Seu uso nos Estados Unidos chegou a quase extinguir um verme chamado Onchocerca cervicalis, que afeta os cavalos e representa um verdadeiro pesadelo para os criadores.

Com o sucesso da aplicação no universo da veterinária, os cientistas puderam entender um pouco mais a fundo o mecanismo de ação do medicamento no combate aos vermes.

A ivermectina "paralisa" e "mata de fome" vermes como o Onchocerca volvulus (no centro da imagem), causador da cegueira dos rios. (Crédito da foto: Getty Images)

"Sabe-se que a ivermectina atua no sistema nervoso dos parasitas, causando uma paralisação do organismo deles", detalha o parasitologista Marcelo Beltrão Molento, professor da Universidade Federal do Paraná.

"Eles deixam de comer e de ter trocas com o hospedeiro. Com o tempo, morrem aos poucos e são metabolizados", completa.

Esse processo de matar os vermes acontece de forma relativamente lenta — e isso é essencial para o sucesso da terapia medicamentosa.

Se a ivermectina aniquilasse todos os parasitas numa só tacada, isso poderia causar uma inflamação no corpo, que não teria condições de lidar com tantos "bichos mortos" de uma só vez.

Com os bons resultados na pecuária no início dos anos 1980, chegava a hora de entender se o remédio seria capaz de repetir o mesmo sucesso quando usado em seres humanos.

Mudança de paradigma

Os testes clínicos que avaliaram o uso do medicamento contra verminoses que atingem as pessoas se arrastaram entre 1982 e 1986.

Em 1987, a ivermectina ganhou na França seu primeiro reconhecimento como tratamento médico.

Nesse mesmo ano, a MSD, farmacêutica detentora dos direitos comerciais do produto, assinou um acordo com a Organização Mundial da Saúde e outras instituições em que se comprometeu a fazer doações de doses por tempo ilimitado.

O objetivo? Eliminar definitivamente a oncocercose da face da Terra.

Desde então, a ivermectina é distribuída gratuitamente em países da África e da América Latina.

Nos locais onde essa parasitose é comum, os moradores chegam a receber as doses todos os anos, como tratamento profilático, até que a doença seja controlada e eliminada daquela região.

Esse foi o primeiro programa massivo de doação de drogas da história e está ativo até hoje, com mais de 4 bilhões de doses distribuídas para 49 países.

Com 34 anos, o programa já produziu inúmeros resultados significativos, com mais de 300 milhões de pessoas tratadas todos os anos.

Conquistas na América Latina

"Em nossa região, a iniciativa começou em 1992 e nós já conseguimos eliminar a oncocercose de quatro países: Colômbia, Equador, México e Guatemala", relata o médico Mauricio Sauerbrey, diretor do programa de eliminação da doença nas Américas mantido pelo Carter Center, uma instituição sem fins lucrativos criada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter.

Por ora, a cegueira dos rios só persiste em dois lugares da América Latina: Brasil e Venezuela.


Indígena recebe comprimido de ivermectina no maior programa de doação de medicamentos do mundo. A oncocercose já foi eliminada de quatro países latino-americanos e só é encontrada atualmente na divisa entre Brasil e Venezuela. (Crédito da foto: Getty Images)

"Os casos se concentram em regiões de difícil acesso, como as áreas de fronteira na Floresta Amazônica, e afetam principalmente populações nômades que vivem em comunidades muito pequenas, como os ianomâmis. É mais difícil encontrá-los e oferecer o tratamento duas vezes ao ano", detalha Sauerbrey.

"Mas tenho certeza que também vamos ser bem-sucedidos no Brasil e na Venezuela e teremos boas notícias para compartilhar nos próximos anos", acredita o especialista.

Resultados na África

Do outro lado do Atlântico, os resultados também são considerados excelentes, embora nenhum país tenha eliminado a doença definitivamente de seu território.

De acordo com relatórios disponibilizados no site da Organização Mundial da Saúde, o número de pacientes com oncocercose caiu 61% nas regiões africanas beneficiadas pelo projeto.

No mesmo período, a notificação de casos de cegueira relacionados à infecção foi reduzida pela metade.

Além da cegueira dos rios, a ivermectina mostrou ser uma ótima terapia contra a filariose, outra enfermidade muito comum nesses mesmos lugares do planeta.

Também conhecida como elefantíase, a condição é provocada pelo parasita Wuchereria bancrofti e está relacionada a inchaços e deformações nas pernas e na região genital.

Droga-maravilha

Tantos serviços prestados fazem a ivermectina entrar para o seleto rol das "wonder-drugs" (ou "drogas-maravilha", numa tradução literal), ao lado de aspirina, penicilina e morfina.

"Esse é um grupo de medicamentos que realmente mudou a face da saúde pública", constata Molento.

A descoberta do medicamento rendeu até o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2015 aos pioneiros nos estudos: o japonês Satoshi Õmura e o irlandês/americano William Campbell.

Naquele ano, eles dividiram o reconhecimento com a farmacologista chinesa Tu Youyou, que desenvolveu a artemisinina, um tratamento contra a malária.

Da esquerda para a direita: Satoshi Õmura, William Campbell e Tu Youyou foram os vencedores do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2015 (Crédito da foto: Getty Images)

Reposicionamento de drogas e a covid-19

A ivermectina foi alçada a um novo patamar de fama com a chegada da pandemia de covid-19: a partir do segundo semestre de 2020, ela passou a ser apontada como um possível tratamento contra o novo coronavírus, apesar da falta de evidências científicas suficientes para dar suporte a essa afirmação.

Mas como que o remédio entrou nessa história?

Tudo começou com uma estratégia bastante comum na área da farmacologia: o reposicionamento de drogas.

Com o auxílio de plataformas de tecnologia e programas de computador, os cientistas avaliam, de uma vez só, o potencial de centenas ou até milhares de medicamentos contra uma determinada doença.

"Essa é uma estratégia excelente, pois seleciona produtos já utilizados e comprovadamente seguros para ver se podem ajudar num outro contexto", avalia o microbiologista Leandro Araújo Lobo, professor do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O reposicionamento permite acelerar algumas etapas na criação de um novo tratamento — o que certamente é desejável quando uma enfermidade recém-descoberta está matando milhares de pessoas todos os dias em vários países.

A ivermectina, então, foi testada nos laboratórios da Universidade Monash, da Austrália, e mostrou ali que seria capaz de contra-atacar o coronavírus.

Repare bem: os experimentos eram simples e foram realizados em culturas de células, que estão longe de representar toda a complexidade de uma infecção no corpo humano.

E a situação fica ainda mais distante da vida real porque a dose empregada nestes testes iniciais era muito superior ao limite considerado seguro para as pessoas.

"Nos trabalhos iniciais, a dosagem chegava a ser proporcionalmente 17 vezes mais alta do que poderíamos dar a uma pessoa", calcula Lobo.

A estratégia de reposicionamento de drogas envolve programas de computador e experimentos em laboratórios (Crédito da foto: Getty Images)

Outro problema: o reposicionamento de drogas é apenas o primeiro passo e deve ser sucedido de estudos mais rigorosos, que comprovem ou não a eficácia e a segurança daquele fármaco contra a doença.

"No laboratório, até vinagre, sal, açúcar ou refrigerante podem mostrar alguma atividade. Mas quando passamos para a próxima fase dos testes, que envolvem animais, esse efeito geralmente desaparece ou fica tóxico demais", explica Padilla.

"Em praticamente 99% das vezes, aquilo que vai bem nos experimentos in vitro não funciona nas pesquisas posteriores", concorda Winter.

Leite derramado

Quando os resultados iniciais da ação da ivermectina contra o coronavírus foram divulgados, já era tarde demais: em questão de dias, numa espécie de telefone sem fio potencializado por redes sociais, as informações sobre o potencial do remédio foram distorcidas e exageradas, de tal forma que muitas pessoas passaram a utilizá-lo até para tentar prevenir a infecção.

"Em maio e junho do ano passado, nós já assistimos a um aumento do interesse pela ivermectina, inclusive com a ação direta de prefeitos e secretários municipais da Saúde brasileiros, que naquela época começaram os planos de um tratamento em massa", rememora Molento.

Prova disso são os números do Conselho Federal de Farmácia (CFF): em comparação com 2019, as vendas de ivermectina dispararam 557% no país ao longo de 2020.

A título de comparação, a hidroxicloroquina, outro princípio ativo muito debatido nos últimos meses, teve um crescimento de 110% no mesmo período.

Outros integrantes do comprovadamente ineficaz kit-covid também tiveram uma maior procura, mas os números nem chegam perto do "sucesso" da ivermectina: vitamina D (81%), vitamina C (59%) e nitazoxanida (9%) também figuraram no ranking divulgado pelo CFF.

Um dos mais contumazes defensores do tratamento precoce e da ivermectina foi (e continua sendo) o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Foram várias as manifestações de apoio a esse coquetel farmacológico.

Numa conversa com apoiadores no dia 16 de abril, o presidente voltou a afirmar: "É o tempo todo o pessoal só atrapalhando. Isso não dá certo. Ô idiota, o que dá certo? O cara é um jumento. Fica falando: 'Ivermectina não pode, não tem comprovação científica'. E não dá alternativa. Deixa o cara tomar, pô. O médico vai decidir o que o cara vai tomar."

O que diz a ciência

Ao longo dos últimos meses, diversos grupos de pesquisa se debruçaram sobre o efeito da ivermectina nas várias etapas da covid-19.

Os resultados, porém, não foram nada animadores e não mostraram resultados satisfatórios.

A procura por ivermectina nas farmácias brasileiras 'explodiu' a partir de maio de 2020 (Crédito da foto: Getty Images).

Isso fez com que várias instituições mundo afora contra-indicassem seu uso na prevenção ou no tratamento da infecção pelo coronavírus.

A Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos Estados Unidos, atualizou suas recomendações sobre o assunto no dia 5 de março de 2021:

"A FDA não revisou dados que justificam o uso da ivermectina em pacientes com covid-19. Contudo, algumas pesquisas sobre o tema ainda estão em andamento. Tomar um remédio que ainda não foi aprovado pode ser muito perigoso".

Duas semanas depois, foi a vez de a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) se posicionar oficialmente a respeito do tema:

"Acompanhando as recentes discussões sobre o uso da ivermectina, a EMA revisou a evidência publicada a partir de estudos em laboratório, estudos observacionais, testes clínicos e meta-análises [...] A maioria dos trabalhos que revisamos foram pequenos e apresentam uma série de limitações, incluindo diferentes regimes de doses e o uso de outras medicações. Com isso, concluímos que a evidência disponível até o momento não é suficiente para indicar o uso da ivermectina contra a covid-19".

No dia 31 de março, a OMS também divulgou o seu parecer sobre a discussão:

"A evidência atual sobre o uso da ivermectina para tratar a covid-19 é inconclusiva. Enquanto não possuímos mais informações, a OMS recomenda que essa droga só seja utilizada em estudos clínicos. Essa recomendação se aplica a todos os graus da doença e passa a fazer parte de nossas diretrizes de tratamento".

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia publicado a sua avaliação sobre a questão em julho de 2020, também refutando o uso da medicação para conter a pandemia.

Efeitos futuros (e imediatos)

O descompasso e a desinformação sobre a ivermectina e outros remédios usados indiscriminadamente nos últimos meses já apresentam efeitos adversos palpáveis.

Numa reportagem da BBC News Brasil do dia 23 de março, diretores de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de hospitais de referência no Brasil afirmam que a promoção do kit-covid contribuiu para aumentar as mortes no país.

Outra matéria, publicada no mesmo dia no jornal O Estado de S. Paulo, mostra que o tratamento precoce causou graves problemas no fígado e fez com que muitos pacientes precisassem ir para a fila de transplante.

"Infelizmente, mais casos como esses serão registrados. O que vemos é uma overdose de ivermectina que sobrecarrega o fígado e pode provocar sérios problemas", observa Lobo.

O uso do fármaco sem acompanhamento e em doses exageradas também está relacionado a casos de diarreia, tontura, dor de cabeça, náusea, intoxicações renais e até hepatite medicamentosa.

Bolsonaro fez uma série de apelos públicos a favor do 'tratamento precoce' contra a covid-19 (Crédito da foto: Reuters)

Um dos argumentos mais usados por adeptos do remédio como tratamento da covid-19 é a experiência pessoal: muitos dizem que tiveram a doença e se recuperaram após tomarem esses comprimidos.

"A questão é que mais de 95% dos infectados vão ter uma cura espontânea, independentemente se fizerem um tratamento ou apenas ficarem em repouso", responde Molento.

"Eu também posso dizer que peguei covid-19, subi no telhado da minha casa, tomei duas xícaras de café olhando para o Sul e me curei", compara.

É óbvio que não há validade científica nesse tipo de relato e ninguém deve tentar repetir essa e outras 'experiências' em casa.

Nossa população está passando por testes toxicológicos de forma voluntária. As pessoas estão se intoxicando como animais de laboratório sob o pretexto de uma promessa de cura, sem que exista qualquer evidência científica sobre isso", completa o especialista.

André Biernath, da BBC News Brasil em São Paulo, em 25 abril 2021

terça-feira, 27 de abril de 2021

Brasil registra mais 3.120 mortes por Covid e ultrapassa 395 mil

País contabiliza 14.446.541 casos e 395.324 óbitos, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa com informações das secretarias de Saúde. Média móvel de mortes aparece abaixo de 2.400 depois de mais de um mês.

O Brasil registrou 3.120 mortes pela Covid-19 nas últimas 24 horas e totalizou nesta terça-feira (27) 395.324 óbitos desde o início da pandemia. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias chegou a 2.399. O índice ficou abaixo da marca de 2,4 mil pela primeira vez desde 25 de março --quando estava em 2.276. Em comparação à média de 14 dias atrás, a variação foi de -20%, indicando tendência de queda nos óbitos decorrentes da doença.

Os números estão no novo levantamento do consórcio de veículos de imprensa sobre a situação da pandemia de coronavírus no Brasil, consolidados às 20h desta quarta. O balanço é feito a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

No sábado (24), o mês de abril se tornou o mais letal da pandemia da Covid-19 no Brasil; e no domingo (25), as mortes pelo vírus registradas em 113 dias de 2021 superaram o montante registrado em todo o ano de 2020.

Já são 97 dias seguidos no Brasil com a média móvel de mortes acima da marca de mil; o país completa agora 42 dias com essa média acima dos 2 mil mortos por dia.

Em casos confirmados, desde o começo da pandemia 14.446.541 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus, com 76.085 desses confirmados no último dia. A média móvel nos últimos 7 dias foi de 56.522 novos diagnósticos por dia. Isso representa uma variação de -18% em relação aos casos registrados em duas semanas, o que indica tendência de queda nos diagnósticos.

Pelo segundo dia seguido, nenhum estado apresenta tendência de alta nas mortes por Covid. Antes, não havia qualquer registro de um dia sequer sem algum estado em alta desde a criação do consórcio de veículos de imprensa, em julho de 2020. Esse bom indicativo era longamente esperado após os números muito altos dos últimos meses em todo o país --em março, o Brasil chegou a apresentar tendência de alta simultânea em 24 dos 27 estados. É importante agora acompanhar o ritmo de queda nos óbitos, já que a estagnação em um patamar alto também seria muito alarmante.

Por G1, em 27/04/2021 20h03  Atualizado 27/04/2021

Para FHC, Tasso tem ‘capacidade de ampliar forças’

Ao ser consultado ontem sobre a disposição de Tasso Jereissati em entrar na disputa de 2022 – o senador admitiu pela primeira vez, em entrevista ao Estadão, que pode disputar as prévias – FHC observou à coluna que o tucano pode ser um nome catalisador que satisfaça o centro. “Acho muito positivo, ele tem capacidade de ampliar forças”, resumiu o ex-presidente.  

Entretanto, entre os tucanos, há quem duvide que Tasso vá mesmo aceitar o desafio gigante. Pelo que se apurou, sua família não vê com bons olhos a dura campanha política que certamente será para lá de desgastante 

Sonia Racy, O Estado de S. Paulo, em 27 de abril de 2021 | 00h40

Base de Alcântara fecha primeiras parcerias com empresas para lançamento de satélites

A expectativa é de que as primeiras operações ocorram entre o fim deste ano e início de 2022

A  Aeronáutica vai anunciar nesta quarta-feira, 28, as primeiras parcerias com empresas privadas que passarão a explorar a base de lançamento de Alcântara, no Maranhão. Trata-se dos primeiros acordos com a iniciativa privada para uso compartilhado da base, que é considerada um dos pontos mais estratégicos do mundo para lançamentos espaciais.

Em entrevista ao Estadão, o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Moura, disse que serão conhecidos os primeiros acordos de uma relação de nove empresas que demonstraram interesse em utilizar a base para suas operações. A lista inclui companhias estrangeiras e nacionais.

“A base de Alcântara é nossa joia da coroa, um local privilegiado, onde vamos receber diversos tipos de operação. E não se tratar de ser alugada ou estendida. A Aeronáutica é o órgão que opera a base, com serviços e logística, é ela que vai prestar serviços para as empresas”, comentou Moura. “Poderemos receber veículos lançadores ou mesmo empresas que queiram se implantar na base e fazer lançamento de forma contínua.”

Base de Alcântara é considerada um dos pontos mais estratégicos do mundo para lançamentos espaciais. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A expectativa é de que as primeiras operações ocorram entre o fim deste ano e início de 2022. Uma das prioridades deve ser o lançamento de nanossatélites, equipamentos pequenos, do tamanho de uma caixa de sapatos, mas que têm alta tecnologia embarcada e podem apoiar diversos tipos de monitoramento, atraindo a exploração comercial da atividade espacial. Trata-se de uma opção a lançamentos caros capitaneados por agências governamentais no passado. Por trás dos lançamentos, há uma indústria crescente de aplicativos que passam a utilizar imagens para todo tipo de atuação.

Até hoje, a base de Alcântara havia feito alguns testes para operações. Já faz um ano e meio que há lançamentos no local. Ocorreram lançamentos governamentais, com mais de 500 já foram realizados, mas limitados a equipamentos suborbitais e de treinamento. A estreia de Alcântara, portanto, será em relação a lançamentos não governamentais. “Alcântara ainda não fez essa estreia. Agora, nós imaginamos que, com essas empresas previamente qualificadas e com veículos inscritos, nós podemos finalmente dizer que Alcântara já lançou um satélite e esperamos que, em breve, isso ocorra com um veículo lançador brasileiro. É o início da fase de lançamentos orbitais. Vamos conseguir colocar satélites em órbita.”

A entrada de empresas ajuda ainda a suplantar as restrições orçamentárias que as operações espaciais enfrentam. Na semana passada, a própria Agência Espacial teve corte de R$ 1,2 milhão de seu orçamento, atingindo justamente a implantação do centro espacial de Alcântara.

Em fevereiro, foi feito o lançamento do satélite brasileiro Amazônia 1, resultado do trabalho de parceria da AEB com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O satélite opera normalmente em órbita e está situado numa altitude média de 752 km acima da superfície terrestre. Seu lançamento, porém, ocorreu a partir da Índia.

“Por que a partir da Índia? Porque hoje ainda não tem, no Brasil, nenhuma empresa com veículo lançador (foguete) para fazer esse tipo de lançamento no País. Mas agora saberemos que empresas poderão fazer isso”, diz Carlos Moura.  

O Amazonia 1 é um projeto nacional, que envolveu a participação de vários órgãos governamentais, de profissionais da área, da academia e da indústria. Foram nove empresas envolvidas no processo de produção do satélite, cinco delas estão ligadas ao Parque Tecnológico São José dos Campos (PqTec).

O lançamento, em si, tem custo maior que o do próprio satélite, chegando a cerca de US$ 30 milhões. “Isso mostra como Alcântara terá uma missão crucial nessas operações. Imagine quanto essa operação custaria sendo feita no Brasil, com acordos nacionais”, comenta o presidente da AEB.

O mercado de veículos lançadores deverá movimentar algo em torno de US$ 20 bilhões até 2030. As estimativas apontam que, até 2040, a economia espacial atinja o valor de US$ 1 trilhão.

André Borges, O Estado de S.Paulo, em 27 de abril de 2021 | 11h23