sexta-feira, 23 de abril de 2021

Veloso: Urnas eletrônicas, garantia de respeito ao voto do eleitor

O que alguns políticos desejam é a impressão da confirmação do voto em fulano ou beltrano

A professora Maria Tereza Aina Sadek, do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 15/3 – Voto em papel: um vírus imunizado no século 20 – refere-se ao novo coronavírus, que tem matado seres humanos no mundo, especialmente no Brasil. E que em meio a isso aparece, vez ou outra, o vírus da “desconfiança na urna eletrônica e a demanda por voto impresso”. Acrescenta que “esse vírus tem potencialidade de infectar um dos mais importantes pilares do regime democrático: a legitimidade da representação”, porque, vale acrescentar, a democracia representativa, em que o titular do poder, o povo, manda por intermédio de representantes, é a democracia possível.

Felizmente, a professora Maria Tereza informa que, segundo pesquisa recente, “a maior parte dos brasileiros está imunizada: 76% confiam nas urnas eletrônicas”.

Em artigo que escrevi nesta página, Urnas eletrônicas, garantia de eleições limpas (27/1), dissertei sobre a história da urna eletrônica, que o idealismo e a criatividade dos brasileiros, sob a liderança do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tornaram realidade, acabando com o “mapismo”, o aproveitamento de votos em branco, a falsificação de cédulas e mazelas outras.

Cuidaremos, aqui, das etapas da operação, ou dos mecanismos de segurança da urna eletrônica, que, esclareça-se, não está sujeita à ação dos hackers, porque não está online. Ressalte-se que vem ela sendo utilizada há 25 anos sem nenhum evidência ou indício de fraude.

Os programas (softwares) são elaborados pelo TSE, sob a fiscalização dos partidos políticos. Seis meses antes das eleições ficam à disposição dos partidos, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil, de entidades técnicas que se interessarem e dos cidadãos de modo geral. A carga dos programas nas urnas, com sua adaptação às seções eleitorais, é feita pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), dez a 15 dias antes do pleito.

No dia da eleição, o presidente da mesa imprime, na presença dos fiscais dos partidos, o boletim denominado zerésima, que comprova que na urna há zero voto e é entregue, no ato, aos fiscais dos partidos.

O eleitor ao votar, isto é, ao digitar o número do seu candidato, vê surgir na tela o nome, o partido e a fotografia dele. O eleitor confirma, então, o seu voto. Se os dados e a foto do seu candidato não conferirem, porque se teria equivocado, pode ele efetuar a correção, apertando a tecla de cor laranja, que começa tudo de novo.

O eleitor recebe o documento comprobatório de que votou, do modo que sempre foi feito. Mas o que alguns políticos desejam é a impressão da confirmação do voto do eleitor em fulano ou beltrano, o que quebraria o sigilo do voto, com ofensa à Constituição. O voto impresso seria ótimo para os caciques políticos, que exigiriam a apresentação do comprovante do voto em fulano ou beltrano. Isso nunca existiu, é dizer, esse tipo de documento nunca foi expedido, nem no tempo das cédulas de papel, porque o voto impresso seria inconstitucional (artigo 14 da Lei Magna), o que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Terminada a votação, o presidente da mesa imprime o boletim da urna, que contém os votos dados a cada um dos candidatos. Cópia desse boletim é entregue aos partidos políticos. Outra cópia é afixada na porta da seção. O pen drive, criptografado, num envelope lacrado e assinado pelo presidente e por outros membros da mesa, é levado ao órgão central da Justiça Eleitoral, ou a um posto desta, mais próximo, onde é transmitido ao TSE. É dizer, a totalização dos votos, a partir das eleições de 2020, passou a ser feita no TSE, e não mais nos TREs.

Até as eleições de 2020, o somatório dos votos, constantes dos boletins de urna, era realizado nos TREs, somatório que os partidos políticos já teriam feito, porque em seu poder cópias dos citados boletins. Teria sido fácil, portanto, a conferência, pelos partidos, em cada Estado e no Distrito Federal, do somatório realizado pelo respectivo TRE. Os TREs enviavam os somatórios ao TSE, que, por sua vez, somaria os totais por eles enviados, ou a totalização final, quando se tratasse da eleição de presidente da República. Conforme foi dito acima, desde as eleições de 2020 a totalização dos votos é feita no TSE. Nada mudou, portanto, senão que a totalização, agora, é feita no TSE.

É importante enfatizar que, de um modo ou de outro, os partidos e os candidatos já terão feito as suas contas, com base nos boletins de urnas que receberam imediatamente após a votação.

Haveria algo mais transparente? E sem carimbos ou coisas que tais, inexistentes em tempo de inteligência artificial. Tudo feito sob a responsabilidade da Justiça Eleitoral, com absoluto respeito ao sigilo do voto, garantidor da independência do eleitor. A urna eletrônica, auditável antes e depois das eleições, constitui, de fato, garantia de respeito ao voto, pressuposto de eleições limpas, eleições legítimas.

Carlos Mário da Silva Veloso, Advogado, é Professor Emérito da UnB e da PUC-MG. Foi Ministro do STJ, do STF e do TSE. Presidente do STF e do TSE. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 23.04.2021.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Brasil registra 2.027 mortes por covid-19 em 24 horas

Total de óbitos em razão da doença chega a 383.502. Com 45.178 novos casos, país acumula 14.167.973 pessoas infectadas pelo coronavírus desde o início da epidemia, segundo dados oficiais  

Funcionários de cemitério em Porto Alegre transportam caixão para ser enterrado, em meio a outras sepulturas. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 182,5 

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes no Brasil subiu para 182,5

O Brasil registrou 2.027 mortes associadas à covid-19 nesta quinta-feira (22/04), além de 45.178 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 14.167.973, enquanto os óbitos chegaram a 383.502 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.646.132 pacientes se recuperaram da doença até esta quarta-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 182,5 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 31,9 milhões de casos, e da Índia, com 15,9 milhões de pessoas infectadas. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 570 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 144,2 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 22.04.2021

Plenário do STF forma maioria para manter suspeição de Moro

Ministros apoiam decisão da Segunda Turma sobre parcialidade do ex-juiz dos processos contra o ex-presidente Lula. Votação foi suspensa após pedido de vista, mas placar de 7 a 2 não pode mais ser revertido.

Plenário do STF vota para manter decisão da Segunda Turma sobre parcialidade de Sergio Moro

A maioria dos ministros do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) votou a favor de manter a decisão da Segunda Turma em favor da suspeição de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no julgamento dos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A suspeição se refere ao caso do apartamento triplex no Guarujá, que resultou na condenação e prisão do ex-presidente.

No dia 14 de abril, os ministros decidiram, por 9 votos a 2, que o plenário poderia decidir sobre o caso, e não somente a Segunda Turma do STF formada por cinco ministros, que se posicionou a favor da anulação das condenações e da declaração da parcialidade do ex-juiz no caso do apartamento triplex do Guarujá.

A Segunda Turma anulou todo o processo, que precisará ser reiniciado pelos investigadores. As provas serão anuladas e não poderão ser utilizadas em um eventual novo julgamento.

O ministro Edson Fachin votou para extinguir a decisão, afirmando que o habeas corpus apresentado pela defesa de Lula referente à suspeição não poderia ter sido julgado, uma vez que teria perdido o objeto após a retirada dos processos da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, além da ordem para que as investigações voltassem à estaca zero, com a anulação das provas.

Mas, a maioria dos juízes discordou de Fachin, ao considerar que o pedido da defesa para que fosse declarada a parcialidade de Moro não estaria vinculado ao debate sobre o foro competente do processo contra Lula. Dessa forma, foi mantida a decisão da Segunda Turma.

O julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello, e será retomado na próxima quarta-feira. 

Mas, até o momento da interrupção, havia sete votos pela manutenção da decisão da Segunda Turma (Gilmar Mendes,Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber) e dois pela anulação (Luís Roberto Barroso e Edson Fachin). 

Os ministros Marco Aurélio Mello e Luiz Fux ainda não votaram, Mas, com o placar de 7 a 2 a favor da suspeição, não será possível reverter o resultado.

Deutsche Welle Brasil, em 22.04.2021

Bucci: O golpe em gerúndio

A democracia neste cemitério chamado Brasil já está em pleno desmanche.

Uns dizem que o presidente da República é tão despreparado, tão destrambelhado, tão desmiolado e tão desqualificado que não consegue organizar nem mesmo uma quartelada. Dizem que, por aqui, não virá golpe de Estado nenhum. Chance zero. Despreocupados, até reconhecem que o Palácio do Planalto nutre seus delírios com rupturas institucionais, mas desprezam categoricamente a hipótese. Asseguram que não há competência instalada para tanto. Quem planejaria um golpe?, perguntam. Quem montaria a estratégia? O Pazuello? Dão risada. Aparentando segurança e calma, estão certos de que as instituições resistirão até 2022 e o presidente, esse tal que segue no posto, será derrotado nas urnas. Falar em impeachment agora é perda de tempo, desperdício de energia.

Esses uns não são poucos. Gente graúda da oposição está com eles. Esses uns, na verdade, são uns e outros. Dão as cartas. Não há muito que se possa fazer. Só nos resta torcer para que uns e outros estejam certos. Tomara que o avião aguente. No mais, ainda é possível bater panelas, além de levantar o dedo e balbuciar “veja bem”. É disso que trata este artigo: veja bem.

Talvez seja verdade que não virá nenhum golpe de arromba por aí. Oxalá seja verdade. Talvez não nos espere, no calendário próximo, um golpe desses que se deixam fotografar, com tanques de guerra fechando a Rua da Consolação e caças dando rasante na capital federal. Por outro lado, veja bem, é ainda mais verdade que vem vindo, já faz um tempo, um golpe menos espetaculoso, um golpe em processo, um golpe por antecipação, um golpe de cada dia que nos dão hoje, assim como nos deram ontem e anteontem. Enquanto o golpe retumbante não chega, outro golpe vai se adensando, vai se alastrando, vai nos consumindo – em surdo gerúndio.

E vai avançando. Existem bandidos que vêm comemorando sem maiores histrionices: “Está tudo sendo dominado”. A bandidagem aderiu ao gerúndio. Para que o improvável leitor visualize o que se vem passando, é mais ou menos como arrancar do chão toda a flora e toda a fauna na Amazônia. Isso não acontece assim, de uma hora para outra, num repente – vem aos poucos, num acontecendo. Uns milhares de quilômetros quadrados, ou redondos, são incinerados hoje, outros, amanhã, até que a gente vai descobrir que não há mais florestas a proteger.

Algo parecido se vai dando com a democracia brasileira. Enquanto uns e outros pensam que vão comer o bolsonarismo pelas bordas, o bolsonarismo está comendo o Estado por dentro. Enquanto uns e outros se divertem postando piadinhas contra o ministro que falou que passaria com a boiada da desregulamentação ambiental, os boiadeiros do apocalipse ateiam fogo nos fundamentos das instituições democráticas.

Não obstante, uns e outros dizem que as instituições funcionam “normalmente”. “Normalmente” como, cara-pálida? A democracia deste cemitério congestionado chamado Brasil não está mais sob ameaça: já está em pleno desmanche, só estão ficando de pé as fachadas. Por enquanto. O cientista político e professor da USP André Singer vem apontando, também no gerúndio, o descomunal desmantelamento, mas uns e outros não ligam. Em recente entrevista ao site Opera Mundi, Singer afirmou que está em curso “um processo incremental, tão gradual que a sociedade não percebe o que está acontecendo”. No gerúndio.

Exemplos? Ora, todos. Intervenções brandas e brutas na Polícia Federal seguem se acumulando. De quantos escândalos mais você precisa para começar a franzir o cenho? Perseguições ideológicas contra setores da cultura, dentro e fora do Estado: isso por acaso faz parte da “normalidade” democrática? Olhemos para a devastação da ciência, para o seletivo torniquete orçamentário que vai desativando o sustento da educação, para a metamorfose macabra que fez do Ministério da Saúde uma usina de estatísticas sobre cadáveres. Olhemos para o extermínio das melhores tradições diplomáticas do Itamaraty. Estamos imersos num gerúndio massacrante, que vai dizimando até carreiras de Estado, como a dos fiscais que se acreditavam investidos do poder de vigiar crimes contra o meio ambiente.

Quantos anos serão necessários para reconstruir o Brasil, para reflorestar a terra ardente, para reavivar os instrumentos institucionais que fazem uma democracia funcionar? Quanto trabalho teremos de empenhar para cada dia de estrago implementado intencionalmente por esse governo? Quantas vidas teremos de pagar?

Enquanto isso, os fundamentos continuam despencando. No início da semana, a organização internacional Repórteres sem Fronteiras divulgou mais uma pesquisa sobre a liberdade de imprensa. Pela primeira vez, o Brasil figura na chamada “zona vermelha”, onde o trabalho de jornalistas é considerado “difícil”. No mesmo grupo estão Nicarágua, Turquia, Rússia e Filipinas. Também isso não aconteceu de um dia para o outro, foi produto de um longo e árduo trabalho dos golpeantes em gerúndio. Enquanto o estrago se vai expandindo, vai ficando mais “difícil” encontrar jornalistas que possam investigar e contar o que está acontecendo. Em gerúndio, em gerúndio, em gerúndio.

Eugênio Bucci é Jornalista e Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de S. Paulo. Escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto d'O Estado de São Paulo. Este artigo foi publicado originalmente em 22.04.2021.

Bolsonaro usou seus poderes constitucionais para atrapalhar o combate à pandemia, mostra estudo

Pesquisa conduzida por cientistas da Universidade de Michigan e da Fundação Getúlio Vargas mostra que o Brasil tinha os mecanismos necessários para combater a covid, mas o presidente optou pela ‘pseudociência’ e pelo ‘negacionismo’

O Brasil tinha os mecanismos necessários para lidar de maneira exemplar com a pandemia, mas as escolhas do presidente Jair Bolsonaro transformaram o combate à covid em um fracasso mundial. Ess é a conclusão de um longo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O estudo, transformado em livro e divulgado nesta quinta-feira, 22, compila análises de cerca de 60 pesquisadores sobre as políticas públicas de controle da pandemia adotadas por 30 países de todos os continentes. Os resultados mostram que países que performaram melhor durante o período analisado seguiram as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) e aliaram medidas de saúde a políticas sociais.

Os autores ressaltam no estudo que o Brasil era classificado como o país da América Latina mais preparado para lidar com emergências de saúde pública, segundo o sistema Global Health Security Index. Também contava com um sistema de vigilância em saúde bem desenvolvido e tinha um bom histórico com epidemia porque respondeu com às emergências da Aids, da hepatite C e da influenza (H1N1).

O presidente da República, Jair Bolsonaro Foto: Adriano Machado/ Reuters

“Não podemos voltar no tempo e rever a história, mas, se o presidente tivesse escolhido outros caminhos, o Brasil poderia ter apresentado um desempenho muito melhor. Poderíamos ser um exemplo”, diz Elize Massard, professora da FGV e uma das autoras do estudo.

A pesquisa mostra a forma com que Bolsonaro usou todos os poderes constitucionais para fazer valer a sua agenda, minimizar a pandemia e boicotar ações de estados. O estudo lembra que o presidente iniciou, em abril do ano passado, uma “campanha agressiva” em apoio ao uso da cloroquina, remédio ineficaz para a covid. Essa posição acabou derrubando dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, e colocando o general Eduardo Pazuello no cargo. O texto aponta que Pazuello trocou técnicos por militares em cargos gerenciais importantes no Ministério da Saúde, “decisão duramente criticada pela comunidade da saúde pública”.

Elize destaca que o presidente tem o poder de indicar e exonerar ministros, mas que não é comum uma intervenção tão forte. “Bolsonaro interferiu no Ministério da Saúde como nunca antes visto no período democrático. Ele interveio em protocolos de tratamento e até no modo de divulgação dos dados da pandemia.”

Outras ações de Bolsonaro que dificultaram o enfrentamento da pandemia são mencionadas no estudo. Uma delas foi a demora no fechamento das fronteiras terrestres e aéreas, que estão sob a jurisdição federal. O presidente também editou medidas provisórias para atrapalhar as ações de governadores, como a que incluiu dezenas de serviços na lista de essenciais — de igrejas a salões de beleza. Essa foi uma clara tentativa de impedir o fechamento de atividades, ação importante para garantir o isolamento social e diminuir a disseminação do vírus.

O estudo também diz que Bolsonaro defendeu políticas de saúde que refletem a “pseudociência” e o “negacionismo” e contribuiu para a desinformação sobre a pandemia. Ele decidiu ignorar as orientações da OMS e as políticas de saúde baseadas em evidência temendo que isso pudesse gerar consequências econômicas negativas, diz a pesquisa. O chefe do executivo também relutou em liberar o auxílio emergencial.

“Houve pouca coordenação entre os ministérios da Economia e da Saúde. Para combater a pandemia deve haver políticas sociais que protejam os trabalhadores e permitam às pessoas ficarem em casa”, diz Elize. A pesquisadora fala que a falta de alinhamento entre as políticas sociais e de saúde também aconteceu em alguns países, enquanto outros souberam manejá-las de forma adequada. Um dos países que conseguiu fazer isso foi a Alemanha, criando pacotes econômicos com objetivo de estimular a economia, apoiar empresas, proteger empregos e mitigar o impacto da crise em pessoas menos privilegiadas.

Em relação ao Brasil, a pesquisa diz que o auxílio emergencial foi a política social mais importante durante a pandemia, garantindo a sobrevivência de muitos cidadãos durante o período em que foi disponibilizado. Por outro lado, o texto lembra que o Ministério da Economia atrasou o início do programa e que houve uma disputa na Câmara dos Deputados para que o valor fosse fixado em R$ 600 — o governo federal queria um auxílio de R$ 200.

O estudo conclui que Bolsonaro fez de tudo para negar o conhecimento científico e atrapalhar o combate à pandemia. O estrago causado pelo coronavírus no Brasil só não foi maior, segundo a pesquisa, porque o País tem uma infraestrutura de vigilância sanitária bem desenvolvida para lidar com pandemias. A rede de atenção primária do Sistema Único de Saúde também foi apontada como essencial para mitigar o impacto da covid-19.

A atuação dos Estados e prefeituras foi destacada como outro fator que ajudou a controlar o caos no País. O estudo diz que os governadores lideraram a resposta do Brasil à pandemia e ganharam popularidade porque seguiram as orientações da ciência, o que parece ter "enfurecido" o presidente e seus apoiadores.

Mariana Hallal, O Estado de S.Paulo, em 22 de abril de 2021 

William Waack: Preso a conspirações fantasmagóricas, Bolsonaro aumenta número de inimigos

O novo ministro da Defesa é um general que passou os últimos dois anos pelos gabinetes e corredores do lugar mais estranho do Brasil: o Palácio do Planalto. É o hábitat de seres vivos que, por sua vez, são dominados por fantasmas criados por eles mesmos. Por vezes parece efeito da ingestão de algum bagulho muito doido.

O general discursou com o jeito de quem não sabe qual é a “punchline” de um texto escrito a muitas mãos. Mas, ao exigir que se “respeite o projeto escolhido pela maioria”, o novo ministro da Defesa repetiu a confusão fundamental dos fantasmas que habitam cabeças no palácio. O verdadeiro respeito devido é à Constituição, à qual tem de estar subordinado qualquer projeto de qualquer maioria. 

O presidente da República Jair Bolsonaro Foto: Marcos Correa/PR/AFP

Talvez por ter sido assessor do presidente do Judiciário, seu antecessor no cargo não se arriscou a insinuar em público o que o novo ministro da Defesa disse de maneira mal disfarçada: que o STF é a causa de desequilíbrio entre os poderes. De fato, é impossível fugir à constatação da judicialização da política e da politização do STF, mas o fantasma que falou pela boca do general abordava outro aspecto.

Reiterava a noção de que o STF não deixa governar pois teria se aliado a uma fantástica conspiração de corruptos, comunistas, bagunceiros e perdedores que não querem respeitar o projeto escolhido por uma maioria. Pode-se debater se o tal projeto escolhido pela maioria consistia em consolidar o poder do Centrão, explodir a dívida pública, manter a economia estagnada e transformar o País em pária internacional do ponto de vista da política ambiental e de saúde pública, mas isso seria ampliar demais o foco.

Os fantasmas do palácio sussurram que os problemas para governar são sempre causados por outros, apesar da explicação para os evidentes fracassos do governo ao enfrentar economia e pandemia constar dos textos lidos por quem passou por boas academias militares. Ali se aprende que não se governa com eficiência se faltam planejamento, estratégia, definição de objetivos, rumos e meios – para não falar da incapacidade de liderança e da subordinação de tudo ao objetivo político da reeleição.

Também não se sabe ao certo se fazia parte do projeto escolhido pela maioria comprar brigas por toda parte, mas é a ordem que os ocupantes do palácio parecem ter recebido dos fantasmas. O conflito mais recente é particularmente perigoso: Bolsonaro foi avisado pessoalmente por um governador amigo (por quanto tempo ainda?) de que acabou criando 23 opositores entre os 27 chefes dos Executivos estaduais. É uma massa política que não se deve negligenciar.

A gota d’água para transformar os últimos governadores amigos em inimigos foi a “esperteza” de utilizar a ambição por uma cadeira vitalícia no STF por parte de ocupantes de altíssimos cargos do MPF para convertê-los à narrativa palaciana de que o governo federal tudo fez no combate à pandemia. Onde houve desastre foi culpa dos governadores e prefeitos – portanto CPI e Ministério Público neles – que desviaram verbas e recursos da Saúde (além de decretar medidas restritivas) em busca de armas na conspiração contra o projeto escolhido pela maioria.

Neste ponto seria injusto atribuir falta de visão do bem público e do interesse da coletividade exclusivamente a Bolsonaro, dominado ou não por seus fantasmas. Esse desinteresse pelo bem comum já era a característica primordial de forças políticas do Centrão, as que hoje estão no poder. É também a de ministros do STF tomando decisões “exóticas” levando em consideração apenas seus interesses ou simpatias políticas imediatas. Característica agora exibida de forma escancarada pelos integrantes da cúpula do MPF que, esfalfando-se por chegar a cargo no STF, ajudam a desmoralizar a instituição. 

Quanto ao “projeto” a ser defendido, qualquer que seja, está se dissipando junto com a maioria.

William Waack,, Jornalista, é apresentador do Jornal da CNN. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 22 de abril de 2021.|

Doria reage a campanha por Tasso e resistências no PSDB

Após senador cearense ser cogitado como presidenciável, governador de São Paulo tenta intensificar conversas internas para diminuir a oposição a seu nome no próprio partido

Pressionado no PSDB por movimentos contrários à sua potencial candidatura ao Palácio do Planalto, o governador de São Paulo, João Doria, intensificou as conversas com líderes do partido nos Estados e montou um núcleo de trabalho voltado para articular a disputa de 2022. Seus aliados e auxiliares reagiram à inclusão do senador Tasso Jereissati (CE) como “presidenciável” pelo presidente nacional da legenda, Bruno Araújo (PE), em entrevista ao jornal O Globo.

“Tasso é um quadro importante e bem-vindo, mas estamos preparados para as prévias e trabalhando”, disse o presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi, secretário de Desenvolvimento Regional de São Paulo.

Tasso tem dito, porém, que não está disposto a disputar prévias e que só aceitaria ser candidato caso fosse por consenso. O senador cearense, que deve ganhar holofote como membro titular da CPI da Covid, costuma dizer que a “preferência” é dos governadores, mas até agora não descartou a ideia de ser presidenciável. 

Doria, durante visita a hospital de campanha em Itaquaquecetuba; governador tenta cacifar nome para 2022 Foto: Governo de SP

“Nunca me coloquei como candidato. Não estou pleiteando. Não é um projeto de vida meu chegar à Presidência”, disse ele ontem em entrevista à GloboNews. “Se me apresentarem como alternativa, é uma coisa para amadurecer, mas não me sinto como candidato”, afirmou o senador. 

As declarações de Araújo pegaram Doria de surpresa. Ele e Tasso se falam com frequência e o governador foi, nos bastidores, um ativo defensor da entrada do senador para a CPI. 

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio já se apresentaram para disputar as prévias que vão definir o candidato do PSDB à Presidência, marcadas para outubro. Virgílio é visto no partido como “outsider”, enquanto Leite tem apoio de parte da bancada tucana no Congresso. A resistência a Doria reúne parte da burocracia partidária liderada por Araújo e a ala “governista” do PSDB, comandada pelo deputado Aécio Neves (MG) e o senador Izalci Lucas (DF). 

Doria escalou interlocutores para ir aos Estados e tem recebido tucanos no Palácio dos Bandeirantes. Em outra frente, o governador paulista criou um grupo de colaboradores para preparar o terreno para 2022. 

Integram o grupo o chefe do escritório de São Paulo em Brasília, Antonio Imbassahy (BA), o secretário da Casa Civil, Cauê Macris, o tesoureiro da sigla, Cesar Gontijo, o chefe de Gabinete de Doria, Wilson Pedroso, Marco Vinholi, o secretário de Comunicação, Cleber Mata, o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) e o publicitário Daniel Braga, que comanda a estratégia digital do governador. Na Câmara, o principal aliado é o deputado Eduardo Cury (SP), que é vice-líder do partido. 

Lema

Integrantes desse grupo adotaram o lema “A vacina será o novo Plano Real”, em referência ao plano econômico que ajudou a eleger Fernando Henrique Cardoso presidente, em 1994. Depois de admitir a possibilidade de disputar a reeleição em São Paulo em entrevista ao Estadão, Doria se reposicionou. 

O artigo publicado nesta quarta-feira, 21, no jornal é considerado por interlocutores do governador com um marco de sua estratégia nacional. Nele, o tucano cita mais de dez vezes o mote “O Brasil da esperança” e pontua diferenças em relação ao presidente Jair Bolsonaro, citando respeito aos povos indígenas, quilombolas e à diversidade, e apresenta uma agenda de redução da dívida pública.

Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo, em 22 de abril de 2021 | 05h00

Descobrimento do Brasil: os bastidores da viagem de 44 dias que levou Pedro Álvares Cabral ao país

Há 521 anos, o navegador português e sua tripulação enfrentaram tormentas, calmarias e doenças. Dos 1,5 mil homens que zarparam de Portugal, apenas 500 conseguiram voltar, sãos e salvos, para casa.

Frota de Cabral tinha nove naus, três caravelas e uma pequena embarcação com mantimentos. (Crédito: Oscar Pereira da Silva).

"A praia das lágrimas para os que vão. A terra do prazer para os que voltam". É assim que os portugueses costumam se referir ao Porto do Restelo, em Lisboa, de onde partiram as expedições de Vasco da Gama, em 1497, e de Pedro Álvares Cabral, em 1500.

Prevista para acontecer em um domingo, 8 de março, a partida da armada de Cabral, um fidalgo de origem nobre de apenas 33 anos, foi adiada, por causa do mau tempo, para o dia seguinte.

"Vale lembrar que 'fidalgo' quer dizer 'filho de algo', ou seja, 'filho de alguém'. E Cabral era filho de uma família que, desde 1385, mantinha vínculos estreitos com a Coroa. Além do mais, casou-se com uma mulher riquíssima, Isabel Gouveia, neta de reis", afirma o jornalista e escritor Eduardo Bueno, autor de Brasil: Terra à Vista! - A Aventura Ilustrada do Descobrimento (2000).

A frota de Cabral era formada por nove naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Além do formato das velas, o que diferenciava uma embarcação da outra era o tamanho: enquanto as caravelas mediam 22 metros de comprimento e transportavam até 80 homens, as naus podiam chegar a 35 metros e tinham capacidade para 150 tripulantes.

"A frota era composta por uma variedade de profissionais: havia o capitão e, abaixo dele, o piloto, responsável pela navegação, o mestre e contramestre, que lideravam os marinheiros, e o condestável, que comandavam a artilharia", explica Antônio Carlos Jucá, diretor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Ilustração da nau de Fernando Gonda (Crédito: Editora L&PM).

Com o tempo bom e o vento favorável, Cabral e sua tripulação zarparam de Lisboa, rumo a Calicute, na Índia, no dia 9 de março de 1500. Curiosamente, o homem a quem o então rei de Portugal, Dom Manuel I (1469-1521), o Venturoso, confiara a maior, a mais cara e a mais poderosa armada portuguesa nunca tinha comandado uma esquadra antes.

"Se houve imprevistos? Bem, ocorreu um enorme imprevisto, sim: a chegada ao Brasil", afirma Paulo Pinto, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal.

"A armada tinha como destino a Índia e tocou a costa brasileira por acidente. É possível que Portugal já suspeitasse da existência de terras naquela região, mas a verdade é que Cabral e seus homens foram apanhados de surpresa. A chegada ao Brasil foi, portanto, um acidente de percurso de uma jornada que tinha objetivos estratégicos bem definidos. A Índia era a prioridade número um da coroa de Portugal."

"Mar Tenebroso"

Com apenas oito dias de viagem, a frota enfrentou sua primeira tormenta. Tão forte que, próximo ao arquipélago de Cabo Verde, a nau comandada por Vasco de Ataíde, que transportava 150 homens, sumiu do mapa. A cada três navios que partiam de Portugal, um era "engolido pelo mar".

Não à toa, o Atlântico era conhecido como "Mar Tenebroso". "Além de perder um de seus barcos, Cabral teve de enfrentar, no primeiro trecho da viagem, 20 dias de calmaria", relata José Carlos Vilardaga, professor de História da América na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

"Quando isso acontecia, o barco ficava quase totalmente parado no meio do oceano. Isso aumentava o tédio e o calor a bordo.

Ao todo, os 13 navios transportavam 1,5 mil homens, entre médicos, boticários, religiosos, calafates e até condenados à morte que aceitavam trocar sua pena pelo exílio. (Crédito da foto: Museu Histórico Nacional).

Ao todo, os 13 navios transportavam 1,5 mil homens, entre médicos, boticários, religiosos, calafates e até degredados, isto é, condenados à morte que aceitavam trocar sua pena capital pelo exílio em terras desconhecidas. Na maioria das vezes, eram os primeiros a desembarcar. Se fossem atacados por selvagens, não fariam muita falta.

Do total de 1,5 mil homens, apenas 500 conseguiram voltar, sãos e salvos, para casa. O restante morreu no mar, vítima de naufrágios ou de doenças, como o escorbuto, que provocava sangramento nas gengivas. Em algumas expedições, a proporção de médicos para marinheiros era de um para três mil. Viajar era tão arriscado que, antes de zarpar, muitos marujos já deixavam seus testamentos assinados.

A presença de mulheres a bordo não era permitida. Já crianças e adolescentes podiam embarcar. A maioria, de nove a 15 anos, era alistada pelos pais que, em troca, embolsavam o soldo dos filhos. Durante a viagem, desempenhavam as funções de grumetes e de pajens.

"A vida dos 'miúdos' a bordo era um inferno. Muitas vezes, eles sofriam abusos sexuais", relata Bueno em Brasil: Terra à Vista!.

O Cabo do Tormentas

A tripulação, em linhas gerais, podia ser dividida em marinheiros, soldados e religiosos. Os marinheiros executavam as tarefas náuticas, como içar velas, baixar âncoras ou manejar instrumentos, como o astrolábio, usado para medir a altura do Sol ao meio-dia e das demais estrelas à noite.

Alguns dos mais tarimbados navegadores da época, como Bartolomeu Dias (1450-1500), participaram da aventura. Doze anos antes, ele ficou famoso por ter sido o primeiro a contornar o cabo da Boa Esperança, ao sul da África.

Por uma trágica ironia, na madrugada do dia 23 de maio, uma tormenta desabou sobre a frota de Cabral e afundou quatro dos 13 navios. Quatrocentos homens, incluindo Dias, foram "engolidos pelo mar". Onde estavam? Próximos ao cabo da Boa Esperança, chamado de Cabo das Tormentas antes da viagem bem-sucedida do próprio Dias.

Estima-se que, na época do descobrimento, havia entre 500 mil e um milhão de indígenas habitando o litoral brasileiro. (Crédito da foto: Biblioteca da Academia de Ciências de Lisboa).

Já os soldados, a maioria sem formação militar, eram os responsáveis pela artilharia e munição. As embarcações portuguesas, aliás, foram as primeiras a singrar os mares com artilharia pesada a bordo. As nove naus que compunham a frota de Cabral eram equipadas com pesados canhões.

Os religiosos — em sua maioria, frades franciscanos — eram incumbidos de rezar missas e ouvir confissões. Seu superior era Dom Henrique Soares de Coimbra (1465-1532). Foi ele que, no dia 26 de abril, na praia de Coroa Vermelha, no litoral da Bahia, celebrou a primeira missa no Brasil, assistida de perto pela tripulação e, ao longe, por cerca de 200 indígenas.

"Devido à escassez de água e comida, as condições de vida a bordo eram muito ruins. A mortalidade, em geral, girava em torno de 2% a 3% da tripulação, mas podia ultrapassar os 10% do total. Assim, os doentes eram logo aconselhados a se confessar e a receber a extrema-unção", relata Antônio Carlos Jucá de Sampaio, diretor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Banquete de ratos

Os tripulantes não desfrutavam de qualquer conforto. Pelo contrário. Como os porões dos navios eram usados para estocar os tonéis com água, mantimentos e munição, os marinheiros dormiam no convés, ao relento, em colchões de palha.

"Naquela época, tomar banho era raro até em terra firme, quanto mais em viagens oceânicas. A marujada urinava no mar e defecava em baldes. As condições eram insalubres", esclarece Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Durante toda a viagem, os marinheiros dormiam no convés, ao relento, em colchões de palha. (Crédito da foto: Fundação Biblioteca Nacional).

"Talvez o melhor depoimento sobre a insalubridade das viagens atlânticas para o Brasil esteja na obra do francês Jean de Léry (1534-1611): quando os biscoitos acabavam ou estragavam, os marujos comiam ratos. Havia até uma cotação para o preço do rato nos navios."

Os momentos de lazer eram poucos. "Enquanto uns improvisavam rodas de cantoria, outros preferiam jogar cartas", exemplifica Vilardaga. O cardápio dos marujos consistia em água (1,5 litros por dia) e biscoito (600 gramas diários). Já os capitães da frota, todos de origem nobre, tinham direito a vinho (1,5 litro por dia) e a carne e peixe (15 kg por mês).

"Apesar de estarem no mesmo barco, o acesso à comida, basicamente biscoitos, carne em banha e peixes salgados, e água potável, armazenada em tonéis de madeira e racionada para durar toda a viagem, acontecia conforme o status social. Ou seja, seus lugares nas hierarquias da sociedade da época tendiam a ser replicados a bordo", explica Aldair Rodrigues, professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Além das mordomias, os capitães ganhavam um ótimo salário. Só Cabral, o capitão-mor, embolsou 10 mil cruzados — algo em torno de 35 quilos em ouro. Quem não obedecia às ordens de seus superiores ou descumpria as regras da embarcação não era jogado aos tubarões, mas mandado, de castigo, para o porão. Infestado de ratos e baratas, o lugar era, para dizer o mínimo, uma imundície.

'Terra à vista!'

Ao todo, a jornada durou 44 dias. No dia 21 de abril, os marinheiros começaram a avistar os primeiros "sargaços" (um tapete flutuante de algas marinhas) nas águas e "fura-bruxos" (um bando de pássaros semelhantes a gaivotas) nos céus. No dia seguinte, a uns 60 quilômetros da costa, alguém gritou: "Terra à vista!". Era o entardecer do dia 22 de abril de 1500.

A jornada de Cabral ao Brasil durou 44 dias (Crédito da foto: Fundação Biblioteca Nacional)

Depois de ancorar sua nau a 35 quilômetros da costa, em frente a um monte batizado de Pascoal, o capitão Nicolau Coelho (1460-1504) foi o escolhido para fazer o reconhecimento do território.

A bordo de um escaler, embarcação pequena, de proa fina e popa larga, movida a remo, ele presenteou os nativos com um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto. Em troca, ganhou um cocar de plumas e um colar de contas.

Estima-se que, na época da chegada dos portugueses, havia entre 500 mil e um milhão de indígenas habitando o litoral brasileiro. "Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as vergonhas", descreveu Pero Vaz de Caminha (1450-1500), um dos sete escrivães da frota, na famosa carta do "achamento do Brasil". "Traziam nas mãos arcos e setas."

Antes de seguir para as Índias, Cabral e seus homens passaram dez dias no paraíso. No dia 2 de maio, partiram rumo a Calicute, deixando para trás dois degredados. Quando os navios desapareceram no horizonte, caíram no choro e foram consolados pelos indígenas.

O exílio dos chorões, porém, durou pouco: em dezembro de 1501, foram recolhidos pela primeira expedição enviada por Dom Manuel I para explorar a mais nova colônia portuguesa.

Os degredados não foram os únicos a permanecer no Brasil. Na calada da noite, dois grumetes, cansados dos maus-tratos a bordo, roubaram um escaler e fugiram para a praia. Nunca mais se ouviu falar deles.

A naveta de mantimentos, comandada por Gaspar de Lemos, foi mandada de volta a Portugal. Sua missão era comunicar ao rei o "achamento" da nova terra. Até ganhar o nome de Brasil, o território foi chamado de Ilha de Vera Cruz por Pedro Álvares Cabral e de Terra de Santa Cruz pelo rei Dom Manuel I.

O 'achamento' do Brasil

A segunda parte da viagem durou pouco mais de cinco meses. No dia 13 de setembro de 1500, a frota de Cabral, reduzida a seis navios, chegou ao seu destino: Calicute. Na Índia, a esquadra sofreu novas baixas. Pero Vaz de Caminha, o autor da famosa "certidão de nascimento" do Brasil, foi morto, no dia 16 de dezembro, em um ataque de mercadores árabes.

De volta a Portugal, o que restou da esquadra atracou no Porto do Restelo, no dia 21 de julho de 1501.

"Apesar de ter sofrido perdas, a missão foi um sucesso. Depois de seu regresso, Cabral recebeu várias honrarias, mas não voltou a ser nomeado para o comando de qualquer expedição relevante. Isto tem dado origem a algumas interrogações. Historiadores falam que o rei teria ficado insatisfeito com os seus serviços, mas são apenas especulações", pondera Pinto, da Universidade Nova de Lisboa.

Por pouco, o Brasil não fora encontrado por outros navegadores: um português, Duarte Pacheco Pereira (1560-1533), e dois espanhóis, Vicente Pinzón (1462-1514) e Diego de Lepe (1460-1515).

Comandando uma frota de oito navios, Duarte Pacheco Pereira teria explorado o litoral brasileiro, na altura do Maranhão, em dezembro de 1498. "Embora ele dê a entender isso em seu livro Esmeraldo de Situ Orbis, não há nenhum documento que comprove essa tese", garante Bueno.

Por essa razão, a suposta presença de Pereira rondando o litoral brasileiro em 1498, que muitos historiadores descartam a hipótese de que Cabral tenha descoberto o Brasil por acaso.

"O consenso é de que Portugal sabia da existência de terras no Atlântico. Caso contrário, não teria pressionado o papa Alexandre VI para modificar a bula Inter Coetera, de 1493, que deixava os portugueses de fora do Novo Mundo descoberto por Colombo em 1492", observa Vainfas.

"Mas o fato é que a viagem de Cabral ia mesmo para a Índia. Uma tempestade desviou a rota e eles deram em Porto Seguro. Uma coisa é saber que havia terras ali. Outra é montar uma expedição com o propósito de aportar no sul da Bahia. Por isso, o historiador português Joaquim Romero de Magalhães (1942-2018) prefere chamar a viagem de 'achamento' e não de 'descobrimento'."

Quanto a Vicente Pinzón, o explorador espanhol teria atingido o Cabo de Santo Agostinho, no litoral de Pernambuco, no dia 26 de janeiro de 1500 — três meses antes da chegada de Cabral a Porto Seguro, na Bahia.

Experiente, integrou a frota que, sob o comando de Cristóvão Colombo (1451-1506), descobriu a América, em 1492. Poucas semanas depois, em fevereiro de 1500, o primo de Pinzón, Diego de Lepe, também navegou por águas brasileiras.

A Espanha só não reivindicou a descoberta do Brasil por causa do Tratado de Tordesilhas. Mesmo assim, o rei Fernando II de Aragão condecorou Vicente Pinzón e Diego de Lepe pela façanha de eles terem "descoberto" o Brasil.

André Bernardo, do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil, em 10 março 2020

Este texto foi publicado originalmente em abril de 2020 e atualizado em 22 de abril de 2021.


CPI da covid: “Muito mal explicado por que não compramos 70 milhões de doses da Pfizer”, diz Omar Aziz

Este é um dos temas que devem ser debatidos pela CPI que vai investigar "ações e omissões" do governo federal diante da pandemia de coronavírus.

Senador Omar Aziz defende que convidados e convocados a prestar depoimento possam fazer isso de forma remota devido à covid. ( Crédito da foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado).

O futuro presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), diz que "até hoje está muito mal explicado" por que o Brasil não comprou 70 milhões de doses da vacina da Pfizer.

O governo federal recusou, em agosto de 2020, a oferta da Pfizer para compra de um lote de 70 milhões de doses, que seriam entregues em dezembro de 2020. O argumento do governo foi o de que não concordava com as condições estabelecidas pelo laboratório e que a empresa não se responsabilizava por eventuais efeitos colaterais da vacina. A fabricante diz que os mesmos termos foram exigidos de outros países que compraram a vacina, como EUA e Reino Unido.

A primeira reunião da comissão está marcada para terça-feira (27/04) e, segundo acordo entre os partidos, Aziz será eleito como presidente do colegiado e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) será indicado como relator.

Em entrevista à BBC News Brasil, Aziz defende que pessoas convidadas ou convocadas a dar depoimento à CPI possam optar por fazer isso de forma remota. "Não temos poder de obrigar uma pessoa a ir para lá e ser contaminada."

O senador evitou comentar o fato de o presidente Jair Bolsonaro defender o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. No entanto, diz que não se automedica. "O que os especialistas me dizem é que não tem nada que previna covid."

Aziz também indica que quer ouvir técnicos do Ministério da Saúde, e não apenas os titulares (atual e anteriores) da pasta.

"O ministério não é uma pessoa só, o ministério são várias pessoas. Tenha certeza absoluta que o ministro de plantão naquele momento para fazer acordo com a Pfizer não leu aquele contrato. Alguém leu para ele. Ele tem uma equipe jurídica para ler, porque ministro não tem capacidade de saber as entrelinhas que têm num contrato", disse.

A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida à BBC News Brasil por videoconferência:

BBC News Brasil - O nome do senhor para a presidência da CPI da Covid tem o apoio de aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro na comissão e, ao mesmo tempo, é visto com desconfiança por alguns parlamentares de partidos de esquerda. O que devemos esperar da condução que o sr. fará da CPI?

Omar Aziz - É uma CPI que não procura se vingar de ninguém. É uma CPI para fazer justiça e a gente quer ver uma CPI a favor da vida, pelo número de óbitos que o Brasil já teve.

Em relação a esquerda, direita, centro… Está morrendo gente da esquerda, direita, centro. Morre padre, morre pastor. Morre umbandista, morre ateu, negro, branco. Não é uma CPI de esquerda ou direita e muito menos permitirei que aquilo se torne um palanque político, porque seria um grande desrespeito ao número de óbitos que tivemos no Brasil. Temos que ter investigação séria.

No Senado, CPI vai investigar 'ações e omissões' do governo federal diante da pandemia de coronavírus. (Crédito da foto: Adriano Machado / Reuters)

BBC News Brasil - O sr disse que a CPI não é para se vingar, mas para fazer justiça. Como ela pode fazer justiça?

Aziz - Um dos grandes questionamento é por que o Brasil não criou barreira sanitária quando a covid começou. A única barreira sanitária que fizemos foi com aqueles brasileiros trazidos da China, que foram para Anápolis (GO) fazer quarentena. O que entrou de gente no meu Estado, de outros países, trazendo o vírus para cá… Temos que investigar isso.

Até hoje está muito mal explicado por que não compramos 70 milhões de vacinas da Pfizer, que daria para imunizar 35 milhões de brasileiros. Levantou-se uma tese no Brasil sobre imunização de rebanho, tese esta que não existe.

Essa doença não é como as outras, ela não vai passar amanhã. Não teremos mais carnavais, Boi-bumbá em Parintins (AM), porque tudo isso será sujeito a transmissão de covid. Essa doença é letal. Aqui no Amazonas chegamos ao estágio de faltar oxigênio no nosso estado. O governador (Wilson Lima), no dia 26 de dezembro, decretou lockdown, aí teve manifestação dos comerciantes e ele abriu, recuou, e o que aconteceu em janeiro é de conhecimento do mundo todo.

Quando fala direita, esquerda, centro… Todo mundo tem responsabilidade. Então ´criar uma CPI pra fazer impeachment do presidente?´ Não é isso. Essa CPI é criada para ver os fatos que aconteceram pelo governo federal, pelos estados e municípios.

BBC News Brasil - Um dos pontos mencionados no pedido de abertura da CPI é a crise em Manaus, que enfrentou colapso diante da falta de equipamentos e de cilindros de oxigênio para tratar pacientes com covid-19. Como senador pelo Amazonas, o sr. avalia que o governo federal errou no apoio ao estado na pandemia, quando chegou a morrer gente por falta de oxigênio?

Aziz - Veja bem, isso é uma incógnita. O ex-ministro Eduardo Pazuello alega que não recebeu comunicado da White Martins, a White Martins diz que comunicou com antecedência. Eu acho que demoramos - e digo demoramos porque todos nós estamos envolvidos nisso, de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente - a trazer oxigênio para o Amazonas. Se você tivesse colocado aviões para recolher de Norte a Sul oxigênio, teria chegado tanto pra capital quanto para o interior. Isso é um dos pontos que a CPI vai investigar e dar qualquer opinião agora pode comprometer as investigações.

BBC News Brasil - Críticos apontam que o sr poderia ter interesse de, a partir dos trabalhos da CPI, pressionar o governador do Amazonas, Wilson Lima, para quem o sr perdeu eleição para o governo do estado em 2018. Ou pressionar a prefeitura.

Aziz - É a primeira vez que escuto isso.

BBC Brasil - Que a CPI pode ser palco, vitrine política?

Aziz - Que ela é uma vitrine, é. Qualquer membro, qualquer CPI vira vitrine. Se você não cuidar bem dessa vitrine, você sai quebrado. Eu não faço críticas ao governador, nem ao prefeito. Acho ridículo presidente que já saiu há 20 anos ficar fazendo críticas a presidente, como se ele tivesse passado pela presidência e feito tudo correto. Como ex-governador do meu Estado, não acho justo ficar tirando proveito da vida das pessoas.

Não serei oportunista na CPI e não aceitarei que nenhum membro da CPI se esqueça que lá fora tem 380 mil vidas perdidas. Temos que ter respeito de não utilizar mecanismo de investigação como palanque político. Não me venha com discurso de ´se fosse o Lula, não estava acontecendo, se fosse o Ciro...´. Isso, não. Não terá isso. Não dá para politizar uma coisa tão séria. Perdi um irmão há 50 dias, dez anos mais novo que eu, de covid. Como vou utilizar isso?

Colapso no sistema de Saúde de Manaus foi citado no pedido de abertura da CPI. (Crédito da foto: AFP via Getty Images).

BBC News Brasil - A primeira reunião da CPI está prevista para terça-feira (27), de forma semipresencial e com restrições de acesso, e aí a CPI vai definir as próprias regras de funcionamento. Qual formato o senhor defenderá?

Aziz - Presencialmente, estarão presidente, vice-presidente e relator. Ou pode um de nós não estar, mas ela vai estar aberta de forma presencial. Caso algum senador queira fazer semipresencial, teremos estrutura para ele participar de forma remota. As audiências que teremos, com os convidados e convocados, creio que ele terá que aceitar de forma remota ou presencial. Não podemos obrigar uma pessoa a ir lá na sala do Senado com o (cenário da pandemia de) covid. Não temos poder de obrigar uma pessoa a ir para lá e ser contaminada.

BBC News Brasil - Quais são os nomes que o sr acredita que devem ser ouvidos primeiro pela CPI?

Aziz - As pessoas ligadas à atividade do Ministério da Saúde. Os ministros que passaram e o atual. Esse programa será apresentado pelo relator aos membros da CPI e vamos aprovar.

BBC News Brasil - O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) sugere um plano de trabalho que inclui ouvir o atual e todos os ex-ministros da saúde do atual governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, o ex-comandante do Exército, Edson Pujol, entre outros nomes. O sr concorda com esse plano?

Aziz - Ele fez sugestão a pedido de alguns senadores, porque é delegado de polícia. Muitas das coisas que ele está sugerindo, nós concordamos. Outras, não. Vamos esperar o plano final que o relator vai apresentar. Haverá muita discussão em relação a isso.

BBC News Brasil - Esses outros nomes que citei, Guedes e Pujol, a avaliação do sr. é que eles deveriam ser chamados?

Aziz - Em um primeiro momento, eu disse 'chamar o Paulo Guedes para quê?'... Alguns membros agora estão argumentando que o ministro Paulo Guedes era contra o auxílio emergencial. E colocando que Orçamento deste ano não tem dinheiro para o covid, só para vacinas. Então, tendo um fato determinante para chamar o ministro Paulo Guedes ou o general, com certeza serão chamados.

Conduta do governo federal em relação à compra de vacinas deve ser um ponto central da análise da CPI. (Crédito da foto: Reuters)

BBC News Brasil - O futuro relator da CPI, senador Renan Calheiros, já tem em mãos um documento em que o governo federal orienta a Fiocruz a divulgar e indicar a prescrição de cloroquina ou hidroxicloroquina no tratamento contra a covid, segundo reportagem da Folha de S.Paulo. Na avaliação do sr, esse seria um exemplo de documento que pode ser usado eventualmente como prova para imputar crimes a integrantes do governo na gestão da pandemia, como avaliam alguns integrantes?

Aziz - Quem assinou esse documento com certeza vai ser chamado para depor e vai ter que explicar de onde surgiu aquilo, quem foi que o orientou a fazer aquilo. Isso não surge da cabeça de uma pessoa aleatoriamente.

Vamos ver qual foi a orientação dada, não pelo ministro Pazuello ou qualquer outro, e sim pela equipe técnica, profissionais da área de saúde responsáveis por essas áreas.

Você tem uma linha editorial e pode até querer fazer uma reportagem com fulano, mas se seu editor disser que você vai ouvir fulano, você vai fazer o que o seu editor manda.

BBC News Brasil - Então neste caso o sr está dizendo que eles poderiam ter aceitado ordens superiores?

Aziz - Por isso que não posso responder o que você está me perguntando. As coisas vão acontecer naturalmente. Não posso aqui dizer o que vamos fazer na CPI. Nós vamos investigar. Agora, a forma, quem… Isso aí… Não é o ministro só. O ministério não é uma pessoa só, o ministério são várias pessoas. Tenha certeza absoluta que o ministro de plantão naquele momento para fazer acordo com a Pfizer não leu aquele contrato. Alguém leu para ele. Ele tem uma equipe jurídica para ler, porque ministro não tem capacidade de saber as entrelinhas que tem num contrato. E, se estava em inglês, foi traduzido por alguém. Essas questões a gente tem que saber. Não tem política do ´eu´. Nem na saúde, nem na educação.

BBC News Brasil - Aí o senhor quer dizer que não seria um ministro, seria um técnico que teria orientado isso?

Aziz - Deixa eu te dizer… Não estou falando nada. Eu estou te dizendo, estou supondo aqui… Eu fui governador e o governador não conhece sobre saúde, educação, segurança. Ele não é especialista em tudo isso. Por isso que você coloca especialista para te auxiliar. O ministro não é especialista em tudo, alguém é especialista. Não estou aqui acusando ninguém, estou imaginando isso, que alguém deve ter sugerido pra fazer a circular da cloroquina. Quem foi que sugeriu? Não sei. Se o ministro chegar e disser ´faz uma circular´, o cara nem médico é, não pode ter feito isso. Alguém deve ter orientado, para prescrever medicamento, fazer circular, determinar à Fiocruz. Não sei quem mandou. Tem que apurar se fez da cabeça dele, se recebeu ordem...

Uma das perguntas que a CPI deve responder, segundo especialistas, é se o governo Bolsonaro colocou a população em risco ao estimular suposto 'tratamento precoce' cuja eficácia não foi comprovada. (Crédito da foto: Reuters).

BBC News Brasil - A questão da compra de vacinas e o estímulo a um suposto tratamento precoce são temas apontados por especialistas como prováveis eixos da CPI. Eu queria saber se o sr. já foi vacinado e também se em algum momento tomou cloroquina ou outro medicamento do chamado "kit covid"...

Aziz - Eu não fui infectado pelo coronavírus ainda. Tenho 62 anos e já tomei a primeira dose e a segunda - aqui no Amazonas as pessoas acima de 60 já foram vacinadas. E não tomei nenhum medicamento para covid, não tive e não quero ter.

BBC News Brasil - Temos visto médicos e o governo estimularem pessoas a tomar medicamentos mesmo sem ter covid, antes de ter. Por isso perguntei para o senhor.

Aziz - Conversei com vários especialistas e nenhum me sugeriu tomar nenhum remédio que proteja. Por exemplo, tinha médico dizendo aqui 'toma ivermectina que é bom', mas nada foi provado cientificamente. Não temos nada. Ninguém tem uma fórmula para isso.

Todo dia aparece novidade. É tipo antigamente, sua mãe te dava canja de galinha achando que você ia ficar boa da gripe. E você nunca ficou boa da gripe por causa da canja de galinha. Era virose que vinha, passava 6, 7 dias e ia embora, mas sua mãe acreditava, como a minha acreditava, que a canja de galinha te curou.

BBC News Brasil - Mas a canja de galinha não faz mal. É diferente.

Aziz - Não faz mal, é isso aí. Mas a cloroquina faz. É tipo essas injeções de insulina utilizadas para diabetes, (e aí usadas) para o cara emagrecer. Emagrece, mas pode ter complicação gravíssima.

Eu sou uma pessoa que não me automedico e nem chego numa roda e pergunto o que é bom para dor de cabeça, para dor de estômago. Eu procuro especialista para me falar.

Se não fosse a coragem da imprensa brasileira de fazer enfrentamento contra o negacionismo, todo dia, teríamos mais óbitos do que temos hoje.

BBC News Brasil - E de onde vem esse negacionismo?

Aziz - De muita gente. Ontem me perguntaram se eu ia chamar o deputado Osmar Terra para depor porque ele é negacionista. Eu falei: não, é o pensamento dele, problema dele. Não é obrigado a acreditar em tudo. Cometeu algum crime? Não.

BBC News Brasil - O senhor diz que é questão de opinião o negacionismo. Mas quando falamos de pessoas que ocupam cargos públicos e podem influenciar políticas públicas, isso muda de figura.

Aziz - Sim. Ele não é gestor. Eu sou a favor da ciência. A ciência que pode fazer a mudança, ninguém mais pode, não é chazinho... Pessoalmente, acredito na ciência. Procuro me informar e é quase unânime. Os médicos para quem pergunto, nenhum me dá conselho de tomar remédio nenhum caso eu pegue covid. Não tem remédio.

BBC News Brasil - O sr disse que médico nenhum receita remédio contra covid. No entanto, vemos o presidente Jair Bolsonaro defender o uso de cloroquina. Em quem acredita?

Aziz - Todos os especialistas que eu ligo para saber, eles dizem que não tem algo concreto, cada caso é um caso. Só podem prescrever alguma coisa depois de ver o caso específico.

O que os especialistas me dizem é que não tem nada que previna covid. A única prevenção que tem é álcool e máscara.

BBC News Brasil - Quando o nome do senhor foi indicado para a CPI que vai investigar a pandemia, foi apontado que o senhor é investigado por desvios de recursos exatamente para a área da saúde quando governou o Amazonas, na operação "Maus Caminhos", do Ministério Público Federal, deflagrada em 2016. Isso não seria um impeditivo para uma boa condução da CPI?

Aziz - Eles criaram uma versão fictícia. Eu já tinha saído do governo quando essa empresa acusada recebeu a primeira verba do governo do Estado, mas era importante pegar alguém que já tinha nome. E aí não vou entrar em detalhes. Estou muito tranquilo em relação a isso. Não me impede de absolutamente nada, porque 5 anos depois não tem denúncia contra mim. Se eu tivesse sido denunciado e tivesse provado… Não, tem um inquérito policial, em que tudo é "supostamente". Não fui denunciado e creio que não vou ser - se me denunciarem, vai ficar provado que a questão é política. Fico muito à vontade para presidir a CPI ou qualquer comissão.

Laís Alegretti - @laisalegretti, da BBC News Brasil em Londres, em 22.04.2021. Há 4 horas.

Com auxilio emergencial reduzido em 2021, Brasil terá 61 milhões na pobreza

  Com o valor menor do auxílio emergencial este ano, o Brasil deve somar 61,1 milhões de pessoas vivendo na pobreza e 19,3 milhões na extrema pobreza, segundo estudo publicado nesta quinta-feira (22/04) pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP).

Mulheres e a população negra são mais afetadas pela piora das condições de vida no país. (Crédito da foto: Arnaldo Carvalho / Getty Images).

Em 2021, são consideradas pobres as pessoas que vivem com uma renda mensal per capita (por pessoa) inferior a R$ 469 por mês, ou US$ 1,90 por dia, conforme critério adotado pelo Banco Mundial. Já os extremamente pobres são aqueles que vivem com menos de R$ 162 mensais.

Em 2019, os brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza somavam 51,9 milhões. Isto significa que, em 2021, o Brasil terá 9,1 milhões de pobres a mais do que antes da chegada do coronavírus ao país.

No ano anterior à pandemia, os extremamente pobres eram 13,9 milhões. Assim, em apenas dois anos, 5,4 milhões de brasileiros se somarão a esse grupo que convive com a carência extrema.

Para as pesquisadoras Luiza Nassif-Pires, Luísa Cardoso e Ana Luíza Matos de Oliveira, autoras do estudo, o aumento da miséria esperado para esse ano revela que o auxílio emergencial com valor médio de R$ 250 é insuficiente para recompor a perda de renda da população mais pobre em meio à pior fase da crise de saúde pública provocada pela covid-19.

"Já havia um crescimento da pobreza antes da pandemia, isso só não se agravou no ano passado devido ao auxílio emergencial de R$ 600 a R$ 1.200", observa Oliveira.

"O novo modelo do auxílio, que sofreu um corte significativo, está deixando grande parte da população desamparada", acrescenta a economista, lembrando ainda que a queda de 4,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 só não foi maior devido ao benefício, que permitiu a parcela significativa da população manter um nível mínimo de consumo.

As economistas destacam ainda que as mulheres e a população negra são as mais afetadas por essa grave piora das condições de vida no país.

Bolsa Família, salário mínimo e maior acesso à educação levaram à redução da pobreza no Brasil até 2014. (Crédito da foto: Igor Alecsander / Getty Images).

Pobreza vem crescendo desde 2015

Até 2014, a pobreza diminuiu durante anos no Brasil, graças ao avanço de políticas sociais como o Bolsa Família, os ganhos reais do salário mínimo e a ampliação do acesso à educação.

Em 2015, sob efeito da crise econômica, a tendência se inverteu e a miséria voltou a crescer ano após ano. A trajetória de alta, no entanto, foi interrompida em 2020, graças ao efeito do auxílio emergencial.

O benefício foi criado em abril do ano passado, com valor de R$ 600, que podia chegar a R$ 1.200 para mães solteiras chefes de família. Foram pagas cinco parcelas nesses valores cheios e outras quatro com os valores reduzido à metade, num total de R$ 295 bilhões.

Em julho de 2020, mês em que o efeito do benefício atingiu o seu auge, a taxa de extrema pobreza do país foi reduzida a 2,4% e a de pobreza a 20,3%, estimam as pesquisadoras, com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua e da Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Foram os patamares mais baixos já registrados para esses indicadores em pelo menos 40 anos, conforme uma série mais longa produzida pelo pesquisador Daniel Duque, do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).

A título de comparação, essas mesmas taxas eram de 6,6% e 24,8% em 2019, antes da pandemia. Agora em 2021, a expectativa é de que a extrema pobreza atinja 9,1% da população e a pobreza chegue a 28,9%.

População de baixa renda ficou sem auxílio nenhum de janeiro a março de 2021. (Crédito da foto: Patrick Altmann / Getty Images)

Neste ano, a população de baixa renda ficou sem auxílio nenhum de janeiro a março. Em abril, o pagamento começou a ser feito primeiramente apenas através do aplicativo da Caixa, o que dificultou o uso do recurso por parte das famílias, que têm dificuldade de acesso à internet.

O valor do benefício foi reduzido a uma média R$ 250, variando entre R$ 150 para pessoas que moram sozinhas, R$ 250 para domicílios com mais de uma pessoa e R$ 375 para mães solo.

O universo de beneficiários foi diminuído de 68,2 milhões de pessoas em 2020, para 45,6 milhões de famílias em 2021.

O saque foi restrito a uma pessoa por família e limitado a indivíduos que já receberam o auxílio em 2020 - o que significa que quem perder a renda esse ano, não poderá contar com a ajuda.

O montante autorizado pelo Congresso para o auxílio emergencial em 2021 é de R$ 44 bilhões, comparado aos R$ 295 bilhões do ano passado. Está previsto o pagamento de quatro parcelas este ano, ante nove parcelas pagas em 2020.

"Estamos no pior momento da pandemia em termos sanitários, com diversas cidades voltando a restringir atividades e, justamente agora, foi reduzido o estímulo fiscal", observa Oliveira, que é professora visitante da Flacso Brasil (Faculdade Latino-​Americana de Ciências Sociais) e coordenadora-geral da secretaria executiva da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público.

"Isso deve ter um impacto não só para a população vulnerável, mas também um efeito macroeconômico muito grande. Então é um problema para os mais pobres e para o Brasil como um todo."

Mulheres negras são as mais prejudicadas

Embora a redução do estímulo fiscal afete o Brasil como um todo, são as mulheres negras as mais prejudicadas pela redução do auxílio emergencial em 2021, aponta o estudo lançado nesta quinta-feira pelo Made-USP.

Antes da pandemia, a pobreza atingia 33% das mulheres negras, 32% dos homens negros e 15% das mulheres brancas e dos homens brancos. Com o auxílio reduzido de 2021, esses mesmos indicadores devem subir a 38%, 36% e 19%.

Já a taxa de extrema pobreza, antes da crise, era de 9,2% entre mulheres negras, 8,9% entre homens negros, 3,5% entre mulheres brancas e 3,4% entre homens brancos.

Com o benefício emergencial nos valores de 2021, a miséria deve chegar a percentuais muito acima dos verificados antes da crise: respectivamente, 12,3%, 11,6%, 5,6% e 5,5%.

'Como a posição das mulheres no mercado de trabalho já é mais vulnerável, quando há uma crise, elas são mais atingidas', diz pesquisadora. (Crédito da foto: Igor Alecsander / Getty Images)

"De modo geral, as mulheres estão mais sujeitas à pobreza", observa Nassif-Pires, professora no Levy Economics Institute do Bard College (EUA).

"Elas são mais propensas a terem emprego informal, estão segregadas em ocupações que pagam menos e existe um hiato salarial entre homens e mulheres mesmo dentro de uma mesma ocupação. Além disso, elas mais frequentemente têm dependentes do que os homens", diz a economista.

"Então, há toda uma questão que vem de antes da pandemia, mas tudo isso se agrava com a crise, porque, devido à informalidade maior, é mais fácil para elas perderem o emprego", destaca, acrescentando que a pandemia também exigiu maior produção dentro de casa, em atividades de cuidado dos filhos e de idosos, que são no geral realizadas pelas mulheres.

"Em casais heterossexuais, frequentemente é a mulher que abre mão do emprego", lembra a professora do Bard College. Além disso, com as escolas e creches fechadas, muitas mulheres tiveram que deixar seus trabalhos fora de casa por não terem com quem deixar as crianças.

"Em resumo, como a posição das mulheres no mercado de trabalho já é mais vulnerável, quando tem uma crise, elas são mais atingidas", sintetiza Nassif-Pires.

Com relação à população negra, a pesquisadora é enfática quanto à origem das maiores taxas de pobreza desta parcela dos brasileiros: a herança da escravidão.

"Essa é a resposta rápida, mas, para além disso, há todo um racismo estrutural que resulta que, mesmo para um grupo de pessoas com a mesma escolaridade, há diferenças no nível salarial, nos tipos de ocupação e na taxa de informalidade entre negros e brancos."

"Então existe um racismo muito forte dentro do mercado de trabalho que coloca a população negra numa posição um tanto mais precária em termos de trabalho formal", observa.

'Estados deveriam complementar auxílio'

Para Oliveira, a pesquisa deixa evidente que são as mulheres negras as que mais estão sofrendo com a crise atual.

"Fica claro que precisamos de políticas específicas voltadas para esse grupo", diz a pesquisadora. "Precisamos também entender como a política fiscal e a política econômica como um todo impactam especificamente essa parcela da população."

A professora da Flacso-Brasil destaca, por exemplo, que cortes de recursos destinados à saúde, educação e assistência social afetam diretamente essa população mais vulnerável.

Além disso, a pandemia traz o risco de que avanços conquistados nas últimas décadas na redução da desigualdade racial e de gênero se percam, caso o Estado não dê uma resposta, na forma de medidas de apoio a essa população.

"Recomendamos a continuação do auxílio enquanto a pandemia durar e o pagamento de auxílios adicionais por Estados e municípios, para complementar esse valor tão baixo do auxílio federal de 2021", diz Cardoso, pesquisadora de pós-doutorado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

'A pobreza tem um caráter geracional. É muito provável que impacto que as famílias estão sofrendo agora tenha reflexos no futuro', afirma economista. (Crédito da foto: Igor Alecsander / Getty Images)

"Além disso, indicamos também a elaboração de políticas voltadas aos jovens e crianças que estão em casa, como políticas de acesso à internet para os alunos de escolas públicas, porque a pobreza tem um caráter geracional", afirma a economista e demógrafa.

"Então esse impacto de agora que as famílias estão sofrendo não vai durar apenas um ano ou dois. É muito provável que isso se estenda e tenha reflexos no futuro também."

Para Cardoso, a demora do governo para retomar o auxílio em 2021 e os baixos valores estabelecidos mostram o descaso do governo com a população e com o combate às desigualdades. "Essas coisas deveriam ser prioridades", avalia.

Quanto à viabilidade de se estender o auxílio enquanto durar a pandemia, Nassif-Pires avalia que a restrição financeira imposta pelo teto de gastos é uma limitação política.

"O espaço fiscal poderia existir, mas existe um embate político por esse espaço", afirma.

"Pensando de forma estratégica, o custo do auxílio emergencial não é somente o seu valor de face, porque há um retorno disso. Ele faz com que a economia continue funcionando, então seu custo líquido é muito menor do que aquele que vai aparecer no Orçamento."

Além disso, a professora destaca que o auxílio emergencial tem papel fundamental no controle da pandemia.

"As pessoas que estão na extrema pobreza e na pobreza não têm a possiblidade de escolher cuidar de sua saúde. Elas estão numa situação de vida ou morte diária e não podem deixar de trabalhar, mesmo que estejam doentes ou trabalhando em situações precárias e expostas à pandemia", diz a economista.

"Manter a economia funcionando apesar da emergência de saúde, às custas de as pessoas precisarem se expor para sobreviver, tem impacto sobre a própria continuidade da pandemia. O problema econômico é resultado do problema sanitário."

Thais Carrança, de S. Paulo para a BBC News Brasil, 22.04.2021. Há 3 horas.

"Interferência de Bolsonaro na Saúde é inédita no período democrático"

Presidente usou seus poderes constitucionais para fomentar soluções "controversas e excêntricas" na pandemia, afirma pesquisadora da FGV que coordenou livro sobre respostas de governantes mundo afora à crise sanitária.


Bolsonaro ao lado do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o terceiro a ocupar a pasta durante a pandemia

Em março do ano passado, quando a covid-19 foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e boa parte dos países passou a adotar medidas de contenção da propagação da doença, um grupo de pesquisadores decidiu analisar a história enquanto ela acontecia: passaram a observar, cada qual a partir de sua localidade, como governantes conduziam a gestão da crise.

O resultado foi reunido no livro Coronavirus Politics The Comparative Politics and Policy of COVID-19, publicado nesta quinta-feira (22/04) pela editora da universidade Universidade de Michigan, dos Estados Unidos. A obra contém análises de mais de 60 pesquisadores de diferentes partes do mundo.

Os autores foram convidados a analisar as políticas de saúde e sociais adotadas no país para gestão da crise, explica a psicóloga Elize Massard da Fonseca, doutora em Política Social e em Saúde Pública, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e uma das coordenadoras do trabalho, em parceria com pesquisadores da Universidade de Michigan.

O caso do Brasil também foi abordado, e a principal conclusão foi que o modelo presidencialista e federalista possibilitou que o presidente Jair Bolsonaro conduzisse a crise sanitária da maneira como vem fazendo.

"Ele interferiu no Ministério da Saúde de uma forma nunca antes vista no período democrático", diz Fonseca, apontando que o presidente "escolheu utilizar seus poderes constitucionais para fomentar soluções controversas e excêntricas".

"A inação dele [Bolsonaro] prejudica a coordenação das ações, porque cabe ao Ministério da Saúde coordenar a política [sanitária] no Brasil, mas as interferências do presidente fizeram com que isso fosse prejudicado", considera.

"Da mesma forma, ele usou o sistema federalista para jogar para os governadores as medidas impopulares e roubar para si o crédito do auxílio emergencial, embora não tenha sido ele o principal responsável.", afirma a pesquisadora em entrevista à DW Brasil.

DW Brasil: Quais foram as premissas do projeto?

Elize Massard da Fonseca: Buscamos investigar como e por que os governos responderam à pandemia da maneira que o fizeram. [No livro,] os autores foram convidados a analisar as políticas de saúde – distanciamento social, uso de máscara, testagem e rastreamento – e social – auxílio desemprego, família, etc. – adotadas no país para gestão da crise. Além disso, os autores foram convidados a explicar o porquê das escolhas do seu governo. Essa última questão deveria ser respondida com base em um conjunto de hipóteses que traçamos na introdução do livro e dizem respeito a variáveis políticas e institucionais.

E quais foram os principais resultados?

Poucos países conseguiram conjugar políticas de saúde com políticas sociais. Países ofereceram estímulo para que as pessoas conseguissem ficar em casa, mas sem alinhar com medidas de saúde efetivas para responder à pandemia. O Brasil, por exemplo, tirou milhares de pessoas da pobreza, mas não conseguiu coordenar uma ação para o distanciamento social, tampouco conseguiu fazer testagens em massa. [Outra constatação foi que] capacidades estatais não são suficientes para responder à pandemia. Países com sistemas de saúde notadamente responsivos, como Itália, Reino Unidos, Estados Unidos e Brasil, não foram suficientes [quanto aos resultados obtidos]. [Uma terceira conclusão foi que] variáveis políticas como presidencialismo e federalismo ajudam a entender as ferramentas disponíveis para os líderes de governo agir e também que lhes permite jogar a culpa de políticas impopulares em outros agentes e se promover em função de alguma realização, como [no caso do] auxílio emergencial no Brasil.

Há casos que podem ser enquadrados como sucesso ou fracasso?

Nosso livro não tem esse objetivo. É até difícil falar de sucesso e fracasso no meio da pandemia, quando as respostas ainda estão se desdobrando. A Índia, por exemplo, no ano passado foi um sucesso e agora é o segundo país com maior número de casos… A gente não tem como falar em sucesso e fracasso. O que posso dizer é que [foram mais efetivos] países que seguiram as orientações da OMS, adotaram medidas de isolamento social, testagem e rastreamento dos casos, como ocorreu na Coreia do Sul e na China, logo depois que se reconheceu a pandemia como um problema de saúde pública. Mas nosso livro não trata de explicar quais foram os fracassos e os casos bem-sucedido, mas quais são as variáveis políticas que importam.

No caso brasileiro, podemos dizer que o modelo presidencialista e federalista foi o que deu condições para que o presidente Jair Bolsonaro conduzisse a questão da forma como vem fazendo?

Sim, porque o presidencialismo confere a ele poderes constitucionais importantes, que poderiam ter sido usados para coordenar uma resposta mais efetiva e alinhada com as diretrizes da OMS. Ao invés disso, Bolsonaro escolheu utilizar seus poderes constitucionais para fomentar soluções controversas e excêntricas. Quais são os seus poderes constitucionais? Nomear cargos no Executivo, vetar decisões do Congresso, emitir medidas provisórias e decretos. Ele interferiu no Ministério da Saúde de uma forma nunca antes vista no período democrático. Interferiu na divulgação dos dados, nos protocolos clínicos, nas ações de prevenção da pandemia, por exemplo, [na questão do] distanciamento social. O presidente poderia ter estimulado o fechamento das fronteiras... Ele também emitiu decretos que interferiam na definição de serviços essenciais; por fim vetou decisões do Congresso que buscavam responder à pandemia. Além disso, valendo-se da divisão de responsabilidades da federação, o presidente transferiu para os governadores a culpa por medidas impopulares e chamou para si o credito pelo auxilio emergencial – cujo grande mérito, na verdade, foi do Congresso.

Podemos afirmar que o Brasil teria se saído melhor, fossem outras as condições?

A gente mostra que o país poderia ter tido uma resposta melhor à covid dada a experiência pregressa que tinha em resposta à pandemias, ao sistema de saúde público [existente], enfim, essas condições, essas capacidades estatais. A gente teria condição de responder melhor. Mas também outros países como Itália, Reino Unido e Estados Unidos poderiam ter respondido melhor. Isso é um puzzle, uma questão que vários estudos ainda estão tentando explicar: por que deu errado? Por que esses países adotaram caminhos controversos em resposta à pandemia?

O que mostramos é que é preciso olhar para variáveis políticas, instituições políticas, estruturas de quem e para quem o ator político transfere a culpa e quais políticas ele chama para si. Um dos achados importantes da nossa pesquisa é justamente isso: muitos países tiveram dificuldades de conjugar políticas sociais como auxílio emergencial, com políticas de saúde, como manter o distanciamento social. O Brasil teve uma política social forte, [o auxílio emergencial que] tirou milhares de pessoas da pobreza num período de tempo curto, como nunca tinha sido feito antes. Mas, ao mesmo tempo, teve grande dificuldade em coordenar políticas de ações de distanciamento social.

Há algum país que se destacou por conjugar bem essas duas facetas?

Os países que notadamente conseguiram controlar melhor a pandemia foram aqueles que seguiram as orientações da OMS, adotaram testagem e rastreamento dos casos – são medidas bem semelhantes nesses países. A Alemanha é um caso que teve política sociais fortes e também políticas de saúde bastante fortes. É um bom exemplo de um país que conseguiu conjugar políticas de saúde e políticas sociais.

O que explica o caso do Brasil? Por que poderia ir melhor e não foi? Nosso livro aponta essas variáveis: o presidente tem poderes constitucionais fortes para agir durante a pandemia, pode nomear ministro, tem controle sobre a burocracia, tem poder de veto e também tem poder de agenda. Ele [Bolsonaro] usou isso, definiu o que eram serviços essenciais. Ele poderia ter fechado aeroportos, mas o Brasil demorou a fechar fronteiras. Ele tem poderes institucionais para fazer valer sua agenda.

No caso do Bolsonaro, ele fez valer sua agenda, que é bastante excêntrica e controversa, na resposta à covid. A inação dele prejudica a coordenação das ações, porque cabe ao Ministério da Saúde coordenar a política [sanitária] no Brasil, mas as interferências do presidente fizeram com que isso fosse prejudicado. Da mesma forma, ele usou o sistema federalista para jogar para os governadores as medidas impopulares e roubar para si o crédito do auxílio emergencial, embora não tenha sido ele o principal responsável. Sabemos que o Congresso teve uma importância bastante grande na definição e nos valores que acabaram sendo transferidos para as pessoas via auxílio. No caso do Brasil, há variáveis institucionais que concedem esse poder de ação ao presidente.

Deutsche Welle Brasil, em 21.04.2021

Brasil supera 380 mil mortes por covid-19

País teve 3.472 óbitos e mais de 79 mil novos casos associados à doença em 24 horas. No total, mais de 14,1 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus. Taxa de mortalidade é de 181,5 por 100 mil habitantes.

Funcionários trabalham em enterro em cemitério de São Paulo, parentes da vítima observam. Em primeiro plano, uma cruz branca e rosa coberta por ladrilhos. Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 181,5 no Brasil.

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 181,5 no Brasil

O Brasil registrou 3.472 mortes associadas à covid-19 nesta quarta-feira (21/04), além de 79.719 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 14.122.795, enquanto os óbitos somam 381.475 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.561.689 pacientes se recuperaram da doença até esta terça-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 181,5 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás dos Estados Unidos, que somam mais de 31,8 milhões de casos, e da Índia, com 15,6 milhões.

É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 569 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 143,3 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e mais de 3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 21.04.2021

terça-feira, 20 de abril de 2021

Brasil tem 3,3 mil mortes por coronavírus em 24 horas e total de casos passa de 14 milhões

Agora, o total de óbitos pela covid-19 no país é de 378.003, e de casos da doença, 14.043.076 (69.381 nas últimas 24h).

Brasil vem batendo recordes de mortes por covid quase diariamente

O Brasil registrou 3.321 mortes por covid-19 nesta terça-feira (20/3), segundo boletim do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

A média móvel de mortes nos últimos sete dias ficou em 2.797 — na segunda (12/4), chegou ao recorde de 3.124.

Em março, o Brasil se tornou o segundo país a contabilizar mais de 300 mil óbitos causados pelo novo coronavírus. Os Estados Unidos foram os primeiros e, hoje, já contabilizam 568.277 mortes e 31.777.564 casos, segundo a Universidade Johns Hopkins.

Em número absolutos de casos, o Brasil atualmente é o terceiro em todo o mundo — após ser ultrapassado recentemente pela Índia (que atualmente tem 14 milhões de casos). Em primeiro lugar estão os Estados Unidos, que já registraram mais de 31,7 milhões de infecções, segundo a Universidade John Hopinck.

BBC News Brasil, em 20.04.2021