quinta-feira, 15 de abril de 2021

'Kit intubação': 'Desativamos leitos de UTI para não ficarmos sem estoque', a dura rotina de hospitais com escassez de medicamentos em SP

Em meio à escassez de medicamentos essenciais para pacientes intubados, os responsáveis pela Santa Casa de São Carlos (SP) decidiram, há cerca de duas semanas, desativar seis dos 30 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) destinados a pacientes com a covid-19.

Decisão sobre o momento de intubar é crucial. Se uso da ventilação mecânica for retardada demais, paciente pode lesionar o pulmão só pelo esforço para respirar, dizem médicos ouvidos pela BBC News Brasil (Crédito da foto: Reuters / Diego Vara)

Os responsáveis pelo local afirmam que a medida se tornou necessária para não faltar medicamentos aos pacientes que já estão intubados na unidade de saúde.

"Fizemos isso porque temos enfrentado dificuldades para conseguirmos analgésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares, que são fundamentais para pacientes intubados", diz o infectologista Vitor Marim, diretor-técnico do hospital.

Segundo Marim, os seis leitos que estão vagos foram bloqueados no momento em que os pacientes que estavam neles receberam alta hospitalar.

"Há uma pressão muito grande para admitirmos novos pacientes. O nosso desejo é voltar aos 30 leitos. Mas a gente não consegue fazer isso agora, pela incerteza se teremos medicamentos suficientes para assistir os internados", declara o médico à BBC News Brasil.

A decisão de diminuir as vagas na unidade é preocupante, em razão da trágica fila por um leito de UTI, na qual somente em março morreram quase 500 pessoas em São Paulo. Porém, Marim afirma que foi a única alternativa no atual período. "Se esses leitos estivessem ocupados agora, certamente estaríamos sem medicações", declara.

Mesmo com a redução de 20% no atendimento na UTI destinada a casos de covid-19, Marim aponta que atualmente há medicamentos para pacientes intubados somente pelos próximos três ou quatro dias.

"O estoque de anestésico, principalmente, está muito crítico", declara. Ele ressalta, porém, que a situação é dinâmica e que "a busca por fornecedores é incessante e diária", por isso acredita que a unidade logo deve conseguir abastecer o estoque.

A atual realidade da Santa Casa de São Carlos é um exemplo em meio a tantas outras unidades de saúde que também vivem o drama da escassez de medicamentos que compõem o chamado "kit intubação". Esse cenário tem sido registrado em todo o país.

Nesta quarta-feira (14/4), São Paulo ganhou destaque em relação ao tema, após o governo estadual solicitar os medicamentos com urgência ao Ministério da Saúde e afirmar que teve pedidos anteriores ignorados pelo governo federal.

Seis leitos de UTIs foram desativados na Santa Casa de São Carlos (SP) em razão da escassez de medicamentos para pacientes intubados (Crédito da foto: Assessoria da Santa Casa de São Carlos,SP).

Escassez do 'kit intubação'

Medicamentos como anestésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares são fundamentais para casos graves de covid-19, quando o paciente precisa ser intubado. Esses fármacos garantem a realização do procedimento que assegura a chegada de oxigênio aos pulmões nos quadros mais críticos da doença.

Diante do atual cenário no país, o pior desde o início da pandemia, a explosão de internações pela covid-19 fez com que o sistema de saúde ficasse ainda mais sobrecarregado.

Cada vez mais, os medicamentos para pacientes em estado grave são utilizados. A partir de então, eles viraram alvos de alertas sobre a possibilidade de se tornarem escassos.

Em março deste ano, o Ministério da Saúde tomou uma série de medidas administrativas para centralizar as compras dos medicamentos que compõem o chamado "kit intubação".

Com isso, todo o excedente de produção dos laboratórios farmacêuticos que fabricam esses anestésicos, sedativos e bloqueadores neuromusculares foi encaminhado para o Governo Federal, que ficou responsável por realizar a distribuição aos Estados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

Para o Ministério da Saúde, na época sob o comando do então ministro Eduardo Pazuello, a centralização das compras de medicamentos do "kit intubação" seria uma forma de melhorar a distribuição dos itens pelo país.

Mas desde o mês passado, os relatos sobre escassez desses medicamentos se tornaram cada vez mais comuns.

O secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, afirmou nesta semana que a quantidade de medicamentos enviada ao Estado até o momento é "ínfima".

Na terça-feira (13/4), o governo de São Paulo encaminhou um ofício ao Ministério da Saúde afirmando que precisava receber medicamentos do kit intubação em 24 horas para repor estoques e evitar o desabastecimento das medicações nos hospitais.

Gorinchteyn disse que encaminhou, nos últimos 40 dias, nove ofícios ao Ministério da Saúde sobre a situação e a redução contínua dos estoques. Apesar disso, ele afirma que não recebeu nenhuma resposta.

Secretário de Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, disse que não teve respostas aos nove ofícios que afirmou ter enviado ao Ministério da Saúde para alerta sobre falta de remédios do "kit intubação" (Crédito da foto: Gov. do Estado de SP).

"À medida que o Governo Federal fez essa requisição emergencial, nós perdemos a possibilidade de adquirir esses produtos. Nós atendemos os nossos hospitais estaduais, mas os municípios também estão pedindo ajuda e nós precisamos acolhê-los", declarou Gorinchteyn, em entrevista coletiva na quarta-feira (14/4).

O secretário de São Paulo afirmou que a situação no Estado é "gravíssima". Ele disse que o sistema de saúde está na "iminência do colapso" por causa da escassez desses medicamentos.

De acordo com Gorinchteyn, o Estado paulista precisa receber essas medicações com urgência para conseguir abastecer 643 hospitais pelos próximos dez dias.

Durante a coletiva de quarta-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que o Ministério da Saúde "cometeu um erro gravíssimo" ao centralizar a compra e distribuição dos medicamentos.

"Nenhum governo estadual, municipal ou instituições privadas pode adquirir esses insumos porque as empresas receberam um confisco, um sequestro do Governo Federal. Gostaríamos de saber por que o Ministério da Saúde não faz a distribuição desse material aos Estados, que podem levar até a ponta nos hospitais", declarou.

Nos últimos dias, representantes de Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Bahia e outros Estados também fizeram manifestações e alertas ao Ministério da Saúde sobre a escassez dessas medicações.

Esse cenário existe atualmente em todos os Estados, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Em nota à BBC News Brasil, o Ministério da Saúde afirma que já distribuiu mais de 8 milhões de medicamentos "para intubação de pacientes ao longo da pandemia". Segundo a pasta, um grupo de empresas vai doar, nesta semana, mais de 3,4 milhões de medicamentos, "que serão distribuídos imediatamente aos entes federativos".

O Ministério da Saúde afirma que estão em andamento dois pregões e uma compra direta desses medicamentos por meio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS).

"A pasta esclarece que todos os acordos feitos para aquisição de medicamentos de intubação orotraqueal (IOT) respeitam a realidade de cada fabricante, os contratos fechados anteriormente e a necessidade do Brasil, contemplando hospitais públicos e privados nas regiões com maior risco de desabastecimento", diz o comunicado do Ministério da Saúde.

'Está faltando em muitos locais'

Um médico intensivista que trabalha em UTIs de hospitais da Grande São Paulo afirma à BBC News Brasil que muitas unidades de saúde da região têm enfrentado diversas dificuldades diante da escassez do "kit intubação".

"A atuação está muito complexa. Hoje mesmo estava com o pessoal de compra de um hospital e não conseguiram sequer uma ampola de bloqueadores musculares. O Ministério da Saúde ordenou que as fábricas repassem os medicamentos ao governo federal, porém isso não está chegando na ponta", critica o médico, que pediu para não ser identificado.

"A gente tem recorrido a drogas alternativas, que não usamos em condições normais. Isso virou uma realidade em grande parte do país", acrescenta o médico.

Pelo país, profissionais de saúde têm recorrido a medicamentos que normalmente não são usados em terapia intensiva para manter paciente em ventilação mecânica atualmente. Desta forma, medicamentos que já estavam em desuso para esse fim voltaram a ser adotados em alguns locais, como Metadona (opioide), Diazepam (ansiolítico) em comprimido, tiopental (barbitúrico usado para indução de anestesia geral), entre outros.

Sem sedativos, anestésicos e bloqueadores neuromusculares, a intubação é muito mais difícil e traumática

O intensivista ouvido pela reportagem afirma que faltou organização do Ministério da Saúde em relação aos medicamentos.

"Chegamos à atual situação porque houve aumento mundial no consumo dessas drogas, mas isso era admissível. O governo federal deveria ter colocado as fábricas para até, se possível, quintuplicar as produções dessas drogas no Brasil ou importar para ter um estoque estratégico. Era preciso ter visão estratégica", diz.

O médico diz que o cenário de escassez do "kit intubação" aumenta a mortalidade nas unidades de saúde. Ele afirma que essa situação supera até a já preocupante média de 80% de mortes entre os infectados que precisam de ventilação mecânica no Brasil, conforme revelou levantamento feito em 2020 pelo pesquisador Fernando Bozza, da Fiocruz — a média mundial é de, aproximadamente, 50% de óbitos nesse estágio da doença.

"Posso dizer que está faltando muitos (medicamentos) em muitos locais. Isso faz com que a qualidade da assistência fique péssima. Não à toa a mortalidade em vários locais está acima de 90% em quem é intubado", declara o intensivista.

Dificuldades para adquirir medicações

Na Santa Casa de São Carlos, cujos atendimentos são por volta de 80% relacionados ao SUS, os estoques duravam de sete a 10 dias no ano passado, em meio à pandemia. "Se precisasse, a gente conseguia buscar o material, pois sabia onde encontrar", afirma o infectologista Vitor Marim.

Agora, além de alguns medicamentos terem aumentado até 500% em razão da alta demanda, os responsáveis pelos hospitais enfrentam dificuldades para encontrar os fármacos.

"Hoje, nem se tivéssemos muito dinheiro conseguiríamos encontrar com facilidade, por causa da escassez no mercado", declara Marim.

No fim de março, por exemplo, a unidade de saúde de São Carlos precisou receber anestésicos de outros dois hospitais da região porque não tinha o medicamento para a intubação de pacientes com a covid-19. Situação semelhante já foi registrada em outras unidades de saúde de São Paulo, como a Santa Casa de Limeira, que também precisou pedir medicamentos a outros hospitais.

Um levantamento feito com 300 hospitais filantrópicos nesta semana pela Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes de São Paulo (Fehosp) apontou que as unidades de saúde do Estado entraram em contato com mais de 22 fornecedores de medicamentos no início desta semana e não encontraram possibilidade de compra.

Segundo a Fehosp, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo tem auxiliado, mas não tem conseguido grandes volumes dos fármacos.

UTI em São Paulo; pesquisa com farmacêuticos de hospitais paulistas despertou preocupação com o desabastecimento de medicamentos cruciais. (Crédito da foto: Reuters)

"Estamos batalhando por importações que estão sendo lideradas pela Confederação das Santas Casas, mas os estoques no exterior também não estão disponíveis e tememos pelo pior. Se o volume de internação não cair rapidamente, não conseguiremos repor os estoques e será uma situação trágica", afirmou o diretor-presidente da Fehosp, Edson Rogatti, em nota encaminhada à imprensa.

O levantamento da Fehosp apontou que mais de 160 hospitais consultados tinham estoques de anestésicos, sedativos e relaxantes musculares para, em média, três a cinco dias de duração. Além disso, os responsáveis pelas unidades também relataram que os antibióticos estavam começando a ficar escassos.

Segundo a federação, alguns dos hospitais que estão operando com estoques de dois a três dias estão localizados em cidades como Matão, Guarujá, Votuporanga, Presidente Epitácio, Fernandópolis e Rio Preto.

Conforme a Fehosp, são raros os locais de São Paulo que possuem estoque para 10 dias. Além disso, a entidade alerta que as unidades que afirmam ter medicamentos para cerca de oito dias são os hospitais maiores, que recebem grande volume de novas internações diariamente e nos quais o estoque pode cair "bruscamente de um dia para o outro".

O temor de faltar qualquer alternativa de medicamento é constante para profissionais de saúde que atuam em hospitais com pouco estoque do "kit intubação".

Vitor Marim, que está na linha de frente na Santa Casa de São Carlos, comenta que uma das maiores dificuldades é começar um tratamento e não saber se aquela prescrição será executada até o fim, em razão da possibilidade de que a medicação acabe em poucos dias.

"Diariamente avaliamos o que podemos usar hoje ou amanhã. Daqui a dois dias, pode ser que não tenha mais aquela medicação e precisaremos alternar com outra", diz o infectologista.

"O tratamento atual tem uma complexidade muito maior, porque não sei se terei medicamento para daqui a dois ou três dias", acrescenta.

Vinícius Lemos - @oviniciuslemos, de S. Paulo para a BBC News Brasil, 15.04.2021. 

Plenário do STF decidirá nesta quinta-feira sobre anulação das condenações de Lula; entenda aqui

Após acalorado debate, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o plenário da Corte julgará nesta quinta-feira (15/04) se os processos da Operação Lava Jato contra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tramitaram na Justiça Federal do Paraná devem ser anulados e refeitos na Justiça do Distrito Federal.

Lula em entrevista à BBC em Curitiba no ano de 2019; STF vai julgar se mantém ou não decisão de Fachin que considerou a Justiça do Paraná incompetente para julgar Lula.

A Corte analisará se mantém decisão do ministro Edson Fachin que, no início de março, entendeu que a 13ª Vara de Curitiba, comandada pelo ex-juiz Sergio Moro até novembro de 2018, é incompetente para julgar os processos do petista.

O tema gerou embate nesta quarta-feira entre os ministros porque Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello defenderam que a questão deveria ser julgada na Segunda Turma do STF, órgão responsável pela maioria dos processos da Lava Jato.

No entanto, a maioria da Corte entendeu que o relator do caso, Edson Fachin, tem o poder de remeter o recurso ao plenário, quando julgar que a questão é relevante e precisa ser apreciada pelos onze ministros.

Para críticos de Fachin, porém, sua decisão de remeter recursos de Lula ao plenário é uma manobra para evitar o julgamento na Segunda Turma, quando o balanço de forças é favorável ao petista.

Lewandowski lembrou que o mesmo foi feito em 2018, quando Fachin levou ao plenário o julgamento de uma habeas corpus de Lula que poderia ter evitado sua prisão no processo do Triplex do Guarujá. Aquele julgamento acabou em resultado apertado, de 6 a 5, levando o petista a ficar preso por 580 dias.

"Gostaria de veicular minha estranheza, que dos milhares de habeas corpus que a Primeira e a Segunda Turma julgam o ano todo, por que é justamente o caso do ex-presidente que é submetido ao plenário dessa Suprema Corte? Será que o processo tem nome e não tem apenas capa, como diz o eminente ministro Marco Aurélio?", questionou.

Sergio Moro comandou 13ª Vara de Curitiba até novembro de 2018 (Crédito da foto: Reuters)

Para Lewandowski, apenas questões constitucionais ou temas controvertidos na Corte deveriam ser levados ao plenário. Na sua avaliação, esse não é o caso da discussão sobre em que local os processos do ex-presidente devem ser julgados.

O ministro chegou a dizer que, se Lula não tivesse sido preso, o resultado da eleição de 2018, vencida pelo presidente Jair Bolsonaro, poderia ter sido diferente. O petista liderava as pesquisas de intenção de voto, mas foi impedido de disputar por causa da Lei da Ficha Limpa, já que estava condenado em segunda instância.

"Se essa inversão (levar em 2018 o habeas corpus da Segunda Turma ao plenário) não tivesse sido feita, a história do Brasil poderia ter sido diferente. E talvez os acontecimentos que estamos vivendo no Brasil pudessem ter um rumo distinto. Então, foi uma opção que o Supremo Tribunal Federal fez e que teve consequências muito sérias", criticou ainda.

Apenas Marco Aurélio Mello acompanhou o voto de Lewandowski. Gilmar Mendes, por sua vez, aceitou a análise do caso pelos onze ministros, mas criticou a "arbitrariedade" da decisão de Fachin de levar os recursos de Lula ao plenário. Os demais ministros consideraram que o regimento interno do STF permite ao relator fazer isso.

O presidente do STF, Luiz Fux, ressaltou que a decisão sobre o local competente para julgar os processos de Lula — se a Justiça do Paraná ou do Distrito Federal — pode ter impacto sobre outros casos da Lava Jato e "atingir, digamos assim, um grande trabalho feito pelo Supremo Tribunal Federal no combate à corrupção". Na sua visão, isso torna a matéria relevante para análise no plenário.

Barroso, por sua vez, disse que o regimento interno da Corte "é claríssimo" ao permitir que o relator leve o caso ao plenário, e afastou interferência política na sua decisão.

"Desde que eu me tornei juiz, eu abdiquei inteiramente de quaisquer preferências políticas. E não nutro qualquer paixão jurisdicional. Julgo com serenidade, à luz da Constituição, das leis e do regimento interno, nesse caso", ressaltou.

Entenda o julgamento que ocorre na próxima quinta-feira

No início de março, Fachin deflagrou uma reviravolta na política brasileira ao decidir individualmente anular as condenações de Lula pela Justiça Federal do Paraná, o que devolveu ao petista o direito a se candidatar na eleição de 2022.

O plenário, agora, vai julgar se mantém ou não essa decisão. Depois, caso a maioria referende a posição de Fachin, a Corte analisará se isso derruba ou não o julgamento da Segunda Turma do STF que declarou Sergio Moro parcial ao condenar Lula no caso do Triplex do Guarujá.

Isso porque Fachin argumenta que o reconhecimento de que Moro não poderia ter julgado o petista por não ser o juiz competente da causa derrubaria a necessidade de decidir se ele foi parcial ou não.

Esse intrincado cenário torna improvável que o julgamento desta quinta reverta a atual situação de Lula, retirando do petista novamente seus direitos políticos, já que ao menos uma das decisões tende a ser mantida — a que anula as condenações pela incompetência de Moro ou a que o considerou parcial.

Há ainda a possibilidade que ambas continuem válidas, o que demandará que os processos contra o ex-presidente sejam refeitos, com possibilidade pequena de reaproveitamento de provas produzidas na Justiça do Paraná.

Nesse cenário, Lula só ficará impedido de disputar a eleição se for novamente condenado em segunda instância judicial antes de outubro de 2022.

Entenda melhor essas questões a seguir em três pontos.

1) Qual o debate sobre "incompetência" da Justiça do Paraná?

A decisão de Fachin, relator da Lava Jato no STF, foi tomada a partir de um recurso da defesa de Lula que argumentou que seus processos não deveriam ter sido julgados na 13ª Vara de Curitiba, comandada até novembro de 2018 por Moro.

Advogados de acusados na Lava Jato há muito questionavam por que processos que envolviam possíveis crimes em diversas partes do Brasil eram julgados na vara do Paraná.

Na visão desses defensores, isso contrariava o princípio do juiz natural, segundo o qual a vara para a qual um caso é remetido tem relação com o local dos crimes investigados.

Uma decisão do plenário do STF do início da Lava Jato, porém, permitiu que todos os casos envolvendo corrupção na Petrobras fossem mantidos em Curitiba, gerando uma "supercompetência" nas mãos de Moro.

Na decisão que anulou as condenações contra Lula, Fachin diz que hoje há novos entendimentos do Supremo que levaram diversos processos a serem distribuídos para outras varas do país. Nesse contexto, ele considerou que as acusações contra o ex-presidente devem ser julgadas pela Justiça do Distrito Federal.

"Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário", disse Fachin.

Segundo a decisão de Fachin, os supostos atos ilícitos citados nos processos contra Lula iniciados em Curitiba "não envolviam diretamente apenas a Petrobras, mas ainda outros órgãos da Administração Pública".

Nota do gabinete do Fachin sobre a decisão diz que, "embora a questão da competência já tenha sido suscitada indiretamente, é a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal".

O fato de haver precedentes — ou seja, outras decisões similares do STF — retirando de Curitiba processos da Lava Jato torna mais difícil que o plenário da Corte reverta a decisão de Fachin sobre Lula. Casos contra a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), o ex-ministro Paulo Bernardo e o ex-ministro Guido Mantega, por exemplo, já foram enviados para São Paulo ou Brasília.


'No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário', afirmou Fachin (Crédito da foto: Nelson Jr. / SCO/STF).

"Inicialmente, retirou-se todos os casos que não se relacionavam com os desvios praticados contra a PETROBRAS. Em seguida, passou a distribuir por todo território nacional as investigações que tiveram início com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F. Finalmente, mais recentemente, os casos envolvendo a Transpetro (subsidiária da própria Petrobras) também foram retirados da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba", dizia a nota divulgada pelo gabinete de Fachin no início de março, ao listar ações do STF que restringiram o alcance da competência da 13ª Vara Federal.

A decisão de Fachin anulou todas as decisões processuais em quatro ações penais contra Lula. Duas delas já tinham gerado condenações (Triplex do Guarujá e Sítio de Atibaia) e duas ainda não tinham sido julgadas (ambas relacionadas a suposto recebimento de propina por meio do Instituto Lula).

Nos quatro casos, o petista é acusado de ter sido beneficiado ilegalmente por empreiteiras que receberam contratos superfaturados da Petrobras e de outras empresas ou obras públicas. Lula nega as acusações e se diz perseguido pela Lava Jato.

2) Quais os argumentos contra a decisão de Fachin?

A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu da decisão de Fachin e pede ao plenário do STF que reconheça a competência da Justiça do Paraná para julgar Lula na Lava Jato.

A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que assina o recurso, argumenta que sucessivas decisões de instâncias inferiores da Justiça ao longo de cinco anos reconheceram a vara de Moro como responsável pelos processos de Lula. Na sua visão, reverter esse entendimento agora vai contra a estabilidade processual e a segurança jurídica.

Enquanto a defesa do petista diz que o Ministério Público Federal não foi capaz de provar que Lula foi beneficiado por recursos desviados da petroleira, na medida em que os procuradores descrevem uma suposta conta geral de propinas abastecida por diversos contratos públicos superfaturados, Lindôra Araújo diz que os crimes descritos nos processos contra o petista "estão, a toda evidência, associados diretamente ao esquema criminoso de corrupção e de lavagem de dinheiro investigado no contexto da 'Operação Lava Jato' e que lesou diretamente os cofres da Petrobras"

Caso o STF não aceite os argumentos da PGR e mantenha a decisão de Fachin, a subprocuradora-geral pede ao menos que a incompetência da vara de Curitiba seja válida apenas para etapas futuras dos processos contra Lula, mantendo assim as duas condenações contra ele (casos Triplex do Guarujá e Sítio de Atibaia).

Se esse pedido for acatado, apenas os dois processos em estágio menos avançado seriam remetidos à Justiça do Distrito Federal.

3) Como o julgamento interfere na suspeição de Moro?

Edifício do STF em Brasília


Um dos cenários possíveis é o STF manter a incompetência da Justiça do Paraná, mas derrubar o julgamento da parcialidade de Moro

A Segunda Turma do STF decidiu em 23 de março que Moro foi parcial ao julgar Lula no caso do Triplex do Guarujá — decisão que tende a ser estendida aos outros processos do petista que tramitaram na 13ª Vara de Curitiba.

Para Fachin, o julgamento da suspeição não deveria ter ocorrido porque a decisão sobre a incompetência da Justiça do Paraná automaticamente derrubaria todos os outros recursos do petista nos processos da Lava Jato.

Esse argumento de Fachin, porém, foi rejeitado por quatro ministros da Segunda Turma — Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques. Com isso, o recurso foi julgado, e acabou aceito por três a dois (apenas Fachin e Nunes Marques votaram contra a suspeição do ex-juiz).

Se a maioria do plenário do STF manter a incompetência da Justiça do Paraná, mas derrubar o julgamento da parcialidade de Moro, os quatro processos terão que ser refeitos em Brasília, mas pode ser mais fácil que provas produzidas em Curitiba sejam reaproveitadas.

Já se a parcialidade do ex-juiz for mantida, esse reaproveitamento fica mais difícil, na medida em que as provas produzidas em processos conduzidos por Moro estariam "contaminadas" por sua conduta suspeita, ou seja, seriam consideradas ilegais.

Mariana Schreiber - @marischreiber, de Brasília para a BBC News Brasil, em 14.04.2021.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

TCU aponta omissões graves de Pazuello em gestão da pandemia e sugere punição

Ministro Bruno Dantas diz que a gestão do ministério ‘envergonha’ e que já há argumentos de sobra para impor ‘condenações severas’

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizaram nesta quarta-feira, 14, que devem punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e seus auxiliares por omissões na gestão da pandemia da covid-19. Relator da ação sobre a conduta da Saúde na crise sanitária, o ministro Benjamin Zymler disse que a pasta evitou assumir a liderança do combate ao novo coronavírus.

Segundo o relator, uma das ações da gestão de Pazuello foi mudar o plano de contingência do órgão na pandemia, com a finalidade de retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes. “Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades”, disse Zymler.

O relator sugeriu a abertura de processos para avaliar omissões da Saúde na pandemia sobre estratégias de comunicação, testagem e distribuição de insumos e medicamentos. Segundo Zymler, o ministério descumpriu determinações anteriores feitas pelo TCU, as quais já apontavam a falta de planejamento em diversas áreas.

Em análises deste tipo, o TCU pode aplicar multas, indisponibilidade dos bens e determinar que o alvo da apuração não possa exercer cargo em comissão ou função de confiança no serviço federal por até oito anos. 

O ministro Bruno Dantas disse que a gestão do ministério “envergonha” e que já há argumentos de sobra para impor “condenações severas” a gestores da pasta. Para Dantas, as responsabilidades podem ser medidas “em números de mortos”.

Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira pediram vista e o caso deve retornar à pauta em 30 dias. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao TCU, Jorge Oliveira é ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência do atual governo.

Oliveira disse que concorda “no mérito”, com o relatório, mas alertou que o tribunal não deve extrapolar as suas atribuições e “desgastar” a relação entre as instituições. “(Peço) que o tribunal não extrapole suas funções, não faça desgastar uma relação que, por motivos alheios à nossa vontade, já está muito desgastada, que as instituições respeitem umas as outras”, disse. 

Segundo o ministro, o TCU poderia estar indo além das suas atribuições ao determinar, por exemplo, que a Saúde altere as suas campanhas de comunicação.

Em seu relatório, a área técnica do TCU sugeriu que os ministros já aprovassem a aplicação de multa a Pazuello, além do ex-secretário executivo da Saúde, Elcio Franco, do atual secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da Saúde, Helio Angotti Neto; e do atual secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros. O tribunal pode aplicar multa de, no máximo, R$ 67,854 mil. Zymler, porém, optou por não seguir a área técnica e sugeriu a abertura de processos separados, que poderão levar às sanções.

O posicionamento do tribunal pode ter desdobramentos cruciais sobre o governo, principalmente se considerada a abertura de uma CPI da Covid no Senado, que tem justamente a missão de apurar a conduta do governo federal na gestão da crise na saúde. 

O TCU é, por definição, um órgão de assessoria do Congresso Nacional. Foi do TCU que saiu, em 2015, o relatório final que recomendava a rejeição das contas do governo Dilma Rousseff de 2014. O julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” foi a base onde se ergueu o impeachment da ex-presidente.

Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.

O que diz o relatório técnico do TCU

O relatório técnico do tribunal lista uma série de medidas tomadas pelo Ministério da Saúde em relação ao Plano de Contingência Nacional. No entendimento do TCU, as mudanças tiveram o efeito prático de apenas reduzir as responsabilidades da pasta.

O plano original previa, por exemplo, que o governo federal devia “garantir estoque estratégico de medicamentos para atendimento de casos suspeitos e confirmados para o vírus. Esse missão, porém, foi alterada para o papel de “apoiar nos processos de aquisição não programada de medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com covid-19, em articulação com as áreas técnicas demandantes”. 

O MS justificou que o financiamento da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS. Dessa forma, parte dos medicamentos é adquirida pelos Estados ou municípios, conforme pactuação e, por isso, caberia a cada ente a gestão de seus estoques.

O TCU, porém, apontou que, ao contrário do afirmado pelo ministério, a função de garantir estoque de medicamentos não se referia à responsabilidade de aquisição de todos os medicamentos, mas o monitoramento dos insumos essenciais e a aquisição, de forma a evitar desabastecimentos. “A alteração da ação, conforme realizada, tende a enfraquecer a gestão logística da pasta, atribuindo responsabilidade ao MS apenas para aquisições pontuais, não programadas, ou seja, sem planejamento, e levando ao abandono da função de controle do estoque, princípio essencial para fiscalização/monitoramento”, conclui.

O tribunal aponta ainda as alterações realizadas em ações de assistência farmacêutica, que representaram uma redução no escopo das atividades de gestão logística do ministério. 

Zymler também disse que o TCU irá acompanhar mais de perto os trabalhos da Fiocruz para produção de 100% da vacina de Oxford/AstraZeneca no País, o que deve ganhar corpo no segundo semestre. Hoje o laboratório público envasa os insumos que são enviados de fábrica na China. “Estamos um pouco preocupados com a Fiocruz. Ela tem diversas incumbências. Há percepção de que está estressada com diversas competências que lhe foram outorgadas na produção de vacinas e em outras ações de combate ao novo coronavírus”, disse o relator das ações da Saúde na pandemia.

O ministro ainda apontou preocupação pela queda na cobertura vacinal de crianças abaixo de 1 ano. Ele atribuiu os números à dificuldade de circulação por causa da pandemia, mas ponderou que há impacto das informações falsas. “Temos de reconhecer que há movimentos antivacina. Vinculados, e isso não é uma brincadeira, a movimentos terraplanistas”, disse ele.

O relator também apontou que falta planejamento da Saúde sobre o orçamento da pandemia. Ele ressaltou que nem sequer há discursos reservados em ação específica sobre a pandemia na proposta de lei orçamentária deste ano. “A chamada segunda onda, era anunciada e exigiam-se medidas adicionais de prevenção e preparo da estrutura de saúde. Não foi o que aconteceu, entretanto”, escreveu Zymler, em seu voto.

O relator disse que o Brasil caminha a passos largos para chegar ao topo no ranking de mortos em relação à população. Ele ainda lembrou que, se fossem países, Amazonas e Rio de Janeiro teriam as maiores taxas de mortos por 100 mil habitantes do planeta. 

A corte de contas chama a atenção para uma nota técnica da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, a qual chama a atenção para o fato de que não existe uma fórmula a ser seguida para o enfrentamento de pandemias em todo mundo, mas que os países com melhores resultados no controle da pandemia compartilham, ao menos, uma característica em comum: a adoção, de modo rápido possível, de medidas planejadas e coordenadas para o controle da disseminação do vírus, além da preparação do sistema de saúde para cuidar adequadamente das pessoas infectadas.

Veja abaixo os argumentos apontados pelo relator para pedir a abertura de processos três específicos sobre omissões da Saúde na pandemia. 

1. Comunicação falha

Em seu relatório, Zymler aponta que o ministério descumpriu determinações de criar uma estratégia de comunicação que atinja toda a população brasileira para a divulgação de medidas farmacológicas de eficácia comprovada.

O ministro afirma que a Saúde gastou cerca de R$ 290 milhões em campanhas de comunicação na pandemia, mas R$ 88 milhões foram destinados a propagandas sobre o agronegócio e a retomada das atividades comerciais. Ele também cita reportagem do Estadão que revelou que o aplicativo TrateCov, da Saúde, indicava cloroquina até para um bebe recém-nascido com diarréia e náusea.

Para Zymler, a conduta do ministério pode caracterizar omissão e desvio de finalidade no uso de recursos para campanhas de comunicação, pois as peças serviram para informar sobre cuidados sérios contra a covid-19.

2. Falta de assistência farmacêutica

O relator também propôs um processo separado para avaliar omissões na definição de responsabilidades sobre monitoramento de estoques e distribuição de medicamentos e insumos. 

O relator afirma que o tribunal já havia recomendado mudanças na gestão da Saúde em ações deste tipo, mas a pasta seguiu na direção contrária. Em vez de ampliar a sua liderança, o ministério mudou o plano de contingência para se isentar de responsabilidades como monitorar estoques nacionais de insumos para diagnóstico e medicamentos para a covid-19. 

Segundo Zymler, a Saúde pode ter contrariado a lei de criação do SUS ao fugir de responsabilidades na pandemia. Ainda assim, o relator disse que a Saúde não feriu uma determinação anterior do tribunal, apenas interpretou à sua maneira. “É uma percepção diferencial do Ministério da Saúde acerca das determinações do tribunal e eventualmente do que a lei e regulamentos sugerem”, disse Zymler.

3. Estratégia de testagem falha

Segundo o relator, a área técnica do TCU não encontrou qualquer organização na estratégia de testagem da população. “Surpreende que o Brasil tenha implantado como estratégia esperar que os cidadãos com sintomas procurem os serviços de saúde e realizem um teste de detecção da doença, sem estabelecer qualquer meta, ação ou objetivo de acordo com os resultados”, afirma a área técnica do tribunal.

O tribunal cita estoque de testes prestes a vencer, revelado pelo Estadão, e afirma que com estes exames a Saúde poderia ter conduzido ampla estratégia de testagem. A área técnica do órgão disse ainda que a distribuição dos exames não obedece a nenhum critério.

Mateus Vargas e André Borges, O Estado de S.Paulo, em 14 de abril de 2021 | 17h24 / Atualizado 14 de abril de 2021 | 18h23

Brasil tem 3.459 mortes por covid-19 em 24 horas

País supera 360 mil óbitos ligados ao coronavírus. Balanço oficial confirma ainda mais de 73 mil novos casos, e total de infectados chega a 13,67 milhões.

Funcionários de cemitério em São Paulo enterram caixão em seputalmento noturno

O Brasil registrou oficialmente 3.459 mortes ligadas à covid-19 nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) nesta quarta-feira (14/04).

Também foram confirmados 73.513 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções no país chega a 13.673.507, e os óbitos somam agora 361.884.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Os números diários desta quarta-feira não incluem as cifras do Ceará, devido a problemas no acesso a base de dados do estado, informou o Conass.

O conselho de secretários não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 12.074.798 pacientes haviam se recuperado da doença até a noite de terça-feira.

Com os dados de óbitos registrados nesta quarta, a taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 172,2 no país.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 564 mil óbitos. É ainda o terceiro país com mais casos confirmados, depois dos EUA (31,4 milhões de infectados) e da Índia (13,8 milhões).

Ao todo, mais de 137,8 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus em todo o mundo, segundo números oficiais, e 2,96 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 14.04.2021, há 5 minutos

Juan Arias: Os três gols seguidos em Bolsonaro podem prever sua derrota final

Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado.


Presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto. ( Crédito da foto: Evaristo Sá / AFP)

Os que convivem com o presidente Jair Bolsonaro afirmam que nunca o viram tão irritado como nestes dias. Talvez porque tenha sofrido três gols seguidos que podem prever sua derrota definitiva.

Até os que continuavam apoiando-o porque o viam como o grande inimigo da esquerda começaram a se distanciar dele principalmente após a desastrosa gestão da pandemia com seu negacionismo exasperado que fez com o que o Brasil seja visto hoje no exterior como o maior perigo sanitário do mundo.

O capitão viu de repente seu governo vazado três vezes. Primeiro quando o Exército fez com que ele soubesse com a renúncia dos três chefes das Forças Armadas que não está disposto a entrar em política e deu a entender que não é “seu Exército” como ele cacareja a cada dia.

O Supremo que ele achava ter dominado marcou dois gols seguidos em Bolsonaro. Primeiro derrubando por 9 votos contra 2 sua pretensão de que as Igrejas se mantivessem abertas ao culto apesar do agravamento da pandemia. Os magistrados se mantiveram firmes em que são os governadores e prefeitos que, segundo a gravidade do momento, poderão ou não impedir o culto presencial nos templos.

O outro gol do Supremo foi marcado pelo juiz Barroso obrigando o Senado a dar sinal verde à abertura de uma CPI para analisar as responsabilidades do Presidente e de seu Governo na gestão da pandemia que levou o país à catástrofe que está sofrendo com o horror de que em muitas cidades os mortos já superam os nascimentos. No Senado já existiam os votos suficientes para dar andamento à CPI, mas o presidente da Casa se fazia de desentendido e continuava sem abrir a comissão de inquérito sobre os possíveis crimes de Bolsonaro que zomba do que ele chamou de uma simples “gripezinha”. Enfurecido, o Presidente ameaçou o Supremo e o Senado em usar a “bomba atômica” contra eles. Ameaça que deixa a descoberto sua fragilidade e o poder que achava ter sobre as instituições.

Essas três derrotas às que é preciso somar o fato de ter sido obrigado a demitir seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, considerado o coração ideológico do Governo, seguidor fiel de Donald Trump e que estava fazendo com que o Brasil brigasse com meio mundo, indicam que as placas tectônicas de seu poder estão se movimentando e podem causar um terremoto político.

É importante que o amante das ditaduras comece a ver seu poder se quebrar porque com seus desmandos e ataques contínuos à democracia está fazendo com que o Brasil perca as esperanças. E já sabemos o que costuma acontecer quando um povo perde as esperanças nos que o governam.

De fato, com Bolsonaro o Brasil do futuro ficou muito para trás, o do Deus é brasileiro, o do milagre econômico, o país desejado pelos europeus que queriam vir trabalhar aqui, o Brasil respeitado em todos os foros internacionais, o de sua invejada diplomacia exterior. Tudo isso parece de repente ter se desfeito como uma bolha de sabão dando lugar a um pessimismo nacional.

Hoje predominam as fake news que envenenam a sociedade e a desorientam levada pelo ódio em vez da convivência pacífica. Onde se esconderam envergonhadas a esperança e a alegria de viver? Hoje até a música popular se tornou mais violenta.

De tanto falar de armas, de militares, de golpes de Estado, de genocídios e de sentirem-se abandonados em meio à matança da pandemia os brasileiros se veem a cada dia mais abandonados à sua sorte.

Enquanto os mortos se amontoam e já faltam cemitérios, soam macabras as zombarias, as ironias e até as imitações grosseiras de alguém que morre asfixiado por falta de oxigênio por parte de quem detém o poder da nação e deveria mostrar solidariedade e compaixão com tanta dor.

Dá a sensação de uma grande confusão que desorienta as pessoas que já não sabem em quem confiar com as instituições do Estado também até ontem desorientadas e incapazes de se unir contra o perigo comum de quem só pensa em conseguir o poder absoluto para impor um sombrio golpe ditatorial.

É surpreendente ver, por exemplo, os grandes empresários aplaudindo o candidato a ditador que arrastou o país a uma das maiores crises econômicas da história com milhões que ou passam fome, ou estão sem trabalho e que quase não conseguem viver com dignidade com o que ganham.

Estão cegas essas elites financeiras que não veem as lágrimas de milhões de brasileiros que levantam todas as manhãs sem saber se poderão dar de comer aos seus filhos? Esses empresários que manejam as finanças do país não veem que o Brasil está desmoronando e que a cada dia se sente mais inseguro sem saber que futuro seus filhos esperam?

Essas elites da política e do dinheiro não veem que o Brasil amanhece a cada manhã com os grandes veículos de comunicação mundiais anunciando a queda e desmoralização de um país que deveria e poderia ser o coração do continente?

Não, o Brasil não precisa para ser governado e para recuperar sua esperança hoje quebrada de mais messias e redentores, e sim de estadistas capazes de organizar o país em relação à sua dignidade, sem saqueá-lo vergonhosamente para que eles e suas famílias enriqueçam condenando um país rico material e espiritualmente à pobreza e ao desalento.

A única esperança é que a sociedade procure sua unidade e o antídoto para se defender contra os vírus políticos mais mortais do que os da pandemia porque envenenam não só o presente, e sim também o futuro da nação.

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A palavra de ordem dos brasileiros hoje deveria ser a da resistência aos que se divertem e lucram saqueando não só seus recursos, como suas liberdades até de expressão e, principalmente, a esperança de sair do pesadelo que os aflige mais unidos e com orgulho do que realmente representa este país no mundo.

O que espera, por exemplo, o Congresso para dar seguimento aos aproximadamente cem pedidos de impeachment contra o Presidente por parte da sociedade? O Congresso não é a voz e a expressão dos anseios da sociedade?

É desmoralizador ver essa voz da sociedade sufocada pelos interesses puramente pessoais dos que a governam. O que podem pensar os milhões sem casa e morando em pardieiros como animais vendo um senador jovem, filho do Presidente, investigado por corrupção, comprar uma mansão de seis milhões no coração aristocrático de Brasília?

Quando o poder que deveria pensar em como melhorar a vida das pessoas aparece preocupado somente em acumular privilégios e benefícios, a democracia se quebra envergonhada e humilhada.

O Brasil sofreu como tragédia os 21 anos de ditadura militar e agora parece viver como farsa a democracia. Só que às vezes a farsa dos aprendizes a ditadores pode ser mais grave do que a realidade.

O Brasil precisa com urgência de verdadeiros líderes capazes de devolver a esperança perdida a 220 milhões de pessoas submersas hoje no medo e na desilusão. A história é sempre mãe da sabedoria. O que o Brasil vive hoje pode lembrar quando há mais de 2.000 anos Cícero, senador romano, jurista, político e escritor enfrentou o conspirador Catilina que pretendia tomar o poder absoluto, com suas famosas palavras que atravessaram os séculos: “Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? Por quanto tempo tua loucura zombará de nós? A que extremo chegou tua audácia desenfreada? Não percebeu que seus planos foram descobertos?”. O conspirador Catilina acabou fugindo de Roma com suas hostes fanáticas e derrotado.

Sim, o Brasil precisa de um novo Cícero capaz de repetir ao conspirador que só sonha em conquistar o poder absoluto zombando da Constituição e da democracia: até quando continuará abusando de nossa paciência?

Juan Arias, o autor deste artigo, é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente. Publicado em 11.04.2021.

Cármen Lúcia pede que STF julgue queixa-crime contra Bolsonaro por genocídio

Ministra quer que o caso seja avaliado pelo colegiado, que pode determinar que a PGR abra inquérito para avaliar responsabilidades do presidente ao vetar envio de insumos médicos aos povos indígenas durante a pandemia.

Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal. (Crédito da foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu que seja levado ao plenário da Corte uma queixa-crime contra o presidente Jair Bolsonaro pela acusação de genocídio dos povos indígenas durante a pandemia de covid-19. Os ministros devem avaliar se a Procuradoria Geral da República (PGR) abre inquérito para investigar o caso.

De acordo com o pedido protocolado no Supremo, o presidente vetou um trecho da lei de assistência aos povos indígenas que previa o fornecimento de água potável e insumos médicos as comunidades tradicionais em meio ao avanço da covid-19 no país. A queixa-crime também acusa o presidente de genocídio por se omitir das ações de combate à pandemia em relação a população em geral.

A PGR se manifestou contra a abertura de investigação. Na avaliação do procurador-geral da República, Augusto Aras, o presidente agiu de acordo com a Constituição ao vetar o envio de insumos médicos aos indígenas, pois não havia recurso destinado para custear a compra do material.

"Dever do Judiciário"

Na ação, o advogado André Barros, representado pelo defensor Max Telesca, pede que o presidente seja investigado e punido por atuar pela disseminação do vírus em território nacional. "O presidente da República buscou, de maneira concreta, que a população saísse às ruas, como de fato saiu, para que contraísse rapidamente a doença, sob a falsa informação da imunização de rebanho", disse o defensor.

Sustentou ainda que é dever do Poder Judiciário atuar para punir os mal feitos. "Se o STF acatar o arquivamento, serão fechadas as portas do Judiciário para a apuração deste genocídio contra o povo brasileiro", aponta a petição.

Renato Souza / Correio Braziliense online, em 13.04.2021

STF confirma criação da CPI da Pandemia; e Senado vai decidir se comissão será presencial ou por videoconferência

Comissão tem como objetivo apurar a conduta da União e o uso de recursos federais por estados e municípios

Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quarta-feira a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar ações e possíveis omissões do governo federal na condução da pandemia da Covid-19. Os ministros também destacaram que cabe ao Senado definir como serão os trabalhos da comissão.

Em seu voto, Barroso disse que o Senado deve instalar a comissão, escolhendo a forma como será feito, mas sem poder adiar seu funcionamento em razão da pandemia.

— Não cabe ao Senado Federal se vai instalar ou quando vai funcionar, mas como vai proceder. Caberá ao Senado se por videoconferência, se por modo presencial, ou por modo semipresencial — disse Barroso.

Uma das principais polêmicas em torno da instalação da CPI é a possibilidade de obrigar os senadores a participarem de reuniões presenciais em ambientes fechados. O ponto é alvo de resistência entre parlamentares, que podem usar a brecha deixada pelo STF para adiar o funcionamento do colegiado até que os trabalhos presenciais forem retomados com regularidade na Casa, o que poderia reduzir os efeitos da comissão de forma drástica.

O julgamento foi rápido, tendo durado pouco menos de uma hora. Além do relator, apenas outros dois ministros se manifestaram: Marco Aurélio Mello, que discordou por questões processuais; e Gilmar Mendes, que elogiou o voto de Barroso. Fux perguntou se havia alguma discordância e, como nenhum outro ministro se manifestou, ele encerrou o julgamento.

Barroso defendeu o papel dos tribunais constitucionais, caso do STF, e citou outros países, com governos autoritários de direita ou de esquerda, em que as cortes sofreram esvaziamento e a própria democracia ficou enfraquecia.

— Diversos países do mundo vivem recessão democrática. Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Venezuela, para citar alguns. Todos eles, sem exceção , assistiram a processo de ataque e esvaziamento de seus tribunais constitucionais. Quando a cidadania despertou, já era tarde — disse Barroso.

O ministro destacou que, atendidos os requisitos para instalação de uma CPI, como o apoio de pelo menos um terço dos parlamentares, a comissão deve ser criada. E disse que o próprio STF já deu decisões semelhantes no passado, quando houve demora para a instalação de CPI.

— Nada há de criativo, original ou inusitado na decisão liminar que concedi à luz da doutrina.

Um dos precedentes foi a decisão tomada em 2005, por nove votos a um no plenário do STF, determinando que o Senado instalasse a CPI dos Bingos. Na época, apenas dois dos atuais integrantes do STF compunham a Corte: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Ambos foram favoráveis à instalação da CPI. Barroso destacou que, na democracia, além da vontade da maioria, há também os direitos das minorias. E que é comum ao STF exercer um papel contramajoritário para que as minorias sejam respeitadas.

O Globo online, em 14/04/2021, às 14:23 / Atualizado às 15:34

Rosângela Bittar: O processo da pandemia

O culpado por esta crise política e institucional tem nome e sobrenome: Rodrigo Pacheco

 O essencial é que a pandemia seja investigada. Que os erros de gestão sejam expostos, por mais que diluídos nas tentativas de tumultuar o ambiente. Impossível escapar de acusações. As feitas ao presidente Jair Bolsonaro, no fundo, se resumem a apenas uma: a negação. O presidente contestou a existência da covid-19 e as mais elementares formas de combatê-la, como o isolamento e as vacinas. Quando não foi omisso, foi equivocado.

Já o presidente do Senado, que teve à mão uma forma eficaz de intervir e mudar os rumos da catástrofe, imaginou que poderia aplicar um sofisma parlamentar. Como dependia da sua assinatura a instalação da CPI, tentou postergá-la. Exercitou o golpe de Pilatos e lavou as mãos. Um passo em falso nas cenas iniciais da sua liderança de um dos poderes da República.

Obrigado a cumprir o dever por decisão judicial, acabou por perder o controle da situação.

A experiência das CPIs mostra que, mais do que as investigações, as denúncias ganham dimensões de provas.

Por isso, haja o que houver, e mesmo que Bolsonaro tenha conseguido truncar a CPI, o culpado por esta crise política e institucional tem nome, sobrenome e endereço: o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado. Ele vislumbrou dominar o processo com silêncios e retardamentos.

Definido por seu público como um político tático e tendo surgido no Senado como uma novidade bem-vinda ao jogo parlamentar, parecia uma espécie de ressurreição dos políticos mineiros que fizeram história. É curto o caminho percorrido, mas Rodrigo Pacheco, até agora, está frustrando estas expectativas.

Os argumentos que mobilizou para não instalar a CPI são superficiais e às vezes parecem sobrenaturais, porque tomam distância da realidade.

Estreante, o senador Pacheco desprezou mais de 30 assinaturas de senadores de diferentes partidos e ideologias. Apegou-se ao argumento, depois capturado pelo governo, que a CPI não podia funcionar por meio virtual. Hoje, no planeta, da assembleia de condomínio ao programa de auditório, sem falar no plenário dos tribunais, as sessões realizam-se remotamente.


Outro dos problemas mencionados seria a impossibilidade de dar segurança às testemunhas. Por quê? O presidente e o relator podem acompanhar a testemunha numa reunião, enquanto os inquiridores trabalham de outras latitudes. Surgiu ainda a alegação estapafúrdia, logo incorporada por representantes do investigado, de que a CPI da Pandemia, se realizada durante a pandemia, seria um ato político e atrapalharia o enfrentamento da doença. E para completar recorreu ao lugar-comum: a CPI seria um “ponto fora da curva”. Qual é a curva?

Enquanto fugia de suas atribuições constitucionais, o senador Pacheco não se recusava a tentar desempenhar competências do Executivo, buscando formas de comprar vacinas e toda sorte de providências que não tinha condições legais de assinar. Perda de tempo. Até aceitou liderar um comitê decorativo, criado por Bolsonaro para envolver suas responsabilidades numa cortina de fumaça.

O fato de o destemido Jair Bolsonaro estar com medo de ser investigado é até um bom sinal. Poderia significar que tem consciência dos atos perversos que praticou na gestão da pandemia. Já o presidente do Senado poderia ter evitado a crise e baixado a temperatura de mil formas. Quem sabe, se tivesse instalado a CPI quando foi proposta, por exemplo, não saberíamos hoje as verdadeiras razões das quatro mudanças de ministros da Saúde neste governo, em menos de um ano.

Ao submeter-se ao capricho do presidente, o senador Pacheco talvez não tenha percebido que a grife da presidência do Senado só é desfrutável quando se está no exercício do cargo. Quem se lembra hoje do senador Davi Alcolumbre?

Rosângela Bittar é colunista do Estadão e analista de assuntos políticos. Este artigo foi publicado originalmente em 14.04.2021.

O salão dos passos perdidos

Armas, cloroquina, máscara, vacina. Não se ganha autoridade afrontando o cidadão, lembra Paulo Delgado neste artigo publicado hoje no Estadão.

Tragédia desnecessária é lástima. Em algum lugar da Comédia Humana, de Balzac, há referência a um imenso salão onde as pessoas buscam solução para seus problemas, mas que de tão monumental faz parecer mesquinho tudo o que o cerca. São aqueles lugares e situações em que a espera vira agonia. No Brasil é o salão onde a Justiça se faz degrau da política e se dispõe a alimentar com colher outro Poder. E a omissão do Parlamento não deixa a política andar pelas próprias pernas.

Muitos congressistas sofrem da “doença do mandato”, que os faz perambular pelas duas Casas preservando o mandato sem exercê-lo. São vítimas de presidentes que mobilizam emoção sem entender do assunto.

O presidente, estrela ociosa cuja riqueza veio da política, é presa fácil do poder sem lastro que o estimula a passar o rodo. Telefona nu do palácio. Avança para destruir o patrimônio institucional, construído pela elite e pelo povo brasileiro nos últimos 132 anos. Vaga fora do alcance da luz confiante no círculo de aduladores-vingadores.

Maus sentimentos fazem maus governos. É preciso alguém elevado, capaz de se cercar de ideias coletivas, para ajudar o País a escapar do descarrilamento. O político, como parte essencial da elite do poder, deve abandonar o tabu da falta de propósitos comuns e fazer das ramificações na sociedade a fonte do poder.

Há uma crise do progresso agravada pela falta de reação ao fracasso do Executivo. Um entorpecimento social e econômico, também estimulado pela alienação das pesquisas que avalia friamente os brasileiros, como se não quisesse deixá-los em paz para refletirem sobre seu silêncio. A vida como eleição faz perder o êxtase, recalca a consciência do presente e mete o cidadão numa prisão que o priva da liberdade de decidir.

O eleitor é o herói-vítima de quem fala por ele e a quem se impõe uma ação que talvez não queira. Sondagens são rédeas, reduzem a democracia ao mínimo eleitoral e empurram o País para o abismo da urna outra vez como panaceia e loteria.

A política nada conseguirá se continuar esse carrossel de cavalões correndo, viciados em rondó de ideologias e o povo, cavalinhos sofrendo – teu populismo, esmeralda ou rubi, acabou enlouquecendo. O sol tão claro lá fora. E a alma, por te seguir, desaparecendo (apud Manuel Bandeira). Bijuterias políticas. Chega da equitação de poderosos não cooperativos, montados na construção mental dispersa da desorganização do sistema público. É hora de domar o cavaleiro, e não mais amestrar o cidadão.

A sociedade continua tratada como superfície plana, tela de uma exposição do expressionismo abstrato, onde artistas deslumbrados com o preço irreal do que pintam vivem seu próprio mundo mais importante do que sua obra. É necessário dobrar o sino da complacência com gigolôs de pobres, tribunais, quartéis e igrejas. Quem for demagogo, justiceiro, vivandeira, santo do pau oco, que o seja para si, mas não enquanto político.

O presidente, pelo que demonstra em suas atitudes, jamais alcançaria posto acima do nível tático, como atingiu. O acesso a posto superior da hierarquia militar, relacionado ao nível estratégico, exige capacidade de pensamento complexo, que envolve abstração, análise de múltiplos fatores e outras competências cognitivas elevadas. Que formam o conceito de mérito, essencial nas instituições em que a ascensão a comandos se faz pela avaliação de conhecimento e preparo.

Quando diz que “todos têm que morrer um dia”, revela desprezo pelo efeito da pandemia, que é levar muita gente à morte antes do que ocorreria “um dia” por outras causas. Não se deve brincar com a transgressão. Por coerência, aplicada ao mandato presidencial a mesma ideia, “todo eleito tem que sair um dia”, não é anormal antecipar “esse dia”. Afinal, sem possuir fundamento positivo suficiente para enfrentar a complexidade atual é bom evitar que a catástrofe vire revolta.

Sintomas de pensamento desestruturado, que enfiou o País numa gaiola, incapaz de abstrair e compreender o geral e o específico, valendo-se de cabeças de aluguel, estão presentes em todas as suas atitudes. Armas, cloroquina, máscara, vacina. Não se ganha autoridade afrontando o pacato cidadão: é crueldade negar o testemunho da dor e da razão lógica. No presidencialismo falhas do defeito gritam.

Sua visão estreita dos problemas complexos o faz tratar o essencial como minoritário e o ultraminoritário como essencial. Não quer CPI porque não quer ser investigado em sua culpa ou dolo. É preciso parar a imprudência. Melhor a autópsia do governo que a de meio milhão de brasileiros.

Questões que longinquamente ressoam um Brasil dominado e revivido por correntes de opinião disfuncionais. Mais bondade, menos orgulho. O bem é mais antigo do que o mal, e o governante é responsável pelo que o outro realiza em seu nome ou por sua influência. Se continuarmos a antecipar o mundo das eleições, a tragédia em curso continuará um ponto periférico e o presidente conseguirá completar sua sina como o intimidador invencível que sempre foi.

Paulo Delgado é sociólogo. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 14 de abril de 2021.

Ameaçar é crime

Não basta que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera penal

 O presidente Jair Bolsonaro gosta de falar de liberdade. Em seus discursos, coloca-se como uma espécie de paladino da liberdade. No entanto, sua atuação na Presidência da República revela profundo desconhecimento do assunto. Em especial, parece ignorar o Capítulo VI do Código Penal, que trata dos crimes contra a liberdade individual.

O Capítulo VI começa com o crime de constrangimento ilegal. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa” (art. 146 do Código Penal).

Em agosto do ano passado, um repórter do jornal O Globo, no exercício de sua profissão, fez uma pergunta ao presidente Jair Bolsonaro. Questionou-o sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ao jornalista – que apenas fez o que a lei, com toda certeza, lhe permite fazer – Jair Bolsonaro respondeu: “Vontade de encher tua boca de porrada”.

O episódio do ano passado não foi a primeira vez, tampouco a última, que o presidente Jair Bolsonaro constrangeu um jornalista no exercício de sua profissão.

A ameaça é o segundo crime previsto no Capítulo VI do Código Penal. “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa” (art. 147).

Em conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente Jair Bolsonaro transmitiu o seguinte recado ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP): “Se você não participa (da CPI da pandemia), daí a canalhada lá do Randolfe Rodrigues vai participar. E vai começar a encher o saco. Daí, vou ter que sair na porrada com um bosta desse”.

Ao divulgar o áudio da conversa com Jair Bolsonaro, o senador Jorge Kajuru relatou que o presidente da República estava ciente da gravação do diálogo e de sua posterior divulgação. Ou seja, Jair Bolsonaro conhecia o exato significado de tornar pública sua disposição de “sair na porrada” com o senador Randolfe Rodrigues.

Na mesma conversa, Jair Bolsonaro buscou ainda constranger e ameaçar integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), instigando o senador Jorge Kajuru a apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. Na estranha e ilegal lógica de Bolsonaro, isso seria “fazer do limão uma limonada”.

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros do STF) também”, disse Jair Bolsonaro ao senador Jorge Kajuru. Tudo isso porque o presidente Bolsonaro não gostou da decisão do ministro Luís Roberto Barroso de assegurar o direito constitucional da minoria de instalar uma CPI.

Desde abril deste ano, com a entrada em vigor da Lei 14.132/2021, o terceiro crime do Capítulo VI do Código Penal refere-se à perseguição. “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena: reclusão, de seis meses a dois anos, e multa” (art. 147-A).

Ainda que seja novo, esse tipo penal também merece a atenção do presidente da República. Não seria difícil enquadrar seu reiterado comportamento em relação a alguns políticos da oposição dentro dessa moldura legal.

Vale notar que a imunidade presidencial prevista na Constituição refere-se apenas a ações anteriores ao mandato. O que o presidente da República faz na posse do cargo é passível de ser enquadrado penalmente.

Não basta, portanto, que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera penal. Isso ocorre porque, sob o eufemismo do “gosto pelo conflito”, Bolsonaro pratica atos tipificados no Código Penal. Num Estado Democrático de Direito, ameaçar é crime.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 14 de abril de 2021 

terça-feira, 13 de abril de 2021

Brasil registra 3.808 mortes por covid-19 em 24 horas

País já supera 358 mil mortes em razão da doença. Com mais de 82 mil novos casos, total de pessoas infectadas desde o início da epidemia é de 13,5 milhões. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes passa de 170.

Brasil supera 358 mil casos de covid-19

O Brasil registrou 3.808 mortes associadas à covid-19 nesta terça-feira (13/04), além de 82.186 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país aumentou para 13.599.994, enquanto os óbitos chegaram a 358.425 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.957.068 pacientes se recuperaram da doença até esta segunda-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 170,6 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 31,3 milhões de casos e da índia, com 13,6 milhões. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 563 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 137 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,95 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021

O Brasil não aguenta esperar 2022

 A CPI do Genocídio e o Impeachment, segundo Guilherme Boulos. "O Senado está diante de uma decisão histórica: ou lava as mãos ou aponta os crimes de Bolsonaro".

O Senado deverá instalar a CPI da Pandemia. Pandemias costumam ser investigadas em comitês científicos, não em comissões parlamentares. Mas o Brasil é ponto fora da curva. Temos um governo que recusou vacinas, boicotou medidas sanitárias, desinformou o povo com falsos remédios. Por isso, somos há meses o país em que mais morre gente por Covid no mundo. A CPI se tornou necessária. O mais justo seria entrar para a história como a CPI do Genocídio.

O Congresso brasileiro tem um histórico de abertura de CPIs. Duas delas levaram a impeachment de presidentes: a do PC, em 1992, e a da Petrobras, em 2015. Collor foi derrubado pelo esquema PC Farias. Dilma caiu pelo patético pretexto das pedaladas fiscais. Não há paralelo possível com a carnificina de Bolsonaro. Por isso mesmo não seria inesperado que a CPI funcione como gatilho para novo impeachment.

A tese de que Bolsonaro estaria blindado com a eleição de Arthur Lira na Câmara é cada vez mais duvidosa. O próprio Lira deu o aviso há duas semanas. O governo está no seu pior momento, com popularidade abaixo de 30%, colhendo os frutos da condução desastrosa da pandemia e da economia. O descaminho em que Bolsonaro enfiou o Brasil não tem saída com ele no comando. Está isolado, perdendo apoio entre os empresários, no povo e em crise com as Forças Armadas.

Hoje Bolsonaro é refém do centrão. E se há algo que caracteriza esse grupo é a fidelidade única a seus próprios interesses. O centrão tem ministérios e emendas parlamentares, mas a essa altura o foco já é a reeleição. Se Bolsonaro se torna definitivamente tóxico, quem vai querer pagar o preço de estar com ele? Alguém acredita que o centrão estaria disposto a afundar junto com o governo? Seria inédito na história política nacional.

Por isso, a CPI pode ser só o primeiro passo. De fato, se a investigação tiver o mínimo de seriedade, os crimes de Bolsonaro serão expostos de forma retumbante, sobretudo em relação à saúde pública.

Aliás, nem precisaria de uma CPI. Qualquer busca no Google mostra que ele trabalhou contra a vacina, ignorando três ofertas do Instituto Butantan, em 2020, e recusando 70 milhões de doses da Pfizer, também no ano passado. Preferiu gastar R$ 90 milhões em cloroquina. É notório, ainda, que ele boicotou medidas de isolamento sanitário. Irresponsavelmente, deixou também de investir R$ 80 bilhões, previstos no Orçamento, para combate à pandemia. A ficha corrida é longa.

O Senado está diante de uma decisão histórica. Ou lava as mãos num acordão costurado em cima de mais de 350 mil cadáveres. Ou aponta os crimes de Bolsonaro e abre caminho para um processo de impeachment. O Brasil não aguenta até 2022.

Guilherme Boulos é Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo. Este artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição de 13.04.2021 e reproduzido no UOL.

A ascensão do terrorismo bolsonarista

Temos o coquetel perfeito para novos surtos com consequências letais, constata Joel Pinheiro da Fonseca em artigo no UOL.

Em 17 de março, um bombeiro ateou fogo à sede de um jornal no interior de SP. O motivo? O jornal defendia medidas de isolamento social. No fim de março, em Salvador, um PM teve um surto psicótico e passou a ameaçar cidadãos e colegas de trabalho. Imediatamente depois de sua morte, foi elevado à condição de herói nos meios bolsonaristas, inclusive pela deputada Bia Kicis. No domingo (11), no aeroporto de Guarulhos, outro PM em surto psicótico fez uma comissária de bordo refém. Casos como esses estão se tornando mais comuns.

E não são só militares. Também em março, um empresário do interior paulista fez um vídeo, armado, com ameaças ao ex-presidente Lula. O governador de SP, João Doria, decidiu se mudar de sua casa para o Palácio dos Bandeirantes depois das ameaças de manifestantes bolsonaristas.

A pandemia e o isolamento deixam todos nós sob estresse constante. Some-se a isso discursos extremistas e teorias da conspiração, e temos o coquetel perfeito para novos surtos com consequências letais.

Bolsonaro e seus cabos eleitorais não precisam incitar violência diretamente contra alguém. Se o fizessem, sofreriam um processo criminal. É o que ocorre quando um deles, como o deputado Daniel Silveira ou a militante Sara Winter, se exalta e perde a linha. A receita é mais difusa, mas o resultado é similar e conta com vistas grossas das autoridades.

Doutrine a cabeça de seguidores com teorias da conspiração, paranoia e maniqueísmo político. Eleja alguns adversários como alvos preferenciais do ódio. Conclame a uma atitude genérica de resistência, revolta, a alguma “ação” não especificada para levar à vitória; deixe tudo no ar. Boa parte do público alvo entenderá a mensagem. Uma minoria de desequilibrados irá colocá-la em prática. É só aguardar. Quando a tragédia previsível acontecer, faça cara de paisagem, lamente o ocorrido e siga adiante, na esperança silenciosa de que os fanáticos se encarregarão de intimidar qualquer crítico.

Em privado, Bolsonaro revela suas reais intenções sem medo. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, depois tornada pública pelo STF, disse com todas as letras que queria o povo armado para resistir às ordens de governadores. Seu sonho se aproxima da realidade com o decreto de armas que entraria em vigor nesta terça (13) e teve trechos suspensos pela ministra Rosa Weber.

No que depender de Bolsonaro, a produção e venda de armas e munições no país fica mais facilitada e menos rastreada. O laudo de capacidade técnica para se armar será emitido, não pelas autoridades, mas por clubes de tiro. O limite de armas e munições que cada um pode ter deve ser generosamente aumentado. Para atiradores, chega a 60 armas. E poderão ainda andar com elas carregadas por aí. Milicianos agradecem.​

Em post desta segunda (12), diz Bolsonaro: “Hoje você está tendo uma amostra do que é o comunismo e quem são os protótipos de ditadores”. Sim, no discurso bolsonarista, as medidas restritivas têm como objetivo implantar uma ditadura comunista.

Ao fim do post, conclui o presidente: “Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e ... prepare-se”. O recado está dado, e os meios para se “preparar” também. População armada e alimentada com propaganda sediciosa em seus celulares. Policiais chamados ao motim. Quantos desses jovens PMs, por sinal, serão alunos de Olavo de Carvalho, que oferece seu curso —nada mais do que fanatização sectária— gratuitamente a policiais desde 2019? Como se não bastasse a Covid, agora temos que lidar também, e cada vez mais, com o terrorismo bolsonarista.

Joel Pinheiro da Fonseca é economista e mestre em filosofia pela USP. Este artigo foi publicado originalmente n'a Folha de S. Paulo, em 13.04.2021. Reproduzido na mesma data no UOL.

PSDB tenta fazer Tasso presidir CPI da Covid e MDB quer relatoria

Líderes de partidos no Senado se movimentam para garantir os principais cargos na comissão

Líderes de partidos no Senado se movimentam para garantir os principais cargos da CPI da Covid. A presidência do grupo, que coordena as reuniões, e a relatoria, responsável por consolidar em um parecer a conclusão dos trabalhos do colegiado, são os postos mais importantes.

O PSDB, que faz parte do segundo maior bloco da Casa, com Podemos e PSL, quer que o senador Tasso Jereissati (CE) seja presidente da comissão. O MDB, que integra o maior bloco, com Progressistas e Republicanos, está de olho na relatoria da CPI. O indicado deve ser o líder da Maioria e ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL). O líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM), e o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) também farão parte da comissão.

Tasso e Renan são críticos ao governo de Jair Bolsonaro e podem contribuir para que a CPI represente uma dor de cabeça na apuração da gestão federal da pandemia do novo coronavírus. O Palácio do Planalto tenta evitar que a composição da CPI tenha senadores de oposição em sua maioria e que críticos ao governo assumam postos chave. A avaliação dos líderes, no entanto, é a de que o Executivo não conseguirá maioria para ditar os rumos da comissão.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) Foto: Jefferson Rudy|Agência Senado

Tasso tem cobrado a instalação da CPI desde o início do ano legislativo, em fevereiro. A presidência da comissão é importante porque vai definir os procedimentos das reuniões, como, por exemplo, se os trabalhos serão remotos ou presenciais. O PSDB tem defendido trabalhos presenciais.

“Ele tem todo o perfil para presidir. Ele será indicado titular (membro da CPI) com certeza. Para a presidência vai depender de articulação, mas acredito que tem todo o perfil para isso”, disse o líder do PSDB, senador Izalci Lucas (DF).

Ao Estadão, o governador de São Paulo, João Doria, disse que defende a escolha de Tasso para presidir a CPI. “Tasso tem meu total apoio para presidir a CPI. Ele nos representa na postura e na conduta”, afirmou.

Renan também tem cobrado a CPI e é duro tanto contra Bolsonaro, quanto contra o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que decidiu instalar a comissão apenas após determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

O ex-presidente do Senado quer que o MDB fique com a relatoria e argumenta que, como é o maior partido do maior bloco, a escolha deve caber à legenda. “O regimento diz que tudo no Senado deve atender à proporcionalidade”, argumentou Renan.

O senador destacou que a presidência e a relatoria vão depender da composição dos integrantes do grupo. “Tem que ser garantida pela maioria da comissão. Então, é preciso saber quem são os nomes, até para conversar com as pessoas sobre o que fazer”, declarou Renan.

Pacheco vai ler na tarde desta terça-feira, 13, o requerimento de abertura da CPI. A partir disso, os líderes terão dez dias para escolher os integrantes da comissão. Só após essa definição é que haverá uma eleição interna para escolher o presidente e o relator.

O PT vai indicar o senador Humberto Costa (PE), ex-ministro da Saúde no governo Lula, para compor o colegiado. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do pedido de criação da CPI da Covid, também deve integrar a comissão. O PSD, por sua vez, quer escalar Otto Alencar (BA).

Lauriberto Pompeu , Daniel Weterman e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo, em 13 de abril de 2021 | 15h33


Fome no Brasil cresce e supera taxa de quando Bolsa Família foi criado

Insegurança alimentar grave ou moderada atingiu 27,7% da população no final do ano passado, ou 58 milhões de brasileiros, contra 16,8% em 2004. Pandemia acelerou alta da fome registrada desde 2014, aponta pesquisa.

Mulheres e criancas recebem alimentos doados

Pesquisa mostra que fome afeta mais os pardos e pretos, mães chefes de família e moradores do Nordeste

As consequências sociais e econômicas da pandemia de covid-19 agravaram a fome no Brasil, que já vinha aumentando e superou em 2020 os níveis registrados no início da década passada, quando foi criado o Bolsa Família.

Uma pesquisa realizada em novembro e dezembro passados com 2 mil pessoas mostrou que 15% estavam em insegurança alimentar grave, e 12,7% em insegurança alimentar moderada, o que significa que corriam o risco de deixar de comer por falta de dinheiro. Em relação à população brasileira como um todo, isso equivaleria a 58 milhões de pessoas.

Outros 31,7% estavam em insegurança leve, quando há preocupação de que a comida acabe antes de se ter dinheiro para comprar mais ou faltam recursos para manter uma alimentação saudável e variada.

Segundo a pesquisa, portanto, 59,4% da população enfrentava no final do ano passado algum grau de insegurança alimentar, o equivalente a um total de 125 milhões de pessoas.

O resultado mostra a aceleração do aumento da fome no Brasil, que tinha voltado a crescer antes da pandemia em um contexto de crise econômica e desmobilização de políticas públicas de segurança alimentar.

O levantamento foi feito por pesquisadores do grupo "Alimento para Justiça" da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), com financiamento do governo alemão, e divulgado nesta terça-feira (13/04).

Quais são os principais resultados

A parcela estimada de 59,4% dos brasileiros que enfrentam algum grau de insegurança alimentar é quase 23 pontos percentuais maior do que a registrada na última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o levantamento do IBGE, que mede o mesmo fenômeno, 36,7% da população enfrentava algum grau de insegurança alimentar em 2017 e 2018.

O melhor resultado no acesso à alimentação estável e saudável no país foi alcançado em 2013, quando 22,6% dos brasileiros tinham algum grau de insegurança alimentar. Em 2009, essa fatia representava 30,2% da população.

A série histórica começa em 2004, ano seguinte à criação do Bolsa Família, quando 16,8% dos brasileiros enfrentavam insegurança alimentar grave ou moderada, e outros 18% estavam em insegurança leve.

A pesquisa da Universidade Livre de Berlim tem parte da sua metodologia similar à do IBGE, mas as duas não são idênticas. O IBGE entrevista um universo maior de domicílios, presencialmente, e faz mais perguntas.

Desigualdade regional e de cor e gênero

O levantamento também mostra que a insegurança alimentar se distribui de forma desigual pelo país.

No Nordeste, 73,1% da população estava nessa categoria, e no Norte a taxa é de 67,7%. Já no Sul, 51,6% dos domicílios estavam em insegurança alimentar, e 53,5% dos localizados no Sudeste.

O mesmo ocorre em relação à cor da pele das pessoas entrevistadas, com maior prevalência de insegurança alimentar entre os pardos e pretos. Entre os brancos, 48,9% apresentaram algum grau de insegurança alimentar, contra 66,8% dos pretos e 67,8% dos pardos.

O problema também é mais frequente na casas chefiadas apenas por mulheres, com 73,8% dos domicílios nessa situação.

"A insegurança alimentar é um retrato das desigualdades múltiplas interseccionais. Ela tem cor, tem gênero e ilustra um retrato do Brasil", diz Renata Motta, professora de sociologia da Universidade Livre de Berlim que liderou a pesquisa.

As dificuldades econômicas agravadas pela pandemia também levaram à redução da diversidade de alimentos saudáveis ingeridos nos domicílios. Entre os entrevistados, 41% disseram ter reduzido o consumo de frutas, e 44% o de carnes. Entre aqueles em insegurança alimentar a redução no consumo de alimentos saudáveis foi de 85%.

Impacto do auxílio emergencial

Os resultados da pesquisa só não foram ainda piores graças ao auxílio emergencial, criado em abril do ano passado. Entre os entrevistados que tinham recebido pelo menos uma parcela do auxílio, 63% usaram o dinheiro para comprar comida.

Quando o levantamento foi realizado, o valor do auxílio já havia sido reduzido à metade da quantia inicial, de R$ 600 para R$ 300. O benefício foi encerrado em dezembro, e no primeiro trimestre deste ano a população pobre que perdeu renda ou enfrentava dificuldades por conta da pandemia ficou sem o auxílio.

Nesse período, diz Motta, pode-se esperar que a insegurança alimentar da população tenha crescido. "Os dados da nossa pesquisa, com o auxílio de R$ 300, já são dramáticos. É bem provável que a porcentagem de domicílios em insegurança alimentar grave tenha aumentado demais [sem o auxílio]", afirma.

O auxílio emergencial voltou a ser pago em abril, em um valor mais baixo do que no final do ano passado – a maior parte dos beneficiários deverá receber R$ 150 ou R$ 250 por mês. A nova rodada deve ter quatro parcelas mensais.


                Doações voltaram a ter papel central para remediar a insegurança alimentar

Por que a fome cresceu

O Brasil chamou a atenção do mundo na década passada por ter reduzido a fome entre sua população. Em 2014, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) retirou o país pela primeira vez de seu Mapa da Fome, com base em pesquisa do IBGE realizada no ano anterior. Essa lista inclui países nos quais mais de 5% da população consome diariamente menos calorias do que o recomendado.

Mas, nos últimos anos, o cenário virou, e a insegurança alimentar voltou a crescer, devido a uma combinação de crise econômica e decisões políticas que enfraqueceram os instrumentos do governo e da sociedade civil para atuar no tema, segundo Motta.

Ela aponta que o sucesso na redução da fome de 2004 a 2013 teve influência do Bolsa Família e do aumento real do salário mínimo, mas também de um arcabouço de políticas públicas sobre o tema, como o estabelecimento de uma lei e de um plano de segurança alimentar, a estruturação de conselhos regionais e nacionais para aproximar governos da sociedade civil e o fortalecimento do programa de alimentação escolar.

A partir de 2014, no governo Dilma Rousseff, a crise econômica e o aperto orçamentário começaram a afetar a renda das pessoas. Com o início da gestão Michel Temer em 2016, diz Motta, o espaço da agricultura voltada à exportação cresceu ainda mais e foi reduzido o apoio à agricultura familiar, que tem papel importante no fornecimento de alimentos para o mercado doméstico. Ela aponta como um marco a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2016.

A situação, diz Motta, piorou no governo de Jair Bolsonaro. Em sua primeira semana no cargo, o presidente extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. "O governo resolveu desconsiderar esse acúmulo de construção coletiva entre estado e sociedade. Era um governo novo, que não tinha experiência na máquina executiva, e simplesmente abdicou disso", afirma.

Com a covid-19, as dificuldades se agravaram. Houve queda de renda e a inflação de alimentos superou os 15% nos 12 meses iniciais da pandemia, quase o triplo da inflação geral, dificultando o acesso regular a refeições para muitas famílias.

A data da realização da próxima POF pelo IBGE ainda não foi confirmada. Se for mantida a periodicidade das anteriores, ela deverá ocorrer em 2022 ou 2023. São os dados dessa pesquisa que mostrarão se o Brasil voltou ao Mapa da Fome da FAO. Para José Graziano da Silva, ex-diretor-geral da entidade e ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, isso já aconteceu na prática.


Crise também reduziu diversidade de alimentos saudáveis ingeridos nos domicílios

Recurso a doações

Nesse cenário dramático, o papel da mobilização da sociedade civil para ajudar as pessoas que passam fome com doações de alimentos tornou-se cada vez maior.

Segundo Motta, o uso das doações como instrumento central de redução da fome era comum nos anos 1990, mas havia sido substituído por políticas estruturais, pois não dá autonomia ao indivíduo e tem caráter assistencialista.

Ela afirma que o retorno da importância das doações mostra um "retrocesso tremendo" no setor, apesar de necessário para aplacar a fome diante da falta de alternativas.

"É uma forma de medicar os sintomas, não tratar as causas. Vai botar comida na casa dos brasileiros, mas é uma política que por muitos motivos já havia sido superada", diz.

Como a pesquisa foi feita

Os pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, da UFMG e da UnB utilizaram oito questões da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, usada na POF. Foi perguntado aos entrevistados se eles tiveram, nos últimos três meses, preocupação de que os alimentos acabariam por falta de dinheiro, se os alimentos acabaram antes que tivesse dinheiro para comprar mais, e se eles ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada.

As questões também indagaram se os moradores dos domicílios comeram apenas alguns alimentos que tinham em casa porque o dinheiro acabou, se deixaram de fazer alguma refeição por falta de dinheiro, se sentiram fome e não comeram por falta dinheiro, e se fizeram apenas uma refeição ao dia ou ficaram um dia inteiro sem comer porque não havia dinheiro.

A partir do número de respostas positivas, os domicílios foram classificados quanto à sua segurança alimentar. Os telefonemas foram realizados de 21 de novembro a 19 de dezembro de 2020, e a margem de erro é de 2,19 pontos percentuais.

Uma pesquisa semelhante, realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), também foi divulgada na última semana. O levantamento identificou que 55,2% da população enfrentava algum grau de insegurança alimentar.

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021