quarta-feira, 14 de abril de 2021

TCU aponta omissões graves de Pazuello em gestão da pandemia e sugere punição

Ministro Bruno Dantas diz que a gestão do ministério ‘envergonha’ e que já há argumentos de sobra para impor ‘condenações severas’

Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizaram nesta quarta-feira, 14, que devem punir o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e seus auxiliares por omissões na gestão da pandemia da covid-19. Relator da ação sobre a conduta da Saúde na crise sanitária, o ministro Benjamin Zymler disse que a pasta evitou assumir a liderança do combate ao novo coronavírus.

Segundo o relator, uma das ações da gestão de Pazuello foi mudar o plano de contingência do órgão na pandemia, com a finalidade de retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes. “Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades”, disse Zymler.

O relator sugeriu a abertura de processos para avaliar omissões da Saúde na pandemia sobre estratégias de comunicação, testagem e distribuição de insumos e medicamentos. Segundo Zymler, o ministério descumpriu determinações anteriores feitas pelo TCU, as quais já apontavam a falta de planejamento em diversas áreas.

Em análises deste tipo, o TCU pode aplicar multas, indisponibilidade dos bens e determinar que o alvo da apuração não possa exercer cargo em comissão ou função de confiança no serviço federal por até oito anos. 

O ministro Bruno Dantas disse que a gestão do ministério “envergonha” e que já há argumentos de sobra para impor “condenações severas” a gestores da pasta. Para Dantas, as responsabilidades podem ser medidas “em números de mortos”.

Os ministros Augusto Nardes e Jorge Oliveira pediram vista e o caso deve retornar à pauta em 30 dias. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao TCU, Jorge Oliveira é ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência do atual governo.

Oliveira disse que concorda “no mérito”, com o relatório, mas alertou que o tribunal não deve extrapolar as suas atribuições e “desgastar” a relação entre as instituições. “(Peço) que o tribunal não extrapole suas funções, não faça desgastar uma relação que, por motivos alheios à nossa vontade, já está muito desgastada, que as instituições respeitem umas as outras”, disse. 

Segundo o ministro, o TCU poderia estar indo além das suas atribuições ao determinar, por exemplo, que a Saúde altere as suas campanhas de comunicação.

Em seu relatório, a área técnica do TCU sugeriu que os ministros já aprovassem a aplicação de multa a Pazuello, além do ex-secretário executivo da Saúde, Elcio Franco, do atual secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos da Saúde, Helio Angotti Neto; e do atual secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros. O tribunal pode aplicar multa de, no máximo, R$ 67,854 mil. Zymler, porém, optou por não seguir a área técnica e sugeriu a abertura de processos separados, que poderão levar às sanções.

O posicionamento do tribunal pode ter desdobramentos cruciais sobre o governo, principalmente se considerada a abertura de uma CPI da Covid no Senado, que tem justamente a missão de apurar a conduta do governo federal na gestão da crise na saúde. 

O TCU é, por definição, um órgão de assessoria do Congresso Nacional. Foi do TCU que saiu, em 2015, o relatório final que recomendava a rejeição das contas do governo Dilma Rousseff de 2014. O julgamento das chamadas “pedaladas fiscais” foi a base onde se ergueu o impeachment da ex-presidente.

Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou.

O que diz o relatório técnico do TCU

O relatório técnico do tribunal lista uma série de medidas tomadas pelo Ministério da Saúde em relação ao Plano de Contingência Nacional. No entendimento do TCU, as mudanças tiveram o efeito prático de apenas reduzir as responsabilidades da pasta.

O plano original previa, por exemplo, que o governo federal devia “garantir estoque estratégico de medicamentos para atendimento de casos suspeitos e confirmados para o vírus. Esse missão, porém, foi alterada para o papel de “apoiar nos processos de aquisição não programada de medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com covid-19, em articulação com as áreas técnicas demandantes”. 

O MS justificou que o financiamento da assistência farmacêutica é de responsabilidade das três esferas de gestão do SUS. Dessa forma, parte dos medicamentos é adquirida pelos Estados ou municípios, conforme pactuação e, por isso, caberia a cada ente a gestão de seus estoques.

O TCU, porém, apontou que, ao contrário do afirmado pelo ministério, a função de garantir estoque de medicamentos não se referia à responsabilidade de aquisição de todos os medicamentos, mas o monitoramento dos insumos essenciais e a aquisição, de forma a evitar desabastecimentos. “A alteração da ação, conforme realizada, tende a enfraquecer a gestão logística da pasta, atribuindo responsabilidade ao MS apenas para aquisições pontuais, não programadas, ou seja, sem planejamento, e levando ao abandono da função de controle do estoque, princípio essencial para fiscalização/monitoramento”, conclui.

O tribunal aponta ainda as alterações realizadas em ações de assistência farmacêutica, que representaram uma redução no escopo das atividades de gestão logística do ministério. 

Zymler também disse que o TCU irá acompanhar mais de perto os trabalhos da Fiocruz para produção de 100% da vacina de Oxford/AstraZeneca no País, o que deve ganhar corpo no segundo semestre. Hoje o laboratório público envasa os insumos que são enviados de fábrica na China. “Estamos um pouco preocupados com a Fiocruz. Ela tem diversas incumbências. Há percepção de que está estressada com diversas competências que lhe foram outorgadas na produção de vacinas e em outras ações de combate ao novo coronavírus”, disse o relator das ações da Saúde na pandemia.

O ministro ainda apontou preocupação pela queda na cobertura vacinal de crianças abaixo de 1 ano. Ele atribuiu os números à dificuldade de circulação por causa da pandemia, mas ponderou que há impacto das informações falsas. “Temos de reconhecer que há movimentos antivacina. Vinculados, e isso não é uma brincadeira, a movimentos terraplanistas”, disse ele.

O relator também apontou que falta planejamento da Saúde sobre o orçamento da pandemia. Ele ressaltou que nem sequer há discursos reservados em ação específica sobre a pandemia na proposta de lei orçamentária deste ano. “A chamada segunda onda, era anunciada e exigiam-se medidas adicionais de prevenção e preparo da estrutura de saúde. Não foi o que aconteceu, entretanto”, escreveu Zymler, em seu voto.

O relator disse que o Brasil caminha a passos largos para chegar ao topo no ranking de mortos em relação à população. Ele ainda lembrou que, se fossem países, Amazonas e Rio de Janeiro teriam as maiores taxas de mortos por 100 mil habitantes do planeta. 

A corte de contas chama a atenção para uma nota técnica da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, a qual chama a atenção para o fato de que não existe uma fórmula a ser seguida para o enfrentamento de pandemias em todo mundo, mas que os países com melhores resultados no controle da pandemia compartilham, ao menos, uma característica em comum: a adoção, de modo rápido possível, de medidas planejadas e coordenadas para o controle da disseminação do vírus, além da preparação do sistema de saúde para cuidar adequadamente das pessoas infectadas.

Veja abaixo os argumentos apontados pelo relator para pedir a abertura de processos três específicos sobre omissões da Saúde na pandemia. 

1. Comunicação falha

Em seu relatório, Zymler aponta que o ministério descumpriu determinações de criar uma estratégia de comunicação que atinja toda a população brasileira para a divulgação de medidas farmacológicas de eficácia comprovada.

O ministro afirma que a Saúde gastou cerca de R$ 290 milhões em campanhas de comunicação na pandemia, mas R$ 88 milhões foram destinados a propagandas sobre o agronegócio e a retomada das atividades comerciais. Ele também cita reportagem do Estadão que revelou que o aplicativo TrateCov, da Saúde, indicava cloroquina até para um bebe recém-nascido com diarréia e náusea.

Para Zymler, a conduta do ministério pode caracterizar omissão e desvio de finalidade no uso de recursos para campanhas de comunicação, pois as peças serviram para informar sobre cuidados sérios contra a covid-19.

2. Falta de assistência farmacêutica

O relator também propôs um processo separado para avaliar omissões na definição de responsabilidades sobre monitoramento de estoques e distribuição de medicamentos e insumos. 

O relator afirma que o tribunal já havia recomendado mudanças na gestão da Saúde em ações deste tipo, mas a pasta seguiu na direção contrária. Em vez de ampliar a sua liderança, o ministério mudou o plano de contingência para se isentar de responsabilidades como monitorar estoques nacionais de insumos para diagnóstico e medicamentos para a covid-19. 

Segundo Zymler, a Saúde pode ter contrariado a lei de criação do SUS ao fugir de responsabilidades na pandemia. Ainda assim, o relator disse que a Saúde não feriu uma determinação anterior do tribunal, apenas interpretou à sua maneira. “É uma percepção diferencial do Ministério da Saúde acerca das determinações do tribunal e eventualmente do que a lei e regulamentos sugerem”, disse Zymler.

3. Estratégia de testagem falha

Segundo o relator, a área técnica do TCU não encontrou qualquer organização na estratégia de testagem da população. “Surpreende que o Brasil tenha implantado como estratégia esperar que os cidadãos com sintomas procurem os serviços de saúde e realizem um teste de detecção da doença, sem estabelecer qualquer meta, ação ou objetivo de acordo com os resultados”, afirma a área técnica do tribunal.

O tribunal cita estoque de testes prestes a vencer, revelado pelo Estadão, e afirma que com estes exames a Saúde poderia ter conduzido ampla estratégia de testagem. A área técnica do órgão disse ainda que a distribuição dos exames não obedece a nenhum critério.

Mateus Vargas e André Borges, O Estado de S.Paulo, em 14 de abril de 2021 | 17h24 / Atualizado 14 de abril de 2021 | 18h23

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