segunda-feira, 12 de abril de 2021

Como poluição sonora pode prejudicar seu coração

Em 2011, o Aeroporto de Frankfurt, o mais movimentado da Alemanha, inaugurou sua quarta pista de pousos e decolagens. A novidade provocou grandes protestos, com manifestantes marcando presença no saguão todas as segundas-feiras durante anos.

"Está destruindo minha vida", disse um manifestante à agência de notícias Reuters um ano depois.

"Cada vez que vou ao meu jardim, tudo que consigo escutar e ver são os aviões."

Como a poluição sonora influencia até na obesidade

Há relações cada vez maiores entre o barulho a que somos expostos diariamente e a nossa saúde. (Crédito da foto: Leon Neal / Getty Images).


O segundo maior perigo global à saúde humana (depois da covid-19) que encurta nossa vida em quase 2 anos

A nova pista também levou dezenas de aeronaves a passarem diretamente sobre a casa de Thomas Münzel, um cardiologista do Centro Médico Universitário de Mainz, na Alemanha.

"Morei perto de uma Autobahn alemã (nome dado a rodovias sem limite de velocidade) e perto dos trilhos de trem do centro da cidade", diz ele.

"O ruído das aeronaves é, de longe, o mais irritante."

Münzel tinha lido um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2009 que relacionava a poluição sonora a problemas cardíacos, mas as evidências na época eram escassas.

Movido em parte pela preocupação com a própria saúde, em 2011, ele mudou o foco de sua pesquisa para aprender mais sobre o tema.

A exposição a ruídos altos é há muito tempo associada à perda de audição. Mas o barulho de aviões e carros cobra um preço que vai além dos ouvidos.

O barulho do trânsito foi indicado como um grande fator de estresse fisiológico, ficando depois da poluição do ar, e em pé de igualdade com a exposição ao fumo passivo.

Na última década, um número cada vez maior de pesquisas vinculou o barulho de aeronaves e do trânsito nas rodovias a um risco elevado de doenças cardiovasculares.

E os cientistas também estão começando a identificar os mecanismos que estão em jogo.

Estimativas sugerem que cerca de um terço das pessoas na Europa e nos Estados Unidos estão regularmente expostas a níveis de ruído prejudiciais à saúde, geralmente definidos como aqueles a partir de cerca de 70 a 80 decibéis.

Para efeito de comparação, uma conversa normal alcança normalmente cerca de 60 dB, carros e caminhões em torno de 70 a 90 dB, enquanto sirenes e aviões podem atingir 120 dB ou mais.

Vários estudos associam a exposição crônica a esse tipo de ruído a um risco maior de problemas de saúde.

Pessoas que moram perto do aeroporto de Frankfurt, por exemplo, apresentam risco 7% maior de derrame do que aquelas que moram em bairros semelhantes, mas mais silenciosos, de acordo com um estudo de 2018 que analisou dados de saúde de mais de um milhão de pessoas.

Uma análise de quase 25 mil mortes por doenças cardiovasculares de 2000 a 2015 entre pessoas que moram perto do Aeroporto de Zurique, na Suíça, mostrou aumentos significativos da mortalidade no período noturno após sobrevoos de aviões, sobretudo entre mulheres, conforme uma equipe de pesquisadores registrou recentemente no European Heart Journal.

À medida que os cientistas investigam a fisiologia por trás das consequências cardiovasculares da poluição sonora, eles chegam mais perto de um culpado: mudanças dramáticas no endotélio, o revestimento interno das artérias e vasos sanguíneos.

Esse revestimento pode ir de um estado saudável para "ativado" e inflamado, o que pode ter desdobramentos potencialmente sérios.

As cidades são locais notoriamente barulhentos, mas é complicado separar os efeitos do ruído de outros tipos de poluição. (Crédito da foto: Phillippe Lopez / Getty Images)

O caminho do ruído até os vasos sanguíneos é mais ou menos assim: quando o som chega ao cérebro, ele ativa duas regiões importantes — o córtex auditivo, que interpreta o barulho, e a amígdala, que gerencia as respostas emocionais a ele.

À medida que o barulho fica mais alto, e especialmente durante o sono, a amígdala ativa uma reação de "fuga ou luta" do corpo — mesmo que a pessoa não tenha consciência disso.

Uma vez iniciada, essa resposta ao estresse libera hormônios como adrenalina e cortisol. Algumas artérias se contraem, outras dilatam, a pressão arterial sobe, a digestão fica mais lenta, enquanto os açúcares e as gorduras inundam a corrente sanguínea para uso rápido dos músculos.

A reação em cascata ao estresse também estimula a criação de moléculas prejudiciais que causam estresse oxidativo e inflamação no revestimento dos vasos sanguíneos.

Este endotélio disfuncional interfere no fluxo sanguíneo e afeta outros processos que, quando comprometidos, contribuem para uma série de doenças, incluindo pressão alta, acúmulo de placa nas artérias, obesidade e diabetes.

Estudos realizados em pessoas e cobaias animais mostram que o endotélio já não funciona tão bem depois de apenas alguns dias de exposição noturna ao barulho de aviões. Isso sugere que o ruído alto não é uma preocupação apenas para pessoas que já apresentam risco de problemas cardíacos e metabólicos.

Adultos saudáveis ​​submetidos a gravações de trem enquanto dormiam tiveram a função dos vasos sanguíneos comprometida quase que imediatamente, de acordo com um estudo de 2019 feito por Münzel e seus colegas.

"Ficamos surpresos que os jovens, depois de ouvir esses sons por apenas uma noite, apresentassem disfunção endotelial", diz Münzel, que também é coautor de uma revisão de estudos sobre ruído e saúde cardiovascular.

"Sempre pensamos que isso fosse algo que levasse anos para se desenvolver."

Ampliações de aeroportos geraram protestos em muitas partes da Europa por parte de moradores que reclamam do barulho. (Crédito da foto: Loic Venance / Getty Images).

Enquanto novos dados continuam a surgir, desvendar sua causa e efeito ainda parece complicado.

Não é fácil conduzir experimentos de sono de longo prazo, ou distinguir entre os efeitos do ruído diurno e noturno, ou os efeitos do próprio ruído versus os efeitos combinados da poluição sonora e do ar (que muitas vezes andam juntos).

As consequências do ruído ambiental também são difíceis de analisar devido à natureza subjetiva do som, diz Andreas Xyrichis, cientista de serviços de saúde da Universidade King's College London, no Reino Unido.

Xyrichis estuda unidades de terapia intensiva de hospitais, onde telefones tocando e o barulho de pratos de comida podem ser reconfortantes ou prejudiciais à recuperação, dependendo do paciente.

"Estamos realmente tentando fazer essa distinção entre níveis de decibéis e percepção de ruído", diz ele.

Questões em aberto, há um reconhecimento cada vez maior das conexões entre poluição sonora e redução da saúde física.

Um relatório de 2018 da OMS observou que, a cada ano, os europeus ocidentais estão perdendo coletivamente mais de 1,6 milhão de anos de vida saudável por causa do barulho do trânsito.

Este cálculo é baseado no número de mortes prematuras causadas diretamente pela exposição ao ruído, assim como nos anos vividos com deficiências ou doenças induzidas pelo barulho.

E esse número tende a crescer. Em 2018, 55% das pessoas viviam em cidades e, em 2050, esse percentual deve chegar a quase 70%, estima a Organização das Nações Unidas (ONU).

A exposição a barulho excessivo durante a noite pode aumentar os níveis de estresse e levar a alterações na função dos vasos sanguíneos. (Crédito da foto: Alamy)

Alguns governos, atendendo a protestos da população, tentaram silenciar o clamor da urbanização adotando proibições de voos noturnos, incentivando tecnologias mais silenciosas e emitindo multas após reclamações de barulho.

As pessoas podem ajudar a si mesmas garantindo que seus quartos sejam o mais silenciosos possível, modernizando as janelas ou pendurando cortinas que reduzam ruído — e, se puderem, se mudando para bairros mais silenciosos.

Soluções mais baratas podem incluir usar tampões de ouvido à noite ou mudar o quarto para uma parte mais silenciosa da casa, de acordo com Mathias Basner, psiquiatra e epidemiologista da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, e presidente da Comissão Internacional sobre os Efeitos Biológicos do Ruído.

Ele acredita que as pessoas devam tomar essas medidas, mesmo que não se sintam especialmente incomodadas pelo barulho.

"Se você está morando em Manhattan, não vai notar o quão barulhento é depois de um tempo porque fica normal", explica.

"Mas, se você se habituou psicologicamente, isso não significa que não tenha consequências negativas para a saúde."

*Cypress Hansen BBC Future (Knowable Magazine*) Este artigo foi publicado originalmente na Knowable Magazine e foi republicado aqui sob uma licença Creative Commons. / Publicado em português pela BBC News Brasil, em 12.04.2121, há 5 minutos.

domingo, 11 de abril de 2021

Pandemia não anula a Constituição

Constituição dá à minoria parlamentar instrumentos para fiscalizar o Executivo. Foi esse o teor da decisão do ministro Barroso

Nenhuma circunstância excepcional, nem mesmo a maior crise de saúde em um século, justifica que se ignore a Constituição. E a Constituição confere à minoria parlamentar instrumentos para fiscalizar o Executivo. Foi esse, em essência, o teor da decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, ordenando que o Senado instaure uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), pedida por senadores de oposição, para apurar responsabilidades pela desastrosa administração da pandemia de covid-19.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), vinha procrastinando a instalação da CPI, sob o argumento de que o momento exige a total atenção das instituições no combate à pandemia. Ou seja, investigar a origem e a autoria dos gritantes erros que colaboraram para a disparada do número de mortos e para o colapso do sistema hospitalar era considerado secundário.

Mas, como bem lembrou o ministro Barroso, não cabe ao presidente do Senado adiar a abertura de uma CPI, em razão de suas conveniências políticas, se o requerimento de instalação da comissão cumprir os requisitos constitucionais – número mínimo de assinaturas, existência de fato determinado e limite de tempo de investigação. No caso da CPI da Pandemia, esses requisitos haviam sido atendidos, como demonstraram os senadores no mandado de segurança que apresentaram ao Supremo para contestar a procrastinação.

O ministro Barroso foi didático ao explicar, em seu despacho, que a CPI é instrumento que “viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática”. Isso fica claro, disse o ministro, quando se observa que o quórum necessário para a abertura da CPI “é de um terço dos membros da Casa legislativa, e não de maioria”, razão pela qual “sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante ou mesmo ao alvedrio dos órgãos diretivos das Casas legislativas”.

Há precedentes para a decisão do ministro Barroso: igualmente provocado por parlamentares de oposição, o Supremo mandou instalar a CPI dos Bingos, em 2005, para apurar escândalo envolvendo um ex-assessor do então ministro da Casa Civil, o petista José Dirceu; e a CPI do Apagão Aéreo, em 2007, para investigar problemas no sistema de tráfego aéreo após o choque entre um Boeing e um jatinho que matou 154 pessoas um ano antes. Nos dois casos, o Supremo interveio em razão das tentativas das Mesas Diretoras do Congresso de adiar a instalação das comissões, violando o direito da minoria.

O presidente do Senado disse que vai cumprir a determinação do ministro Barroso, mas declarou que se trata de “um ponto fora da curva” ante “a gravidade da pandemia”, que “nos exige união”. Além disso, declarou que a CPI pode ser “o coroamento do insucesso nacional do enfrentamento da pandemia” e que pode servir como “palanque político”, em “antecipação de discussão político-eleitoral de 2022”, em referência à eleição presidencial.

O raciocínio é flagrantemente falacioso, em muitas dimensões. Em primeiro lugar, “ponto fora da curva” é descumprir a Constituição. Em segundo lugar, se há “insucesso” no enfrentamento da pandemia, não se deve a nenhuma CPI, que nem existe ainda. Ademais, quem tem usado a pandemia para antecipar a campanha eleitoral é o presidente Jair Bolsonaro. Por fim, mas não menos importante, se quer “união”, o presidente do Senado deve cobrá-la não do Supremo, que está somente cumprindo seu papel constitucional, e sim de Bolsonaro, cuja especialidade é desunir.

Bolsonaro reagiu à decisão do ministro Barroso da maneira habitual. Disse que “falta coragem moral” e “sobra ativismo judicial” ao ministro, a quem acusou de fazer “politicalha”, em conjunto com a oposição, “para desgastar o governo”.

Nem parece o Bolsonaro que, em 2007, aplaudiu a instalação da CPI do Apagão Aéreo, na expectativa de que desgastasse o governo do petista Lula da Silva. Em discurso na Câmara, o então deputado Bolsonaro declarou, sobre a responsabilidade pela crise, que “o comandante, o chefe, é sempre responsável por tudo o que acontece ou deixa de acontecer em seu quartel”.

Pois é justamente disso que se ocupará a CPI da Pandemia.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 11 de abril de 2021 | 03h00

Governo quer fim da Comissão de Anistia em 2022 e nega 90% dos pedidos de reconhecimento de anistiados

Ex-presidente Dilma é uma das que tem um pedido de anistia, que deveria ter sido analisado em março. Atual comissão não reconhece a ditadura, enquanto Governo reduz mecanismos do Estado que admitem a violência nos anos de chumbo contra quem discordava do regime militar.


A militante Rosa Cimiana dos Santos, filha do anistiado político Arthur Pereira da Silva. (Crédito da foto: Andressa Anholete)

O Brasil restaurou a democracia em 1985 sem acertar as contas com a história e a memória das vítimas do regime militar que durou 21 anos. Diferentemente de países como a Argentina ou o Chile, que levaram seus algozes para o banco dos réus antes de virar a página, o país se contentou com a Lei da Anistia, assinada em 1979 pelo general João Batista Figueiredo, que presidia o Brasil. A lei ‘perdoava’ militantes de esquerda, bem como militares acusados de crimes. Em 2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), uma outra pequena vitória para quem sofreu os abusos dos militares, com a criação do regime do anistiado político. O sistema indeniza quem sofreu perseguição e tortura do Estado durante a ditadura militar. A ex-presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, é uma das que pleiteia hoje esse benefício após ter passado dois anos sob tortura na prisão durante o regime militar.

Mas, depois de quase 20 anos, sob um Governo entusiasta da ditadura, os benefícios de reparação da memória estão ameaçados. Houve uma queda exponencial nos deferimentos dos pedidos de anistia e um endurecimento das regras para solicitar o benefício durante a gestão Jair Bolsonaro (sem partido). Somente10% dos pedidos feitos até o momento foram deferidos. A queda nas aprovações vem desde o Governo Michel Temer (MDB), quando 13% dos requerimentos foram aprovados.

O status de anistiado político é concedido às pessoas que tenham sofrido perseguição por órgãos ou indivíduos ligados ao Estado brasileiro entre os anos de 1946 e 1988. A maioria dos reconhecidos como anistiados foi alvo de perseguição durante a ditadura entre os anos de 1964 e 1985. “Desde a gestão Temer, o Estado brasileiro nem pede mais perdão a quem a Comissão de Anistia entende que tem de receber uma reparação”, diz a professora de direito da Universidade de Brasília (UnB), Eneá Stutz e Almeida, conselheira da comissão entre 2009 e 2018. O pedido de desculpas era um importante gesto simbólico, no qual, após analisar minuciosamente os processos em que os requerentes solicitavam a anistia e avaliar que o pedido era justo, os membros do Conselho da Comissão da Anistia anunciavam: “Em nome do Estado brasileiro nós pedimos perdão”.

De 2016 para cá, alguns conselheiros passaram a insultar quem requisita o reconhecimento de que foi perseguido pela ditadura, conta a pesquisadora Stutz e Almeida. A afirmação é referendada por outras testemunhas. “Em uma das sessões, um conselheiro que é militar disse que os anistiados eram terroristas. Me revoltei e falei que os militares eram tarados porque eles tinham o prazer de dar choques em testículos ou em mamilos dos presos e presas, como fizeram com meu pai”, diz Rosa Cimiana, que hoje, aos 61 anos, é servidora pública. O pai de Rosa, Arthur Pereira da Silva, era um líder sindical do setor ferroviário e membro do Partido Comunista no Rio Grande do Sul. Eram credenciais suficientes naqueles anos de chumbo para ter seus 23 anos de direitos trabalhistas cassados. Ele foi preso em 1964, juntamente com outros dez companheiros. Alguns perderam os direitos políticos.

Quando foi solto, Silva passou a viver na clandestinidade porque ainda era perseguido. Chegou a enviar os filhos temporariamente para Argentina para fingir que tinha deixado o país, mas se mudou com a esposa para Goiânia e, depois, para Brasília.

Foi em 1979, quando Rosa, então com 20 anos, teve a alegria de testemunhar o primeiro passo para que a memória do seu pai fosse reconhecida. Em outubro daquele ano, com a ajuda do então deputado Ulysses Guimarães (MDB) ela conseguiu entrar na Câmara, pela primeira vez, para acompanhar a sessão que aprovou a Lei da Anistia. Desde então, passou a ser uma militante da causa e testemunhou todas as movimentações que se seguiram sobre as famílias prejudicadas pelo regime militar. Viveu a alegria, quando em 2003 seu pai, foi oficialmente anistiado – 21 anos após a sua morte. Também acompanhou quando os Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff (ambos do PT) reconheceram 40.548 pessoas como perseguidas políticas – cerca de 62% dos requerimentos de anistia apresentados foram aprovados no período.

Agora, o Governo do ex-capitão do Exército caminha a passos largos na sua tentativa de reescrever a história, negar a existência de uma ditadura que usou da perseguição política e de tortura, embora muitos ainda lutem para ter familiares mortos naquele tempo reconhecidos como vítimas do Estado. O objetivo, conforme relatado por interlocutores do Governo, é até o fim de 2022 extinguir a Comissão de Anistia, que é o colegiado responsável por analisar a documentação de todos os pedidos de reparação histórica feitos pelos perseguidos políticos. “É um revisionismo histórico que não pode ocorrer. Mas não dava para esperar nada diferente de quem já defendeu torturador da ditadura militar em discursos públicos”, ponderou Diva Santana, do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia.

Os primeiros passos já foram dados. Inicialmente, Bolsonaro retirou a comissão do guarda-chuva do Ministério da Justiça e o transferiu ainda em 2019 para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Assim, a deixou sob o comando da representante da ala ideológica do Governo, a pastora e advogada Damares Alves. Esse colegiado tem caráter consultivo e a decisão final sobre quem deve receber ou não reparações financeiras cabe à ministra.

Como um de seus primeiros atos, Damares decidiu que entre os 27 membros da comissão, sete seriam militares ou teriam algum vínculo direto com a família Bolsonaro. Dentre eles, o atual presidente da comissão, o advogado João Henrique Nascimento de Freitas, que já assessorou Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) quando ele era deputado estadual no Rio e atualmente é assessor-chefe adjunto no gabinete do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB). Também já advogou para o presidente Bolsonaro.

Em sua atuação independente da família Bolsonaro, Freitas foi o autor de pedidos polêmicos envolvendo anistiados. Foi ele quem pediu e conseguiu na Justiça por meio de uma ação popular a suspensão do pagamento da pensão à viúva do guerrilheiro de esquerda e antirregime militar Carlos Lamarca (1937-1971), assim como a do veto às reparações dadas a 44 camponeses, torturados na Guerrilha do Araguaia (1967-1974). Procurado pela reportagem, ele não se manifestou. Tampouco o fez o ministério, apesar de ter pedido mais tempo para levantar os dados solicitados.


Jair Bolsonaro e Damares Alves em setembro de 2020. (Crédito da foto: Adriano Machado / Reuters).

“Em nenhum momento a atual comissão admite que houve ditadura. Nas composições anteriores não era assim. Havia divergência entre os conselheiros, mas até mesmo quem era militar reconhecia o regime de exceção”, disse a professora Stutz e Almeida, que no último dia 31 lançou o livro “Justiça de Transição e Democracia”, obra que também aborda a anistia.

Desde o início da Gestão Bolsonaro, a ministra Damares Alves assinou 3.572 portarias que tratam de anistiados. Ela indeferiu o pedido de 2.402 (65%) requerentes, deferiu 363 (1,3%) e anulou 807 (33%) anistias que já haviam sido concedidas em outros Governos. As anulações são os que mais preocupam os ativistas. Vários dos atingidos por ela são idosos, com mais de 75 anos, que, muitas vezes tem como sua principal fonte e renda as prestações mensais que recebem da União — os valores são bastante variáveis, a reportagem identificou pagamentos de 135 reais até 22.000 reais. “Vivemos um momento de perdas de direitos. Primeiro foram os trabalhistas, depois os previdenciários, agora nem a memória é respeitada”, diz o advogado Humberto Falrene, que atua em casos envolvendo anistiados.

Caso Dilma Rousseff

Os números de indeferimentos poderiam ser maiores, caso não houvesse a pandemia. Desde o ano passado, a comissão permitiu que os requerentes que não se sentissem à vontade para viajar a Brasília ou enviar seus advogados poderiam solicitar o adiamento do julgamento que estivesse pautado. Uma das que usou dessa prerrogativa foi a ex-presidenta Dilma Rousseff, que já tivera o julgamento de seu caso adiado em 2019 a pedido de um dos conselheiros que analisava o processo.

Rousseff entrou com pedido de anistia em 2002. Ex-militante antirregime militar, ela foi presa e torturada quando era estudante universitária. Quando foi ministra do Governo Lula e quando presidiu o país ela pediu que seu processo ficasse parado. Ele retornou à pauta em fevereiro passado, mas a ex-presidenta e sua advogada, Paula Febrot não quiseram viajar para o julgamento em Brasília e pediram o adiamento por temor de exposição à pandemia. Uma nova sessão deveria ocorrer na última semana de março, mas não ocorreu e o ministério não justificou por que ela não aconteceu. A petista solicita uma prestação mensal no valor de 10.700 reais.

No seu requerimento, Rousseff alega que depois de ficar presa entre 1970 e 1972 ela foi expulsa da Universidade Federal de Minas Gerais, teve de prestar um novo vestibular para a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e enquanto trabalhou na Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul foi pressionada a se demitir. A ex-presidenta já recebeu três reparações em prestações únicas dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, que totalizam 72.000 reais. Ela afirma que doou parte desses valores à ONG Tortura Nunca Mais.

Além de Dilma há outros anistiados que pretendem postergar o quanto podem a análise de seus processos, na esperança de que haja uma mudança na mentalidade da comissão ou da ministra Damares. Conforme advogados ouvidos pela reportagem, é comum ouvir relatos de seus clientes que preferem pagar para ver se a comissão resistirá até 2023, quando pode haver um novo Governo eleito, do que gastar seu tempo com processos que dificilmente terão sucesso, já que a comissão tem mais vetado ou anulado anistias do que aprovado.

“O problema é que nossa lei foi de anistia capenga, anistiou os torturados e os torturadores. Por isso, temos de ficar brigando para defender o óbvio e contra o revisionismo histórico”, reclama Rosa Cimiana, que mesmo não tendo mais benefício financeiro algum, segue na luta pela memória das vítimas da ditadura.


Rosa Cimiana segura duas fotos com seu pai. (Crédito da foto: Andressa Anholete).

AFONSO BENITES, de Brasília para o EL PAÍS, em 1o de abril de 2021.

CPI da pandemia pode elevar pressão sobre Bolsonaro

Presidente vai enfrentar primeira comissão de inquérito que tem como alvo sua gestão. Outras administrações souberam controlar CPIs a seu favor, mas instalação de colegiado chega em hora complicada para o atual governo.


Presidente Jair Bolsonaro

"CPI a gente sabe como começa, mas não como termina", diz um axioma em Brasília que costuma ser atribuído ao ex-senador Jorge Bornhausen ou ao ex-deputado Ulysses Guimarães. Na próxima semana, pela primeira vez em mais de dois anos de mandato, o presidente Jair Bolsonaro vai passar a enfrentar a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que tem como objeto seu governo. O tema: a gestão do Planalto durante a pandemia.

A CPI chega em momento difícil para Bolsonaro, que enfrenta um cenário econômico caótico, uma interminável crise sanitária, índices de popularidade em queda e uma relação tumultuada com sua recém-expandida base de apoio no Congresso. Pesquisa Datafolha de março mostrou que 54% dos brasileiros reprovam desempenho de Bolsonaro na pandemia - apenas 22% aprovam. O país também passa pelo pior momento da pandemia, registrando regularmente marcas de mais de 3 mil e até 4 mil mortes por dia, com diversas cidades enfrentando o colapso das suas redes hospitalares.

O presidente reagiu com virulência à instalação da CPI, distribuindo, por exemplo, ataques ao STF. Bolsonaro costuma explorar episódios em que está sob pressão para energizar sua base radical e transferir a culpa de seus fracassos a outras forças políticas, mesmo quando tais reações podem ter alto custo político.

Segundo o pedido apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o objetivo da CPI é "apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas com a ausência de oxigênio para os pacientes internados".

O Brasil ultrapassou no sábado a marca de 350 mil mortes por covid-19 apenas 17 dias após cruzar a linha de 300 mil. Em pouco mais de um ano de pandemia, o governo se notabilizou por minimizar o perigo, sabotar medidas de distanciamento social, promover curas ineficazes, evitar articular uma política de enfrentamento nacional, além de promover teses infundadas sobre supostos riscos de vacinas e demonstrar desinteresse em garantir imunizantes para a população.

Em janeiro, um estudo conjunto da USP e da ONG Conectas Direitos apontou que o governo colocou em prática uma "estratégia institucional para propagar o coronavírus no país".  No mesmo mês, um instituto australiano apontou que nenhum país do mundo lidou de forma tão ruim com a pandemia do novo coronavírus como o Brasil.

No caso de Manaus, existe a suspeita de que o Ministério da Saúde decidiu não agir para impedir o colapso do sistema de saúde da cidade em janeiro, mesmo sabendo dos problemas de antemão.

A instalação da CPI

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse neste sábado (10/04) que vai realizar na próxima terça-feira a leitura em plenário do requerimento de criação da CPI da Pandemia, marcando oficialmente a instalação do colegiado.

A leitura do ato deve mostrar que o Senado está cumprindo a determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, que na última quinta-feira mandou Pacheco instalar a comissão de inquérito atendendo a um mandado de segurança apresentado por dois senadores. Pacheco vinha resistindo a instalar a CPI, mesmo com a oposição reunindo o número de assinaturas necessárias para a instalação da comissão. Até o momento, o requerimento reúne 32 nomes, mais do que os 27 necessários.

A ordem de Barroso, por sua vez, não foi inédita. Em outras ocasiões, o STF também determinou a instalação de CPIs que reuniam assinaturas necessárias diante da resistência de presidentes do Senado e Câmara alinhados com o Planalto. Em 2005, a CPI dos Bingos só foi instalada após senadores da oposição recorreram ao STF. O mesmo ocorreu em 2007 na Câmara com a CPI do Apagão Aéreo e em 2014 com a CPI da Petrobras.

Em todas essas ocasiões, ministros do STF destacaram que a investigação parlamentar é um direito constitucional à disposição das minorias no Legislativo. O plenário do STF deve julgar na próxima quarta-feira a decisão de Barroso. A tendência, segundo vários veículos de imprensa, é que a decisão seja mantida.

Base mais frágil no Senado

Acuado pela crise persistente e os problemas de sua família na Justiça, Bolsonaro tratou de reconstruir pontes com o Congresso, em especial com a Câmara, Casa que tem prerrogativa de abrir um eventual processo de impeachment. O Planalto se envolveu diretamente nas eleições dos presidentes das duas Casas, o senador Pacheco e o deputado Artur Lira (PP-AL). Embora a articulação, que selou uma aliança mais ampla com o Centrão da Câmara, tenha afastado num primeiro momento o risco da abertura de um impeachment, as relações ainda continuam tumultuadas, com o bloco exigindo mais espaço no governo e uma gestão mais eficiente da pandemia.

Já no Senado, embora Pacheco ainda demonstre alinhamento com Bolsonaro - exemplificado por sua resistência em instalar a CPI -, a base do governo na Casa é mais frágil. Ao contrário da Câmara, não há um "Centrão" amplo no Senado que concentre demandas de parlamentares por cargos e verbas. Essa maior fragilidade foi justamente exposta pela CPI. A oposição não conseguiu articular movimento similar na Câmara, mas foi bem-sucedida no Senado.

Nos últimos meses, a Casa também entrou em choque aberto com o Planalto, especialmente em relação à política externa de Bolsonaro, chegando a rejeitar um embaixador indicado pelo governo para um posto em Genebra. Foi apenas a terceira rejeição do tipo na história da Casa. Apenas governos enfraquecidos como a segunda administração Dilma Rousseff (2015) e Jânio Quadros (1961) haviam sofrido derrotas similares em indicações para postos diplomáticos.

Senadores também fizeram campanha aberta pela saída de Ernesto Araújo do Itamaraty. Bolsonaro cedeu nesse ponto, mas ainda não abriu espaço para o Senado no governo. Não há nenhum ministro senador, ao contrário do que ocorre com deputados. A instalação da CPI deve aumentar o poder de barganha de senadores nas articulações com o Planalto.

As armas do governo

No momento, o Planalto trabalha para tentar convencer alguns senadores a retirarem suas assinaturas do requerimento para a criação da CPI para garantir que não haja o mínimo necessário. Segundo o regimento do Senado, parlamentares podem retirar assinaturas até a meia-noite do dia em que o requerimento de instalação da CPI for lido em plenário - o que está previsto para a próxima terça-feira.

Caso essa manobra não seja bem-sucedida, senadores governistas já atuam para atrasar o início dos trabalhos da comissão, tentando convencer algumas bancadas a não indicarem representantes para a CPI.

Governo tem menos apoio no Senado

A comissão é composta por 11 titulares e 7 suplentes. Não há normas que estabeleçam um prazo-limite para que blocos e partidos indiquem seus representantes. Não é incomum na história do Congresso que CPIs oficialmente criadas nunca sejam efetivamente instaladas. Caso isso ocorra, resta à oposição recorrer ao STF. Em 2005, senadores alinhados com o governo Lula executaram essa tática para a postergar o início da CPI dos Bingos. Parlamentares da oposição acionaram o Supremo, que determinou que o presidente do Senado indicasse nomes para a comissão.

Outra ferramenta que o governo pode usar é pressionar os senadores a expandirem o escopo das investigações, incluindo a gestão de estados e municípios, diluindo assim o foco no governo. Na sexta-feira, Bolsonaro já fez um questionamento nesse sentido. Um dos senadores que apresentou o pedido ao STF para a instalação da CPI, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), já manifestou ser favorável a essa ampliação, afirmando que a iniciativa acabaria "com as desculpas" de Bolsonaro contra a instalação da comissão.

Em governos anteriores, a tática clássica para enfraquecer uma CPI era assegurar o controle dos cargos mais importantes da comissão - a presidência e a relatoria. No entanto, o governo Bolsonaro tem menos presença no Senado para garantir esse cargos. Até aqui, além disso, o governo vem enfrentando problemas na articulação política para garantir uma base sólida e confiável no Congresso.

Se essas armas falharem, analistas acreditam que o governo pode apostar em táticas diversionistas, como ocorreu ao longo da CPMI das Fake News, em que testemunhas alinhadas ao governo aproveitaram o palco para distribuir ataques e mentiras, tumultuando as sessões.

Os riscos

CPIs têm poderes de investigação similares aos de autoridades judiciais, incluindo determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas, requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos, requerer a audiência de ministros, tomar depoimentos de autoridades federais e solicitar os serviços de autoridades policiais. No passado, CPIs obtiveram informações importantes por meio de depoimentos e quebra de sigilos. Ao encerrar os trabalhos, a CPI pode enviar as investigações e conclusões ao Ministério Público, resultando em desdobramento judiciais.

Caso seja realmente instalada, a CPI deve convocar os antigos responsáveis pela política de Saúde do governo Bolsonaro: os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e Eduardo Pazuello - o último já é alvo de um inquérito no STF por causa da gestão relapsa do governo na crise em Manaus. Teich e especialmente Mandetta hoje são críticos do governo. Pazuello, por sua vez, que atuou como um cumpridor de ordens de Bolsonaro em seus dez meses de gestão, demonstrou nervosismo quando pressionado por senadores em uma audiência em fevereiro. A CPI também pode jogar mais luz sobre a falta de empenho do governo em negociar a compra de vacinas ao longo de 2020 e a insistência do Planalto em promover curas ineficazes.

Bolsonaro e Pazuello. Ex-ministro é investigado por atuação em Manaus

Paralelamente, a CPI pode erodir a relação frágil de Bolsonaro com o Congresso. No momento, o governo e os parlamentares protagonizam embates sobre o Orçamento deste ano. Bolsonaro tenta vetar trechos do texto aprovado no Legislativo, que supera em mais de R$ 30 bilhões o limite do teto de gastos. Caso seja aprovado dessa forma, o Orçamento pode configurar crime de responsabilidade - o mesmo motivo que provocou a queda de Dilma Rousseff.

As negociações para tentar cortar o valor bilhões em emendas parlamentares do Orçamento voltaram à estaca zero por causa da CPI, que aumentou o poder do Senado na articulação. A disputa também colocou o Congresso em choque com o ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi acusado pelos parlamentares de tentar se eximir da sua participação no desenho do texto.

Para embolar ainda mais, Bolsonaro já demonstrou que pretende iniciar uma nova ofensiva contra o STF, algo que o Congresso quer evitar. Bolsonaro reagiu agressivamente à decisão de Barroso que determinou a instalação da CPI, acusando o ministro de fazer "politicalha" e fazendo ataques pessoais à sua biografia. O presidente ainda tentou reavivar velhas bandeiras da sua base de extrema direita, como o impeachment de ministros do Supremo.

Na mesma semana, ele criticou a decisão do Tribunal que autorizou estados e municípios a restringirem cultos e missas presenciais durante a fase mais aguda da pandemia. Bolsonaro vinha evitando fazer ataques diretos ao STF desde meados de 2020, quando seu antigo "faz-tudo" Fabricio Queiroz foi preso.

Mesmo com a CPI pairando, Bolsonaro também continua a demonstrar que não pretende adotar uma mudança profunda de rumo na gestão da pandemia. Um dia após Barroso ter concedido o mandado de segurança para a instalação da CPI, o Planalto veiculou em suas redes sociais uma campanha para incentivar o uso de máscara e o distanciamento social contra a disseminação do coronavírus. O timing das peças publicitárias não passou despercebido, já que nos últimos meses o presidente havia desestimulado publicamente o uso de máscaras.

No entanto, a mudança de tom mal durou 24 horas. No sábado, Bolsonaro foi a uma igreja sem usar máscara e voltou a criticar medidas de distanciamento social.

Mas nas últimas semanas há sinais de que a paciência do Congresso em relação ao tema está se esgotando. No final de março, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaçou se afastar do governo caso o Executivo não mudasse sua abordagem de combate à pandemia. "Estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar", disse Lira. "Tudo tem limite."

Histórico

Algumas CPIs tiveram profundo impacto na política brasileira. Em 1992, a CPI que investigou o Esquema PC Farias causou profundo desgaste ao então governo de Fernando Collor. A comissão forneceu um palco para os acusadores do presidente, que enfrentava suspeitas de se beneficiar de um esquema de corrupção para financiar seus gastos de luxo.

Eduardo Cunha foi cassado após mentir para CPI

Sob pressão, o círculo do presidente chegou a apresentar à CPI documentos forjados que tentavam dar um verniz de legalidade ao dinheiro. Mas a farsa foi logo revelada e a CPI concluiu que o presidente tinha ligações com o esquema. O relatório final da comissão acabou embasado o bem-sucedido pedido de impeachment de Collor. No ano seguinte, a CPI do Orçamento levou à cassação de seis parlamentares. Em 2005, a instalação da CPI dos Correios elevou a pressão sobre o deputado Roberto Jefferson, que acabou revelando em uma entrevista o funcionamento do esquema do Mensalão.

Mas o poder das CPIs entrou em declínio a partir do final dos anos 2000. Em 2013, a cientista política Argelina Figueiredo apontou num estudo que as CPIs no Congresso haviam perdido sua eficácia e se tornado instrumentos de governo, com membros da base aliada ocupando sucessivamente cargos importantes nas comissões. A própria instalação e prorrogação de CPIs de pouco impacto político também passou a ser uma forma de impedir a criação de colegiados que poderiam se debruçar sobre temas mais espinhosos - na Câmara, apenas cinco CPIs podem funcionar simultaneamente. Mesmo assim, algumas CPIs ainda tiveram impacto localizado. O ex-deputado Eduardo Cunha foi cassado por mentir à CPI do Petrolão sobre suas contas na Suíça.

O declínio das CPIs também coincidiu com o início de um papel mais ativo da Polícia Federal, do Judiciário e do Ministério Público em investigações envolvendo políticos, especialmente após a eclosão da Operação Lava Jato em 2014. Já a instalação da CPI da pandemia ocorre em um momento totalmente oposto, com a PF e a Procuradoria-Geral da República alinhadas com o governo e demonstrando pouca inclinação para investigar irregularidades cometidas pelo governo na gestão da crise sanitária.

Deutsche Welle Brasil, em 11.04.2021

Brasil tem 1.803 mortes por covid em 24 horas

País acumula mais de 353 mil vítimas, dos 13,5 milhões de infectados com o coronavírus desde o início da pandemia. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes chega a 168.

Passageiros de máscara protetora em metrô lotado do Rio de Janeiro

O Brasil registrou oficialmente 37.017 novos casos confirmados de covid-19 e 1.803 mortes ligadas à doença neste domingo (11/04), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 13,482 milhões, enquanto os óbitos chegaram a 353.137. Ao todo, cerca de 11,8 milhões de pacientes se recuperaram da doença, segundo o Ministério da Saúde (o Conass não divulga número de recuperados).

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 168, a 14ª mais alta do mundo, desconsiderado o Estado-nanico San Marino. Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 31 milhões de casos, e seguido de perto pela Índia, com 13,36 milhões. É também o segundo em número de mortos por covid-19, depois dos 562 mil em solo americano.

Ao todo, quase 136 milhões já contraíram o coronavírus no mundo, e 3 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença respiratória, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

Deutsche Welle Brasil, em 11.04.2021

Bolsonaro age como 'monarca presidencial', diz Celso de Mello

Na avaliação de Celso, a determinação, por Barroso, de abertura da CPI da Covid no Senado foi uma decisão "corretíssima" e ancorada em uma série de precedentes firmados pelo próprio Supremo  


Celso de Mello, Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. (Crédito da foto: : Monique Renne/CB/D.A Press)

Na decisão em que mandou o Senado abrir uma CPI para investigar a atuação do governo na pandemia, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, mencionou 12 vezes o nome de Celso de Mello. O ministro aposentado foi relator de três casos que embasaram a decisão do colega, que se tornou alvo do presidente Jair Bolsonaro. O chefe do Executivo acusou Barroso de "militância política" e "politicalha". Ao Estadão, Celso disse que Bolsonaro age como um "monarca presidencial" e "revela a face sombria de um dirigente político que não admite nem tolera limitações ao seu poder".

Na avaliação de Celso, a determinação, por Barroso, de abertura da CPI da Covid no Senado foi uma decisão "corretíssima" e ancorada em uma série de precedentes firmados pelo próprio Supremo. O ministro aposentado também rechaçou os ataques feitos por Bolsonaro ao seu ex-colega de Corte.

"Um presidente da República que não tem o pudor de ocultar suas desprezíveis manifestações de desapreço pela Constituição da República e pelo princípio fundamental da separação de poderes, que atribui aos seus adversários a condição estigmatizante de inimigos e que se mostra disposto a atingir, levianamente, o patrimônio moral de um dos mais notáveis juízes do Supremo Tribunal Federal que proferiu corretíssima decisão, em tema de CPI, inteiramente legitimada pelo texto constitucional e amplamente sustentada em diversos precedentes firmados pelo plenário de nossa Corte Suprema, revela, em seu comportamento, a face sombria própria de um dirigente político que não admite nem tolera limitações ao seu poder, que não é absoluto, comportando-se como se fosse um paradoxal 'monarca presidencial'!", escreveu o ministro aposentado à reportagem.

"Mais do que nunca, torna-se necessário que o Supremo Tribunal Federal, agindo, como sempre agiu, nos estritos limites de sua competência institucional, atue com o legítimo objetivo de repudiar comportamentos presidenciais quando estes se revelarem transgressores do princípio da separação de poderes ou se mostrarem lesivos à supremacia da ordem constitucional!", acrescentou Celso.

Ainda de acordo com o ex-decano do Supremo, um verdadeiro líder político, que ostente o perfil de estadista, "há de preocupar-se em respeitar a institucionalidade legitimamente estabelecida, em submeter-se à autoridade da Constituição e das leis da República, em cumprir fielmente e sem tergiversações os comandos judiciais a ele dirigidos e em exaltar a liberdade dos cidadãos, o primado dos valores democráticos e a dignidade essencial do ser humano".

Apagão

Em 2007, o então ministro Celso de Mello deu decisão similar à de Barroso, dirigida ao então presidente Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT), que tentava contornar a instalação da CPI do Apagão Aéreo com uma votação em plenário, embora a oposição já tivesse levantando as assinaturas necessárias para abrir a investigação sobre a crise do sistema de tráfego aéreo do País.

Na época, Bolsonaro era deputado, atuava em oposição ao governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e defendeu uma atuação do Supremo no caso. "Eu espero que o Supremo tenha, apesar do que eu falei aqui, é o Supremo... Espero que tenha uma decisão lá voltada para a razoabilidade e deixe instalar a CPI", disse Bolsonaro durante uma entrevista à TV Câmara, veiculada em 2007.

Hoje, Bolsonaro comanda o Palácio do Planalto, Lula está na oposição e a CPI da Covid conta com o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofre resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado do governo que chegou ao cargo com apoio do chefe do Executivo.

Poderes

Na sexta-feira, Bolsonaro afirmou, em suas redes sociais, que falta "coragem moral" a Barroso por se omitir de também ordenar a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte. Após os ataques, o Supremo divulgou uma nota institucional em que afirma que seus integrantes tomam decisões conforme a Constituição e ressalta que, dentro do estado democrático de direito, questionamentos sobre essas decisões devem ser feitos no âmbito dos processos, "contribuindo para que o espírito republicano prevaleça" no País.

Barroso, por sua vez, afirmou que, ao ordenar a abertura da CPI da Covid, se limitou a "aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros".

Celso de Mello se despediu do Supremo em outubro do ano passado, ao completar 75 anos. Entre seus últimos atos no tribunal, cuidou do inquérito que investiga acusações de interferência política indevida de Bolsonaro na Polícia Federal e determinou que o presidente prestasse depoimento presencial. Até hoje, o plenário da Corte não resolveu a controvérsia.

Correio Braziliense, em 11.04.2021

Mundo ainda tem países sem uma única dose de vacina

Enquanto em nações como EUA e Reino Unido a vacinação contra a covid-19 avança rápido, em outras partes do planeta a campanha sequer começou.

Paciente com covid-19 na África do Sul: país teve acesso a vacinas, mas vários vizinhos, ainda não

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 600 milhões de doses de vacina contra a covid-19 já foram aplicadas em todo o mundo. Mas a discrepância entre países é alta: enquanto, por exemplo, quase 100% da população de Gibraltar já foi vacinada, países como a Nicarágua ainda aguardam as primeiras doses.

Uma situação descrita pelo secretário-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, como um absurdo: recentemente, ele apelou para que a produção global fosse aumentada, e as vacinas, distribuídas de forma justa para enfrentar a fase aguda da pandemia.

No mapa global de vacinação, ainda há uma faixa inteira de países africanos aguardando a chegada de doses - da Líbia a Madagascar. Esses países não figuram sequer nas estatísticas de vacinação da OMS. O quadro é semelhante na Ásia Central, assim como em países como Coreia do Norte, Cuba e Bósnia-Herzegóvina. Isso não significa, no entanto, que estes países não tenham recebido absolutamente nenhuma vacina até o momento. A Bósnia deverá receber sua primeira grande entrega direta no final de maio, mas já teve acesso a algumas doses doadas pela vizinha Sérvia.

Países africanos sem vacina

"Com relação à África, temos a boa notícia de que 44 países já receberam o fornecimento de vacinas. Mas, ao mesmo tempo, isso também significa que dez países não receberam até agora nenhuma vacina", diz Clemens Schwanhold, da ONG de combate à pobreza ONE.

Madagascar, Burundi e Eritreia estão entre em que os governos acreditavam que o vírus poderia ser combatido por outros meios. A Tanzânia, entretanto, passou por uma mudança de opinião após a morte repentina do presidente John Magufuli, um negacionista da ciência, após rumores não confirmados de uma infecção pela covid.

Schwanhold acredita que o governo liderado pelo sucessor de Magufuli, o presidente Samia Suluhu Hassan, provavelmente encomendará vacinas nas próximas semanas. "Ainda vai levar alguns meses, talvez algumas semanas, até que algo chegue", comenta.

Maioria das doses nas mãos de UE e EUA

"Nenhum de nós é seguro até que todos estejamos seguros" é um mantra sobre a covid-19 - e é a ideia por trás do programa Covax de proporcionar acesso global à vacinação. Os Estados-membros da OMS foram divididos em dois grupos. Um é formado por 98 países mais ricos, que estão financiando o fornecimento subsidiado ou gratuito de vacinas para os 92 países mais pobres.

"O problema é que não há muito mais doses de vacinas disponíveis porque a UE e os Estados Unidos já asseguraram a grande maioria delas", diz Sonja Weinreich, responsável pelas questões de saúde na organização Brot für die Welt (pão para o mundo), uma agência de assistência administrada pelas igrejas protestantes na Alemanha. "Portanto, este mecanismo não vem sendo capaz de se impor adequadamente porque essa solidariedade simplesmente não existe".

Uma grande coalizão de organizações de ajuda e outros grupos tem exigido a renúncia às patentes de vacinas da covid para ajudar a enfrentar este problema. "Isso permitiria que os países mais pobres - ou todas as empresas em todo o mundo - que são capazes de produzir vacinas, fizessem exatamente isso. Isso simplesmente teria que caminhar de mãos dadas com a transferência de tecnologia relevante", diz Weinreich.

Brot für die Welt é uma das organizações por trás desta demanda. Um argumento, diz ela, é que as vacinas foram parcialmente desenvolvidas e produzidas com fundos públicos: "Não é aceitável que algo seja financiado publicamente e, em seguida, os lucros sejam privatizados", comenta.

A indústria farmacêutica, por outro lado, argumenta que a patente não é o ponto. Nathalie Moll, diretora-geral do grupo de lobby da indústria, a Federação Europeia das Associações e Indústrias Farmacêuticas (EFPIA), disse à DW no final de março: "Se uma empresa entra em contato com outra para expandir a produção de vacinas, muito know-how técnico tem que ser transferido, para que as vacinas possam ser produzidas com segurança e eficiência nas quantidades necessárias. Trata-se de muito mais do que propriedade intelectual". Segundo ela, 250 licenças já haviam sido distribuídas em todo o mundo para expandir a capacidade de produção.

Covax, uma iniciativa realista?

A Índia - vital para o fornecimento mundial de vacinas - recentemente restringiu a exportação. O governo quer manter os suprimentos no país, que está atualmente registrando níveis recordes de infecção. Os EUA também não exportaram praticamente nenhuma vacina, enquanto a União Europeia tem permitido o envio de suprimentos para países mais pobres.

Mas tanto Sonja Weinreich quanto Clemens Schwanhold estão otimistas quanto ao fato de que o principal objetivo do programa Covax pode ser alcançado. O objetivo é vacinar pelo menos 20% da população de todos os 92 países beneficiários até o final de 2021, incluindo grupos de alto risco e pessoal médico.

"Acho que isso é viável", diz Weinreich. "Na Europa, a implementação da vacinação está começando a ganhar velocidade, e muito mais vacinas devem estar disponíveis", acrescenta ela.

A UE encomendou mais de quatro vacinas per capita de vários fabricantes, embora apenas duas, no máximo, sejam necessárias. O Canadá já encomendou mais de oito. Clemens Schwanhold explica que as questões de responsabilidade ainda precisam ser resolvidas antes que tal excesso de vacinas possa ser repassado aos países em necessidade.

Os fabricantes repassaram sua responsabilidade à maioria dos Estados que compram seus produtos devido ao tempo extremamente curto de entrega. "E é compreensível que a UE não queira ser responsabilizada por nenhuma reclamação em potencial se repassar doses de vacina", explica Schwanhold.

Ele diz que o sucesso da promessa da Covax depende de "todos os participantes se unirem quando se trata de financiamento e do fornecimento de matérias-primas". O bom, argumenta, é que "a Covax não tem que fazer tudo isso sozinha". A União Africana também encomendou significativamente mais de 500 milhões de doses de vacinas, diz ele: "Estou relativamente confiante de que teremos vacinado muito mais de 20% até o final deste ano".

Deustsche Welle Brasil, 11.04.2021

sábado, 10 de abril de 2021

A privatização da vacina está na mesa

Não há Brasil mais atrasado do que aquele reunido em torno da mesa de Washington Cinel, o ex-oficial da Polícia Militar que fundou uma empresa de segurança, a Gocil, e se tornou muito rico - hoje ele é dono de fábricas de alimentos a fazendas de gado de raça, além da casa, na região mais valorizada de São Paulo, onde recebeu o presidente Jair Bolsonaro para um jantar, na quarta-feira passada. 

Afeito ao lobby que desempenha profissionalmente na condição de presidente da Lide Segurança, Cinel não teve problemas em repetir o que fez nas campanhas do governador Doria, de quem era muito próximo, e reunir empresários, supostamente para responder à pressão sobre o presidente Bolsonaro, criticado pela condução da crise sanitária em uma carta assinada por economistas e CEOs de grandes grupos - Itaú, Klabin, Gerdau, Natura, Ambev, Gávea, Marfrig e Amaggi - no final de março. 

Como observou a colunista Maria Cristina Fernandes, do Valor, o estratagema funcionou (com uma ajudinha da imprensa), deixando indignados empresários que não participam do núcleo duro do bolsonarismo. Alguns nomes fortes do empresariado chegaram a declinar o convite, como Abílio Diniz, Frederico Trajano e Johnny Saad, da TV Bandeirantes. Nem mesmo a tentativa de Bolsonaro de fortalecer Paulo Guedes atraiu a elite financeira, segundo a colunista do Valor, desenganada com o poder real do ministro da Economia. 

Mas, se foram poucos os nomes reluzentes que compareceram, representados pelos banqueiros do Safra e do BTG, o CEO do Bradesco, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, e figuras do agronegócio como Rubens Ometto, da Cosan, sobraram endinheirados que aplaudiram com sinceridade mais um discurso obscurantista do presidente. Seus nomes podem não ser conhecidos nacionalmente, mas as fortunas são de peso. 

É o caso do médico Cândido Pinheiro Koren de Lima, que figura na recém-publicada lista da Forbes com uma fortuna de 1,8 bilhão de dólares, empatado no ranking com o filho, Jorge Pinheiro. O dinheiro da família vem da Hapvida, a empresa de saúde privada fundada por Cândido que é a maior do Nordeste, e só trouxe alegrias no último ano. A receita líquida cresceu 62,7% chegando a R$2,1 bilhões durante a pandemia de coronavírus. Tudo isso com absoluta lealdade ao presidente Bolsonaro. No ano passado, a Hapvida foi acusada de demitir um médico e ameaçar outros profissionais por não prescrever hidroxicloroquina aos pacientes de Covid-19. O protocolo que estipula o uso da droga continuou vigente pelo menos até o final do ano passado na rede de 33 hospitais e 90 clínicas da empresa, como apurou o site Marco Zero. 

Outro comensal que aplaudiu Bolsonaro foi Carlos Sanchez, dono da farmacêutica EMS, grande fabricante de medicamentos genéricos que obteve 5,6 bilhões de receita líquida em 2019 e cresceu 21% em 2020, mais do que o dobro da média do setor. Sanchez também produz hidroxicloroquina e forneceu medicamentos para um dos primeiros estudos sobre a eficácia (que não se comprovou) do medicamento, liderado pelo Hospital Albert Einstein. 

O presidente do Conselho do Hospital Albert Einstein, Claudio Lottenberg, que também foi CEO da Amil, uma das maiores operadoras de saúde privada no país, aliás, era outro que estava no jantar. Em um post publicado no mesmo dia no Linkedin, defendeu a vacinação privada. “Acredito que mais pessoas terão acesso à vacina contra a Covid se o setor privado entrar como aliado nesse processo”, disse.

Também na lista de bilionários da Forbes, Isaac Peres, dono da Multiplan, proprietária de shoppings de luxo como o Barra Shopping, no Rio, e o Shopping Morumbi, em São Paulo, era um dos mais entusiasmados. No ano passado, Peres chegou a chamar governadores de “tiranos” por decretarem o isolamento social que prejudicava seus negócios. Nada diferente do que repetiu mais uma vez Bolsonaro no jantar. Agora, Peres defende a vacinação privada e chegou a  oferecer os shoppings centers como locais de vacinação. 

Fecham a lista dos bilionários da Forbes presentes ao evento, o empresário Rubens Menin - que além de dono de uma construtora e de um banco é sócio majoritário da CNN (os donos de outras empresas de comunicação também estavam presentes como Jovem Pan, SBT e Alpha Comunicação); e Flávio Rocha, da Riachuelo, empresa que acumula ilegalidades trabalhistas incluindo o uso de mão-de-obra em condições análogas à escravidão.

Não será surpresa se a privatização da vacina e as fake news sobre isolamento social, propagadas pelos presentes, vierem a agravar a tragédia do país em que os mortos se contam a centenas de milhares e a vacinação patina, enquanto mais da metade da população simplesmente não tem a garantia de ter comida na mesa todos os dias. Também não interessa o número de brasileiros doentes e mortos em decorrência da prescrição de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina. Esses são os descartáveis para Bolsonaro e sua trupe. O que importa é que o número dos bilionários brasileiros na Forbes subiu de 45 para 65, multiplicando lucros e cabos eleitorais com muita bala na agulha. O espírito “público” desses empresários coincide perfeitamente com o do presidente.

Marina Amaral, co-diretora da Agência Pública 

Bolsonaro é alvo de 111 pedidos de impeachment, um por semana

Nesta semana, Câmara recebeu oito pedidos

Jair Bolsonaro já foi alvo de 111 pedidos de impeachment, média de um por semana no mandato.

Só nesta semana, em meio a sucessivos recordes de mortes por Covid, a Câmara recebeu oito pedidos de afastamento do presidente.

Leia: Empresário que organizou almoço de Bolsonaro com artistas está intubado com Covid

Em fevereiro, Bolsonaro ultrapassou Dilma e tornou-se o presidente mais alvejado com pedidos de impeachment.

Dilma foi alvo de 68 solicitações, seguida por Lula (37), Michel Temer (31), Fernando Collor (29), Fernando Henrique Cardoso (24) e Itamar Franco (4).

Por Eduardo Barretto, na revista Época, edição desta semana.

Empresas de jantar com Bolsonaro devem 186 milhões à União


SBT tem dívida de R$ 97,2 milhões

Cinco empresas representadas em um jantar com Jair Bolsonaro nesta quarta-feira em São Paulo devem R$ 186,4 milhões à União.

O SBT, representado pelo CEO José Roberto Maciel, deve R$ 97,2 milhões, segundo registros da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

(Empresários que jantaram com Bolsonaro não assinaram carta cobrando governo por combate à Covid)

A Cosan, cujo fundador e presidente do conselho de administração é Rubens Ometto, tem R$ 46,3 milhões em dívidas previdenciárias nessa lista.

Outra companhia inscrita na dívida ativa da União é o Banco Inter, fundado por Rubens Menin, que deve R$ 36,6 milhões.

O Habib's, representado no jantar por Alberto Saraiva, fundador e CEO, possui R$ 5,9 milhões em dívidas previdenciárias.

O Bradesco, onde Luiz Carlos Trabuco Cappi é presidente do conselho de administração, tem R$ 400 mil pendentes de FGTS.

(Empresa de Onyx deve R$ 816 mil à União há dois anos)

Por Guilherme Amado e Eduardo Barretto, na revista Época, edição desta semana.

Brasil tem 2.616 mortes por covid em 24 horas

País acumula mais de 351 mil vítimas, dos 13,4 milhões de infectados com o coronavírus desde o início da pandemia. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes ultrapassa 162.


Enterro à noite de vítima de covid-19 em São Paulo

O Brasil registrou oficialmente 71.832 novos casos confirmados de covid-19 e 2.616 mortes ligadas à doença neste sábado (10/04), segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Com isso, o total de infecções identificadas no país subiu para 13,445 milhões, enquanto os óbitos chegaram a 351.334. Ao todo, cerca de 11,8 milhões de pacientes se recuperaram da doença, segundo o Ministério da Saúde (o Conass não divulga número de recuperados).

Drama nas favelas do Brasil: morrer de fome ou de covid-19

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes está em 167,2. Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 31 milhões de casos, e seguido da Índia, com 13,2 milhões. É também o segundo em número de mortos por covid-19, depois dos mais de 560 mil em solo americano.

Ao todo, quase 135 milhões já contraíram o coronavírus no mundo, e 2,91 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença respiratória, segundo dados da plataforma Google News.

Deutsche Welle Brasil, em 10.04.2021

Na plateia de Bolsonaro, empresários são vistos como cúmplices da política que já matou 345.000 brasileiros

Projeto bolsonarista para o Brasil avança a passos largos amparado por uma iniciativa privada que apoiou sua eleição e agora é questionada pela inércia diante do quadro trágico que afeta seus próprios interesses. Memórias da ditadura vêm à tona

Mulher vítima de covid-19 é sepultada em um cemitério no Rio de Janeiro, na terça-feira, momento em que o país registrou 4.195 mortes em 24 horas. (Crédito da foto: Antonio Lacerda / EFE) 

O anúncio feito no início da semana de um jantar entre o presidente Jair Bolsonaro e líderes empresariais em São Paulo despertou interesse imediato: quem seriam as pessoas que, no momento mais crítico da pandemia no Brasil, quando mais de 345.000 pessoas morreram vítimas da covid-19, aceitariam sentar-se, num gesto de apoio, ao lado de um presidente negacionista que contribuiu para um resultado trágico como o de agora? O mistério foi revelado na noite de quarta-feira. Nomes de peso compareceram ao evento organizado por Washington Cinel, dono da empresa de segurança Gocil. Na plateia, além da presença de bolsonaristas tradicionais como Flávio Rocha (Riachuelo) e Alberto Saraiva (Habib’s), empresários como André Esteves, sócio do banco BTG, Rubens Ometto, presidente da Cosan, Paulo Skaf (presidente da Federação das Indústrias de São Paulo) e Davi Safra (do banco que leva o nome de sua família) também aceitaram participar.

Quem foi lá encontrou o Bolsonaro de sempre. Ao lado dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Marcelo Queiroga (Saúde), além do general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o presidente falou para convertidos. “Tem de olhar o lado bom do país. Os investidores estão acreditando no Brasil. Basta olhar, hoje, o leilão dos aeroportos. Não existe terra melhor do que essa!”, informou o jornal Valor Econômico, que teve acesso a gravação em áudio do encontro.

Num momento de extrema fragilidade na saúde e da democracia brasileira, os gestos de quem detém o poder econômico para com Bolsonaro são acompanhados com lupa. Em comum entre o grupo do jantar desta quarta, o fato de nenhum deles ter assinado o manifesto de líderes empresariais e economistas que cobra medidas mais rígidas de combate à pandemia, como o lockdown e uma política social mais consistente para com os vulneráveis. “O empresário que vai conversar com o Bolsonaro não necessariamente vai apoiá-lo nas próximas eleições”, afirma o economista Marco Bonomo, um dos autores do manifesto. “Temos que lembrar que os empresários são um grupo muito diverso, e uma parte está muito insatisfeita com a condução que o Governo federal está tendo da pandemia”, completa.

O fato é que o jantar rendeu enormes críticas e os empresários se viram associados ao que vem sendo chamado de política genocida. O chargista Carlos Henrique Iotti utilizou a arte para manifestar sua indignação com a estratégia de condução da pandemia do Governo.

Para Bolsonaro, porém, foi um dia de narrativa favorável ao gosto do seu público fiel. Nesta quarta, o Governo logrou arrecadar 3,3 bilhões de reais com o leilão de 22 aeroportos, um ágio médio de 3.822% em relação ao valor mínimo apresentado. E o presidente ainda ecoou suas teorias mais negacionistas. Criticou as medidas tomadas por prefeituras e Estados para combater a pandemia, defendeu a manutenção da abertura de igrejas, derrubada pelo Supremo nesta quinta, e até mesmo o “tratamento precoce” contra a covid-19. Pouco antes, havia sentenciado: “Não vai ter lockdown nacional”, durante passagem por Chapecó (SC), antes de viajar a São Paulo. Nenhuma menção às quase 4.000 pessoas mortas pela covid-19 em um único dia. Nenhum plano concreto de como acelerar a vacinação. Nada sobre medidas eficazes de amparo às pequenas e médias empresas.

Apoio na eleição, decepção na pandemia

Grande parte do PIB apoiou a eleição de Bolsonaro. Poucos se pronunciaram no primeiro ano, quando ele já dava sinais de investir numa diplomacia equivocada, que tem reflexos até hoje nas dificuldades para comprar vacinas. Ou quando atacava outras instituições e fazia campanha contra jornalistas, como Patricia Campos Mello. Mas o Congresso estava entregando a esperada reforma da Previdência em fevereiro daquele ano, cumprindo um dos compromissos do presidente com a economia liberal. Bolsonaro ainda teve o trunfo de anunciar o acordo do Mercosul com a União Europeia em junho de 2019 – que até hoje não saiu do papel. Para o poder econômico, não importava o que ele havia dito no passado, quando fazia loas à ditadura e tratava as mortes do regime militar de modo banal.

Mas em 2020 veio a pandemia e a banalidade com que o mandatário trata a morte mostrou seus efeitos devastadores. O projeto bolsonarista para o Brasil avançou a passos largos amparado por uma iniciativa privada acrítica. Foi só a partir do descontrole das mortes que empresários começaram a vir a público mostrar alguma insatisfação. Assim como os militares hoje são cobrados pelo endosso ao presidente, a classe empresarial passou a ser pressionada. “Não entendo hoje um empresário que fique ao lado de Bolsonaro, a não ser que seja para fazer parte do saque que eles estão fazendo no Brasil”, diz o economista José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília. Para ele, sequer as soluções liberais defendidas pelo Governo vieram a contento. “Só se a meta do Governo for reduzir o tamanho do Estado matando uma parte da população”, diz Oreiro.

Como exemplo, Oreiro cita o lobby do Governo para a aprovação no Congresso do camarote vip da vacinas, que visa facilitar a compra e o uso de imunizantes pelo setor privado, sem a necessidade de aprovação da Anvisa e sem ter de respeitar os grupos prioritários. “Até algumas semanas atrás, eu achava que o que estava em curso no Brasil era uma política de genocídio por incompetência, agora sei que é uma política de genocídio intencional”. O grupo Judeus pela Democracia também não se calou ao ver Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), sentado à mesa com o presidente. “A ida do presidente da Conib no jantar de empresários com Bolsonaro é inaceitável. Não nos representa como judeus ou brasileiros. Ir a um jantar com alguém que colabora com o genocídio e negacionismo da pandemia, no Dia da Lembrança do Holocausto, é uma página triste para a história da Conib”, manifestaram em rede social.

A compra das vacinas pela iniciativa privada é defendida por pessoas do núcleo duro bolsonarista, como Luciano Hang (Havan), Carlos Wizard e Washington Cinel, que organizou o encontro em São Paulo, mas não é unanimidade entre líderes empresariais. Muitos parecem ter acordado de que o não há mais espaço (e tempo) para fechar os olhos a escandalosos gestos como esse. É o caso do apresentador Luciano Huck, considerado um candidato da direita para 2022, que se posicionou contra o camarote vip das vacinas. “Eu vou tomar a vacina quando chegar a minha vez no SUS. #diganãoàfiladupla”, escreveu o apresentador no Twitter.

Outras personalidades do setor empresarial como Jorge Gerdau Johannpeter (Gerdau), Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles (ambos Itaú Unibanco) também vieram a público criticar o “falso dilema” entre salvar vidas e garantir o sustento da população, um dos argumentos mais recorrentes de Bolsonaro para justificar ser contrário a medidas mais rígidas como o lockdown. Os empresários fazem parte de um grupo de 1.700 lideranças que assinaram uma carta aberta a Bolsonaro no final de março. A iniciativa teve como resultado o criação de um comitê de crise para combater a covid-19. “Efetivamente, Bolsonaro fez aquele gesto de criar a comissão para a pandemia, mas ela não está funcionando, nenhuma medida concreta saiu dali”, conta Marco Bonomo, um dos idealizadores da iniciativa. “Bolsonaro não mudou de posição, continua contra o distanciamento social e o combate à pandemia se mantém descentralizado, sem uma coordenação nacional. Dizem que vem aí uma campanha para usar máscara, uma coisa que devia ter sido feita há um ano”, lamenta o professor.

Pouco a pouco, novas vozes abandonam o princípio de isenção. “Falou-se em ‘menos Brasília, mais Brasil’, mas não estou vendo esse mais ‘Brasil’ chegar aqui na sociedade, nos cidadão, nas grandes e pequenas empresas”, disse em tom de desabafo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, durante videoconferência com jornalistas na quarta-feira. Moraes não poupou críticas a políticos que, por “incompetência, falta de visão ou visão só eleitoral”, estão criando ruídos “inaceitáveis” na gestão da crise sanitária e econômica. “Não se percebeu ainda em Brasília a gravidade da situação e se perceberam, estão demorando demais para agir”, afirmou.

Muitos não vão abandonar o barco. É o caso do primeiro bolsonarista, Luciano Hang, cujo papel nas eleições de 2018 fez com ele ele fosse investigado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no caso do disparo de mensagens de WhatsApp em massa pró-Bolsonaro. Um levantamento realizado pela revista Forbes mostra que o Governo Bolsonaro tem feito muito mal para os negócios do dono da Havan: ele perdeu cerca de 5 bilhões de reais só em 2020. “A pessoa apoiar um sujeito que faz com que ele perca dinheiro, eu, como economista, me sinto incapaz de analisar. Isso é o tipo de comportamento para um psiquiatra, sociólogo, antropólogo”, afirma José Luis Oreiro.

Seja pelo julgamento da história ou pelo bolso, os empresários vão ser cobrados a tomar um posição pela postura – ou silêncio — em meio à pandemia, tal qual nos tempos da ditadura. Durante o “regime empresarial-militar”, termo cunhado pelo jurista Fabio Konder Comparato, o apoio da sociedade civil foi fundamental para manutenção do poder dos militares nos anos de chumbo. A mesma Fiesp que hoje senta à mesa com o Governo militar de Bolsonaro, realizava encontros para convidar empresas a colaborar com a ditadura ―“Ford e a Volkswagen forneciam automóveis, a Ultragás emprestava caminhões e a Supergel abastecia a carceragem militar com refeições congeladas”, conta o jurista em artigo. O inimigo mudou, é verdade: a subversão comunista deu lugar à ameaça petista. “Imagina se o [Fernando] Haddad tivesse ganhado a eleição? O Brasil teria afundado, tinha virado o caos social”, disse Bolsonaro durante o encontro, segundo o áudio obtido pelo Valor Econômico. Em resposta ouviu ovação de um dos presentes: “Estamos com o senhor. O Brasil não volta para ladrão e vagabundo”.

Das empresas que colaboraram com a ditadura, a história vem cobrando sua parte. Que o diga a Volkswagen, que no final do ano passado foi obrigada a reconhecer sua cumplicidade com os órgãos de repressão e a destinar 36,3 milhões de reais a ex-trabalhadores e iniciativas pró-memória. A preocupação de empresários que agora tentam descolar sua imagem de Bolsonaro é a consciência de que a história também não vai esquecer aqueles que o elegeram e não se importam em ter sua imagem associada a sua política que desfigura o Brasil.

REGIANE OLIVEIRA, de São Paulo para o EL PAÍS,  em 08 ABR 2021 - 19:55 BRT

Bolsonaro diz que decisão do STF sobre igrejas é 'absurdo dos absurdos'; ofensas a Barroso por CPI são 'lamentáveis', diz Moraes

Na sexta, Bolsonaro acusou Barroso de 'imprópria militância política' ao determinar instalação de CPI da Pandemia no Senado. Moraes afirmou que crítica é 'absolutamente equivocada' e 'descabida de relacionamento entre os poderes'.

O presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) neste sábado (10). Desta vez, Bolsonaro disse que a autorização dada a governadores e prefeitos para restringirem eventos presenciais em igrejas e templos é um "absurdo dos absurdos" e afronta a Constituição.

Na sexta (9), o presidente já tinha atacado o ministro Luís Roberto Barroso por ter determinado ao Senado a instalação de uma CPI sobre o enfrentamento do governo federal à pandemia de Covid (veja detalhes abaixo).

"Lamento superpoderes que o Supremo Tribunal Federal deu a governadores e prefeitos para fechar inclusive salas, igrejas, de cultos religiosos. É um absurdo dos absurdos. É o artigo quinto da Constituição. Não vale o artigo quinto da Constituição, não tá valendo mais, tá valendo o decreto do governador lá na frente", declarou Bolsonaro em visita a São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal.

Por 9 votos a 2, o STF decidiu que estados e municípios podem impor restrições a celebrações religiosas presenciais, como cultos e missas, em templos e igrejas durante a pandemia de Covid. A Advocacia-Geral da União (AGU) defendeu que essas restrições fossem proibidas.

O artigo 5º da Constituição Federal, citado por Jair Bolsonaro, trata dos direitos e deveres do cidadão – incluindo a liberdade de consciência e crença e o "livre exercício dos cultos religiosos".

Nos votos lidos em plenário, no entanto, os ministros favoráveis às restrições lembraram que outros eventos com aglomeração (não ligados à religião) também estão proibidos.

“Todos podem continuar a ler sua Bíblia em casa”, disse Barroso, por exemplo. “Os gestores locais que vão aferir sobre a imprescindibilidade ou não do direito de culto. Os fiéis também circulam e podem ser vetores de transmissão.”

Enquanto Bolsonaro visitava São Sebastião neste sábado, o ministro do STF Alexandre de Moraes rebateu, em um debate nas redes sociais, as críticas feitas pelo presidente ao ministro Luís Roberto Barroso.

Barroso determinou que o Senado instale a CPI da Pandemia, que foi protocolada em janeiro com o número mínimo de assinaturas previstas. Para Bolsonaro, o ministro do STF agiu com 'imprópria militância política'.

'Desempenho meu papel com seriedade', diz Barroso após acusação de Bolsonaro

Ao comentar o assunto neste sábado, Moraes disse concordar com a nota emitida pelo presidente do STF, Luiz Fux, e classificou a forma e o conteúdo das ofensas a Barroso como "lamentável".

"Digo a forma e o conteúdo porque não só o conteúdo é falso, absolutamente equivocado, mas a forma também. A forma grosseira, descabida de relacionamento entre os poderes", declarou Moraes.

"As pessoas conhecem o passado do Barroso, é um grande professor, grande defensor dos direitos humanos. Nós não concordamos sempre, mas nos respeitamos sempre, e é isso que está faltando um pouco no Brasil, entre as autoridades. Quem quer respeito deve respeitar também", prosseguiu.

Em resposta às críticas de Bolsonaro, na sexta, Barroso disse que cumpre o que é previsto na Constituição e desempenha o papel de magistrado com "seriedade, educação e serenidade".

O STF também emitiu nota em que diz que toma decisões "conforme a Constituição e as leis". O STF afirmou que eventuais questionamentos a decisões da Corte devem ser feitos por "vias recursais próprias, contribuindo para o espírito republicano".

A Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe) afirmou em nota que a declaração de Bolsonaro sobre Barroso agrava a crise da Covid e é "incompatível" com o respeito entre os poderes.

"Assim agindo, o presidente da República apenas gera transtorno, desgaste e polêmica entre as instituições, agravando a crise que o Brasil e o mundo atravessam e dificultando, com isso, o retorno ao estado de normalidade", acrescentou a entidade.

Por G1 e TV Globo — Brasília, em 10/04/2021 15h52  Atualizado há uma hora

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Livros só para ricos?

A concentração do consumo de livros é uma injustiça; não cabe ao governo utilizá-la para justificar uma política tributária que intensificará o problema

Em julho do ano passado, o governo federal propôs um projeto de lei para fusão do PIS e Cofins em um único tributo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Entre as alterações propostas está o fim da isenção dessas duas contribuições para o mercado de livros, com a cobrança da CBS com alíquota de 12%. Atualmente, o Congresso estuda o assunto no âmbito da reforma tributária, juntamente com as propostas em discussão na Câmara (PEC 45/19) e no Senado (PEC 110/19).

Em apoio ao projeto de lei para criar a CBS, a Receita Federal lançou recentemente um documento com perguntas e respostas sobre a fusão do PIS e Cofins – e o que lá está assusta. O documento da Receita Federal revela não apenas uma estreita mentalidade arrecadatória, mas uma impiedosa institucionalização das desigualdades sociais, a demonstrar desconhecimento da função social dos tributos.

Segundo a Receita Federal, não haveria problema em extinguir a atual isenção de PIS e Cofins para livros e papéis para impressão já que o consumo de livros está concentrado na faixa mais rica da população.

O documento menciona a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e que a maior parte desses livros é consumida por famílias com renda superior a 10 salários mínimos. “Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas, assim como é o caso dos medicamentos, da saúde e da educação no âmbito da CBS”, diz a Receita Federal.

A argumentação é de uma brutalidade desconcertante – pobres não consomem livros, então não há problema em aumentar a tributação – e ainda vem revestida de uma pretensa finalidade social – o dinheiro arrecadado poderá ser usado em “políticas focalizadas”.

De forma explícita, o governo federal ignora que esta realidade – a concentração do consumo de livros não didáticos nas maiores faixas de renda – é uma tremenda injustiça, que causa sérios e graves danos ao País. Não cabe dar um ar de normalidade a essa desigualdade, tampouco utilizá-la para justificar uma política tributária que intensificará o problema.

Não há possibilidade de desenvolvimento social e econômico de um país com um governo que não apenas acha que livros não didáticos podem ser restritos a quem ganha mais de 10 salários mínimos, como utiliza esse dado para justificar uma política que reforçará ainda mais essa desigualdade.

O argumento é simplesmente nefasto. O documento da Receita Federal dá a impressão de que o governo encontrou uma incrível oportunidade de arrecadação, ao descobrir que livros não didáticos são consumidos primordialmente pelas faixas de maior renda. É como se os livros pertencessem ao gênero “produtos de luxo”, como caviar, joias e charutos importados, cujo aumento de tributação não teria maiores efeitos sobre a população carente.

Infelizmente, essa nova tributação teria muitos efeitos sobre as faixas mais pobres da população. Com a proposta do governo federal, o acesso aos livros não didáticos ficaria ainda mais restrito, ainda mais elitista. Seria a institucionalização da leitura e do conhecimento exclusivamente para os mais ricos.

Diante de tamanho disparate, é preciso voltar à Constituição, que prevê, entre os objetivos fundamentais da República, “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Entre outras medidas para atingir esses objetivos, proíbe “à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. A lógica constitucional é bem diferente da lógica do governo federal.

O País precisa de uma profunda reforma tributária, mas seus objetivos devem ser a redução das desigualdades e o desenvolvimento social e econômico. Não é transformar a pobreza e a miséria em política pública.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 09 de abril de 2021 | 03h00

Apesar de mal-estar, STF deve confirmar liminar de Barroso que mandou abrir ‘CPI da Covid’

Barroso disse nesta sexta-feira que limitou-se a  'aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros'      

O ministro Luis Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, e próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Foto: Gabriela Biló / Estadão

Além de irritar o Palácio do Planalto, a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, que mandou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), abrir a “CPI da Covid”, provocou mal-estar em uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo assim, integrantes do STF e da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvidos reservadamente pela reportagem avaliam que é provável que a liminar do ministro seja mantida no julgamento, marcado para começar na próxima sexta-feira, 16 de abril. No entanto, há quem questione a conveniência de abrir os trabalhos de uma comissão em plena pandemia.

“Acho uma medida importantíssima (a decisão de Barroso), porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências, isso é muito importante”, disse ao Estadão/Broadcast o decano do STF, Marco Aurélio Mello. Um segundo ministro ouvido pela reportagem também acredita que a liminar vai ser mantida.

Um terceiro ministro, que pediu para não ser identificado, apontou que é posição pacífica do Supremo que se a CPI tiver um objeto específico e houver um terço de assinaturas para sua instalação, é direito da minoria ver a investigação ser aberta, como se trata no caso. No entanto, esse magistrado ressaltou que, naqueles casos já julgados pelo STF, não havia uma pandemia no meio do caminho.  “O STF não é a favor do isolamento?”, questionou.

A decisão de Barroso contrariou uma ala da Corte, que avalia que o ideal seria submeter o tema desde o início ao plenário. A determinação de abrir uma CPI da Covid  vai ser analisada pelos 11 ministros a partir da próxima sexta-feira, no plenário virtual da Corte. A plataforma digital permite que os magistrados analisem casos sem se reunirem pessoalmente ou por videoconferência, longe dos olhos da opinião pública e das transmissões ao vivo da TV Justiça. Qualquer ministro, no entanto, pode apresentar um “pedido de destaque”, o que interromperia a discussão e a levaria para o plenário físico da Corte. Os julgamentos costumam durar uma semana.

Em declaração enviada pela assessoria de imprensa do STF nesta tarde, Barroso disse que limitou-se a  “aplicar o que está previsto na Constituição, na linha de pacífica jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e após consultar todos os ministros”. “Cumpro a Constituição e desempenho o meu papel com seriedade, educação e serenidade. Não penso em mudar”, afirmou.

Precedentes. Conforme informou o Blog do Fausto, a decisão de Barroso repete um roteiro traçado pelo próprio Supremo em 2005. Na ocasião, por 9 votos a 1, a Corte determinou ao então presidente da Casa, Renan Calheiros (MDB-AL), a instauração da CPI dos Bingos para investigar o escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu acusado de receber propina de bicheiros para a campanha do ex-presidente Lula (PT) em 2002

Dois anos depois, o então ministro Celso de Mello deu ordem semelhante, desta vez dirigida ao então presidente Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT), que tentava contornar a instalação da CPI do Apagão Aéreo com uma votação em plenário, embora a oposição já tivesse levantando assinaturas necessárias para abrir a investigação sobre a crise do sistema de tráfego aéreo do País. Na época, a pressão pela apuração veio na esteira do choque entre o Boeing da Gol e o jatinho Legacy, da empresa Excel Aire, que matou 154 pessoas em 2006.

Em sua composição atual, o tribunal tem quatro ministros que participaram de pelo menos um dos julgamentos sobre as CPIs anteriores: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes estiveram presentes nas duas votações enquanto Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram na sessão da CPI do Apagão. Todos fizeram coro pela abertura das investigações.

Rafael Moraes Moura, Breno Pires/ BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto e Rayssa Motta/ SP, para O Estado de S. Paulo, em 09 de abril de 2021 | 16h15

Brasil tem 3.647 mortes por covid-19 em 24 horas e abril já registra mais de 27 mil óbitos

O total de vítimas da pandemia é de 348.934, segundo dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa. A tendência indica que em poucos dias abril deve passar a ser o segundo mês mais letal da pandemia


Paciente com covid-19 é atendido em hospital de Santo André, na grande S. Paulo. (Crédito da foto: Reuters / Amanda Perobelli

O Brasil registrou 3.647 novos óbitos pela covid-19 nesta sexta-feira, 9, segundo dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa. A média móvel diária de mortes, que leva em consideração dados dos últimos sete dias, chegou a 2.938, voltando a se aproximar de 3 mil como ocorreu no fim da semana passada. O total de vítimas da pandemia é de 348.934. 

O início de abril tem mantido o alto patamar de casos e mortes pelo novo coronavírus. Nos nove primeiros dias do mês, 27.048 mortes foram registradas, número que chega a ser superior a meses inteiros como setembro, outubro, novembro e dezembro do ano passado. A maior marca entre esses quatro meses foi em setembro, com 22,3 mil vítimas. A tendência indica que em poucos dias abril deve passar a ser o segundo mês mais letal da pandemia e poderá superar a marca recorde de março. 

Mortes por covid-19 por mês no Brasil

Março (2020) -   202

Abril  - 5.804

Maio  - 23.335

Junho -  30.315

Julho  - 32.912

Agosto  -  28.947

Setembro  - 22.371

Outubro  - 16.016

Novembro - 13.263

Dezembro -  21.811

Janeiro (2021)  - 29.558

Fevereiro  -  30.484

Março -  66.868 (recorde)

Abril (até o dia 9) - 27.048

O Estado de São Paulo registrou 7 mil mortes até aqui em abril, mil delas nas últimas 24 horas. Pelo menos 591 serviços municipais de saúde de cidades paulistas estão com os estoques de bloqueadores neuromusculares zerados e os sedativos estão em falta em 342 serviços. Os dois medicamentos são essenciais para a intubação de pacientes. O governador João Doria (PSDB) decidiu abrandar as medidas de restrição a partir da próxima segunda-feira.

Os dados diários nacionais são do consórcio de veículos de imprensa, formado por Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL em parceria com 27 secretarias estaduais de Saúde. Nas últimas 24 horas, foram registrados 89.090 novos casos da doença, totalizando 13.375.414 diagnósticos confirmados. Segundo o Ministério da Saúde, o País tem 11.791.885 pessoas recuperadas e 1.232.571 em acompanhamento médico. 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve instalar na próxima semana uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a gestão do governo federal sobre as medidas de combate à covid-19. A medida foi decidida após ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. 

Consórcio reúne dados desde 8 de junho

O balanço de óbitos e casos é resultado da parceria entre os seis meios de comunicação que passaram a trabalhar, desde o dia 8 de junho, de forma colaborativa para reunir as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. A iniciativa inédita é uma resposta à decisão do governo Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia, mas foi mantida após os registros governamentais continuarem a ser divulgados.

Marco Antônio Carvalho, O Estado de S.Paulo, em 09 de abril de 2021 | 20h02