terça-feira, 13 de abril de 2021

PSDB tenta fazer Tasso presidir CPI da Covid e MDB quer relatoria

Líderes de partidos no Senado se movimentam para garantir os principais cargos na comissão

Líderes de partidos no Senado se movimentam para garantir os principais cargos da CPI da Covid. A presidência do grupo, que coordena as reuniões, e a relatoria, responsável por consolidar em um parecer a conclusão dos trabalhos do colegiado, são os postos mais importantes.

O PSDB, que faz parte do segundo maior bloco da Casa, com Podemos e PSL, quer que o senador Tasso Jereissati (CE) seja presidente da comissão. O MDB, que integra o maior bloco, com Progressistas e Republicanos, está de olho na relatoria da CPI. O indicado deve ser o líder da Maioria e ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL). O líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM), e o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) também farão parte da comissão.

Tasso e Renan são críticos ao governo de Jair Bolsonaro e podem contribuir para que a CPI represente uma dor de cabeça na apuração da gestão federal da pandemia do novo coronavírus. O Palácio do Planalto tenta evitar que a composição da CPI tenha senadores de oposição em sua maioria e que críticos ao governo assumam postos chave. A avaliação dos líderes, no entanto, é a de que o Executivo não conseguirá maioria para ditar os rumos da comissão.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) Foto: Jefferson Rudy|Agência Senado

Tasso tem cobrado a instalação da CPI desde o início do ano legislativo, em fevereiro. A presidência da comissão é importante porque vai definir os procedimentos das reuniões, como, por exemplo, se os trabalhos serão remotos ou presenciais. O PSDB tem defendido trabalhos presenciais.

“Ele tem todo o perfil para presidir. Ele será indicado titular (membro da CPI) com certeza. Para a presidência vai depender de articulação, mas acredito que tem todo o perfil para isso”, disse o líder do PSDB, senador Izalci Lucas (DF).

Ao Estadão, o governador de São Paulo, João Doria, disse que defende a escolha de Tasso para presidir a CPI. “Tasso tem meu total apoio para presidir a CPI. Ele nos representa na postura e na conduta”, afirmou.

Renan também tem cobrado a CPI e é duro tanto contra Bolsonaro, quanto contra o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que decidiu instalar a comissão apenas após determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

O ex-presidente do Senado quer que o MDB fique com a relatoria e argumenta que, como é o maior partido do maior bloco, a escolha deve caber à legenda. “O regimento diz que tudo no Senado deve atender à proporcionalidade”, argumentou Renan.

O senador destacou que a presidência e a relatoria vão depender da composição dos integrantes do grupo. “Tem que ser garantida pela maioria da comissão. Então, é preciso saber quem são os nomes, até para conversar com as pessoas sobre o que fazer”, declarou Renan.

Pacheco vai ler na tarde desta terça-feira, 13, o requerimento de abertura da CPI. A partir disso, os líderes terão dez dias para escolher os integrantes da comissão. Só após essa definição é que haverá uma eleição interna para escolher o presidente e o relator.

O PT vai indicar o senador Humberto Costa (PE), ex-ministro da Saúde no governo Lula, para compor o colegiado. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do pedido de criação da CPI da Covid, também deve integrar a comissão. O PSD, por sua vez, quer escalar Otto Alencar (BA).

Lauriberto Pompeu , Daniel Weterman e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo, em 13 de abril de 2021 | 15h33


Fome no Brasil cresce e supera taxa de quando Bolsa Família foi criado

Insegurança alimentar grave ou moderada atingiu 27,7% da população no final do ano passado, ou 58 milhões de brasileiros, contra 16,8% em 2004. Pandemia acelerou alta da fome registrada desde 2014, aponta pesquisa.

Mulheres e criancas recebem alimentos doados

Pesquisa mostra que fome afeta mais os pardos e pretos, mães chefes de família e moradores do Nordeste

As consequências sociais e econômicas da pandemia de covid-19 agravaram a fome no Brasil, que já vinha aumentando e superou em 2020 os níveis registrados no início da década passada, quando foi criado o Bolsa Família.

Uma pesquisa realizada em novembro e dezembro passados com 2 mil pessoas mostrou que 15% estavam em insegurança alimentar grave, e 12,7% em insegurança alimentar moderada, o que significa que corriam o risco de deixar de comer por falta de dinheiro. Em relação à população brasileira como um todo, isso equivaleria a 58 milhões de pessoas.

Outros 31,7% estavam em insegurança leve, quando há preocupação de que a comida acabe antes de se ter dinheiro para comprar mais ou faltam recursos para manter uma alimentação saudável e variada.

Segundo a pesquisa, portanto, 59,4% da população enfrentava no final do ano passado algum grau de insegurança alimentar, o equivalente a um total de 125 milhões de pessoas.

O resultado mostra a aceleração do aumento da fome no Brasil, que tinha voltado a crescer antes da pandemia em um contexto de crise econômica e desmobilização de políticas públicas de segurança alimentar.

O levantamento foi feito por pesquisadores do grupo "Alimento para Justiça" da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), com financiamento do governo alemão, e divulgado nesta terça-feira (13/04).

Quais são os principais resultados

A parcela estimada de 59,4% dos brasileiros que enfrentam algum grau de insegurança alimentar é quase 23 pontos percentuais maior do que a registrada na última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o levantamento do IBGE, que mede o mesmo fenômeno, 36,7% da população enfrentava algum grau de insegurança alimentar em 2017 e 2018.

O melhor resultado no acesso à alimentação estável e saudável no país foi alcançado em 2013, quando 22,6% dos brasileiros tinham algum grau de insegurança alimentar. Em 2009, essa fatia representava 30,2% da população.

A série histórica começa em 2004, ano seguinte à criação do Bolsa Família, quando 16,8% dos brasileiros enfrentavam insegurança alimentar grave ou moderada, e outros 18% estavam em insegurança leve.

A pesquisa da Universidade Livre de Berlim tem parte da sua metodologia similar à do IBGE, mas as duas não são idênticas. O IBGE entrevista um universo maior de domicílios, presencialmente, e faz mais perguntas.

Desigualdade regional e de cor e gênero

O levantamento também mostra que a insegurança alimentar se distribui de forma desigual pelo país.

No Nordeste, 73,1% da população estava nessa categoria, e no Norte a taxa é de 67,7%. Já no Sul, 51,6% dos domicílios estavam em insegurança alimentar, e 53,5% dos localizados no Sudeste.

O mesmo ocorre em relação à cor da pele das pessoas entrevistadas, com maior prevalência de insegurança alimentar entre os pardos e pretos. Entre os brancos, 48,9% apresentaram algum grau de insegurança alimentar, contra 66,8% dos pretos e 67,8% dos pardos.

O problema também é mais frequente na casas chefiadas apenas por mulheres, com 73,8% dos domicílios nessa situação.

"A insegurança alimentar é um retrato das desigualdades múltiplas interseccionais. Ela tem cor, tem gênero e ilustra um retrato do Brasil", diz Renata Motta, professora de sociologia da Universidade Livre de Berlim que liderou a pesquisa.

As dificuldades econômicas agravadas pela pandemia também levaram à redução da diversidade de alimentos saudáveis ingeridos nos domicílios. Entre os entrevistados, 41% disseram ter reduzido o consumo de frutas, e 44% o de carnes. Entre aqueles em insegurança alimentar a redução no consumo de alimentos saudáveis foi de 85%.

Impacto do auxílio emergencial

Os resultados da pesquisa só não foram ainda piores graças ao auxílio emergencial, criado em abril do ano passado. Entre os entrevistados que tinham recebido pelo menos uma parcela do auxílio, 63% usaram o dinheiro para comprar comida.

Quando o levantamento foi realizado, o valor do auxílio já havia sido reduzido à metade da quantia inicial, de R$ 600 para R$ 300. O benefício foi encerrado em dezembro, e no primeiro trimestre deste ano a população pobre que perdeu renda ou enfrentava dificuldades por conta da pandemia ficou sem o auxílio.

Nesse período, diz Motta, pode-se esperar que a insegurança alimentar da população tenha crescido. "Os dados da nossa pesquisa, com o auxílio de R$ 300, já são dramáticos. É bem provável que a porcentagem de domicílios em insegurança alimentar grave tenha aumentado demais [sem o auxílio]", afirma.

O auxílio emergencial voltou a ser pago em abril, em um valor mais baixo do que no final do ano passado – a maior parte dos beneficiários deverá receber R$ 150 ou R$ 250 por mês. A nova rodada deve ter quatro parcelas mensais.


                Doações voltaram a ter papel central para remediar a insegurança alimentar

Por que a fome cresceu

O Brasil chamou a atenção do mundo na década passada por ter reduzido a fome entre sua população. Em 2014, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) retirou o país pela primeira vez de seu Mapa da Fome, com base em pesquisa do IBGE realizada no ano anterior. Essa lista inclui países nos quais mais de 5% da população consome diariamente menos calorias do que o recomendado.

Mas, nos últimos anos, o cenário virou, e a insegurança alimentar voltou a crescer, devido a uma combinação de crise econômica e decisões políticas que enfraqueceram os instrumentos do governo e da sociedade civil para atuar no tema, segundo Motta.

Ela aponta que o sucesso na redução da fome de 2004 a 2013 teve influência do Bolsa Família e do aumento real do salário mínimo, mas também de um arcabouço de políticas públicas sobre o tema, como o estabelecimento de uma lei e de um plano de segurança alimentar, a estruturação de conselhos regionais e nacionais para aproximar governos da sociedade civil e o fortalecimento do programa de alimentação escolar.

A partir de 2014, no governo Dilma Rousseff, a crise econômica e o aperto orçamentário começaram a afetar a renda das pessoas. Com o início da gestão Michel Temer em 2016, diz Motta, o espaço da agricultura voltada à exportação cresceu ainda mais e foi reduzido o apoio à agricultura familiar, que tem papel importante no fornecimento de alimentos para o mercado doméstico. Ela aponta como um marco a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2016.

A situação, diz Motta, piorou no governo de Jair Bolsonaro. Em sua primeira semana no cargo, o presidente extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. "O governo resolveu desconsiderar esse acúmulo de construção coletiva entre estado e sociedade. Era um governo novo, que não tinha experiência na máquina executiva, e simplesmente abdicou disso", afirma.

Com a covid-19, as dificuldades se agravaram. Houve queda de renda e a inflação de alimentos superou os 15% nos 12 meses iniciais da pandemia, quase o triplo da inflação geral, dificultando o acesso regular a refeições para muitas famílias.

A data da realização da próxima POF pelo IBGE ainda não foi confirmada. Se for mantida a periodicidade das anteriores, ela deverá ocorrer em 2022 ou 2023. São os dados dessa pesquisa que mostrarão se o Brasil voltou ao Mapa da Fome da FAO. Para José Graziano da Silva, ex-diretor-geral da entidade e ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, isso já aconteceu na prática.


Crise também reduziu diversidade de alimentos saudáveis ingeridos nos domicílios

Recurso a doações

Nesse cenário dramático, o papel da mobilização da sociedade civil para ajudar as pessoas que passam fome com doações de alimentos tornou-se cada vez maior.

Segundo Motta, o uso das doações como instrumento central de redução da fome era comum nos anos 1990, mas havia sido substituído por políticas estruturais, pois não dá autonomia ao indivíduo e tem caráter assistencialista.

Ela afirma que o retorno da importância das doações mostra um "retrocesso tremendo" no setor, apesar de necessário para aplacar a fome diante da falta de alternativas.

"É uma forma de medicar os sintomas, não tratar as causas. Vai botar comida na casa dos brasileiros, mas é uma política que por muitos motivos já havia sido superada", diz.

Como a pesquisa foi feita

Os pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, da UFMG e da UnB utilizaram oito questões da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, usada na POF. Foi perguntado aos entrevistados se eles tiveram, nos últimos três meses, preocupação de que os alimentos acabariam por falta de dinheiro, se os alimentos acabaram antes que tivesse dinheiro para comprar mais, e se eles ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada.

As questões também indagaram se os moradores dos domicílios comeram apenas alguns alimentos que tinham em casa porque o dinheiro acabou, se deixaram de fazer alguma refeição por falta de dinheiro, se sentiram fome e não comeram por falta dinheiro, e se fizeram apenas uma refeição ao dia ou ficaram um dia inteiro sem comer porque não havia dinheiro.

A partir do número de respostas positivas, os domicílios foram classificados quanto à sua segurança alimentar. Os telefonemas foram realizados de 21 de novembro a 19 de dezembro de 2020, e a margem de erro é de 2,19 pontos percentuais.

Uma pesquisa semelhante, realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), também foi divulgada na última semana. O levantamento identificou que 55,2% da população enfrentava algum grau de insegurança alimentar.

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021

Brasil do desemprego recorde tem vagas em fábricas de caixões

"A demanda mais do que dobrou, e estamos fazendo tudo que a gente pode para aumentar a produção para conseguir atender todo mundo", diz o presidente da Godoy Santos, uma das maiores desse setor.

"Ficamos assustados com esse aumento, e isso deve continuar até pelo menos abril. É muito preocupante."

Procura por caixões explodiu no começo deste ano, dizem os fabricantes (Crédito da foto: EPA)

A última Sexta-feira Santa foi a primeira vez que a fábrica de caixões de Antônio Marinho funcionou no feriado da Páscoa. Precisava dar conta do volume de serviço, que disparou na pandemia.

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Em um momento em que o país enfrenta um desemprego recorde e muitas empresas estão demitindo por causa da pandemia de covid-19, fabricantes de caixões como a Godoy Santos estão contratando.

A equipe da empresa de Dois Córregos, no interior de São Paulo, aumentou pouco mais de 10% com os 15 funcionários que chegaram recentemente.

As jornadas ficaram mais longas, e as férias foram suspensas — dentro do que a lei permite, Marinho faz questão de frisar.

Fabricantes de caixões dizem que nunca tiveram tantos pedidos quanto agora (Crédito da foto: Reuters)

A empresa também passou a oferecer para os clientes só 2 dos 45 modelos que tem no catálogo, para tentar acelerar a produção.

Marinho diz que já conseguiu aumentar a fabricação em cerca de 30%, mas calcula que vai precisar elevar ainda mais para tentar atender a todos.

"Tá bem esquisito, tá todo mundo ressabiado. Cidades que tinham três, quatro óbitos por mês, de repente, têm oito, dez, e esse número fica constante. Isso assusta."

Mortes em alta no ano da pandemia

Nunca morreu tanta gente no Brasil quando no período da pandemia.

Foram quase 1,5 milhão de óbitos entre março de 2020 e fevereiro de 2021, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

É o recorde do monitoramento desde que ele começou a ser feito, em 2003.

As mortes no ano da pandemia ficaram 31% acima da média e 13,7% do ano anterior.

E foi justamente o último mês do levantamento que teve o maior número de mortes de toda a série histórica.

Em fevereiro de 2021, 120 mil novos atestados de óbito foram emitidos por cartórios em todo o país.


Ano da pandemia teve 31% mais mortes do que a média histórica (Crédito da foto: Reuters)

'Tem pico todo ano, mas nada se compara com isso'

Os fabricantes de caixão foram um dos primeiros a notar esse aumento fora da curva.

Esse é um mercado em que a previsibilidade é a norma. Fora algo excepcional, o número de nascimentos e mortes costuma ser relativamente regular — descontadas as variações sazonais e as mudanças no perfil da própria população.

Por isso Leandro Rigon diz que soube logo de cara que o aumento de pedidos que ele estava vendo em sua fábrica em Constantina, no interior do Rio Grande do Sul, em outubro do ano passado, não era normal.

Em um primeiro momento, diz o empresário, as funerárias tinham algum estoque para dar conta do aumento dos velórios e enterros.

"Aí pegou forte a partir de fevereiro (de 2021). Houve um aumento muito, muito grande de pedidos", afirma o diretor-executivo das Urnas Rigon, empresa que foi criada pelo seu pai há 31 anos.

"Estou no ramo há 24. Claro que tem picos todos os anos, mas nada se compara com isso. Nunca teve algo assim."


'Se um pedir demais, o outro fica sem'

Leandro Rigon diz que sua produção aumentou em um terço depois que ele contratou mais 20 funcionários.

A fábrica também passou a funcionar uma hora a mais todos os dias e também aos sábados e feriados.

O empresário conta que precisou conversar com algumas funerárias. "Sabe o que aconteceu com o papel higiênico? Então, eu acho que a mesma coisa aconteceu aqui, algumas pessoas correram para estocar."

As encomendas grandes demais foram renegociadas, para fracionar a entrega. "Se um pedir demais, o outro vai ficar sem", justifica Rigon.

Empresas dizem que tiveram que contratar para conseguir atender a todos os clientes (Crédito da foto: Godoy Santos)

Falta de matéria-prima

Os fabricantes dizem que a situação ficou ainda mais crítica porque está faltando matéria-prima para fazer os caixões e urnas.

Eles contam que desde o fim do ano passado começou a ficar difícil achar madeira, compensado, aço, plástico, tecido — os materiais que costumam ser usados para fazer esse tipo de produto.

Com real desvalorizado, o câmbio ficou mais favorável às exportações, e os produtores nacionais passaram a priorizar as vendas para o exterior, diz Gisela Adissi, presidente da Associação dos Cemitérios e Crematórios Privados do Brasil (Acembra).

"Os fabricantes ainda estão conseguindo atender os pedidos, mas estão reduzindo as entregas. Março deve ser o pior mês e provavelmente vai dar uma melhorada em abril, mas ainda vai ser difícil", afirma Adissi.

Acordo e pedido de ajuda

Ela diz que as associações do mercado funerário decidiram fazer uma campanha para ninguém estocar esses produtos.

Adissi acredita que não vai faltar caixão e urna no mercado, mas reconhece que a preocupação é grande.

"Não pode ir a velório, não pode ir a enterro (por culpa das restrições sanitárias)... A gente já está sofrendo demais com a privação de vários dos nossos rituais. Sem esses símbolos tão familiares e habituais, começa a ficar caótico", diz a empresária.

Os fabricantes também se mobilizaram e vieram a público no início de março pedir a ajuda. O apelo surtiu efeito, diz Antônio Marinho, que também é presidente da Associação de Fabricantes de Urnas do Brasil.

Ele afirma que as empresas conseguiram uma interlocução com o governo de São Paulo, de onde sai mais da metade da produção de urnas e caixões no país.

"Eles nos colocaram no comitê contra a covid e estão ajudando no diálogo com os fornecedores de matéria-prima. Está funcionando, o pessoal está sendo mais flexível e aumentando a cota. Acho que isso vai resolver o problema", diz Marinho.

Linha de produção de caixões; setor tem corrido para dar conta do aumento da demanda (Crédito da foto: Rigon)

Produtos mais simples, margens menores

Com a pouca oferta de materiais e a grande procura, alguns produtos encareceram bastante, e teve preço que dobrou ou triplicou, reclamam os fabricantes.

"As pessoas acham que se está ganhando muito dinheiro no mercado funerário, mas não é assim não, pelo contrário", afirma Leandro Rigon. "Estamos empatando, quase tendo prejuízo"

As margens de lucro ficaram mais apertadas não só por causa do aumento de gastos com funcionários e matérias-primas, diz Rigon. Os caixões que mais saem hoje também são os mais baratos.

"Antes, as compras eram mais diversificadas. Agora, não. Focam em comprar só o mais basicão porque não vai ter velório", afirma o empresário. E o lucro era maior com os modelos mais caros.

Muitos funcionários afastados

A Bignotto, uma fábrica de Cordeirópolis, no interior de São Paulo, enfrenta ainda outra dificuldade por causa da pandemia.

Muita gente tem ficado doente, e o entra e sai de funcionários na produção aumentou bastante.

Thomaz Bignotto, que dirige a empresa com os três irmãos, calcula que cerca de um quinto dos 200 funcionários estão afastados atualmente por causa da covid-19.

Isso fez triplicar o número de contratações na empresa por semana. De duas em média para cinco ou seis hoje em dia.

"Estamos basicamente repondo os afastamentos", diz Bignotto.

Sem alternativas para crescer (Crédito da foto: EPA)

Esse é um dos motivos por que sua produção está hoje uns 40% abaixo do que era antes da pandemia. E o empresário não vê muitas alternativas de aumentar esse volume.

Primeiro, porque falta material e tudo está mais caro. "Repassamos só uma parte desse aumento para os preços dos produtos, o resto não. Estamos no zero a zero, não estamos tendo lucro", diz Bignotto.

Mas também porque "não é fácil conseguir 40 funcionários da noite para o dia para abrir um novo turno de trabalho" em uma cidade pequena como Cordeirópolis, afirma Bignotto.

Ele explica que também não adianta comprar mais máquinas, porque esse investimento está fadado a se tornar prejuízo mais pra frente, quando o número de mortes voltar ao normal.

Ou melhor, quando ficar abaixo do normal — Bignotto acredita que a pandemia alterou o ritmo normal de nascimentos e mortes e isso reserva dias não muito animadores para o seu negócio no futuro próximo.

"O que está acontecendo agora adiantou as mortes. As pessoas que iam morrer depois estão morrendo agora. Quando acabar a pandemia, vai ter um declínio muito grande", acredita.

Rafael Barifouse, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 13 abril 2021, 12:59 -03

Rubens Barbosa: Questão religiosa

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia

Estamos vivendo tempos estranhos. A sociedade está dividida e polarizada, anestesiada e paralisada, até pelas dificuldades decorrentes da pandemia. A perplexidade aumenta na medida em que, entre muitos outros exemplos, se verifica a maneira como a grave crise do combate à covid-19, fora de controle, está sendo conduzida; pela ameaça de um enfrentamento fratricida pela facilitação da venda e do porte de armas e munições; pela inexplicada crise militar com a demissão da cúpula da Defesa; pelo desmonte do combate à corrupção; pela crescente influência das milícias e do tráfico de drogas; pela chocante visibilidade da desigualdade social; pela falta de perspectivas e de uma visão de futuro para o País.

A tudo isso se junta agora a surrealista discussão sobre atividades religiosas coletivas em templos e igrejas durante a pandemia. As apresentações terrivelmente evangélicas feitas no STF pelo advogado-geral da União e pelos advogados que defendiam a abertura dos templos e igrejas trouxeram à tona, mais uma vez, a questão da laicidade do Estado brasileiro. Até o presidente reforçou a defesa de cultos e missas presenciais como um direito inerente a maioria, ignorando as ameaças à vida e a Constituição.

Estado é laico é o que promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir dessa separação, o Estado não deveria permitir a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiar uma ou algumas religiões sobre as demais. Essa situação existe no Brasil desde a Proclamação da República, em decorrência do disposto na Constituição de 1891, em que se explicita a rejeição da união entre o poder civil e o poder religioso, pondo fim ao regime do padroado, que concedia privilégios à Igreja Católica e no qual se confundiam o Estado e a Igreja. No laicismo, cabe ao Estado garantir a liberdade e a igualdade de todos, independentemente dos valores morais e religiosos.

Mesmo com maioria até aqui católica, o Brasil é oficialmente um Estado laico, neutro no campo religioso, não apoiando nem discriminando nenhuma religião. Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição federal é clara ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada é assegurada, desde que separada do Estado. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Na minha visão, a separação Igreja-Estado foi um avanço e está na base da formação dos Estados modernos. Com a República, o Estado brasileiro tornou-se um Estado moderno, no qual não se busca a satisfação espiritual, mas a expansão dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Ao contrário do que se ouviu nos últimos dias, o Estado brasileiro não se pode manifestar religiosamente. Como já foi dito por ministro do STF, “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais” e “as concepções morais religiosas – unânimes, majoritárias ou minoritárias – não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas”.

Nos últimos anos, o que se viu foi o contrário. A ameaça à Constituição não é uma preocupação. Embora não se constituindo em movimento único, pois há divergências entre elas, a influência das igrejas evangélicas, em especial a Universal, aumentou significativamente e ganhou força política real.

Sua eficiente arrecadação entre fiéis seduzidos e sua capacidade televisiva e radiofônica, além da mídia impressa e de partidos políticos, estão a serviço de um projeto político. Não é segredo para ninguém que os evangélicos buscam alcançar, sem intermediários, o poder máximo da República, depois de eleger prefeitos, governadores, senadores, deputados e ministros das Cortes de Justiça. A Igreja Universal ataca a Igreja Católica e exerce uma ação voltada para assumir a hegemonia do Estado.

Não se pode negar a competência e a eficiência da atuação da militância evangélica, instalada agora em diferentes órgãos públicos federais, na defesa de sua agenda de costumes, social, financeira e mesmo política, como estamos vendo nas ações do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e na política externa, nos últimos dois anos.

Pela primeira vez na História do Brasil, as igrejas evangélicas atuam de maneira coordenada para chegar ao comando do poder político. Em política não existe vazio. Se alguns setores ganham espaço, outros perdem. É surpreendente que representantes da alta hierarquia da Igreja Católica, em especial, não se tenham manifestado até aqui em defesa do Estado laico e da separação clara do Estado e da religião.

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia e afeta liberais, conservadores e progressistas. Trata-se, na realidade, de um problema de dominação por uma minoria e de reação contra o pluralismo.

Rubens Barbosa é Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e ex-Embaixador em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004). Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.04.2021.

Da perplexidade ao desprezo

Nenhum presidente digno do cargo pressionaria um autor do requerimento da CPI a ampliar investigações e trabalhar pelo impeachment de ministros do STF

Houve um tempo em que os brasileiros se chocavam com o linguajar chulo do presidente Jair Bolsonaro, tão impróprio para o exercício da chefia de governo. Os áulicos de Bolsonaro se esforçam para qualificar esse comportamento como “autêntico”, pois, segundo eles, o presidente “fala o que pensa”. E isso, na visão desses sabujos, seria positivo, pois o aproximaria do “povo”, em suposto contraste com o distanciamento das elites políticas.

Hoje, contudo, ninguém fica mais perplexo com as grosserias de Bolsonaro. E o povo, conforme atestam as pesquisas de opinião, quer cada vez mais distância do presidente, pois a conduta indecorosa de Bolsonaro constrange os brasileiros decentes. Cansados das obscenidades de Bolsonaro, esses cidadãos – a maioria da população – certamente lhe reservam agora o mais olímpico desprezo.

Fossem outros os tempos, a agressão de Bolsonaro ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), questionando-lhe a moralidade e acusando-o de fazer “politicalha” ao ordenar que o Senado instaurasse a CPI da Pandemia, teria causado furor – afinal, nenhum presidente é obrigado a gostar dos ministros do Supremo, mas deve respeitá-los. Decerto, Bolsonaro pretendia provocar uma reação popular tão virulenta quanto a sua, de modo a criar um clima de briga de rua, tão ao gosto do bolsonarismo. Mas a ruidosa incivilidade do presidente gerou uma resposta ponderada do ministro Barroso, que se limitou a dizer que apenas aplicou a Constituição, que consultou todos os colegas de Supremo e que continuará a desempenhar seu papel “com seriedade, educação e serenidade”. E nada mais.

Naturalmente destemperado, como admitem até mesmo seus devotados seguidores, como se isso fosse uma qualidade, Bolsonaro se torna ainda mais virulento quando se considera acuado. O Brasil foi apresentado a essa característica do presidente na famigerada reunião ministerial de abril de 2020, quando Bolsonaro, já ciente da encrenca política derivada da pandemia, usou extenso repertório de termos chulos para se referir a outros Poderes, a governadores e a prefeitos.

Na época, os brasileiros ficaram pasmos com a capacidade de Bolsonaro de envergonhar o País que lhe foi dado governar. Além de ofender, nos termos mais rasteiros, aqueles que considera seus inimigos, Bolsonaro se esmera em acusá-los das maiores barbaridades sempre sem apresentar provas. Lança suas suspeitas no ar, e as milícias virtuais bolsonaristas, movidas a fraudes, transformam essas patranhas em verdades inquestionáveis. Não demorou para que o padrão de desfaçatez ficasse bem estabelecido e, agora, já não surpreende mais ninguém – mesmo quando Bolsonaro chama seus compatriotas de “maricas” por se preocuparem com a pandemia.

Hoje já se sabe que Bolsonaro é simplesmente incapaz de reconhecer os erros que comete e os limites do poder de que foi investido. Sempre que alguém aponta seus equívocos ou o adverte sobre seu comportamento autoritário, Bolsonaro reage com truculência. Sua hostilidade à CPI da Pandemia mostra seu inconformismo com os freios e contrapesos próprios do regime democrático.

Nenhum presidente digno do cargo pressionaria um dos autores do requerimento da CPI não só a ampliar o escopo das investigações, como a trabalhar pelo impeachment de ministros do Supremo, como fez Bolsonaro, tudo com o evidente objetivo de causar tumulto e interferir no Judiciário e no Legislativo. De quebra, falou em “sair na porrada” com o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Em vez de se preocupar em reunir dados e informações que demonstrem a suposta correção de suas ações durante a pandemia, para atender às demandas da CPI, Bolsonaro parte para a chantagem – atitude típica de quem não tem argumentos.

O presidente se tornou previsível: se Bolsonaro jamais aceitou a hierarquia e as normas dos quartéis em que serviu quando foi um mau militar, é perda de tempo esperar que ele refreie sua natureza e, de uma hora para outra, passe a aceitar os limites institucionais. Sendo assim, que os demais Poderes não se deixem intimidar pelos arreganhos autoritários de quem jamais teve nem bons modos nem apreço pela democracia.

Tudo o que sabemos sobre:Jair BolsonaroSTF [Supremo Tribunal Federal]constituiçãoCPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]Senado FederalRandolfe Rodrigues

 Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 13 de abril de 2021 | 03h00

OMS enviará ao Brasil mais de 842 mil doses de vacina da Pfizer até junho

País está entre os prioritários para receber doses do imunizante da farmacêutica americana na próxima remessa da iniciativa global Covax Facility.

Vacina Pfizer-Biontech já foi aprovada pela Anvisa

O Brasil, a Colômbia, o México e as Filipinas estão entre os 47 países que receberão até junho doses da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica americana Pfizer e a empresa de biotecnologia alemã Biontech através do consórcio global liderado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) Covax Facility, anunciou nesta segunda-feira (12/04) a Aliança Mundial para Vacinas e Imunização (Gavi).

Das 14,1 milhões de doses do imunizante da Pfizer-Biontech que serão distribuídas entre abril e junho, o Brasil deverá receber cerca de 842,4 mil, segundo o Ministério da Saúde. Além do país, Colômbia, México, Filipinas, África do Sul e Ucrânia foram classificados como países prioritários para o envio de remessas da Covax Facility neste período.

A iniciativa é um programa apoiado pelas Nações Unidas para compra e distribuição de vacinas contra a covid-19, visando um acesso mais igualitário aos imunizantes e priorizando países mais pobres. Em seis semanas, o consórcio global já distribuiu quase 38,4 milhões de doses de vacinas para 102 países. A Gavi informou ainda nesta segunda-feira que algumas entregas estão demorando mais do que o previsto devido ao atraso do envio de doses prometidas por laboratórios em março e abril.

O Brasil deverá receber cerca de 42 milhões de doses pelo consórcio global até o final deste ano. Até o momento, a Covax Facility já enviou 1 milhão de doses da vacina da AstraZeneca ao país.

De acordo com o diretor-executivo da Gavi, Seth Berkley, a Covax pretende entregar cerca de um terço de 1 bilhão de doses de vacinas até a metade deste ano e prevê ainda distribuir mais de 2 bilhões em 2021.

Aprovada pela Anvisa

A vacina da Pfizer-Biontech já obteve o registro definitivo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não está sendo utilizada no Brasil, pois o governo federal só chegou a acordo de compra com a empresa farmacêutica em março deste ano. Por meio deste, o país adquiriu mais de 100 milhões de doses.

O imunizante esteve no centro de uma briga pública entre a Pfizer e o Planalto. O laboratório comunicou que, no segundo semestre de 2020, fez várias propostas para o Ministério da Saúde, que previam a entrega de 70 milhões de doses, com início do envio de uma primeira carga em dezembro, mas a pasta não manifestou interesse. À época, o governo preferiu apostar todas as suas fichas na vacina da AstraZeneca, a ser produzida em solo brasileiro, ignorando opções de importação de doses prontas de outros laboratórios.

Em dezembro, as negociações voltaram a andar, e o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a afirmar que a imunização poderia começar ainda naquele mês caso a Pfizer adiantasse alguma entrega. À época, o ministério passara finalmente a correr atrás de vacinas diante da intenção do governador de São Paulo, João Doria, de iniciar a vacinação no estado em janeiro. Mas nessa altura a Pfizer havia informado que não poderia mais entregar doses antes da virada do ano. Ainda assim, o governo chegou a incluir uma oferta da empresa no seu vago plano de imunização.

No entanto, as negociações logo voltaram à estaca zero, diante da contrariedade de condições impostas pela empresa. O governo afirmou que a Pfizer insistia em uma cláusula de isenção de responsabilidade em relação a possíveis efeitos colaterais da vacina contra a covid-19. No final de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro chegou a reclamar publicamente da farmacêutica ao afirmar que não havia garantia de que a vacina não transformaria quem a tomasse em "um jacaré". Sem um contrato com o governo, a Pfizer anunciou em dezembro que não pretendia mais solicitar uma autorização de uso emergencial junto à Anvisa.

Em janeiro, a disputa voltou a esquentar quando o governo divulgou uma nota incendiária afirmando que a Pfizer estabelecera "cláusulas leoninas" em seus contratos, que a empresa só previa uma pequena entrega inicial de vacinas como "conquista de marketing" e que a chegada de poucas doses "causaria frustração em todos os brasileiros", sugerindo que era melhor não receber nada do que pouco. Por fim, o governo ainda insinuou que a Pfizer estava tentando sabotar a campanha de imunização no Brasil por ter supostamente ficado frustrada com o governo adquirindo doses da AstraZeneca e da Coronavac, promovida pelo governo de São Paulo.

Já a Pfizer afirmou que os contratos oferecidos ao governo brasileiro eram idênticos aos que foram submetidos em dezenas de países que já fazem uso do imunizante.

Mais de 31 milhões de doses aplicadas

Até o momento, o Brasil já aplicou mais de 31 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, até esta segunda-feira (12/04), haviam sido administradas 31.239.336 doses. Do total, 23.847.792 pessoas receberam a primeira dose, o equivalente a 11,26 % da população brasileira, e 7.391.544 a segunda, cerca de 3,49%.

Cerca de oito em cada dez doses aplicadas no país são da Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Além dela, está sendo usado no Brasil o imunizante da AstraZeneca-Oxford, que no Brasil é produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021

Covid: Por que ciência diz que ficar em casa reduz transmissão, ao contrário de tuíte de Eduardo Bolsonaro

O Twitter alertou para possível "publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à covid-19" em um post do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre "lockdown" e distanciamento social publicado na segunda-feira (12/04).

Eduardo Bolsonaro diz que no lockdown as 'pessoas são condenadas a ficarem confinadas em casa, aumentando a proliferação do vírus'

Eduardo Bolsonaro publicou em seu perfil: "Lockdown é o oposto de distanciamento social. No lockdown as pessoas são condenadas a ficarem confinadas em casa, aumentando a proliferação do vírus".

Em seguida, o Twitter colocou um aviso no post: "Este tweet violou as regras do Twitter sobre a divulgação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas ao covid-19. No entanto, o Twitter determinou que pode ser do interesse público que o tweet permaneça acessível".

A mensagem de Eduardo Bolsonaro ainda está no ar, mas é preciso entrar no perfil do deputado e clicar no post marcado pelo Twitter para visualizar o que o deputado escreveu.

As declarações do deputado vão contra o que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre lockdowns.

O coronavírus se espalha sobretudo através de gotículas no ar, quando existe interação próxima entre pessoas.

Ao confinar as pessoas em suas casas, o lockdown reduz essas interações e aglomerações, diminuindo a disseminação do vírus. Em diversos países da Europa em que o lockdown foi usado, houve uma drástica redução no número de casos, hospitalizações e mortes.

Três estudos publicados na revista científica The Lancet — um sobre a Itália, um sobre a França e outro sobre o Reino Unido — consideraram que os lockdowns adotados nesses três países forem eficazes para reduzir o número de casos e mortes, bem como de hospitalizações.

"Medidas de bloqueio superam restrições menos rigorosas na redução de mortes cumulativas", afirma o estudo sobre o Reino Unido, publicado em dezembro do ano passado.

Existe a possibilidade de pessoas infectadas com o vírus contaminarem outras em suas próprias casas. Essa probabilidade é alta, já que dentro do âmbito familiar a proximidade é grande e por vezes a ventilação do ambiente é precária, o que facilita o contágio.

No entanto, esse tipo "caseiro" de contágio cai drasticamente durante um lockdown, porque as pessoas estão circulando menos pelas ruas e há menos gente trazendo o vírus para dentro de suas casas. Consequentemente a medida ajuda a conter a pandemia, e não a expandi-la.

Evitar 5 mil mortes diárias

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que um lockdown semelhante ao adotado em outras grandes democracias ao redor do mundo, como ocorre na Europa, é um caminho-chave para que o Brasil consiga evitar alcançar a marca de 5.000 mortes diárias pelo coronavírus.


Covid: como evitar a trágica marca de 5 mil mortes por dia?

Em 19 de maio de 2020, o país atingiu pela primeira vez a marca das mil mortes diárias. Dez meses depois, o país alcançou a casa de 2.000 óbitos por dia. Em apenas três semanas, este número saltou para 3 mil, no início de abril.

Cinco dias depois, em 06/04, um novo recorde entrava para a história da pandemia: o país perdia em 24 horas um total de 4.165 pessoas para a infecção pelo coronavírus.

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, não há forma de sair da crise sem um lockdown nacional de, no mínimo, três semanas. Eles explicam que, com menos circulação nas ruas, o coronavírus encontra menos pessoas vulneráveis para infectar.

Pessoas que saem de casa, pegam transporte público e circulam por comércios acabam tendo proximidade com centenas de outras pessoas. Elas, assim, têm mais chance de encontrar alguém doente e contrair o vírus - esse processo de deslocamentos e interações é chamado por cientistas de cadeia de transmissão da doença.

O lockdown quebra as tais cadeias de transmissão e impede que ela se espalhe em progressão geométrica em condomínios, ruas, bairros ou cidades inteiras.

Para derrubar as cadeias de transmissão, os epidemiologistas calculam que seria necessário manter cerca de 70% dos brasileiros dentro de casa durante a vigência do lockdown.

"Nesse sentido, a circulação só estaria liberada para trabalhadores essenciais de verdade, como aqueles que integram os serviços de saúde e a cadeia produtiva de alimentação", explica a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

Custos e benefícios

A OMS diz o contrário do que fala Eduardo Bolsonaro: a entidade afirma que o lockdown pode ser eficiente em retardar a transmissão do coronavírus.

O objetivo do lockdown é reduzir o ritmo de reprodução do coronavírus, conhecido como "R". Quando o índice "R" está acima de 1, a pandemia está se expandindo; quando ele fica abaixo de 1, ela está diminuindo. O lockdown foi utilizado por diversos países em momentos em que o "R" estava muito acima de 1.

Mas a OMS recomenda cautela aos governos que optarem por adotá-la, devido ao impacto que as restrições podem ter na saúde mental das pessoas.

Reino Unido teve um longo lockdown que começou a ser levantado nesta semana. (Crédito da foto: Getty Images)

"Medidas de distanciamento físico em grande escala e restrições de movimento, muitas vezes referidas como lockdowns, podem retardar a transmissão da covid-19, limitando o contato entre as pessoas", afirmou a OMS em uma sessão de perguntas e respostas publicada no seu site em 31 de dezembro de 2020.

A entidade recomenda que cada autoridade de saúde pese os benefícios e custos do lockdown de acordo com sua situação particular.

"No entanto, essas medidas podem ter um impacto negativo profundo sobre os indivíduos, comunidades e sociedades, ao trazer a vida social e econômica quase a uma paralisação. Essas medidas afetam desproporcionalmente os grupos desfavorecidos, incluindo pessoas em situação de pobreza, migrantes, pessoas deslocadas internamente e refugiados, que na maioria das vezes vivem em locais superlotados e com poucos recursos, e dependem do trabalho diário para sua subsistência", diz a entidade.

"A OMS reconhece que, em certos pontos, alguns países não tiveram escolha a não ser emitir pedidos de permanência em casa e outras medidas para ganhar tempo."

"Os governos devem aproveitar ao máximo o tempo extra concedido pelas medidas de lockdown, fazendo tudo o que puderem para desenvolver suas capacidades de detectar, isolar, testar e cuidar de todos os casos; rastrear e colocar em quarentena todos os contatos; engajar, capacitar e permitir que as populações impulsionem a resposta da sociedade e muito mais."

"A OMS espera que os países usem intervenções direcionadas onde e quando necessário, com base na situação local."

A OMS também não usa o termo "distanciamento social", publicado por Eduardo Bolsonaro. A entidade prefere adotar o termo "distanciamento físico", já que a entidade ressalta que é importante que as pessoas continuem socialmente conectadas, ainda que fisicamente distantes, para evitar a disseminação do vírus.

A polêmica em torno do lockdown gira em torno da sua eficácia e dos seus custos para a população.

Em outubro, milhares de pesquisadores e profissionais de saúde assinaram uma carta conhecida como Declaração de Great Barrington.

O grupo pede que as políticas de lockdown se concentrem nos mais vulneráveis, permitindo que pessoas saudáveis sigam suas vidas com mais normalidade.

Eles defendem que manter políticas de restrição rigorosas até que uma vacina esteja disponível causaria "danos irreparáveis, com os menos privilegiados sendo desproporcionalmente prejudicados".

Mas muitos cientistas e autoridades de saúde acreditam que o lockdown é essencial para conter a pandemia. Um estudo do governo britânico indicou que o número "R" caiu para 0,6 após o primeiro lockdown em abril do ano passado.

Ou seja, ao final do lockdown, cada mil pessoas infectadas estavam transmitindo o vírus para outras 600, que o transmitiam para outras 360 e assim por diante — diminuindo o tamanho da pandemia.

No Brasil, restrições vem sendo adotadas por governadores e prefeitos para conter a disseminação do vírus. Diversos Estados adotaram um sistema de semáforo, com restrições maiores em lugares mais gravemente atingidos pela pandemia.

Mas o governo federal é contra qualquer tipo de lockdown. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se manifestou contra a medida neste mês.

"Eu pergunto a você: 'Quem quer lockdown?'. Ninguém quer lockdown. O que nós temos do ponto de vista prático é adotar medidas sanitárias eficientes que evitem lockdown, até porque a população não adere a lockdown."

BBC News Brasil, em 13.04.2021, há 1 hora.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade em conversa com Kajuru, dizem advogados e parlamentares

As reações indicam que o conteúdo da gravação feita pelo senador tem potencial para aumentar ainda mais a pressão contra o chefe do Executivo, que já estava acuado após o ministro Luís Roberto Barroso ordenar a instalação da CPI da Covid

O conteúdo da conversa entre o presidente Jair Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) é considerado “gravíssimo” e com potencial de ser enquadrado como crime de responsabilidade, na avaliação de advogados e políticos de oposição ao chefe do Executivo.

No diálogo, divulgado no domingo, 11, por Kajuru, Bolsonaro pressiona o senador a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O desejo é de dar uma resposta à decisão tomada na última quinta-feira, 8, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou a instalação da CPI da Covid, que vai investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia.

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro, que dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros do STF, a instalação da CPI pode ser interrompida. O presidente também cobrou que a CPI, se instalada, trabalhe para apurar a atuação de prefeitos e governadores. 

Na avaliação do diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques, a gravação divulgada deixa “óbvia” a existência de crime de responsabilidade e a intenção do presidente Bolsonaro de “mudar o contexto da CPI”. "Me parece bastante óbvio, pelo o que está posto pela gravação, que há um esforço para interferir no trabalho do Legislativo e do Judiciário de maneira transversa”, disse ao Estadão. “Não há dúvida de que isso caracteriza crime de responsabilidade”, disse Floriano de Azevedo sobre a pressão de Bolsonaro pelo impeachment de ministros da Suprema Corte.

Pelo Twitter, as reações indicam que o conteúdo da conversa tem potencial para aumentar ainda mais a pressão contra Bolsonaro.

Na avaliação do advogado Conrado Hubner, professor de Direito da USP, no diálogo com Kajuru, o presidente “conspira” contra o STF e a CPI da Covid. "O presidente ligou para um senador e fez dois pedidos: melar a CPI explodindo seu objeto e cassar ministro do STF. O jeito de esquecerem o significado de crime de responsabilidade é praticar vários por dia”, escreveu na rede social.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) chamou a gravação de “gravíssima”. Segundo ele, a conversa pode ser apurada na CPI da Covid, que deve ser instalada no Senado nos próximos dias. “A conversa entre um senador e o Presidente da República articulando contra uma CPI e um ministro do STF é um fato gravíssimo. A própria CPI poderá investigar o possível crime do Presidente da República”, escreveu o deputado.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) avalia que a fala de Bolsonaro na conversa é mais um motivo para o impeachment do presidente. “A conversa entre Bolsonaro e Kajuru é a confissão dos crimes do presidente na pandemia e mais um motivo para impeachment. Bolsonaro quer interferir no Legislativo e no STF para impedir que as investigações aconteçam. Vamos exigir a instalação da CPI da Covid imediatamente”, disse.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) avalia que houve “assédio” do presidente contra Karuju, que é um dos autores do pedido de criação da CPI da Covid. “O assédio sobre senadores para tumultuar a CPI da Covid e para conspirar contra ministros do STF é mais um crime de responsabilidade para compor a ficha corrida de Bolsonaro: interromper seu mandato é a única bússola para superar essa gravíssima crise!”.

Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), a gravação publicada pelo senador pode ser usada como “prova” contra o presidente. “É o maior escândalo político da República. O presidente em pessoa liga para um senador para cobrar que este mude o foco de uma CPI para investigar inimigos políticos e pautar impeachment de ministro do Supremo. É CRIME DE RESPONSABILIDADE GRAVADO!”, avaliou.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chamou a conversa entre Bolsonaro e Kajuru de “escandalosa”. “Querem ampliar o objeto da CPI do Covid, ir pra cima de governadores e prefeitos e do STF, para salvar a pele de Bolsonaro e seu governo. Temos de denunciar essa manobra!”.

Na avaliação da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) ao ligar para o senador, Bolsonaro tentou “intervir no Legislativo” e “intimidar o STF”. “É a prova de mais crime de responsabilidade do presidente”, opinou.

Já para a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), a conversa entre Bolsonaro e Kajuru “parece básica”. Segundo ela, o dever da CPI é investigar o destino dado ao dinheiro liberado pelo governo federal para o enfrentamento da pandemia.“A conversa de Bolsonaro com Kajuru me parece básica. Não vejo articulação. Eu mesma havia escrito aqui no Twitter que a CPI, se realmente instalada, deveria ter esse foco!”, avaliou.

Investigação de governadores e prefeitos

Na manhã desta segunda-feira, 12, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos principais aliados do presidente Bolsonaro no Congresso, disse que assinou o requerimento de abertura da CPI da Covid feito pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), para incluir a investigação das ações de governadores e prefeitos na gestão da pandemia. 

Tal demanda foi apontada pelo presidente na ligação.“Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim... CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final”, afirmou Bolsonaro a Kajuru. O presidente ainda atribuiu o número de mortes por covid-19 à suposta omissão de prefeitos e governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. 

“Neste momento grave deveríamos estar totalmente empenhados em garantir socorro aos brasileiros e não desviar desse foco com CPIs. Mas já que a comissão deve ser instaurada, que façamos uma investigação completa”, escreveu Ciro Nogueira no Twitter. 

Independentemente de Girão obter as 27 assinaturas necessárias para um novo pedido de CPI mais amplo, o senador Alessandro Vieira (Cidadadia-SE) já protocolou, no sábado, um pedido formal ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para incluir no escopo da CPI investigações sobre Estados e municípios, como defende Bolsonaro. Ao lado de Kajuru, Vieira é autor da ação no STF que deu origem à determinação do ministro Luís Roberto Barroso determinando a instalação da CPI. 

Cássia Miranda, O Estado de S.Paulo, em 12 de abril de 2021 | 11h48

Brasil registra 1.480 mortes por covid-19 em 24 horas

Com mais de 35 mil novos casos, país acumula 13,5 milhões de pessoas infectadas desde o início da epidemia. Número de vítimas já é de mais de 354 mil. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes é de 168,7.

    

Funcionários de cemitério em São Paulo trabalham à noite para enterrar vítimas do coronavírus. Brasil acumula mais de 354 mil óbitos desde o início da pandemia de covid-19

Brasil acumula mais de 354 mil óbitos desde o início da pandemia de covid-19

O Brasil registrou 1.480 mortes associadas à covid-19 nesta segunda-feira (12/04), além de 35.785 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 13.517.808, enquanto os óbitos chegaram a 354.617 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.880.803 pacientes se recuperaram da doença.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 168,7 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás dos Estados Unidos, que somam mais de 31,2 milhões de casos, e da Índia, com 13,527.717. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 562 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 136 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,94 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, 12.02.2021

Transe populista

Há grande espaço para o verdadeiro centro democrático se posicionar

Há anos o Brasil está entregue ao populismo. Desde pelo menos o final do primeiro mandato do petista Lula da Silva, com exceção do brevíssimo intervalo representado pelo governo reformista de Michel Temer, o País vem sendo administrado como se não houvesse amanhã. A cada novo mandato de caráter populista, o Estado perde mais um pouco de sua capacidade de realizar o que lhe cabe, penalizando especialmente os mais pobres – justamente a clientela dos demagogos.

Nem assim a mensagem populista perde o encanto. A mais recente pesquisa de intenção de voto para a Presidência na eleição de 2022, feita pela XP/Ipespe, mostra Lula da Silva pela primeira vez numericamente à frente do presidente Jair Bolsonaro. O chefão petista tem 29%, contra 28% de Bolsonaro.

Levando-se em conta a margem de erro, de 3,2 pontos porcentuais, trata-se de um empate técnico, mas é forte o simbolismo representado pela inédita dianteira numérica de Lula na corrida presidencial desde que recobrou os direitos políticos. Numa simulação de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista também ultrapassou pela primeira vez o presidente, vencendo-o por 42% a 38%.

É muito cedo para fazer projeções a mais de um ano da eleição e sem que se conheçam os candidatos de fato – o próprio Lula ainda tem obstáculos jurídicos a superar. Mas a mensagem captada pela pesquisa é clara: o País segue fortemente seduzido pelo populismo, seja o de Bolsonaro, seja o de Lula, sem levar a sério projetos políticos genuinamente responsáveis e reformistas.

Na pesquisa espontânea, em que o eleitor diz o primeiro nome que lhe vem à mente quando convidado a revelar em quem pretende votar, Bolsonaro aparece com 24%, seguido de Lula da Silva com 21%. Os demais supostos candidatos, somados, não chegam a 6%.

Isso significa que parcela significativa da população reconhece em Bolsonaro um político que merece um segundo mandato, mesmo sendo o presidente cuja administração, dolosamente irresponsável, colaborou decisivamente para a mortal crise humanitária que se abateu sobre o Brasil em razão da pandemia de covid-19. Isso sem mencionar o fracasso quase absoluto em realizar as promessas de campanha e seu desprezo manifesto pela Constituição, pela democracia, pelas instituições e pelo decoro da Presidência.

Significa também que outra parcela significativa da população acredita que o melhor para o País é dar um novo mandato a Lula da Silva, mesmo que sua passagem pelo poder tenha sido marcada pela corrupção desenfreada, pelo abastardamento da política, pelo aparelhamento da máquina do Estado, pelo terceiro-mundismo da política externa, pela injeção bilionária de recursos públicos em empresas amigas e pelo presente de grego representado pela presidente Dilma Rousseff – que, até Bolsonaro, ostentava o título de pior presidente da história do País.

Na ausência de um discurso liberal e republicano do chamado “centro democrático” capaz de despertar o eleitorado desse transe populista, já há quem diga que o próprio Lula da Silva “será o candidato de centro em 2022”, como declarou o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Trata-se de uma óbvia impostura, não só pelo notório caráter dos personagens supracitados, mas pela natureza autoritária do lulopetismo. O único “centro” que interessa a Lula, tanto quanto a Bolsonaro, é o que lhe sustenta a demagogia.

Muito se pode especular sobre a resistência da força eleitoral de Lula da Silva. Se já não consegue mais eleger “postes” como antigamente, continua a ser visto como um “pai” pela “massa infantil”, como disse em 2010, de modo certeiro, o veterano socialista Plínio de Arruda Sampaio.

Mas há grande espaço para o verdadeiro centro democrático se posicionar. A pesquisa que atesta o vigor do populismo lulopetista e bolsonarista é a mesma que mostra que 50% dos entrevistados, em resposta espontânea, ainda não têm candidato ou pretendem anular o voto. Ademais, mais da metade dos eleitores, 53%, quer “que mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado”. São cidadãos que não querem um “pai”, mas um presidente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 12 de abril de 2021 | 03h00

Por que a inflação preocupa

A inflação podia ter sido pior, mas está em um cenário preocupante de economia desacelerando, desemprego alto e recorde de mortes por covid

Não foi bom, mas poderia ter sido pior. Esta avaliação talvez possa sintetizar o significado da inflação de 0,93% em março, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Algumas comparações apontam para um quadro inflacionário que justifica alguma precaução. Esta é a maior alta do IPCA em março desde 2015, quando alcançou 1,32%. Um ano antes, a inflação mensal tinha sido praticamente zero, de apenas 0,07%; no mês anterior, fora de 0,86%.

Com o resultado de março, a variação acumulada de 12 meses alcança 6,10%, bem acima da meta de inflação para este ano fixada pelo Conselho Monetário Nacional, de 3,75% (para 2022, é de 3,50% e para 2023, de 3,25%). A última vez que a inflação de 12 meses superou a meta do ano foi em novembro de 2016, quando atingiu 6,99%, ante a meta de 6,5% para aquele ano, como lembrou o analista do Sistema de Índices de Preços do IBGE André Almeida.

A despeito dessas comparações, a maioria dos analistas do mercado financeiro previa um número maior, no intervalo entre 0,94% e 1,10%. Por essa razão, houve, no mercado financeiro, quem recebesse o resultado de março com alívio. “Foi uma boa surpresa”, comemorou um analista.

A situação, porém, não merece comemoração, mesmo estando distante de um quadro de crise. A pandemia, cujo controle exigiu severas restrições à aglomeração de pessoas e a todas as atividades econômicas, levou à forte redução da inflação. O resultado acumulado de 12 meses vinha caindo desde o início do ano passado, mas a queda se acentuou a partir de março – mês em que a covid-19 começou a se espalhar pelo País –, até atingir seu menor valor em junho, quando ficou em 2,13%.

Desde então, vem aumentando, mas a alta se acelerou nos últimos meses. Em janeiro, a inflação de 12 meses alcançara 4,56% e em fevereiro, 5,20%. Entre fevereiro e março, a alta foi de quase 1 ponto porcentual. É um comportamento que preocupa, pelo menos no curto prazo.

A aceleração da inflação nos últimos meses tem sido atribuída a altas nos preços dos alimentos e dos combustíveis. São dois itens com peso expressivo na composição do IPCA. Em um ano, os preços dos combustíveis subiram 23,26%.

Alimentos in natura, que há tempos registram alta expressiva de preços, continuam a pressionar. Em 12 meses, o grupo alimentação e bebidas registra alta de 13,87%. Mas a pequena variação, de apenas 0,13%, em março pode ser um sinal benéfico, de que a pressão dos alimentos pode estar diminuindo.

A provável causa dessa diminuição, porém, preocupa. Pode ser que a suspensão do pagamento do auxílio emergencial no primeiro trimestre, associada a medidas mais rigorosas para conter a pandemia, tenha comprimido a demanda por alimentos. “As pessoas compram menos alimentos perecíveis nesse período”, avalia o gerente do Sistema de Índice de Preços do IBGE, Pedro Kislanov.

Ou seja, os alimentos subiram menos porque provavelmente a população está comendo menos. Se verdadeira, será uma constatação deprimente num país extremamente desigual e com número crescente de pessoas em situação de extrema pobreza.

O diretor de Política Econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, disse, com razão, não ver um cenário de estagflação, isto é, de estagnação econômica combinada com aceleração da inflação. Essa combinação não existe.

Mas, no mesmo cenário em que a inflação sobe – embora possa vir a se reduzir dentro de algum tempo –, a atividade econômica se desacelera, a produção dá sinais de desorganização com o descompasso entre demanda e oferta de insumos em diversos segmentos, a taxa de desemprego permanece muito alta, o número de mortes diárias pela covid-19 bate recordes e a vacinação continua a patinar. E as principais autoridades do País parecem nada disso ver. É preocupante.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 12 de abril de 2021 | 03h00

Bolsonarismo, conservadorismo e liberalismo

Unidos na eleição de 2018, diferenciações e divergências vão se tornando mais nítidas. Avalia Dennis Lerrer Rosenfield.

Jair Bolsonaro, em sua eleição, conseguiu encarnar a força do antilulopetismo, congregando em torno de si três correntes de ideias que, naquele então, apareceram juntas na luta contra um inimigo comum: a extrema direita, os conservadores e os liberais. Compareceram amalgamados, unidos, mesmo indistintos, prometendo uma regeneração nacional, contra a corrupção e os políticos que a ela tinham aderido.

A concepção propriamente de extrema direita, embora já presente, foi progressivamente ganhando forma, exercendo forte influência graças à família presidencial e à captura de ministérios importantes. Os conservadores, bem delineados, surgiram na defesa de valores morais, tendo como representantes principais os evangélicos. Os liberais apresentaram-se, principalmente, sob a pauta do liberalismo econômico e menos sob a forma do liberalismo político.

No entanto, nestes mais de dois anos transcorridos, as diferenciações e divergências internas foram se tornando mais nítidas, embora algumas ainda não se tenham configurado completamente. Por exemplo, o liberalismo econômico já foi praticamente deixado de lado, apesar de o ministro da Economia continuar no poder como figurante de um governo de extrema direita, afeito a intervenções em empresas públicas, abandono das reformas, irresponsabilidade fiscal e ausência de privatizações. Sobra apenas um fiapo de discurso e práticas liberais.

No que diz respeito ao conservadorismo, ele continua ainda aderido à extrema direita, apesar de fissuras se fazerem cada vez mais presentes. Os evangélicos prezam a solidariedade, a compaixão, os valores morais, são reconhecidos como pessoas que reverenciam as virtudes e o trabalho, logo, não podem compactuar com o tratamento que o bolsonarismo dispensa à morte, à doença, o seu desprezo pela vida. Quando a morte e a doença batem à porta, pelo descaso e pela inépcia governamentais, um limite está sendo ultrapassado. Não há nenhuma gracinha na “gripezinha” e nos efeitos da vacina criando caudas de jacaré. O que há, sim, é um completo menosprezo por valores religiosos e morais.

Os traços principais da extrema direita no poder são: 1) A concepção da política baseada na distinção entre amigos e inimigos. Todo aquele que não segue as ordens do clã presidencial é considerado inimigo efetivo ou potencial, seja ele real ou imaginário. Afirma-se, assim, o ódio ao próximo. 2) A sociedade e o mundo em geral são vistos pelo prisma de uma teoria conspiratória, com inimigos invisíveis urdindo um grande complô internacional, sendo o atual governo o bastião de “valores”, evidentemente os seus. 3) O presidente considera-se investido de uma missão de caráter absoluto, como se tudo por ele proferido devesse ser simplesmente acatado, no estilo ele manda e os outros obedecem. 4) Deduz-se daí um culto à personalidade, particularmente presente em sua apresentação de si como se fosse um mito, uma espécie de messias, numa deturpação dos valores religiosos. 5) A destruição e a morte tornam-se traços principais dessa arte de (des)governar, com as instituições representativas, liberais, sendo atacadas e dando livre circulação ao coronavírus, com atrasos, incompetência e tergiversações sobre vacinas, apregoando o contágio por aglomerações e ausência do uso de máscaras. A morte pode circular livremente!

Ora, o conservadorismo no Brasil, fortemente ancorado em valores morais de cunho religioso, está baseado no amor ao próximo, e não em sua exclusão ou potencial eliminação. Sua expressão política na representação parlamentar se faz pelo diálogo e pela negociação, o outro não podendo ser tomado como inimigo. Mais precisamente, não haveria como aceitar o culto à personalidade, muito menos ordens a serem simplesmente acatadas, pois, nesse caso, o poder laico estaria adotando uma forma religiosa. E conforme assinalado, a vida é algo sagrado, não pode ser tratada com incúria e desprezo. Torna-se nítido que o conservadorismo começa a distanciar-se do bolsonarismo, embora sua imagem continue atrelada a ele.

Quanto ao liberalismo, se o seu componente econômico já está sendo relegado a uma posição secundária, se não irrelevante, outro valor seu começa a ser contaminado, a saber, a sua feição propriamente política. Vocações autoritárias do bolsonarismo são inadmissíveis para um liberal. A política enquanto distinção amigo/inimigo é o contraponto de tudo o que essa concepção defendeu no transcurso de sua história. O culto à personalidade lembra tanto o stalinismo quanto o nazismo e o fascismo, com a glorificação e a santificação do líder máximo. A distinção dos Poderes, tão cara, está sendo cotidianamente testada, como se as instituições representativas fosse um obstáculo ao exercício do poder que devesse ser eliminado.

Eis alguns aspectos que serão centrais nas próximas eleições e para o destino do País, cujas distinções aparecerão mais claramente numa abertura para o futuro – isso se algumas dessas correntes não optarem por um jogo de esconde-esconde, do qual o bolsonarismo sairá vencedor.

Mais vale prevenir do que remediar.

Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, edição de 12.11.2021

Covid: como evitar a trágica marca de 5 mil mortes por dia no Brasil?

Pior está por vir, mas colapso no inverno pode ser evitado, diz médico de universidade que prevê 100 mil mortes por covid no Brasil em abril

Nas últimas semanas, Brasil tem batido recordes consecutivos em mortes por covid-19. (Crédito da foto: Getty Images)

No dia 19 de maio de 2020, o Brasil atingiu pela primeira vez a marca das mil mortes diárias por covid-19.

Esse número permaneceu relativamente estável, em um patamar considerado alto, durante todo o segundo semestre do ano passado.

A casa dos 2 mil óbitos diários só foi alcançada cerca dez meses depois, no dia 10 de março de 2021.

Daí, bastaram apenas três semanas para o primeiro registro de 3 mil mortes em um dia, no início de abril.

Cinco dias depois, em 6/04, um novo recorde entrava para a história da pandemia: o país perdia em 24 horas um total de 4.165 pessoas para a infecção pelo coronavírus.

Pior está por vir, mas colapso no inverno pode ser evitado, diz médico de universidade que prevê 100 mil mortes por covid no Brasil em abril

Com essa progressão avassaladora e imprevisível, epidemiologistas e cientistas de dados não conseguem determinar quando (e se) o Brasil chegará ao (ainda mais) trágico número das 5 mil mortes diárias.

Se, por um lado, o cenário é cercado por incertezas, por outro, não há dúvidas sobre medidas necessárias para conter o avanço da covid-19 no Brasil.

De acordo com especialistas, não existe forma de sair dessa crise sanitária e econômica sem um lockdown nacional de, no mínimo, três semanas.

Secar a fonte

O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS), entende que o lockdown não deve ser encarado como algo dogmático, em que há pessoas a 100% a favor e outras que são 100% contra, independentemente do contexto.

Ele explica: "Eu defendi a necessidade de uma medida dessas em maio de 2020. Mas, em setembro, achava que não era necessário. Agora, entendo que precisamos de um lockdown nacional pelo tamanho do descontrole que vivemos".

"Nós precisamos parar o país inteiro", afirma.

Lockdown de três semanas com 70% da população em casa ajudaria a quebrar as cadeias de transmissão do coronavírus no país. (Crédito da foto: Getty Images).

A explicação por trás desta paralisação em todas as atividades não-essenciais é relativamente simples: com menos circulação nas ruas, o coronavírus encontra menos pessoas vulneráveis para infectar.

Isso quebra cadeias de transmissão da doença (veja mais a seguir) e impede que ela se espalhe em progressão geométrica em condomínios, ruas, bairros ou cidades inteiras.

Vamos a um exemplo prático: pense num indivíduo infectado que mora na Zona Leste de São Paulo e precisa pegar metrô e trem todos os dias até a Zona Sul para chegar ao escritório.

Com o deslocamento, ele tem proximidade com centenas de outras pessoas ao longo do dia.

(Brasil tem em 1 dia mais mortes por covid-19 do que 133 países em 1 ano de pandemia)

Muitas vezes, a covid-19 demora algum tempo para dar algum sinal ou incômodo — e, numa parcela considerável de casos, os sintomas sequer aparecem.

Esse trabalhador, então, pode transmitir o vírus para contatos próximos que, por sua vez, vão infectar pessoas em sequência, criando as chamadas cadeias de transmissão mencionadas mais acima.

Agora, todo esse estrago poderia ser evitado se o sujeito do nosso exemplo permanecesse em casa por um tempo.

Imagine como isso, em larga escala, se reflete na taxa de novos infectados durante um lockdown, quando milhões de pessoas permanecem em suas casas.

Restrições insuficientes

Para especialistas consultados pela BBC News Brasil, a duração do lockdown nacional deveria ser de pelo menos três semanas.

"Esse é o tempo mínimo necessário para reduzir números de casos, hospitalizações e óbitos por covid-19", resume Hallal.

Uma queda massiva na taxa de novas infecções cria um efeito dominó e traz um impacto positivo em toda a sequência de eventos relacionados à pandemia.

Afinal, um menor número de casos significa uma queda na procura por hospitais e pronto-socorros.

Isso, por sua vez, garante mais espaço em enfermarias e unidades de terapia intensiva, além de um melhor cuidado da equipe de profissionais da saúde, que deixa de sofrer com a chegada excessiva de novos pacientes.

Mas essas medidas drásticas precisam ser levadas a sério: desde janeiro de 2021, prefeitos e governadores anunciaram uma série de novas políticas, que restringiam o funcionamento do comércio e a circulação de pessoas nas ruas em determinados horários do dia (ou, geralmente, da madrugada).

Em vários estados e municípios, a lista de exceções superava e muito as atividades que deveriam obedecer as regras — a influência de certos setores da indústria, do comércio e de serviços fez com que muitas políticas fossem flexibilizadas e toleradas, mesmo no momento mais grave da pandemia.

Outra estratégia de prefeitos que saiu pela culatra foi a tentativa de antecipar feriados para a semana de 29 de março a 2 de abril, como aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A "folga" fez com que muitas pessoas aproveitassem para viajar ao litoral, onde foram registradas muitas cenas de aglomeração.

O grande problema é que esses decretos foram assinados e publicados de forma descentralizada, de acordo com critérios definidos por cada prefeitura ou governo estadual, sem articulação regional ou nacional.

"E muitas dessas medidas sequer foram fiscalizadas. Daí alguns seguiam e outros não, o que é extremamente injusto", observa o médico Ricardo Schnekenberg, que integra um grupo do Imperial College London, no Reino Unido, que estuda a pandemia de covid-19 no Brasil.

O governo federal também não fez nenhum movimento para apoiar ou uniformizar as ações contra a pandemia, apontam os especialistas consultados.

"Com isso, não lidamos com a transmissão do coronavírus e a situação se agravou. Estamos no pior dos dois mundos: pandemia descontrolada e sem perspectiva de melhora econômica", completa.

Lockdown 'pra valer'

Para derrubar as cadeias de transmissão, os epidemiologistas calculam que seria necessário manter cerca de 70% dos brasileiros dentro de casa durante a vigência do lockdown.

"Nesse sentido, a circulação só estaria liberada para trabalhadores essenciais de verdade, como aqueles que integram os serviços de saúde e a cadeia produtiva de alimentação", explica a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

O exemplo de lockdown mais bem-sucedido no Brasil aconteceu em Araraquara, no interior de São Paulo, que durante duas semanas de fevereiro de 2021 só manteve abertos os serviços da área de saúde. Até supermercados e o transporte público foram paralisados por lá.

Araraquara X Bauru: dois retratos do Brasil com e sem lockdown

O resultado disso foi uma queda consistente no número de casos e mortes por covid-19.

No início de abril, a cidade até permaneceu alguns dias sem registrar novos óbitos pela doença.

Lockdown decretado pela prefeitura de Araraquara chegou a parar inclusive transporte público e supermercados. (Crédito da foto: Divulgação / Prefeitura de Araraquara, SP)

Outros locais que restringiram a circulação e tiveram bons resultados por algum período foram Petrolina (PE), Ribeirão das Neves (MG) e Bela Vista do Paraíso (PR).

"No lockdown de verdade, a pessoa só sai de casa se tiver autorização e justificativa. As forças de segurança precisam fiscalizar e coibir a circulação", completa Hallal.

Auxílio emergencial

É claro que o lockdown sozinho não é capaz de dar conta do recado: ele precisa vir junto de uma série de outras políticas de médio e longo prazo.

"Para começo de conversa, o governo deveria oferecer um auxílio emergencial digno, que atendesse as necessidades básicas das pessoas sem que elas precisem sair de casa", diz Maciel.

O governo federal começou recentemente a liberar as verbas de uma nova fase do auxílio emergencial.

Os valores foram reduzidos para R$ 150 a R$ 375 (no ano passado os pagamentos chegaram a R$ 600), ao passo que o número de beneficiários também ficou mais restrito.

Novo auxílio não é suficiente para cobrir linha de pobreza em nenhum Estado do país, aponta estudo

Com um aporte financeiro minimamente razoável, a população não precisaria sair à rua para ganhar renda e garantir a sobrevivência.

Em 2020, saque do auxílio emergencial lotou algumas agências da Caixa Econômica Federal. (Crédito da foto: Getty Images).

Segundo os especialistas, o socorro também deveria contemplar os empresários de pequeno e médio porte.

"Eles deveriam ter à disposição linhas de crédito especiais para manterem o negócio e conseguirem superar as adversidades atuais", sugere a epidemiologista.

"Enquanto países como Canadá e Alemanha protegeram o emprego de seus cidadãos e o governo chegou a custear um percentual da renda dos funcionários de empresas privadas, aqui nós aprovamos uma lei para diminuir a jornada e cortar o salário das pessoas", completa.

Vigilância ativa

Também não faz sentido lançar um lockdown dessa magnitude sem um programa sólido de testagem de novas infecções e o rastreamento de contatos.

"É preciso detectar os casos precocemente e aplicar medidas para conter os surtos locais antes que eles se espalhem", diz Schnekenberg.

Política de testagem em massa permitiria flagrar casos iniciais ou assintomáticos de covid-19. (Crédito da foto: Getty Images)

Países bem-sucedidos no enfrentamento da pandemia, como Nova Zelândia, Austrália, Taiwan, Vietnã e Coreia do Sul, têm boa estrutura para exames em larga escala e diagnóstico daqueles casos que ainda nem apresentam sintomas.

No início de fevereiro, a Austrália, por exemplo, chegou a determinar um lockdown rígido por cinco dias a todos os moradores do Sudoeste do país após um único caso ter sido diagnosticado na cidade de Perth.

Com a detecção rápida, é possível iniciar uma busca ativa de todas as pessoas que entraram em contato com aquele paciente, para que elas fiquem atentas e tomem todos os cuidados necessários.

Essa ação é conhecida como rastreamento de contatos e é outra maneira de quebrar as cadeias de transmissão do coronavírus.

"Mas essas ações só seriam possíveis com liderança e um Ministério da Saúde atuante, que transmitisse mensagens claras e consistes ao povo sobre quais são os sintomas, como se proteger, quando realizar o auto isolamento, quando fazer o teste…", lista Schnekenberg.

Outro ponto importante dessa história é que um decreto com medidas restritivas também precisa contemplar como será a saída do isolamento e o retorno do comércio e dos serviços.

"Todos os países bem-sucedidos têm planos para entrar e para sair do lockdown. As atividades devem ser retomadas aos poucos, de forma progressiva, e não tudo de uma só vez", conta Maciel.

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Hallal calcula que, se adotássemos essas medidas restritivas e acelerássemos a campanha de vacinação contra a covid-19, seria possível pensar num controle da pandemia, a exemplo do que já acontece em outras nações.

"Com um lockdown rígido de três semanas e a aplicação de mais de 1,5 milhão de doses de vacina por dia, nós começaríamos a enxergar uma luz no fim do túnel", destaca.

Realidade utópica

Por mais que cientistas destaquem e insistam na necessidade de um lockdown nacional desde o início de 2021, é bastante improvável que o Governo Federal acate uma sugestão dessas nas próximas semanas — mesmo se chegarmos perto ou ultrapassarmos a marca de 5 mil mortes diárias por covid-19.

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Em entrevista coletiva no dia 2 de abril, o ministro da saúde, Marcelo Queiroga, deu claras demonstrações de que fará de tudo para evitar uma medida dessas.

"Precisamos nos organizar para fazer com que evitemos medidas extremas e consigamos garantir que as pessoas continuem trabalhando, ganhando seu salário e renda, fazendo com que a economia funcione, deixando essas medidas extremas para outro caso. Evitar lockdown é a ordem, mas temos que fazer nosso dever de casa", discursou.

O médico Marcelo Queiroga, que assumiu o Ministério da Saúde recentemente, não pretender adotar o lockdown. (Crédito da foto: Alan Santos / PR)

Ele não deixou claro, porém, que organização é essa e o que será feito para garantir uma queda nas mortes por covid-19 e a manutenção da atividade econômica em meio ao pior momento da pandemia até agora.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também já deu inúmeras demonstrações contrárias a esse tipo de política de saúde pública.

Numa visita à cidade de Chapecó (SC) no dia 7 de abril, o presidente declarou que "não vai ter lockdown nacional".

"Como alguns ousam dizer por aí que as Forças Armadas deveriam ajudar seus governadores nas suas medidas restritivas. O nosso Exército brasileiro não vai às ruas para manter o povo dentro de casa, a liberdade não tem preço", disse.

Uma frase parecida foi dita no mesmo dia, num jantar em São Paulo com empresários, segundo relatos de quem esteve no evento.

Jair Bolsonaro também é contrário a um lockdown nacional (Crédito da foto: Alan Santos / PR). 

"Eu só posso dizer que sinto pelas pessoas que perderam ou que ainda vão perder seus entes queridos nessa pandemia. Muitos indivíduos estão neste exato momento há duas ou três semanas de serem internados e morrerem por causa da covid-19 e por causa de um governo que não tem capacidade de tomar uma medida difícil, mas necessária para salvar a vida dos brasileiros", lamenta Schnekenberg.

A reportagem da BBC News Brasil enviou três questões ao Ministério da Saúde para entender como os responsáveis pelas políticas de saúde pública brasileiras se posicionam a respeito deste assunto e o que estão fazendo para controlar o número de casos e mortes:

O Ministério da Saúde planeja lançar mão de alguma medida ou orientação para que estados e municípios façam lockdown nas próximas semanas?

Se o Ministério não planeja realizar nenhuma ação nesse sentido, quais são os motivos e as evidências científicas que dão suporte a essa postura?

Que outras medidas estão sendo discutidas e implementadas no sentido de controlar o aumento constante dos números de casos e mortes por covid-19, como observamos há algumas semanas?

Até o fechamento desta reportagem, no entanto, não havíamos recebido nenhuma resposta.

André Biernath, da BBC News Brasil em São Paulo / 12.04.2021