quarta-feira, 14 de abril de 2021

STF confirma criação da CPI da Pandemia; e Senado vai decidir se comissão será presencial ou por videoconferência

Comissão tem como objetivo apurar a conduta da União e o uso de recursos federais por estados e municípios

Por dez votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quarta-feira a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar ações e possíveis omissões do governo federal na condução da pandemia da Covid-19. Os ministros também destacaram que cabe ao Senado definir como serão os trabalhos da comissão.

Em seu voto, Barroso disse que o Senado deve instalar a comissão, escolhendo a forma como será feito, mas sem poder adiar seu funcionamento em razão da pandemia.

— Não cabe ao Senado Federal se vai instalar ou quando vai funcionar, mas como vai proceder. Caberá ao Senado se por videoconferência, se por modo presencial, ou por modo semipresencial — disse Barroso.

Uma das principais polêmicas em torno da instalação da CPI é a possibilidade de obrigar os senadores a participarem de reuniões presenciais em ambientes fechados. O ponto é alvo de resistência entre parlamentares, que podem usar a brecha deixada pelo STF para adiar o funcionamento do colegiado até que os trabalhos presenciais forem retomados com regularidade na Casa, o que poderia reduzir os efeitos da comissão de forma drástica.

O julgamento foi rápido, tendo durado pouco menos de uma hora. Além do relator, apenas outros dois ministros se manifestaram: Marco Aurélio Mello, que discordou por questões processuais; e Gilmar Mendes, que elogiou o voto de Barroso. Fux perguntou se havia alguma discordância e, como nenhum outro ministro se manifestou, ele encerrou o julgamento.

Barroso defendeu o papel dos tribunais constitucionais, caso do STF, e citou outros países, com governos autoritários de direita ou de esquerda, em que as cortes sofreram esvaziamento e a própria democracia ficou enfraquecia.

— Diversos países do mundo vivem recessão democrática. Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Venezuela, para citar alguns. Todos eles, sem exceção , assistiram a processo de ataque e esvaziamento de seus tribunais constitucionais. Quando a cidadania despertou, já era tarde — disse Barroso.

O ministro destacou que, atendidos os requisitos para instalação de uma CPI, como o apoio de pelo menos um terço dos parlamentares, a comissão deve ser criada. E disse que o próprio STF já deu decisões semelhantes no passado, quando houve demora para a instalação de CPI.

— Nada há de criativo, original ou inusitado na decisão liminar que concedi à luz da doutrina.

Um dos precedentes foi a decisão tomada em 2005, por nove votos a um no plenário do STF, determinando que o Senado instalasse a CPI dos Bingos. Na época, apenas dois dos atuais integrantes do STF compunham a Corte: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes. Ambos foram favoráveis à instalação da CPI. Barroso destacou que, na democracia, além da vontade da maioria, há também os direitos das minorias. E que é comum ao STF exercer um papel contramajoritário para que as minorias sejam respeitadas.

O Globo online, em 14/04/2021, às 14:23 / Atualizado às 15:34

Rosângela Bittar: O processo da pandemia

O culpado por esta crise política e institucional tem nome e sobrenome: Rodrigo Pacheco

 O essencial é que a pandemia seja investigada. Que os erros de gestão sejam expostos, por mais que diluídos nas tentativas de tumultuar o ambiente. Impossível escapar de acusações. As feitas ao presidente Jair Bolsonaro, no fundo, se resumem a apenas uma: a negação. O presidente contestou a existência da covid-19 e as mais elementares formas de combatê-la, como o isolamento e as vacinas. Quando não foi omisso, foi equivocado.

Já o presidente do Senado, que teve à mão uma forma eficaz de intervir e mudar os rumos da catástrofe, imaginou que poderia aplicar um sofisma parlamentar. Como dependia da sua assinatura a instalação da CPI, tentou postergá-la. Exercitou o golpe de Pilatos e lavou as mãos. Um passo em falso nas cenas iniciais da sua liderança de um dos poderes da República.

Obrigado a cumprir o dever por decisão judicial, acabou por perder o controle da situação.

A experiência das CPIs mostra que, mais do que as investigações, as denúncias ganham dimensões de provas.

Por isso, haja o que houver, e mesmo que Bolsonaro tenha conseguido truncar a CPI, o culpado por esta crise política e institucional tem nome, sobrenome e endereço: o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado. Ele vislumbrou dominar o processo com silêncios e retardamentos.

Definido por seu público como um político tático e tendo surgido no Senado como uma novidade bem-vinda ao jogo parlamentar, parecia uma espécie de ressurreição dos políticos mineiros que fizeram história. É curto o caminho percorrido, mas Rodrigo Pacheco, até agora, está frustrando estas expectativas.

Os argumentos que mobilizou para não instalar a CPI são superficiais e às vezes parecem sobrenaturais, porque tomam distância da realidade.

Estreante, o senador Pacheco desprezou mais de 30 assinaturas de senadores de diferentes partidos e ideologias. Apegou-se ao argumento, depois capturado pelo governo, que a CPI não podia funcionar por meio virtual. Hoje, no planeta, da assembleia de condomínio ao programa de auditório, sem falar no plenário dos tribunais, as sessões realizam-se remotamente.


Outro dos problemas mencionados seria a impossibilidade de dar segurança às testemunhas. Por quê? O presidente e o relator podem acompanhar a testemunha numa reunião, enquanto os inquiridores trabalham de outras latitudes. Surgiu ainda a alegação estapafúrdia, logo incorporada por representantes do investigado, de que a CPI da Pandemia, se realizada durante a pandemia, seria um ato político e atrapalharia o enfrentamento da doença. E para completar recorreu ao lugar-comum: a CPI seria um “ponto fora da curva”. Qual é a curva?

Enquanto fugia de suas atribuições constitucionais, o senador Pacheco não se recusava a tentar desempenhar competências do Executivo, buscando formas de comprar vacinas e toda sorte de providências que não tinha condições legais de assinar. Perda de tempo. Até aceitou liderar um comitê decorativo, criado por Bolsonaro para envolver suas responsabilidades numa cortina de fumaça.

O fato de o destemido Jair Bolsonaro estar com medo de ser investigado é até um bom sinal. Poderia significar que tem consciência dos atos perversos que praticou na gestão da pandemia. Já o presidente do Senado poderia ter evitado a crise e baixado a temperatura de mil formas. Quem sabe, se tivesse instalado a CPI quando foi proposta, por exemplo, não saberíamos hoje as verdadeiras razões das quatro mudanças de ministros da Saúde neste governo, em menos de um ano.

Ao submeter-se ao capricho do presidente, o senador Pacheco talvez não tenha percebido que a grife da presidência do Senado só é desfrutável quando se está no exercício do cargo. Quem se lembra hoje do senador Davi Alcolumbre?

Rosângela Bittar é colunista do Estadão e analista de assuntos políticos. Este artigo foi publicado originalmente em 14.04.2021.

O salão dos passos perdidos

Armas, cloroquina, máscara, vacina. Não se ganha autoridade afrontando o cidadão, lembra Paulo Delgado neste artigo publicado hoje no Estadão.

Tragédia desnecessária é lástima. Em algum lugar da Comédia Humana, de Balzac, há referência a um imenso salão onde as pessoas buscam solução para seus problemas, mas que de tão monumental faz parecer mesquinho tudo o que o cerca. São aqueles lugares e situações em que a espera vira agonia. No Brasil é o salão onde a Justiça se faz degrau da política e se dispõe a alimentar com colher outro Poder. E a omissão do Parlamento não deixa a política andar pelas próprias pernas.

Muitos congressistas sofrem da “doença do mandato”, que os faz perambular pelas duas Casas preservando o mandato sem exercê-lo. São vítimas de presidentes que mobilizam emoção sem entender do assunto.

O presidente, estrela ociosa cuja riqueza veio da política, é presa fácil do poder sem lastro que o estimula a passar o rodo. Telefona nu do palácio. Avança para destruir o patrimônio institucional, construído pela elite e pelo povo brasileiro nos últimos 132 anos. Vaga fora do alcance da luz confiante no círculo de aduladores-vingadores.

Maus sentimentos fazem maus governos. É preciso alguém elevado, capaz de se cercar de ideias coletivas, para ajudar o País a escapar do descarrilamento. O político, como parte essencial da elite do poder, deve abandonar o tabu da falta de propósitos comuns e fazer das ramificações na sociedade a fonte do poder.

Há uma crise do progresso agravada pela falta de reação ao fracasso do Executivo. Um entorpecimento social e econômico, também estimulado pela alienação das pesquisas que avalia friamente os brasileiros, como se não quisesse deixá-los em paz para refletirem sobre seu silêncio. A vida como eleição faz perder o êxtase, recalca a consciência do presente e mete o cidadão numa prisão que o priva da liberdade de decidir.

O eleitor é o herói-vítima de quem fala por ele e a quem se impõe uma ação que talvez não queira. Sondagens são rédeas, reduzem a democracia ao mínimo eleitoral e empurram o País para o abismo da urna outra vez como panaceia e loteria.

A política nada conseguirá se continuar esse carrossel de cavalões correndo, viciados em rondó de ideologias e o povo, cavalinhos sofrendo – teu populismo, esmeralda ou rubi, acabou enlouquecendo. O sol tão claro lá fora. E a alma, por te seguir, desaparecendo (apud Manuel Bandeira). Bijuterias políticas. Chega da equitação de poderosos não cooperativos, montados na construção mental dispersa da desorganização do sistema público. É hora de domar o cavaleiro, e não mais amestrar o cidadão.

A sociedade continua tratada como superfície plana, tela de uma exposição do expressionismo abstrato, onde artistas deslumbrados com o preço irreal do que pintam vivem seu próprio mundo mais importante do que sua obra. É necessário dobrar o sino da complacência com gigolôs de pobres, tribunais, quartéis e igrejas. Quem for demagogo, justiceiro, vivandeira, santo do pau oco, que o seja para si, mas não enquanto político.

O presidente, pelo que demonstra em suas atitudes, jamais alcançaria posto acima do nível tático, como atingiu. O acesso a posto superior da hierarquia militar, relacionado ao nível estratégico, exige capacidade de pensamento complexo, que envolve abstração, análise de múltiplos fatores e outras competências cognitivas elevadas. Que formam o conceito de mérito, essencial nas instituições em que a ascensão a comandos se faz pela avaliação de conhecimento e preparo.

Quando diz que “todos têm que morrer um dia”, revela desprezo pelo efeito da pandemia, que é levar muita gente à morte antes do que ocorreria “um dia” por outras causas. Não se deve brincar com a transgressão. Por coerência, aplicada ao mandato presidencial a mesma ideia, “todo eleito tem que sair um dia”, não é anormal antecipar “esse dia”. Afinal, sem possuir fundamento positivo suficiente para enfrentar a complexidade atual é bom evitar que a catástrofe vire revolta.

Sintomas de pensamento desestruturado, que enfiou o País numa gaiola, incapaz de abstrair e compreender o geral e o específico, valendo-se de cabeças de aluguel, estão presentes em todas as suas atitudes. Armas, cloroquina, máscara, vacina. Não se ganha autoridade afrontando o pacato cidadão: é crueldade negar o testemunho da dor e da razão lógica. No presidencialismo falhas do defeito gritam.

Sua visão estreita dos problemas complexos o faz tratar o essencial como minoritário e o ultraminoritário como essencial. Não quer CPI porque não quer ser investigado em sua culpa ou dolo. É preciso parar a imprudência. Melhor a autópsia do governo que a de meio milhão de brasileiros.

Questões que longinquamente ressoam um Brasil dominado e revivido por correntes de opinião disfuncionais. Mais bondade, menos orgulho. O bem é mais antigo do que o mal, e o governante é responsável pelo que o outro realiza em seu nome ou por sua influência. Se continuarmos a antecipar o mundo das eleições, a tragédia em curso continuará um ponto periférico e o presidente conseguirá completar sua sina como o intimidador invencível que sempre foi.

Paulo Delgado é sociólogo. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S.Paulo, em 14 de abril de 2021.

Ameaçar é crime

Não basta que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera penal

 O presidente Jair Bolsonaro gosta de falar de liberdade. Em seus discursos, coloca-se como uma espécie de paladino da liberdade. No entanto, sua atuação na Presidência da República revela profundo desconhecimento do assunto. Em especial, parece ignorar o Capítulo VI do Código Penal, que trata dos crimes contra a liberdade individual.

O Capítulo VI começa com o crime de constrangimento ilegal. “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda. Pena: detenção, de três meses a um ano, ou multa” (art. 146 do Código Penal).

Em agosto do ano passado, um repórter do jornal O Globo, no exercício de sua profissão, fez uma pergunta ao presidente Jair Bolsonaro. Questionou-o sobre repasses de R$ 89 mil feitos por Fabrício Queiroz à primeira-dama Michelle Bolsonaro. Ao jornalista – que apenas fez o que a lei, com toda certeza, lhe permite fazer – Jair Bolsonaro respondeu: “Vontade de encher tua boca de porrada”.

O episódio do ano passado não foi a primeira vez, tampouco a última, que o presidente Jair Bolsonaro constrangeu um jornalista no exercício de sua profissão.

A ameaça é o segundo crime previsto no Capítulo VI do Código Penal. “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa” (art. 147).

Em conversa com o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), o presidente Jair Bolsonaro transmitiu o seguinte recado ao senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP): “Se você não participa (da CPI da pandemia), daí a canalhada lá do Randolfe Rodrigues vai participar. E vai começar a encher o saco. Daí, vou ter que sair na porrada com um bosta desse”.

Ao divulgar o áudio da conversa com Jair Bolsonaro, o senador Jorge Kajuru relatou que o presidente da República estava ciente da gravação do diálogo e de sua posterior divulgação. Ou seja, Jair Bolsonaro conhecia o exato significado de tornar pública sua disposição de “sair na porrada” com o senador Randolfe Rodrigues.

Na mesma conversa, Jair Bolsonaro buscou ainda constranger e ameaçar integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), instigando o senador Jorge Kajuru a apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. Na estranha e ilegal lógica de Bolsonaro, isso seria “fazer do limão uma limonada”.

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros do STF) também”, disse Jair Bolsonaro ao senador Jorge Kajuru. Tudo isso porque o presidente Bolsonaro não gostou da decisão do ministro Luís Roberto Barroso de assegurar o direito constitucional da minoria de instalar uma CPI.

Desde abril deste ano, com a entrada em vigor da Lei 14.132/2021, o terceiro crime do Capítulo VI do Código Penal refere-se à perseguição. “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena: reclusão, de seis meses a dois anos, e multa” (art. 147-A).

Ainda que seja novo, esse tipo penal também merece a atenção do presidente da República. Não seria difícil enquadrar seu reiterado comportamento em relação a alguns políticos da oposição dentro dessa moldura legal.

Vale notar que a imunidade presidencial prevista na Constituição refere-se apenas a ações anteriores ao mandato. O que o presidente da República faz na posse do cargo é passível de ser enquadrado penalmente.

Não basta, portanto, que Jair Bolsonaro se preocupe com eventual responsabilização por crimes de responsabilidade. Suas ações o aproximam perigosamente da esfera penal. Isso ocorre porque, sob o eufemismo do “gosto pelo conflito”, Bolsonaro pratica atos tipificados no Código Penal. Num Estado Democrático de Direito, ameaçar é crime.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 14 de abril de 2021 

terça-feira, 13 de abril de 2021

Brasil registra 3.808 mortes por covid-19 em 24 horas

País já supera 358 mil mortes em razão da doença. Com mais de 82 mil novos casos, total de pessoas infectadas desde o início da epidemia é de 13,5 milhões. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes passa de 170.

Brasil supera 358 mil casos de covid-19

O Brasil registrou 3.808 mortes associadas à covid-19 nesta terça-feira (13/04), além de 82.186 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país aumentou para 13.599.994, enquanto os óbitos chegaram a 358.425 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.957.068 pacientes se recuperaram da doença até esta segunda-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 170,6 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 31,3 milhões de casos e da índia, com 13,6 milhões. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 563 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 137 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,95 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021

O Brasil não aguenta esperar 2022

 A CPI do Genocídio e o Impeachment, segundo Guilherme Boulos. "O Senado está diante de uma decisão histórica: ou lava as mãos ou aponta os crimes de Bolsonaro".

O Senado deverá instalar a CPI da Pandemia. Pandemias costumam ser investigadas em comitês científicos, não em comissões parlamentares. Mas o Brasil é ponto fora da curva. Temos um governo que recusou vacinas, boicotou medidas sanitárias, desinformou o povo com falsos remédios. Por isso, somos há meses o país em que mais morre gente por Covid no mundo. A CPI se tornou necessária. O mais justo seria entrar para a história como a CPI do Genocídio.

O Congresso brasileiro tem um histórico de abertura de CPIs. Duas delas levaram a impeachment de presidentes: a do PC, em 1992, e a da Petrobras, em 2015. Collor foi derrubado pelo esquema PC Farias. Dilma caiu pelo patético pretexto das pedaladas fiscais. Não há paralelo possível com a carnificina de Bolsonaro. Por isso mesmo não seria inesperado que a CPI funcione como gatilho para novo impeachment.

A tese de que Bolsonaro estaria blindado com a eleição de Arthur Lira na Câmara é cada vez mais duvidosa. O próprio Lira deu o aviso há duas semanas. O governo está no seu pior momento, com popularidade abaixo de 30%, colhendo os frutos da condução desastrosa da pandemia e da economia. O descaminho em que Bolsonaro enfiou o Brasil não tem saída com ele no comando. Está isolado, perdendo apoio entre os empresários, no povo e em crise com as Forças Armadas.

Hoje Bolsonaro é refém do centrão. E se há algo que caracteriza esse grupo é a fidelidade única a seus próprios interesses. O centrão tem ministérios e emendas parlamentares, mas a essa altura o foco já é a reeleição. Se Bolsonaro se torna definitivamente tóxico, quem vai querer pagar o preço de estar com ele? Alguém acredita que o centrão estaria disposto a afundar junto com o governo? Seria inédito na história política nacional.

Por isso, a CPI pode ser só o primeiro passo. De fato, se a investigação tiver o mínimo de seriedade, os crimes de Bolsonaro serão expostos de forma retumbante, sobretudo em relação à saúde pública.

Aliás, nem precisaria de uma CPI. Qualquer busca no Google mostra que ele trabalhou contra a vacina, ignorando três ofertas do Instituto Butantan, em 2020, e recusando 70 milhões de doses da Pfizer, também no ano passado. Preferiu gastar R$ 90 milhões em cloroquina. É notório, ainda, que ele boicotou medidas de isolamento sanitário. Irresponsavelmente, deixou também de investir R$ 80 bilhões, previstos no Orçamento, para combate à pandemia. A ficha corrida é longa.

O Senado está diante de uma decisão histórica. Ou lava as mãos num acordão costurado em cima de mais de 350 mil cadáveres. Ou aponta os crimes de Bolsonaro e abre caminho para um processo de impeachment. O Brasil não aguenta até 2022.

Guilherme Boulos é Professor, militante do MTST e do PSOL. Foi candidato à Presidência da República e à Prefeitura de São Paulo. Este artigo foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição de 13.04.2021 e reproduzido no UOL.

A ascensão do terrorismo bolsonarista

Temos o coquetel perfeito para novos surtos com consequências letais, constata Joel Pinheiro da Fonseca em artigo no UOL.

Em 17 de março, um bombeiro ateou fogo à sede de um jornal no interior de SP. O motivo? O jornal defendia medidas de isolamento social. No fim de março, em Salvador, um PM teve um surto psicótico e passou a ameaçar cidadãos e colegas de trabalho. Imediatamente depois de sua morte, foi elevado à condição de herói nos meios bolsonaristas, inclusive pela deputada Bia Kicis. No domingo (11), no aeroporto de Guarulhos, outro PM em surto psicótico fez uma comissária de bordo refém. Casos como esses estão se tornando mais comuns.

E não são só militares. Também em março, um empresário do interior paulista fez um vídeo, armado, com ameaças ao ex-presidente Lula. O governador de SP, João Doria, decidiu se mudar de sua casa para o Palácio dos Bandeirantes depois das ameaças de manifestantes bolsonaristas.

A pandemia e o isolamento deixam todos nós sob estresse constante. Some-se a isso discursos extremistas e teorias da conspiração, e temos o coquetel perfeito para novos surtos com consequências letais.

Bolsonaro e seus cabos eleitorais não precisam incitar violência diretamente contra alguém. Se o fizessem, sofreriam um processo criminal. É o que ocorre quando um deles, como o deputado Daniel Silveira ou a militante Sara Winter, se exalta e perde a linha. A receita é mais difusa, mas o resultado é similar e conta com vistas grossas das autoridades.

Doutrine a cabeça de seguidores com teorias da conspiração, paranoia e maniqueísmo político. Eleja alguns adversários como alvos preferenciais do ódio. Conclame a uma atitude genérica de resistência, revolta, a alguma “ação” não especificada para levar à vitória; deixe tudo no ar. Boa parte do público alvo entenderá a mensagem. Uma minoria de desequilibrados irá colocá-la em prática. É só aguardar. Quando a tragédia previsível acontecer, faça cara de paisagem, lamente o ocorrido e siga adiante, na esperança silenciosa de que os fanáticos se encarregarão de intimidar qualquer crítico.

Em privado, Bolsonaro revela suas reais intenções sem medo. Na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, depois tornada pública pelo STF, disse com todas as letras que queria o povo armado para resistir às ordens de governadores. Seu sonho se aproxima da realidade com o decreto de armas que entraria em vigor nesta terça (13) e teve trechos suspensos pela ministra Rosa Weber.

No que depender de Bolsonaro, a produção e venda de armas e munições no país fica mais facilitada e menos rastreada. O laudo de capacidade técnica para se armar será emitido, não pelas autoridades, mas por clubes de tiro. O limite de armas e munições que cada um pode ter deve ser generosamente aumentado. Para atiradores, chega a 60 armas. E poderão ainda andar com elas carregadas por aí. Milicianos agradecem.​

Em post desta segunda (12), diz Bolsonaro: “Hoje você está tendo uma amostra do que é o comunismo e quem são os protótipos de ditadores”. Sim, no discurso bolsonarista, as medidas restritivas têm como objetivo implantar uma ditadura comunista.

Ao fim do post, conclui o presidente: “Pergunte o que cada um de nós poderá fazer pelo Brasil e sua liberdade e ... prepare-se”. O recado está dado, e os meios para se “preparar” também. População armada e alimentada com propaganda sediciosa em seus celulares. Policiais chamados ao motim. Quantos desses jovens PMs, por sinal, serão alunos de Olavo de Carvalho, que oferece seu curso —nada mais do que fanatização sectária— gratuitamente a policiais desde 2019? Como se não bastasse a Covid, agora temos que lidar também, e cada vez mais, com o terrorismo bolsonarista.

Joel Pinheiro da Fonseca é economista e mestre em filosofia pela USP. Este artigo foi publicado originalmente n'a Folha de S. Paulo, em 13.04.2021. Reproduzido na mesma data no UOL.

PSDB tenta fazer Tasso presidir CPI da Covid e MDB quer relatoria

Líderes de partidos no Senado se movimentam para garantir os principais cargos na comissão

Líderes de partidos no Senado se movimentam para garantir os principais cargos da CPI da Covid. A presidência do grupo, que coordena as reuniões, e a relatoria, responsável por consolidar em um parecer a conclusão dos trabalhos do colegiado, são os postos mais importantes.

O PSDB, que faz parte do segundo maior bloco da Casa, com Podemos e PSL, quer que o senador Tasso Jereissati (CE) seja presidente da comissão. O MDB, que integra o maior bloco, com Progressistas e Republicanos, está de olho na relatoria da CPI. O indicado deve ser o líder da Maioria e ex-presidente do Senado Renan Calheiros (MDB-AL). O líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM), e o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) também farão parte da comissão.

Tasso e Renan são críticos ao governo de Jair Bolsonaro e podem contribuir para que a CPI represente uma dor de cabeça na apuração da gestão federal da pandemia do novo coronavírus. O Palácio do Planalto tenta evitar que a composição da CPI tenha senadores de oposição em sua maioria e que críticos ao governo assumam postos chave. A avaliação dos líderes, no entanto, é a de que o Executivo não conseguirá maioria para ditar os rumos da comissão.

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) Foto: Jefferson Rudy|Agência Senado

Tasso tem cobrado a instalação da CPI desde o início do ano legislativo, em fevereiro. A presidência da comissão é importante porque vai definir os procedimentos das reuniões, como, por exemplo, se os trabalhos serão remotos ou presenciais. O PSDB tem defendido trabalhos presenciais.

“Ele tem todo o perfil para presidir. Ele será indicado titular (membro da CPI) com certeza. Para a presidência vai depender de articulação, mas acredito que tem todo o perfil para isso”, disse o líder do PSDB, senador Izalci Lucas (DF).

Ao Estadão, o governador de São Paulo, João Doria, disse que defende a escolha de Tasso para presidir a CPI. “Tasso tem meu total apoio para presidir a CPI. Ele nos representa na postura e na conduta”, afirmou.

Renan também tem cobrado a CPI e é duro tanto contra Bolsonaro, quanto contra o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que decidiu instalar a comissão apenas após determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.

O ex-presidente do Senado quer que o MDB fique com a relatoria e argumenta que, como é o maior partido do maior bloco, a escolha deve caber à legenda. “O regimento diz que tudo no Senado deve atender à proporcionalidade”, argumentou Renan.

O senador destacou que a presidência e a relatoria vão depender da composição dos integrantes do grupo. “Tem que ser garantida pela maioria da comissão. Então, é preciso saber quem são os nomes, até para conversar com as pessoas sobre o que fazer”, declarou Renan.

Pacheco vai ler na tarde desta terça-feira, 13, o requerimento de abertura da CPI. A partir disso, os líderes terão dez dias para escolher os integrantes da comissão. Só após essa definição é que haverá uma eleição interna para escolher o presidente e o relator.

O PT vai indicar o senador Humberto Costa (PE), ex-ministro da Saúde no governo Lula, para compor o colegiado. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do pedido de criação da CPI da Covid, também deve integrar a comissão. O PSD, por sua vez, quer escalar Otto Alencar (BA).

Lauriberto Pompeu , Daniel Weterman e Pedro Venceslau, O Estado de S.Paulo, em 13 de abril de 2021 | 15h33


Fome no Brasil cresce e supera taxa de quando Bolsa Família foi criado

Insegurança alimentar grave ou moderada atingiu 27,7% da população no final do ano passado, ou 58 milhões de brasileiros, contra 16,8% em 2004. Pandemia acelerou alta da fome registrada desde 2014, aponta pesquisa.

Mulheres e criancas recebem alimentos doados

Pesquisa mostra que fome afeta mais os pardos e pretos, mães chefes de família e moradores do Nordeste

As consequências sociais e econômicas da pandemia de covid-19 agravaram a fome no Brasil, que já vinha aumentando e superou em 2020 os níveis registrados no início da década passada, quando foi criado o Bolsa Família.

Uma pesquisa realizada em novembro e dezembro passados com 2 mil pessoas mostrou que 15% estavam em insegurança alimentar grave, e 12,7% em insegurança alimentar moderada, o que significa que corriam o risco de deixar de comer por falta de dinheiro. Em relação à população brasileira como um todo, isso equivaleria a 58 milhões de pessoas.

Outros 31,7% estavam em insegurança leve, quando há preocupação de que a comida acabe antes de se ter dinheiro para comprar mais ou faltam recursos para manter uma alimentação saudável e variada.

Segundo a pesquisa, portanto, 59,4% da população enfrentava no final do ano passado algum grau de insegurança alimentar, o equivalente a um total de 125 milhões de pessoas.

O resultado mostra a aceleração do aumento da fome no Brasil, que tinha voltado a crescer antes da pandemia em um contexto de crise econômica e desmobilização de políticas públicas de segurança alimentar.

O levantamento foi feito por pesquisadores do grupo "Alimento para Justiça" da Universidade Livre de Berlim, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade de Brasília (UnB), com financiamento do governo alemão, e divulgado nesta terça-feira (13/04).

Quais são os principais resultados

A parcela estimada de 59,4% dos brasileiros que enfrentam algum grau de insegurança alimentar é quase 23 pontos percentuais maior do que a registrada na última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o levantamento do IBGE, que mede o mesmo fenômeno, 36,7% da população enfrentava algum grau de insegurança alimentar em 2017 e 2018.

O melhor resultado no acesso à alimentação estável e saudável no país foi alcançado em 2013, quando 22,6% dos brasileiros tinham algum grau de insegurança alimentar. Em 2009, essa fatia representava 30,2% da população.

A série histórica começa em 2004, ano seguinte à criação do Bolsa Família, quando 16,8% dos brasileiros enfrentavam insegurança alimentar grave ou moderada, e outros 18% estavam em insegurança leve.

A pesquisa da Universidade Livre de Berlim tem parte da sua metodologia similar à do IBGE, mas as duas não são idênticas. O IBGE entrevista um universo maior de domicílios, presencialmente, e faz mais perguntas.

Desigualdade regional e de cor e gênero

O levantamento também mostra que a insegurança alimentar se distribui de forma desigual pelo país.

No Nordeste, 73,1% da população estava nessa categoria, e no Norte a taxa é de 67,7%. Já no Sul, 51,6% dos domicílios estavam em insegurança alimentar, e 53,5% dos localizados no Sudeste.

O mesmo ocorre em relação à cor da pele das pessoas entrevistadas, com maior prevalência de insegurança alimentar entre os pardos e pretos. Entre os brancos, 48,9% apresentaram algum grau de insegurança alimentar, contra 66,8% dos pretos e 67,8% dos pardos.

O problema também é mais frequente na casas chefiadas apenas por mulheres, com 73,8% dos domicílios nessa situação.

"A insegurança alimentar é um retrato das desigualdades múltiplas interseccionais. Ela tem cor, tem gênero e ilustra um retrato do Brasil", diz Renata Motta, professora de sociologia da Universidade Livre de Berlim que liderou a pesquisa.

As dificuldades econômicas agravadas pela pandemia também levaram à redução da diversidade de alimentos saudáveis ingeridos nos domicílios. Entre os entrevistados, 41% disseram ter reduzido o consumo de frutas, e 44% o de carnes. Entre aqueles em insegurança alimentar a redução no consumo de alimentos saudáveis foi de 85%.

Impacto do auxílio emergencial

Os resultados da pesquisa só não foram ainda piores graças ao auxílio emergencial, criado em abril do ano passado. Entre os entrevistados que tinham recebido pelo menos uma parcela do auxílio, 63% usaram o dinheiro para comprar comida.

Quando o levantamento foi realizado, o valor do auxílio já havia sido reduzido à metade da quantia inicial, de R$ 600 para R$ 300. O benefício foi encerrado em dezembro, e no primeiro trimestre deste ano a população pobre que perdeu renda ou enfrentava dificuldades por conta da pandemia ficou sem o auxílio.

Nesse período, diz Motta, pode-se esperar que a insegurança alimentar da população tenha crescido. "Os dados da nossa pesquisa, com o auxílio de R$ 300, já são dramáticos. É bem provável que a porcentagem de domicílios em insegurança alimentar grave tenha aumentado demais [sem o auxílio]", afirma.

O auxílio emergencial voltou a ser pago em abril, em um valor mais baixo do que no final do ano passado – a maior parte dos beneficiários deverá receber R$ 150 ou R$ 250 por mês. A nova rodada deve ter quatro parcelas mensais.


                Doações voltaram a ter papel central para remediar a insegurança alimentar

Por que a fome cresceu

O Brasil chamou a atenção do mundo na década passada por ter reduzido a fome entre sua população. Em 2014, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) retirou o país pela primeira vez de seu Mapa da Fome, com base em pesquisa do IBGE realizada no ano anterior. Essa lista inclui países nos quais mais de 5% da população consome diariamente menos calorias do que o recomendado.

Mas, nos últimos anos, o cenário virou, e a insegurança alimentar voltou a crescer, devido a uma combinação de crise econômica e decisões políticas que enfraqueceram os instrumentos do governo e da sociedade civil para atuar no tema, segundo Motta.

Ela aponta que o sucesso na redução da fome de 2004 a 2013 teve influência do Bolsa Família e do aumento real do salário mínimo, mas também de um arcabouço de políticas públicas sobre o tema, como o estabelecimento de uma lei e de um plano de segurança alimentar, a estruturação de conselhos regionais e nacionais para aproximar governos da sociedade civil e o fortalecimento do programa de alimentação escolar.

A partir de 2014, no governo Dilma Rousseff, a crise econômica e o aperto orçamentário começaram a afetar a renda das pessoas. Com o início da gestão Michel Temer em 2016, diz Motta, o espaço da agricultura voltada à exportação cresceu ainda mais e foi reduzido o apoio à agricultura familiar, que tem papel importante no fornecimento de alimentos para o mercado doméstico. Ela aponta como um marco a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2016.

A situação, diz Motta, piorou no governo de Jair Bolsonaro. Em sua primeira semana no cargo, o presidente extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. "O governo resolveu desconsiderar esse acúmulo de construção coletiva entre estado e sociedade. Era um governo novo, que não tinha experiência na máquina executiva, e simplesmente abdicou disso", afirma.

Com a covid-19, as dificuldades se agravaram. Houve queda de renda e a inflação de alimentos superou os 15% nos 12 meses iniciais da pandemia, quase o triplo da inflação geral, dificultando o acesso regular a refeições para muitas famílias.

A data da realização da próxima POF pelo IBGE ainda não foi confirmada. Se for mantida a periodicidade das anteriores, ela deverá ocorrer em 2022 ou 2023. São os dados dessa pesquisa que mostrarão se o Brasil voltou ao Mapa da Fome da FAO. Para José Graziano da Silva, ex-diretor-geral da entidade e ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, isso já aconteceu na prática.


Crise também reduziu diversidade de alimentos saudáveis ingeridos nos domicílios

Recurso a doações

Nesse cenário dramático, o papel da mobilização da sociedade civil para ajudar as pessoas que passam fome com doações de alimentos tornou-se cada vez maior.

Segundo Motta, o uso das doações como instrumento central de redução da fome era comum nos anos 1990, mas havia sido substituído por políticas estruturais, pois não dá autonomia ao indivíduo e tem caráter assistencialista.

Ela afirma que o retorno da importância das doações mostra um "retrocesso tremendo" no setor, apesar de necessário para aplacar a fome diante da falta de alternativas.

"É uma forma de medicar os sintomas, não tratar as causas. Vai botar comida na casa dos brasileiros, mas é uma política que por muitos motivos já havia sido superada", diz.

Como a pesquisa foi feita

Os pesquisadores da Universidade Livre de Berlim, da UFMG e da UnB utilizaram oito questões da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, usada na POF. Foi perguntado aos entrevistados se eles tiveram, nos últimos três meses, preocupação de que os alimentos acabariam por falta de dinheiro, se os alimentos acabaram antes que tivesse dinheiro para comprar mais, e se eles ficaram sem dinheiro para ter uma alimentação saudável e variada.

As questões também indagaram se os moradores dos domicílios comeram apenas alguns alimentos que tinham em casa porque o dinheiro acabou, se deixaram de fazer alguma refeição por falta de dinheiro, se sentiram fome e não comeram por falta dinheiro, e se fizeram apenas uma refeição ao dia ou ficaram um dia inteiro sem comer porque não havia dinheiro.

A partir do número de respostas positivas, os domicílios foram classificados quanto à sua segurança alimentar. Os telefonemas foram realizados de 21 de novembro a 19 de dezembro de 2020, e a margem de erro é de 2,19 pontos percentuais.

Uma pesquisa semelhante, realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), também foi divulgada na última semana. O levantamento identificou que 55,2% da população enfrentava algum grau de insegurança alimentar.

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021

Brasil do desemprego recorde tem vagas em fábricas de caixões

"A demanda mais do que dobrou, e estamos fazendo tudo que a gente pode para aumentar a produção para conseguir atender todo mundo", diz o presidente da Godoy Santos, uma das maiores desse setor.

"Ficamos assustados com esse aumento, e isso deve continuar até pelo menos abril. É muito preocupante."

Procura por caixões explodiu no começo deste ano, dizem os fabricantes (Crédito da foto: EPA)

A última Sexta-feira Santa foi a primeira vez que a fábrica de caixões de Antônio Marinho funcionou no feriado da Páscoa. Precisava dar conta do volume de serviço, que disparou na pandemia.

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Em um momento em que o país enfrenta um desemprego recorde e muitas empresas estão demitindo por causa da pandemia de covid-19, fabricantes de caixões como a Godoy Santos estão contratando.

A equipe da empresa de Dois Córregos, no interior de São Paulo, aumentou pouco mais de 10% com os 15 funcionários que chegaram recentemente.

As jornadas ficaram mais longas, e as férias foram suspensas — dentro do que a lei permite, Marinho faz questão de frisar.

Fabricantes de caixões dizem que nunca tiveram tantos pedidos quanto agora (Crédito da foto: Reuters)

A empresa também passou a oferecer para os clientes só 2 dos 45 modelos que tem no catálogo, para tentar acelerar a produção.

Marinho diz que já conseguiu aumentar a fabricação em cerca de 30%, mas calcula que vai precisar elevar ainda mais para tentar atender a todos.

"Tá bem esquisito, tá todo mundo ressabiado. Cidades que tinham três, quatro óbitos por mês, de repente, têm oito, dez, e esse número fica constante. Isso assusta."

Mortes em alta no ano da pandemia

Nunca morreu tanta gente no Brasil quando no período da pandemia.

Foram quase 1,5 milhão de óbitos entre março de 2020 e fevereiro de 2021, de acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).

É o recorde do monitoramento desde que ele começou a ser feito, em 2003.

As mortes no ano da pandemia ficaram 31% acima da média e 13,7% do ano anterior.

E foi justamente o último mês do levantamento que teve o maior número de mortes de toda a série histórica.

Em fevereiro de 2021, 120 mil novos atestados de óbito foram emitidos por cartórios em todo o país.


Ano da pandemia teve 31% mais mortes do que a média histórica (Crédito da foto: Reuters)

'Tem pico todo ano, mas nada se compara com isso'

Os fabricantes de caixão foram um dos primeiros a notar esse aumento fora da curva.

Esse é um mercado em que a previsibilidade é a norma. Fora algo excepcional, o número de nascimentos e mortes costuma ser relativamente regular — descontadas as variações sazonais e as mudanças no perfil da própria população.

Por isso Leandro Rigon diz que soube logo de cara que o aumento de pedidos que ele estava vendo em sua fábrica em Constantina, no interior do Rio Grande do Sul, em outubro do ano passado, não era normal.

Em um primeiro momento, diz o empresário, as funerárias tinham algum estoque para dar conta do aumento dos velórios e enterros.

"Aí pegou forte a partir de fevereiro (de 2021). Houve um aumento muito, muito grande de pedidos", afirma o diretor-executivo das Urnas Rigon, empresa que foi criada pelo seu pai há 31 anos.

"Estou no ramo há 24. Claro que tem picos todos os anos, mas nada se compara com isso. Nunca teve algo assim."


'Se um pedir demais, o outro fica sem'

Leandro Rigon diz que sua produção aumentou em um terço depois que ele contratou mais 20 funcionários.

A fábrica também passou a funcionar uma hora a mais todos os dias e também aos sábados e feriados.

O empresário conta que precisou conversar com algumas funerárias. "Sabe o que aconteceu com o papel higiênico? Então, eu acho que a mesma coisa aconteceu aqui, algumas pessoas correram para estocar."

As encomendas grandes demais foram renegociadas, para fracionar a entrega. "Se um pedir demais, o outro vai ficar sem", justifica Rigon.

Empresas dizem que tiveram que contratar para conseguir atender a todos os clientes (Crédito da foto: Godoy Santos)

Falta de matéria-prima

Os fabricantes dizem que a situação ficou ainda mais crítica porque está faltando matéria-prima para fazer os caixões e urnas.

Eles contam que desde o fim do ano passado começou a ficar difícil achar madeira, compensado, aço, plástico, tecido — os materiais que costumam ser usados para fazer esse tipo de produto.

Com real desvalorizado, o câmbio ficou mais favorável às exportações, e os produtores nacionais passaram a priorizar as vendas para o exterior, diz Gisela Adissi, presidente da Associação dos Cemitérios e Crematórios Privados do Brasil (Acembra).

"Os fabricantes ainda estão conseguindo atender os pedidos, mas estão reduzindo as entregas. Março deve ser o pior mês e provavelmente vai dar uma melhorada em abril, mas ainda vai ser difícil", afirma Adissi.

Acordo e pedido de ajuda

Ela diz que as associações do mercado funerário decidiram fazer uma campanha para ninguém estocar esses produtos.

Adissi acredita que não vai faltar caixão e urna no mercado, mas reconhece que a preocupação é grande.

"Não pode ir a velório, não pode ir a enterro (por culpa das restrições sanitárias)... A gente já está sofrendo demais com a privação de vários dos nossos rituais. Sem esses símbolos tão familiares e habituais, começa a ficar caótico", diz a empresária.

Os fabricantes também se mobilizaram e vieram a público no início de março pedir a ajuda. O apelo surtiu efeito, diz Antônio Marinho, que também é presidente da Associação de Fabricantes de Urnas do Brasil.

Ele afirma que as empresas conseguiram uma interlocução com o governo de São Paulo, de onde sai mais da metade da produção de urnas e caixões no país.

"Eles nos colocaram no comitê contra a covid e estão ajudando no diálogo com os fornecedores de matéria-prima. Está funcionando, o pessoal está sendo mais flexível e aumentando a cota. Acho que isso vai resolver o problema", diz Marinho.

Linha de produção de caixões; setor tem corrido para dar conta do aumento da demanda (Crédito da foto: Rigon)

Produtos mais simples, margens menores

Com a pouca oferta de materiais e a grande procura, alguns produtos encareceram bastante, e teve preço que dobrou ou triplicou, reclamam os fabricantes.

"As pessoas acham que se está ganhando muito dinheiro no mercado funerário, mas não é assim não, pelo contrário", afirma Leandro Rigon. "Estamos empatando, quase tendo prejuízo"

As margens de lucro ficaram mais apertadas não só por causa do aumento de gastos com funcionários e matérias-primas, diz Rigon. Os caixões que mais saem hoje também são os mais baratos.

"Antes, as compras eram mais diversificadas. Agora, não. Focam em comprar só o mais basicão porque não vai ter velório", afirma o empresário. E o lucro era maior com os modelos mais caros.

Muitos funcionários afastados

A Bignotto, uma fábrica de Cordeirópolis, no interior de São Paulo, enfrenta ainda outra dificuldade por causa da pandemia.

Muita gente tem ficado doente, e o entra e sai de funcionários na produção aumentou bastante.

Thomaz Bignotto, que dirige a empresa com os três irmãos, calcula que cerca de um quinto dos 200 funcionários estão afastados atualmente por causa da covid-19.

Isso fez triplicar o número de contratações na empresa por semana. De duas em média para cinco ou seis hoje em dia.

"Estamos basicamente repondo os afastamentos", diz Bignotto.

Sem alternativas para crescer (Crédito da foto: EPA)

Esse é um dos motivos por que sua produção está hoje uns 40% abaixo do que era antes da pandemia. E o empresário não vê muitas alternativas de aumentar esse volume.

Primeiro, porque falta material e tudo está mais caro. "Repassamos só uma parte desse aumento para os preços dos produtos, o resto não. Estamos no zero a zero, não estamos tendo lucro", diz Bignotto.

Mas também porque "não é fácil conseguir 40 funcionários da noite para o dia para abrir um novo turno de trabalho" em uma cidade pequena como Cordeirópolis, afirma Bignotto.

Ele explica que também não adianta comprar mais máquinas, porque esse investimento está fadado a se tornar prejuízo mais pra frente, quando o número de mortes voltar ao normal.

Ou melhor, quando ficar abaixo do normal — Bignotto acredita que a pandemia alterou o ritmo normal de nascimentos e mortes e isso reserva dias não muito animadores para o seu negócio no futuro próximo.

"O que está acontecendo agora adiantou as mortes. As pessoas que iam morrer depois estão morrendo agora. Quando acabar a pandemia, vai ter um declínio muito grande", acredita.

Rafael Barifouse, de S. Paulo para a BBC News Brasil, em 13 abril 2021, 12:59 -03

Rubens Barbosa: Questão religiosa

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia

Estamos vivendo tempos estranhos. A sociedade está dividida e polarizada, anestesiada e paralisada, até pelas dificuldades decorrentes da pandemia. A perplexidade aumenta na medida em que, entre muitos outros exemplos, se verifica a maneira como a grave crise do combate à covid-19, fora de controle, está sendo conduzida; pela ameaça de um enfrentamento fratricida pela facilitação da venda e do porte de armas e munições; pela inexplicada crise militar com a demissão da cúpula da Defesa; pelo desmonte do combate à corrupção; pela crescente influência das milícias e do tráfico de drogas; pela chocante visibilidade da desigualdade social; pela falta de perspectivas e de uma visão de futuro para o País.

A tudo isso se junta agora a surrealista discussão sobre atividades religiosas coletivas em templos e igrejas durante a pandemia. As apresentações terrivelmente evangélicas feitas no STF pelo advogado-geral da União e pelos advogados que defendiam a abertura dos templos e igrejas trouxeram à tona, mais uma vez, a questão da laicidade do Estado brasileiro. Até o presidente reforçou a defesa de cultos e missas presenciais como um direito inerente a maioria, ignorando as ameaças à vida e a Constituição.

Estado é laico é o que promove oficialmente a separação entre Estado e religião. A partir dessa separação, o Estado não deveria permitir a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiar uma ou algumas religiões sobre as demais. Essa situação existe no Brasil desde a Proclamação da República, em decorrência do disposto na Constituição de 1891, em que se explicita a rejeição da união entre o poder civil e o poder religioso, pondo fim ao regime do padroado, que concedia privilégios à Igreja Católica e no qual se confundiam o Estado e a Igreja. No laicismo, cabe ao Estado garantir a liberdade e a igualdade de todos, independentemente dos valores morais e religiosos.

Mesmo com maioria até aqui católica, o Brasil é oficialmente um Estado laico, neutro no campo religioso, não apoiando nem discriminando nenhuma religião. Apesar de citar Deus no preâmbulo, a Constituição federal é clara ao vedar à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Dessa forma, a liberdade religiosa na vida privada é assegurada, desde que separada do Estado. É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Na minha visão, a separação Igreja-Estado foi um avanço e está na base da formação dos Estados modernos. Com a República, o Estado brasileiro tornou-se um Estado moderno, no qual não se busca a satisfação espiritual, mas a expansão dos direitos humanos e das liberdades individuais.

Ao contrário do que se ouviu nos últimos dias, o Estado brasileiro não se pode manifestar religiosamente. Como já foi dito por ministro do STF, “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais” e “as concepções morais religiosas – unânimes, majoritárias ou minoritárias – não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se limitar às esferas privadas”.

Nos últimos anos, o que se viu foi o contrário. A ameaça à Constituição não é uma preocupação. Embora não se constituindo em movimento único, pois há divergências entre elas, a influência das igrejas evangélicas, em especial a Universal, aumentou significativamente e ganhou força política real.

Sua eficiente arrecadação entre fiéis seduzidos e sua capacidade televisiva e radiofônica, além da mídia impressa e de partidos políticos, estão a serviço de um projeto político. Não é segredo para ninguém que os evangélicos buscam alcançar, sem intermediários, o poder máximo da República, depois de eleger prefeitos, governadores, senadores, deputados e ministros das Cortes de Justiça. A Igreja Universal ataca a Igreja Católica e exerce uma ação voltada para assumir a hegemonia do Estado.

Não se pode negar a competência e a eficiência da atuação da militância evangélica, instalada agora em diferentes órgãos públicos federais, na defesa de sua agenda de costumes, social, financeira e mesmo política, como estamos vendo nas ações do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos e na política externa, nos últimos dois anos.

Pela primeira vez na História do Brasil, as igrejas evangélicas atuam de maneira coordenada para chegar ao comando do poder político. Em política não existe vazio. Se alguns setores ganham espaço, outros perdem. É surpreendente que representantes da alta hierarquia da Igreja Católica, em especial, não se tenham manifestado até aqui em defesa do Estado laico e da separação clara do Estado e da religião.

Estamos diante de um problema político sério que a direita evangélica traz para a democracia e afeta liberais, conservadores e progressistas. Trata-se, na realidade, de um problema de dominação por uma minoria e de reação contra o pluralismo.

Rubens Barbosa é Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e ex-Embaixador em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004). Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo, em 13.04.2021.

Da perplexidade ao desprezo

Nenhum presidente digno do cargo pressionaria um autor do requerimento da CPI a ampliar investigações e trabalhar pelo impeachment de ministros do STF

Houve um tempo em que os brasileiros se chocavam com o linguajar chulo do presidente Jair Bolsonaro, tão impróprio para o exercício da chefia de governo. Os áulicos de Bolsonaro se esforçam para qualificar esse comportamento como “autêntico”, pois, segundo eles, o presidente “fala o que pensa”. E isso, na visão desses sabujos, seria positivo, pois o aproximaria do “povo”, em suposto contraste com o distanciamento das elites políticas.

Hoje, contudo, ninguém fica mais perplexo com as grosserias de Bolsonaro. E o povo, conforme atestam as pesquisas de opinião, quer cada vez mais distância do presidente, pois a conduta indecorosa de Bolsonaro constrange os brasileiros decentes. Cansados das obscenidades de Bolsonaro, esses cidadãos – a maioria da população – certamente lhe reservam agora o mais olímpico desprezo.

Fossem outros os tempos, a agressão de Bolsonaro ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), questionando-lhe a moralidade e acusando-o de fazer “politicalha” ao ordenar que o Senado instaurasse a CPI da Pandemia, teria causado furor – afinal, nenhum presidente é obrigado a gostar dos ministros do Supremo, mas deve respeitá-los. Decerto, Bolsonaro pretendia provocar uma reação popular tão virulenta quanto a sua, de modo a criar um clima de briga de rua, tão ao gosto do bolsonarismo. Mas a ruidosa incivilidade do presidente gerou uma resposta ponderada do ministro Barroso, que se limitou a dizer que apenas aplicou a Constituição, que consultou todos os colegas de Supremo e que continuará a desempenhar seu papel “com seriedade, educação e serenidade”. E nada mais.

Naturalmente destemperado, como admitem até mesmo seus devotados seguidores, como se isso fosse uma qualidade, Bolsonaro se torna ainda mais virulento quando se considera acuado. O Brasil foi apresentado a essa característica do presidente na famigerada reunião ministerial de abril de 2020, quando Bolsonaro, já ciente da encrenca política derivada da pandemia, usou extenso repertório de termos chulos para se referir a outros Poderes, a governadores e a prefeitos.

Na época, os brasileiros ficaram pasmos com a capacidade de Bolsonaro de envergonhar o País que lhe foi dado governar. Além de ofender, nos termos mais rasteiros, aqueles que considera seus inimigos, Bolsonaro se esmera em acusá-los das maiores barbaridades sempre sem apresentar provas. Lança suas suspeitas no ar, e as milícias virtuais bolsonaristas, movidas a fraudes, transformam essas patranhas em verdades inquestionáveis. Não demorou para que o padrão de desfaçatez ficasse bem estabelecido e, agora, já não surpreende mais ninguém – mesmo quando Bolsonaro chama seus compatriotas de “maricas” por se preocuparem com a pandemia.

Hoje já se sabe que Bolsonaro é simplesmente incapaz de reconhecer os erros que comete e os limites do poder de que foi investido. Sempre que alguém aponta seus equívocos ou o adverte sobre seu comportamento autoritário, Bolsonaro reage com truculência. Sua hostilidade à CPI da Pandemia mostra seu inconformismo com os freios e contrapesos próprios do regime democrático.

Nenhum presidente digno do cargo pressionaria um dos autores do requerimento da CPI não só a ampliar o escopo das investigações, como a trabalhar pelo impeachment de ministros do Supremo, como fez Bolsonaro, tudo com o evidente objetivo de causar tumulto e interferir no Judiciário e no Legislativo. De quebra, falou em “sair na porrada” com o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Em vez de se preocupar em reunir dados e informações que demonstrem a suposta correção de suas ações durante a pandemia, para atender às demandas da CPI, Bolsonaro parte para a chantagem – atitude típica de quem não tem argumentos.

O presidente se tornou previsível: se Bolsonaro jamais aceitou a hierarquia e as normas dos quartéis em que serviu quando foi um mau militar, é perda de tempo esperar que ele refreie sua natureza e, de uma hora para outra, passe a aceitar os limites institucionais. Sendo assim, que os demais Poderes não se deixem intimidar pelos arreganhos autoritários de quem jamais teve nem bons modos nem apreço pela democracia.

Tudo o que sabemos sobre:Jair BolsonaroSTF [Supremo Tribunal Federal]constituiçãoCPI [Comissão Parlamentar de Inquérito]Senado FederalRandolfe Rodrigues

 Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 13 de abril de 2021 | 03h00

OMS enviará ao Brasil mais de 842 mil doses de vacina da Pfizer até junho

País está entre os prioritários para receber doses do imunizante da farmacêutica americana na próxima remessa da iniciativa global Covax Facility.

Vacina Pfizer-Biontech já foi aprovada pela Anvisa

O Brasil, a Colômbia, o México e as Filipinas estão entre os 47 países que receberão até junho doses da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela farmacêutica americana Pfizer e a empresa de biotecnologia alemã Biontech através do consórcio global liderado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) Covax Facility, anunciou nesta segunda-feira (12/04) a Aliança Mundial para Vacinas e Imunização (Gavi).

Das 14,1 milhões de doses do imunizante da Pfizer-Biontech que serão distribuídas entre abril e junho, o Brasil deverá receber cerca de 842,4 mil, segundo o Ministério da Saúde. Além do país, Colômbia, México, Filipinas, África do Sul e Ucrânia foram classificados como países prioritários para o envio de remessas da Covax Facility neste período.

A iniciativa é um programa apoiado pelas Nações Unidas para compra e distribuição de vacinas contra a covid-19, visando um acesso mais igualitário aos imunizantes e priorizando países mais pobres. Em seis semanas, o consórcio global já distribuiu quase 38,4 milhões de doses de vacinas para 102 países. A Gavi informou ainda nesta segunda-feira que algumas entregas estão demorando mais do que o previsto devido ao atraso do envio de doses prometidas por laboratórios em março e abril.

O Brasil deverá receber cerca de 42 milhões de doses pelo consórcio global até o final deste ano. Até o momento, a Covax Facility já enviou 1 milhão de doses da vacina da AstraZeneca ao país.

De acordo com o diretor-executivo da Gavi, Seth Berkley, a Covax pretende entregar cerca de um terço de 1 bilhão de doses de vacinas até a metade deste ano e prevê ainda distribuir mais de 2 bilhões em 2021.

Aprovada pela Anvisa

A vacina da Pfizer-Biontech já obteve o registro definitivo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não está sendo utilizada no Brasil, pois o governo federal só chegou a acordo de compra com a empresa farmacêutica em março deste ano. Por meio deste, o país adquiriu mais de 100 milhões de doses.

O imunizante esteve no centro de uma briga pública entre a Pfizer e o Planalto. O laboratório comunicou que, no segundo semestre de 2020, fez várias propostas para o Ministério da Saúde, que previam a entrega de 70 milhões de doses, com início do envio de uma primeira carga em dezembro, mas a pasta não manifestou interesse. À época, o governo preferiu apostar todas as suas fichas na vacina da AstraZeneca, a ser produzida em solo brasileiro, ignorando opções de importação de doses prontas de outros laboratórios.

Em dezembro, as negociações voltaram a andar, e o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a afirmar que a imunização poderia começar ainda naquele mês caso a Pfizer adiantasse alguma entrega. À época, o ministério passara finalmente a correr atrás de vacinas diante da intenção do governador de São Paulo, João Doria, de iniciar a vacinação no estado em janeiro. Mas nessa altura a Pfizer havia informado que não poderia mais entregar doses antes da virada do ano. Ainda assim, o governo chegou a incluir uma oferta da empresa no seu vago plano de imunização.

No entanto, as negociações logo voltaram à estaca zero, diante da contrariedade de condições impostas pela empresa. O governo afirmou que a Pfizer insistia em uma cláusula de isenção de responsabilidade em relação a possíveis efeitos colaterais da vacina contra a covid-19. No final de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro chegou a reclamar publicamente da farmacêutica ao afirmar que não havia garantia de que a vacina não transformaria quem a tomasse em "um jacaré". Sem um contrato com o governo, a Pfizer anunciou em dezembro que não pretendia mais solicitar uma autorização de uso emergencial junto à Anvisa.

Em janeiro, a disputa voltou a esquentar quando o governo divulgou uma nota incendiária afirmando que a Pfizer estabelecera "cláusulas leoninas" em seus contratos, que a empresa só previa uma pequena entrega inicial de vacinas como "conquista de marketing" e que a chegada de poucas doses "causaria frustração em todos os brasileiros", sugerindo que era melhor não receber nada do que pouco. Por fim, o governo ainda insinuou que a Pfizer estava tentando sabotar a campanha de imunização no Brasil por ter supostamente ficado frustrada com o governo adquirindo doses da AstraZeneca e da Coronavac, promovida pelo governo de São Paulo.

Já a Pfizer afirmou que os contratos oferecidos ao governo brasileiro eram idênticos aos que foram submetidos em dezenas de países que já fazem uso do imunizante.

Mais de 31 milhões de doses aplicadas

Até o momento, o Brasil já aplicou mais de 31 milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, até esta segunda-feira (12/04), haviam sido administradas 31.239.336 doses. Do total, 23.847.792 pessoas receberam a primeira dose, o equivalente a 11,26 % da população brasileira, e 7.391.544 a segunda, cerca de 3,49%.

Cerca de oito em cada dez doses aplicadas no país são da Coronavac, desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Além dela, está sendo usado no Brasil o imunizante da AstraZeneca-Oxford, que no Brasil é produzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Deutsche Welle Brasil, em 13.04.2021

Covid: Por que ciência diz que ficar em casa reduz transmissão, ao contrário de tuíte de Eduardo Bolsonaro

O Twitter alertou para possível "publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à covid-19" em um post do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre "lockdown" e distanciamento social publicado na segunda-feira (12/04).

Eduardo Bolsonaro diz que no lockdown as 'pessoas são condenadas a ficarem confinadas em casa, aumentando a proliferação do vírus'

Eduardo Bolsonaro publicou em seu perfil: "Lockdown é o oposto de distanciamento social. No lockdown as pessoas são condenadas a ficarem confinadas em casa, aumentando a proliferação do vírus".

Em seguida, o Twitter colocou um aviso no post: "Este tweet violou as regras do Twitter sobre a divulgação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas ao covid-19. No entanto, o Twitter determinou que pode ser do interesse público que o tweet permaneça acessível".

A mensagem de Eduardo Bolsonaro ainda está no ar, mas é preciso entrar no perfil do deputado e clicar no post marcado pelo Twitter para visualizar o que o deputado escreveu.

As declarações do deputado vão contra o que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre lockdowns.

O coronavírus se espalha sobretudo através de gotículas no ar, quando existe interação próxima entre pessoas.

Ao confinar as pessoas em suas casas, o lockdown reduz essas interações e aglomerações, diminuindo a disseminação do vírus. Em diversos países da Europa em que o lockdown foi usado, houve uma drástica redução no número de casos, hospitalizações e mortes.

Três estudos publicados na revista científica The Lancet — um sobre a Itália, um sobre a França e outro sobre o Reino Unido — consideraram que os lockdowns adotados nesses três países forem eficazes para reduzir o número de casos e mortes, bem como de hospitalizações.

"Medidas de bloqueio superam restrições menos rigorosas na redução de mortes cumulativas", afirma o estudo sobre o Reino Unido, publicado em dezembro do ano passado.

Existe a possibilidade de pessoas infectadas com o vírus contaminarem outras em suas próprias casas. Essa probabilidade é alta, já que dentro do âmbito familiar a proximidade é grande e por vezes a ventilação do ambiente é precária, o que facilita o contágio.

No entanto, esse tipo "caseiro" de contágio cai drasticamente durante um lockdown, porque as pessoas estão circulando menos pelas ruas e há menos gente trazendo o vírus para dentro de suas casas. Consequentemente a medida ajuda a conter a pandemia, e não a expandi-la.

Evitar 5 mil mortes diárias

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que um lockdown semelhante ao adotado em outras grandes democracias ao redor do mundo, como ocorre na Europa, é um caminho-chave para que o Brasil consiga evitar alcançar a marca de 5.000 mortes diárias pelo coronavírus.


Covid: como evitar a trágica marca de 5 mil mortes por dia?

Em 19 de maio de 2020, o país atingiu pela primeira vez a marca das mil mortes diárias. Dez meses depois, o país alcançou a casa de 2.000 óbitos por dia. Em apenas três semanas, este número saltou para 3 mil, no início de abril.

Cinco dias depois, em 06/04, um novo recorde entrava para a história da pandemia: o país perdia em 24 horas um total de 4.165 pessoas para a infecção pelo coronavírus.

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, não há forma de sair da crise sem um lockdown nacional de, no mínimo, três semanas. Eles explicam que, com menos circulação nas ruas, o coronavírus encontra menos pessoas vulneráveis para infectar.

Pessoas que saem de casa, pegam transporte público e circulam por comércios acabam tendo proximidade com centenas de outras pessoas. Elas, assim, têm mais chance de encontrar alguém doente e contrair o vírus - esse processo de deslocamentos e interações é chamado por cientistas de cadeia de transmissão da doença.

O lockdown quebra as tais cadeias de transmissão e impede que ela se espalhe em progressão geométrica em condomínios, ruas, bairros ou cidades inteiras.

Para derrubar as cadeias de transmissão, os epidemiologistas calculam que seria necessário manter cerca de 70% dos brasileiros dentro de casa durante a vigência do lockdown.

"Nesse sentido, a circulação só estaria liberada para trabalhadores essenciais de verdade, como aqueles que integram os serviços de saúde e a cadeia produtiva de alimentação", explica a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo.

Custos e benefícios

A OMS diz o contrário do que fala Eduardo Bolsonaro: a entidade afirma que o lockdown pode ser eficiente em retardar a transmissão do coronavírus.

O objetivo do lockdown é reduzir o ritmo de reprodução do coronavírus, conhecido como "R". Quando o índice "R" está acima de 1, a pandemia está se expandindo; quando ele fica abaixo de 1, ela está diminuindo. O lockdown foi utilizado por diversos países em momentos em que o "R" estava muito acima de 1.

Mas a OMS recomenda cautela aos governos que optarem por adotá-la, devido ao impacto que as restrições podem ter na saúde mental das pessoas.

Reino Unido teve um longo lockdown que começou a ser levantado nesta semana. (Crédito da foto: Getty Images)

"Medidas de distanciamento físico em grande escala e restrições de movimento, muitas vezes referidas como lockdowns, podem retardar a transmissão da covid-19, limitando o contato entre as pessoas", afirmou a OMS em uma sessão de perguntas e respostas publicada no seu site em 31 de dezembro de 2020.

A entidade recomenda que cada autoridade de saúde pese os benefícios e custos do lockdown de acordo com sua situação particular.

"No entanto, essas medidas podem ter um impacto negativo profundo sobre os indivíduos, comunidades e sociedades, ao trazer a vida social e econômica quase a uma paralisação. Essas medidas afetam desproporcionalmente os grupos desfavorecidos, incluindo pessoas em situação de pobreza, migrantes, pessoas deslocadas internamente e refugiados, que na maioria das vezes vivem em locais superlotados e com poucos recursos, e dependem do trabalho diário para sua subsistência", diz a entidade.

"A OMS reconhece que, em certos pontos, alguns países não tiveram escolha a não ser emitir pedidos de permanência em casa e outras medidas para ganhar tempo."

"Os governos devem aproveitar ao máximo o tempo extra concedido pelas medidas de lockdown, fazendo tudo o que puderem para desenvolver suas capacidades de detectar, isolar, testar e cuidar de todos os casos; rastrear e colocar em quarentena todos os contatos; engajar, capacitar e permitir que as populações impulsionem a resposta da sociedade e muito mais."

"A OMS espera que os países usem intervenções direcionadas onde e quando necessário, com base na situação local."

A OMS também não usa o termo "distanciamento social", publicado por Eduardo Bolsonaro. A entidade prefere adotar o termo "distanciamento físico", já que a entidade ressalta que é importante que as pessoas continuem socialmente conectadas, ainda que fisicamente distantes, para evitar a disseminação do vírus.

A polêmica em torno do lockdown gira em torno da sua eficácia e dos seus custos para a população.

Em outubro, milhares de pesquisadores e profissionais de saúde assinaram uma carta conhecida como Declaração de Great Barrington.

O grupo pede que as políticas de lockdown se concentrem nos mais vulneráveis, permitindo que pessoas saudáveis sigam suas vidas com mais normalidade.

Eles defendem que manter políticas de restrição rigorosas até que uma vacina esteja disponível causaria "danos irreparáveis, com os menos privilegiados sendo desproporcionalmente prejudicados".

Mas muitos cientistas e autoridades de saúde acreditam que o lockdown é essencial para conter a pandemia. Um estudo do governo britânico indicou que o número "R" caiu para 0,6 após o primeiro lockdown em abril do ano passado.

Ou seja, ao final do lockdown, cada mil pessoas infectadas estavam transmitindo o vírus para outras 600, que o transmitiam para outras 360 e assim por diante — diminuindo o tamanho da pandemia.

No Brasil, restrições vem sendo adotadas por governadores e prefeitos para conter a disseminação do vírus. Diversos Estados adotaram um sistema de semáforo, com restrições maiores em lugares mais gravemente atingidos pela pandemia.

Mas o governo federal é contra qualquer tipo de lockdown. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, se manifestou contra a medida neste mês.

"Eu pergunto a você: 'Quem quer lockdown?'. Ninguém quer lockdown. O que nós temos do ponto de vista prático é adotar medidas sanitárias eficientes que evitem lockdown, até porque a população não adere a lockdown."

BBC News Brasil, em 13.04.2021, há 1 hora.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade em conversa com Kajuru, dizem advogados e parlamentares

As reações indicam que o conteúdo da gravação feita pelo senador tem potencial para aumentar ainda mais a pressão contra o chefe do Executivo, que já estava acuado após o ministro Luís Roberto Barroso ordenar a instalação da CPI da Covid

O conteúdo da conversa entre o presidente Jair Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) é considerado “gravíssimo” e com potencial de ser enquadrado como crime de responsabilidade, na avaliação de advogados e políticos de oposição ao chefe do Executivo.

No diálogo, divulgado no domingo, 11, por Kajuru, Bolsonaro pressiona o senador a ingressar com pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O desejo é de dar uma resposta à decisão tomada na última quinta-feira, 8, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou a instalação da CPI da Covid, que vai investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia.

“Você tem de fazer do limão uma limonada. Tem de peticionar o Supremo para colocar em pauta o impeachment (de ministros) também”, disse Bolsonaro, que dá a entender que, se houver pedidos de impeachment contra ministros do STF, a instalação da CPI pode ser interrompida. O presidente também cobrou que a CPI, se instalada, trabalhe para apurar a atuação de prefeitos e governadores. 

Na avaliação do diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques, a gravação divulgada deixa “óbvia” a existência de crime de responsabilidade e a intenção do presidente Bolsonaro de “mudar o contexto da CPI”. "Me parece bastante óbvio, pelo o que está posto pela gravação, que há um esforço para interferir no trabalho do Legislativo e do Judiciário de maneira transversa”, disse ao Estadão. “Não há dúvida de que isso caracteriza crime de responsabilidade”, disse Floriano de Azevedo sobre a pressão de Bolsonaro pelo impeachment de ministros da Suprema Corte.

Pelo Twitter, as reações indicam que o conteúdo da conversa tem potencial para aumentar ainda mais a pressão contra Bolsonaro.

Na avaliação do advogado Conrado Hubner, professor de Direito da USP, no diálogo com Kajuru, o presidente “conspira” contra o STF e a CPI da Covid. "O presidente ligou para um senador e fez dois pedidos: melar a CPI explodindo seu objeto e cassar ministro do STF. O jeito de esquecerem o significado de crime de responsabilidade é praticar vários por dia”, escreveu na rede social.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM-RJ) chamou a gravação de “gravíssima”. Segundo ele, a conversa pode ser apurada na CPI da Covid, que deve ser instalada no Senado nos próximos dias. “A conversa entre um senador e o Presidente da República articulando contra uma CPI e um ministro do STF é um fato gravíssimo. A própria CPI poderá investigar o possível crime do Presidente da República”, escreveu o deputado.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) avalia que a fala de Bolsonaro na conversa é mais um motivo para o impeachment do presidente. “A conversa entre Bolsonaro e Kajuru é a confissão dos crimes do presidente na pandemia e mais um motivo para impeachment. Bolsonaro quer interferir no Legislativo e no STF para impedir que as investigações aconteçam. Vamos exigir a instalação da CPI da Covid imediatamente”, disse.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) avalia que houve “assédio” do presidente contra Karuju, que é um dos autores do pedido de criação da CPI da Covid. “O assédio sobre senadores para tumultuar a CPI da Covid e para conspirar contra ministros do STF é mais um crime de responsabilidade para compor a ficha corrida de Bolsonaro: interromper seu mandato é a única bússola para superar essa gravíssima crise!”.

Para o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), a gravação publicada pelo senador pode ser usada como “prova” contra o presidente. “É o maior escândalo político da República. O presidente em pessoa liga para um senador para cobrar que este mude o foco de uma CPI para investigar inimigos políticos e pautar impeachment de ministro do Supremo. É CRIME DE RESPONSABILIDADE GRAVADO!”, avaliou.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), chamou a conversa entre Bolsonaro e Kajuru de “escandalosa”. “Querem ampliar o objeto da CPI do Covid, ir pra cima de governadores e prefeitos e do STF, para salvar a pele de Bolsonaro e seu governo. Temos de denunciar essa manobra!”.

Na avaliação da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) ao ligar para o senador, Bolsonaro tentou “intervir no Legislativo” e “intimidar o STF”. “É a prova de mais crime de responsabilidade do presidente”, opinou.

Já para a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), a conversa entre Bolsonaro e Kajuru “parece básica”. Segundo ela, o dever da CPI é investigar o destino dado ao dinheiro liberado pelo governo federal para o enfrentamento da pandemia.“A conversa de Bolsonaro com Kajuru me parece básica. Não vejo articulação. Eu mesma havia escrito aqui no Twitter que a CPI, se realmente instalada, deveria ter esse foco!”, avaliou.

Investigação de governadores e prefeitos

Na manhã desta segunda-feira, 12, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos principais aliados do presidente Bolsonaro no Congresso, disse que assinou o requerimento de abertura da CPI da Covid feito pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), para incluir a investigação das ações de governadores e prefeitos na gestão da pandemia. 

Tal demanda foi apontada pelo presidente na ligação.“Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir para cima de mim... CPI ampla e investigar ministros do Supremo. Ponto final”, afirmou Bolsonaro a Kajuru. O presidente ainda atribuiu o número de mortes por covid-19 à suposta omissão de prefeitos e governadores, ignorando que ele mesmo boicota medidas que dão certo contra o vírus, como o distanciamento social e o uso de máscaras. 

“Neste momento grave deveríamos estar totalmente empenhados em garantir socorro aos brasileiros e não desviar desse foco com CPIs. Mas já que a comissão deve ser instaurada, que façamos uma investigação completa”, escreveu Ciro Nogueira no Twitter. 

Independentemente de Girão obter as 27 assinaturas necessárias para um novo pedido de CPI mais amplo, o senador Alessandro Vieira (Cidadadia-SE) já protocolou, no sábado, um pedido formal ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para incluir no escopo da CPI investigações sobre Estados e municípios, como defende Bolsonaro. Ao lado de Kajuru, Vieira é autor da ação no STF que deu origem à determinação do ministro Luís Roberto Barroso determinando a instalação da CPI. 

Cássia Miranda, O Estado de S.Paulo, em 12 de abril de 2021 | 11h48

Brasil registra 1.480 mortes por covid-19 em 24 horas

Com mais de 35 mil novos casos, país acumula 13,5 milhões de pessoas infectadas desde o início da epidemia. Número de vítimas já é de mais de 354 mil. Taxa de mortalidade por 100 mil habitantes é de 168,7.

    

Funcionários de cemitério em São Paulo trabalham à noite para enterrar vítimas do coronavírus. Brasil acumula mais de 354 mil óbitos desde o início da pandemia de covid-19

Brasil acumula mais de 354 mil óbitos desde o início da pandemia de covid-19

O Brasil registrou 1.480 mortes associadas à covid-19 nesta segunda-feira (12/04), além de 35.785 novos casos da doença em 24 horas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

Com isso, o total de casos identificados no país subiu para 13.517.808, enquanto os óbitos chegaram a 354.617 desde o início da epidemia.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 11.880.803 pacientes se recuperaram da doença.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 168,7 no Brasil, a 14ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás dos Estados Unidos, que somam mais de 31,2 milhões de casos, e da Índia, com 13,527.717. É também o segundo em número absoluto de mortos, já que mais de 562 mil pessoas morreram nos EUA.

Ao todo, mais de 136 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,94 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, 12.02.2021

Transe populista

Há grande espaço para o verdadeiro centro democrático se posicionar

Há anos o Brasil está entregue ao populismo. Desde pelo menos o final do primeiro mandato do petista Lula da Silva, com exceção do brevíssimo intervalo representado pelo governo reformista de Michel Temer, o País vem sendo administrado como se não houvesse amanhã. A cada novo mandato de caráter populista, o Estado perde mais um pouco de sua capacidade de realizar o que lhe cabe, penalizando especialmente os mais pobres – justamente a clientela dos demagogos.

Nem assim a mensagem populista perde o encanto. A mais recente pesquisa de intenção de voto para a Presidência na eleição de 2022, feita pela XP/Ipespe, mostra Lula da Silva pela primeira vez numericamente à frente do presidente Jair Bolsonaro. O chefão petista tem 29%, contra 28% de Bolsonaro.

Levando-se em conta a margem de erro, de 3,2 pontos porcentuais, trata-se de um empate técnico, mas é forte o simbolismo representado pela inédita dianteira numérica de Lula na corrida presidencial desde que recobrou os direitos políticos. Numa simulação de segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o petista também ultrapassou pela primeira vez o presidente, vencendo-o por 42% a 38%.

É muito cedo para fazer projeções a mais de um ano da eleição e sem que se conheçam os candidatos de fato – o próprio Lula ainda tem obstáculos jurídicos a superar. Mas a mensagem captada pela pesquisa é clara: o País segue fortemente seduzido pelo populismo, seja o de Bolsonaro, seja o de Lula, sem levar a sério projetos políticos genuinamente responsáveis e reformistas.

Na pesquisa espontânea, em que o eleitor diz o primeiro nome que lhe vem à mente quando convidado a revelar em quem pretende votar, Bolsonaro aparece com 24%, seguido de Lula da Silva com 21%. Os demais supostos candidatos, somados, não chegam a 6%.

Isso significa que parcela significativa da população reconhece em Bolsonaro um político que merece um segundo mandato, mesmo sendo o presidente cuja administração, dolosamente irresponsável, colaborou decisivamente para a mortal crise humanitária que se abateu sobre o Brasil em razão da pandemia de covid-19. Isso sem mencionar o fracasso quase absoluto em realizar as promessas de campanha e seu desprezo manifesto pela Constituição, pela democracia, pelas instituições e pelo decoro da Presidência.

Significa também que outra parcela significativa da população acredita que o melhor para o País é dar um novo mandato a Lula da Silva, mesmo que sua passagem pelo poder tenha sido marcada pela corrupção desenfreada, pelo abastardamento da política, pelo aparelhamento da máquina do Estado, pelo terceiro-mundismo da política externa, pela injeção bilionária de recursos públicos em empresas amigas e pelo presente de grego representado pela presidente Dilma Rousseff – que, até Bolsonaro, ostentava o título de pior presidente da história do País.

Na ausência de um discurso liberal e republicano do chamado “centro democrático” capaz de despertar o eleitorado desse transe populista, já há quem diga que o próprio Lula da Silva “será o candidato de centro em 2022”, como declarou o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Trata-se de uma óbvia impostura, não só pelo notório caráter dos personagens supracitados, mas pela natureza autoritária do lulopetismo. O único “centro” que interessa a Lula, tanto quanto a Bolsonaro, é o que lhe sustenta a demagogia.

Muito se pode especular sobre a resistência da força eleitoral de Lula da Silva. Se já não consegue mais eleger “postes” como antigamente, continua a ser visto como um “pai” pela “massa infantil”, como disse em 2010, de modo certeiro, o veterano socialista Plínio de Arruda Sampaio.

Mas há grande espaço para o verdadeiro centro democrático se posicionar. A pesquisa que atesta o vigor do populismo lulopetista e bolsonarista é a mesma que mostra que 50% dos entrevistados, em resposta espontânea, ainda não têm candidato ou pretendem anular o voto. Ademais, mais da metade dos eleitores, 53%, quer “que mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado”. São cidadãos que não querem um “pai”, mas um presidente.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, em 12 de abril de 2021 | 03h00