quarta-feira, 31 de março de 2021

Elio Gaspari: Fritura de comandante é perde-perde

As Forças Armadas não são milícia

Faltavam três dias para a posse de Jair Bolsonaro, e o professor Delfim Netto ensinou:

— Na quarta-feira, o presidente terá que abrir a quitanda às nove da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco no caixa para atender à freguesia. Pelos próximos quatro anos, a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco. Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja.

O capitão trocou seis ministros. Noves fora as berinjelas, tinha na quitanda 14 milhões de desempregados e uma pandemia que já matou quase 318 mil pessoas — e decidiu criar uma encrenca militar.

Bolsonaro teria aumentado sua influência sobre o primeiro escalão. Falta dizer para quê.

No rastro dessa troca, veio o veneno: a saída do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, abriria o caminho para a troca do comandante do Exército, general Edson Pujol.

Não se frita comandante do Exército. A troca mais traumática dos últimos 50 anos ocorreu em 1977, quando o presidente Ernesto Geisel demitiu o general Sylvio Frota. Os dois não se bicavam há tempo, mas fritura não houve. Tanto foi assim que Frota chegou ao Palácio do Planalto sem saber que seria demitido. (Quando Bolsonaro era um capitão afastado do Exército abrigado na política, Geisel definiu-o com três palavras: “um mau militar”.)

Fritura de comandantes do Exército foi coisa do governo João Goulart, com quatro ministros em apenas três anos. Em 21 anos, os presidentes militares tiveram oito ministros. Deles, um deixou o cargo para ser presidente (Costa e Silva), e outro morreu (Dale Coutinho). Nenhum foi frito.

Desde que foi criado, em 1999, o Ministério da Defesa teve outros 11 titulares. Todos chegaram e partiram sem ruídos. A demissão do general Azevedo e Silva resultou na saída dos comandantes das três Forças, coisa nunca vista.

O primeiro murmúrio de uma eventual fritura de Pujol surgiu em maio do ano passado, mas não prosperou. Pujol pouco fala e não tuíta.

Trocar comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica é atribuição do presidente da República. Afinal, ele é o comandante das Forças Armadas. Apesar de o capitão gostar de se referir ao “seu” Exército, elas não são de sua propriedade. Chefes como Henrique Lott, Orlando Geisel e Leônidas Pires Gonçalves nunca usaram essa expressão possessiva. O problema aparece quando se acende o fogareiro da fritura. Isso porque se cria uma situação de perde-perde. Perde se frita e perde se não frita.

O marechal Castello Branco era cauteloso (até demais) e tinha as ideias no lugar. Em março de 1964, ele chefiava o Estado-Maior e distribuiu uma circular reservada onde dizia:

— Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os poderes constitucionais e sua coexistência.

O presidente acreditava estar amparado num poderoso dispositivo militar com seus “generais do povo”. Um mês depois, João Goulart estava no Uruguai. Deu no que deu.

As Forças Armadas não são milícia, e na porta da quitanda há quase 318 mil mortos e 14 milhões de desempregados. Em qualquer país e qualquer época, quem tem problemas desse tamanho não precisa de novas encrencas.

Elio Gaspari é Jornalista e Escritor - dentre os cinco volumes sobre a ditadura militar instaurada em 32.03.1964, editados pela Intrínseca, sugere-se agora "A ditadura envergonhada". Este artigo foi publicado originalmente n'O Globo, em 31.03.2021.

terça-feira, 30 de março de 2021

Merval Pereira: Por que trocar o ministro da defesa se não for para dar um golpe?

Colocar o Ministério da Defesa dentro do xadrez político contra o poder civil é fora do que a democracia defende e o estado de direito permite. 

Bolsonaro usa e abusa do apoio dos militares para assustar e amedrontar os políticos e quer transformar as Forças Armadas em força auxiliar do governo. 

Ele fomenta as ações políticas dentro dos quarteis a partir das bases militares, e nas polícias militares. E porque fazer isso se não quer dar um golpe? Não tem sentido, se estiver dentro das leis, da Constituição, do estado de direito e se entender o papel das Forças Armadas. 

Mas Bolsonaro não entende, quer dar uma relevância política a elas que  não devem ter. Nenhuma instituição armada do Estado pode ter funções políticas. Esse é um dado básico da democracia, que Bolsonaro desdenha. 

Ao contrário, usa as Forças Armadas para fazer seu jogo político, o único que sabe fazer. É um perigo permanente, uma tentativa de autogolpe. 

O presidente não deixa dúvida sobre o que pensa, sempre foi muito claro e diz que está defendendo a democracia. Não sei o que ele chama de democracia. Na verdade, quer ser autoritário e que suas teses prevaleçam e fica nervoso quando tem que ceder terreno. 

Como teve que ceder agora, com a demissão do ministro Ernesto Araújo e a entrada do Centrão no Palácio do Planalto. Não acredito que a crise com os militares tenha sido resolvida com a mudança do ministro da Defesa.

Merval Pereira participa do Conselho Editorial do Grupo Globo. É membro das Academias Brasileira de Letras, Brasileira de Filosofia e de Ciências de Lisboa. Recebeu os prêmios Esso de Jornalismo e Maria Moors Cabot, da Columbia University. Este artigo foi publicado no Globo online, em 30/03/2021, às14:38 hs.

Para Santos Cruz, Forças Armadas não devem ter 'alinhamento' com governo e não há 'explicação' plausível para trocas no comando militar

Ex-ministro de Jair Bolsonaro afirma que mudanças podem ter ocorrido por "mania pessoal" do presidente

General Carlos Alberto dos Santos Cruz Foto: Agência Brasil

Ex-ministro do governo Jair Bolsonaro, o general Alberto Santos Cruz avalia não haver motivo plausível para as trocas dos comandantes do Exército, da Marinha e das Forças Armadas, a menos que tenha sido por "mania pessoal" do presidente Jair Bolsonaro. Para Santos Cruz, qualquer tentativa de politização das Forças Armadas representa uma subversão da hierarquia e da disciplina da instituição. "Forças Armadas não são ferramentas para fazer pressão política, ferramentas para você utilizar no jogo político, não é para isso. Forças Armadas têm uma destinação constitucional", afirmou ao GLOBO.

Ele também criticou a forma como os comandantes foram demitidos, dizendo que foi um desrespeito e uma ofensa aos militares. Na visão dele, a reforma ministerial é normal, mas "não tem nada a ver com comandante militar". "Comandante militar não faz parte dessa primeira camada política. Eles não fazem parte, são elementos operacionais, com uns 40, quase 50 anos na sua profissão. E aí é exonerado no mesmo nível de uma camada política, sem nenhuma explicação. Isso aí é falta de consideração pessoal e funcional."

Existem sinalizações de que o presidente Bolsonaro já estava insatisfeito com as Forças Armadas, especialmente com o comandante do Exército. Como o senhor vê isso?

Minha pergunta é a seguinte, (Bolsonaro) estava insatisfeito por quê? O que está acontecendo de errado no Exército? Nada. Só se for pelo seu gosto pessoal, a sua mania pessoal. Aí é outra coisa. Os comandantes das Forças estavam cumprindo com as funções deles, de acordo com a Legislação. São pessoas que vêm de dentro da instituição. Cada um daqueles lá tem quase cinquenta anos dentro da sua instituição. Cada um daqueles passou por dezenas de avaliações dentro da sua instituição. É completamente diferente de um ministro, que pode ser de fora daquele órgão, mas os comandantes militares, não.

É plausível a justificativa de que a troca ocorre apenas pela mudança no comando do Ministério da Defesa? 

A reforma política é normal, vários governos fazem, mas não tem nada a ver com comandante militar. Comandante militar não faz parte dessa primeira camada política. Eles não fazem parte, são elementos operacionais, com uns 40, quase 50 anos na sua profissão. E aí é exonerado no mesmo nível de uma camada política, sem nenhuma explicação. Isso aí é falta de consideração pessoal e funcional.

Esse tipo de demissão ocorreu em outros casos no governo, inclusive no do senhor...

No meu caso eu não dou bola, pessoalmente eu não dou bola. O problema é a falta de consideração institucional. Isso é um desrespeito, uma ofensa ao Exército, à Marinha, à Aeronáutica.

A mensagem que o general Fernando Azevedo deixou ao sair destaca as Forças Armadas com instituições de Estado. O senhor avalia que houve uma pressão do presidente para ir além disso de alguma forma?

Não sei, acho que é uma mensagem bem institucional, onde ele destacou, resumiu qual foi o esforço dele, o perfil institucional das Forças Armadas. Isso não quer dizer tecnicamente que tenha havido uma tentativa de quebrar isso daí. Uma tentativa de quebrar isso daí é a politização das Forças Armadas e a subversão da coesão necessária para as Forças. As Forças Armadas não são um órgão de governo, são um órgão de Estado, instituição de Estado. Qualquer tentativa de politização é subversão da hierarquia, da disciplina que tem que ter... Forças Armadas não são uma ferramenta para fazer pressão política, ferramenta para você utilizar no jogo político, não é para isso. Forças Armadas têm uma destinação constitucional.

Acredita que existe um desgaste entre as Forças Armadas e o presidente Jair Bolsonaro?

Não vejo desgaste nenhum. Desgaste por quê? As Forças Armadas estavam cumprindo o seu papel, estão cumprindo o seu papel de acordo com a Constituição. Não tem razão nenhum para se supor desgaste.

... E divergências dos comandantes com o presidente Bolsonaro?

Não...

Talvez não existia um alinhamento da forma como o presidente gostaria?

Não tem que ter alinhamento nenhum. Ela tem uma destinação constitucional, tem que cumprir a função constitucional dela. Alinhamento é conversa fiada.

Julia Lindner, de O Globo online, em 30/03/2021 - 19:01 / Atualizado às 19:30hs

General Etchegoyen: "O Exército vai se manter como sempre esteve esse tempo todo: longe de qualquer papel político."

 "O Exército vai se manter como sempre esteve esse tempo todo: longe de qualquer papel político." É a opinião do general Sérgio Etchegoyen, que além de ter passado 45 anos no Exército, também foi ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Michel Temer. 

Do Rio Grande do Sul, onde trabalha em consultorias, Etchegoyen tem acompanhado a crise entre o comando das Forças Armadas e o governo Bolsonaro. Que, aliás, considera inadequado chamar de crise. "Não há nada mais do que uma troca de comando que é prerrogativa do presidente. Isso é o que existe, por enquanto." 

Entrevista a Malu Gaspar, de O Globo

O Alto Comando do Exército se reuniu ontem e hoje e seus membros têm dito a interlocutores que a força não vai ceder a tentações golpistas. Como devemos entender isso? O Exército pode vir a atuar para parar o presidente? 

Nunca as Forças Armadas aceitaram ser tratadas de outra forma que não como instituição de Estado e pelos canais apropriados, por mais hostil que fosse o momento. Nos últimos anos, já enfrentaram, por exemplo, uma tentativa sórdida de avanço sobre as competências dos comandantes na gestão do pessoal, no mandato da presidente Dilma – que depois o próprio PT botou lá em seus documentos que lamentava não ter promovido oficiais generais que não fossem alinhados com o projeto de governo deles. E ainda assim o Exército se manteve fiel aos princípios legais. Acho que não será diferente agora. 

Mas a atitude do presidente de demitir o ministro da Defesa e os comandantes das forças, da forma como foi, não é uma atitude hostil? 

Se você considerar o aspecto pessoal, da relação com os comandantes, pode ser entendido assim. Mas do ponto de vista institucional, das Forças Armadas, não, porque o presidente tem a prerrogativa de fazer isso. É um dos poderes dele. Na cabeça do militar, vai ser analisado sempre da seguinte forma: isso é legítimo do ponto de vista legal? Goste-se ou não, é.

A questão é que as razões pelas quais o presidente fez isso parecem ir além da relação pessoal. Estariam mais ligadas a coisas que o presidente queria que fossem feitas, como por exemplo acomodar o ex-ministro Pazuello ou manifestações contra decisões do STF sobre o lockdown.

Para comentar isso, eu teria que imaginar que os próximos comandantes aceitariam uma proposta de ilegalidade, e nisso não acredito. A substituição pode ter a ver com o fato de o  presidente estar incomodado com alguma coisa e buscar ter um relacionamento mais fácil com os chefes das forças. Mas daí a achar que vai mudar a posição das Forças Armadas em relação a seu papel institucional vai uma grande distância. 

Há uns dias, o presidente disse que "meu exército não vai cumprir lockdown". O general Fernando Azevedo disse a aliados que saiu porque não queria repetir o mês de maio de 2020, quando houve as manifestações por intervenção militar. Na carta de demissão, ele fez questão de registrar que defendeu as instituições de Estado. Isso não denota uma preocupação com o que pode acontecer com essas instituições? 

Eu não conheço as razões do general Fernando, como não conheço as razões do presidente, mas ele (o general Fernando) foi muito feliz nas palavras e na condução do ministério da Defesa. Na carta, ele deixa uma síntese da ação dele. Se botou isso, é porque foi importante para ele. Veja que ele salienta na nota o agradecimento aos comandantes pelo que fizeram na área humanitária. Ele achou isso tão importante a ponto de ser um parágrafo na nota de despedida.   

( Crise: Azevedo diz que saiu da Defesa porque não queria reviver maio passado )

O senhor diz que o Exército não vai assumir um papel político. Se houver um impasse institucional, então, a quem caberá resolver?

Numa situação hipotética, se houver um impasse institucional, a solução será institucional. As instituições vão ter que encontrar a forma de resolver. As Forças Armadas não têm legitimidade para isso. Nem querem, nem eu acredito que entrassem numa aventura desse tipo. Qualquer solução terá de ser imposta por um dos poderes, particularmente o Congresso e a Justiça. É o Judiciário quem tem a capacidade de tomar decisões desse tipo e o Congresso, de editar as leis. As Forças Armadas só agirão se forem convocadas por qualquer dos poderes, nos limites do artigo 142 da Constituição.

E se o presidente as convocar para alguma ação golpista?  

Não acredito que o presidente convoque para fazer ações golpistas. Eu acho que o que aconteceu foi uma crise política que envolveu os comandantes militares e o ministro da Defesa. Não é uma crise militar no sentido de que os militares ou as forças possam tomar uma atitude. É uma crise política que chega no ministério da Defesa. O novo ministro, como vai lá com a confiança do presidente, certamente saberá resolver. O presidente fez amparado na legalidade. 'Ah, mas eu não gosto do que ele fez" Tá bem, todo cidadão pode ter sua opinião. Mas o presidente está amparado na legalidade. 

O senhor acha normal que uma crise política envolva o ministério da Defesa?  O que isso diz sobre o momento que a gente vive?

Isso gera um mal estar interno. Mas faz tão mal à nossa democracia a gente achar que em  qualquer soluço político os militares possam tomar uma atitude… Não faz muito tempo que me afastei, conheço as pessoas que estão lá, existem valores perenes e um deles é o apego à normalidade democrática, à soberania popular e ao presidente da República como comandante Supremo. Nós já  tivemos comandantes supremos que não eram os mais votados nas Forças Armadas e nem por isso deixaram de comandar.   

Não é o caso do Bolsonaro, que teve apoio das Forças Armadas. 

Sim, mas mesmo quem não teve esse apoio, governou sem dificuldades. Outro dia mesmo o presidente Lula disse que teve um excelente relacionamento com o Exército. As Forças Armadas vão seguir cumprindo seu dever, tocando os seus projetos, fazendo o que tem que fazer. E não serão fonte de crise e de instabilidade. 

Essa crise pode afetar o apoio que Bolsonaro teve na caserna ou nas tropas?

Poder pode, não sei dizer em que medida. Mas não vejo como isso vá mudar o cenário geral, que é o do papel institucional e da missão a cumprir. Daqui a pouco as coisas se arrumam e as pessoas restabelecem as relações de confiança. 

Até a próxima crise. 

Eu não acho que a crise esteja nas Forças Armadas, se há crise ela pode ter acontecido nas nomeações de outros ministros. Provavelmente houve um desgaste no relacionamento e o presidente resolveu trocar. O que eu acho é que a gente tem uma visão estruturalmente equivocada. Cada vez que acontece uma coisa, a gente acha que houve uma crise militar. Não teve no governo Lula, não teve sob Dilma, não teve no governo Temer e não terá agora. As Forças Armadas não vão para a rua defender politicamente ninguém. 

Não há nessa crise nenhum eco de 1964? 

Em 1964 tinha apoio popular, apoio da imprensa, apoio da população, uma porção de coisas. Se acharem que tem gente na mesma quantidade para sair para a rua apoiar uma ruptura em nome do presidente ou a queda do presidente, tá bem. Mas não vão achar. Nem vão achar nas Forças Armadas alguém que imagine que isso seja a solução. E lamento muito que alguns na sociedade achem que isso seja possível. O Brasil é um país sofisticado institucionalmente. Eu mesmo tenho críticas a muitas coisas no funcionamento das nossas instituições. Mas elas estão funcionando e, mais do que isso, estão sendo obedecidas. 

Com tudo isso, os senhor acha que instituições estão funcionando? 

Veja, crise é o sobrenome da política. Sempre tem sido assim no Brasil. Cada vez que há um conflito a gente vive uma crise, talvez até banalizando o termo, e vamos indo assim. Nós enfrentamos tudo. Quando eu olho em volta, acho difícil imaginar um país como o nosso, que tenha tido tantas crises e mesmo assim não tenha tido um abalo institucional. Um grande patrimônio que a gente construiu, de um país que amadureceu. Isso tem que ser valorizado. 

A questão é que o próprio presidente sugere rupturas toda hora. 

Não vou comentar o presidente. Qualquer cidadão pode dizer o que quiser, o que interessa  é se isso tem consequência ou não. O presidente é um homem chegado a declarações fortes. Mas ele não tomou nenhuma medida concreta que afrontasse a democracia

Não foi por falta de apoio? 

Não sei avaliar a razão, mas a realidade é essa. Ele adota uma política com discurso forte, mas isso não se reflete nas ações dele. Ele nunca deixou de acatar as decisões do STF.  Não deixou de acatar, nas vezes em que o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia deixou vencer uma medida provisória. Não cercou Congresso, não cercou STF. A gente tem que trabalhar com antecedentes. Quais os antecedentes? Eu nunca vi o presidente sair de um discurso forte para ações que ferissem a institucionalidade.

Publicado originalmente n'O Globo online, em 30.03.2021, às 19,58 hs.

Carlos Melo: Manda, mas não lidera

Somente os próximos dias tornarão o cenário, gradativamente, menos opaco. A decisão do presidente da República em remodelar profundamente o seu governo causou surpresas (muitas), espantos e suspeitas. O anúncio das mudanças foi frio, seco; menos que burocrático pareceu indiferente. O País se assusta, mas ninguém se digna dizer o que, afinal, se pretende.

O governo mudará de rumo, abandonando a penca de erros que tem cometido, ou o presidente deseja apenas encontrar quem lhe sirva mais fielmente? Para o que serve e a quem serve mesmo a reforma ministerial?

Em nenhuma área essa pergunta parece mais crucial do que no ministério da Defesa. Nas circunstâncias porque passa o País, a demissão do ministro Fernando Azevedo e Silva foi muito mais ruidosa que as demais, pois em seu nevoeiro podem se esconder os maiores perigos para a democracia.

As informações ainda incompletas; tudo o que se tem é o que o jornalismo profissional e independente conseguiu coletar no primeiro momento. A impressão mais consolidada, porém, indica haver conflitos entre a visão equivocada do presidente da República — de que teria um Exército para chamar de seu — e a posição deixada, como pista, pelo agora ex-ministro em seu curto documento de despedida: “a preservação das Forças Armadas como instituições de Estado”.

Naturalmente, dada as características da caserna e à disciplina militar, os conflitos não são públicos. Mas, os bastidores revelam que as mais elevadas patentes da Ativa têm resistido às investidas de um Comandante Supremo insensível à Constituição.  Por tudo o que diz e faz, por seus sinais, é plausível acreditar em versões desfavoráveis a Bolsonaro.

Talvez não compreenda é que mesmo detendo o mando do governo, a liderança política não se resume à dominação burocrática. Se Bolsonaro precisou demitir o general Azevedo, se guarda com o comandante Edson Pujol diferenças que lhe exigem uma espécie de intervenção na cúpula, é porque já não lidera, já não conduz. É porque não tem sido capaz de se impor pelo exemplo.

Carlos Melo, o autor deste artigo, é cientista político e Professor do Insper. Publicado originalente n'O Estado de S. Paulo online, em 29.03.2021, às 23,48hs

Gunther Rudzit: A natureza da crise com as Forças Armadas vai ficar

'Generais da ativa são fiéis seguidores da máxima que o general Castelo Branco estabeleceu, a despolitização dos quartéis', explica especialista em Segurança Nacional

A demissão do ministro da Defesa, general Azevedo e Silva, é mais uma escalada da tensão nas relações entre o presidente Jair Bolsonaro e as três Forças singulares, Marinha, Exército e Aeronáutica. Portanto, não é uma crise entre ele e o general, nem somente com o Exército, e sim, com as Forças Armadas.

As indicações são de que tenha havido um apoio de oficiais generais do Exército à candidatura do ex-capitão Jair Bolsonaro à Presidência, refletida no número inicial de militares nos ministérios. Mas é notório que a relação entre estes e o presidente deteriorou-se rapidamente pela ação de outro círculo mais íntimo de Bolsonaro, de seus filhos e seguidores digitais.

Para se poder compreender melhor esse afastamento, há que se separar as declarações de militares da ativa e da reserva. O pessoal da reserva, na grande maioria com visão de mundo arraigada à Guerra Fria, vê a fala dos bolsonaristas como a concretização de suas aspirações. Esta não é a realidade dos oficiais da ativa, com perfil de carreira mais profissional, principalmente daqueles que chegam aos postos mais altos. Além dos cursos muito mais especializados que antigamente, frequentam mestrados e doutorados, tanto das Forças, quanto em instituições civis, no Brasil e no exterior.

Além disso, são fiéis seguidores da máxima que o general Castelo Branco estabeleceu, a despolitização dos quartéis. A total despolitização se tornou impossível com a realidade das redes sociais, mas a grande maioria daqueles que galgam na hierarquia são defensores desta tradição que está estabelecida nos códigos disciplinares.

A nomeação do general Braga Netto não pode ser interpretada como uma intervenção direta do presidente nas Forças Armadas, pois esta é uma prerrogativa do presidente. Até mesmo porque a estrutura e prática é de independência dos comandantes diante do ministro da Defesa. Assim, a substituição dos comandantes é o tema mais delicado neste momento.

A saída dos três comandantes, em especial do general Pujol, se deu não só pelos desentendimentos entre ele e o presidente, como por antiguidade. Já é notório a não aceitação da politização por parte de Pujol como queria Bolsonaro. E, como ele é mais antigo na Força do que Braga Netto, hierarquicamente, torna impossível ele se subordinar ao mais novo.

Troca nos comandos das Forças Armadas

'Não é uma crise entre ele e o general (Fernando Azevedo e Silva), nem somente com o Exército, e sim, com as Forças Armadas', avalia Gunther Rudzit. Foto: Evaristo Sa/AFP

Hoje, os generais que compõem o alto comando do Exército têm o mesmo perfil, ou seja, de não politização das tropas. Essa postura não mudará quem quer que seja escolhido. Assim, pode haver uma mudança na forma na relação entre o novo comandante e o presidente, mas não na essência.

Por isto, a tensão deve diminuir, mas não desaparecerá. Principalmente porque o apoio que muitos dos seguidores do presidente, inclusive no Congresso, dão aos movimentos de insubordinação de policiais militares, vai frontalmente contra os interesses das Forças Armadas. Os altos comandos sabem que, em situações extremas na segurança pública, a atuação deles em mais uma operação de Garantia da Lei e da Ordem não é bem vista.

Gunther Rudzit é professor de relações internacionais da ESPM, especialista em Segurança Nacional, e ex-assessor do Ministro da Defesa (2001-02). Publicado originalmente n'O Estado de S. Paulo online, em 30.03.2021, às 14,24hs

Rodrigo Maia: Bolsonaro está cada vez mais parecido com Chávez e Maduro.

"Logo mais começam a expropriar. E muita gente, na elite principalmente, acha que é uma opção contra o PT. É muito mais do que isso. Um autoritário sempre será autoritário." É a opinião do ex-Presidente da Câmara dos Deputados.


Comandantes da Aeronáutica, Antônio Carlos Moretti Bermudez, do Exército, Edson Pujol, e da Marinha, Ilques Barbosa — Foto: Acervo TV GLOBO

A seguir a repercussão no meio político:

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado

"Temos plena e absoluta confiança nisso, nesse amadurecimento civilizatório do Brasil, de preservação absoluta do Estado Democrático de Direito, do qual fazem parte as Forças Armadas. Então, enxergo com naturalidade. Isso precisa ser tratado dentro de um universo próprio, que é o das Forças Armadas do Ministério da Defesa, sem nenhum tipo de especulação que não seja de uma troca de comando."

João Doria (PSDB-SP), governador de SP

"Minha solidariedade aos ex-comandantes das Forças Armadas e ao ex-Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Eles demonstraram grandeza ao recusar qualquer subserviência a inclinações autoritárias. O País resistirá a qualquer ato que comprometa o Estado Democrático de Direito. As Forças Armadas são instituições de Estado, não de governo."

Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputado federal e ex-presidente da Câmara dos Deputados

Bolsonaro está cada vez mais parecido com Chávez e Maduro. Logo mais começam a expropriar. E muita gente, na elite principalmente, acha que é uma opção contra o PT. É muito mais do que isso. Um autoritário sempre será autoritário.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado

"Todo nosso respeito à decisão dos Comandantes das Três Forças Armadas. Parabenizo, inclusive, por entenderem que as Forças são instituições de Estado e não pertencem a pessoas. A defesa da democracia, em dias sombrios como os que estamos vivendo, é um ato corajoso!"

Baleia Rossi (MDB-SP), deputado federal e presidente nacional do MDB

"Lamentamos as trocas nos comandos das Forças Armadas em meio à pandemia. Exército, Marinha e Aeronáutica têm cumprido à risca suas funções como instituições de Estado, afastando-se de questões político-partidárias implementadas por governos limitados por mandatos. A Constituição de 1988 dá autonomia para o presidente da República escolher seus auxiliares na administração pública, e também na gestão das Forças Armadas. Ao mesmo tempo, impõe direitos e deveres quanto às atuações de todos. Qualquer medida que afronte o texto constitucional deve ser entendida como desrespeito ao povo brasileiro, e isso não pode ser tolerado em um Regime Democrático."

Marcelo Freixo (PSOL-RJ), deputado federal

"As Forças Armadas são instituições de Estado, elas não pertencem a governos e nem a presidentes. Por isso a demissão de comandantes que defendem os limites constitucionais do papel das FA é preocupante. Nós da oposição no Congresso seguiremos firmes na defesa da Democracia."

Tabata Amaral (PDT-SP), deputada federal

"As Forças Armadas não pertencem a Bolsonaro e as instituições precisam estar fortes para lembrá-lo que vivemos em uma democracia. Os comandantes das 3 Forças Armadas entregaram seus cargos, como uma mensagem de que não vão compactuar com a escalada autoritária do presidente!"

Alessandro Molon (PSB-RJ), deputado federal

"A insistência de Bolsonaro em usar as Forças Armadas como se fossem suas, e não do Brasil, fez com que os comandantes das 3 Forças Armadas entregassem, juntos, os cargos. Contra a gravíssima tentativa do presidente, eles reafirmaram, acertadamente, o compromisso com a democracia."

ACM Neto, presidente nacional do DEM

"É essencial para a Democracia que as Forças Armadas atuem sempre com independência, e estejam a serviço do Estado brasileiro, jamais a serviço dos interesses de quem quer que seja. As recentes mudanças no Ministério da Defesa e nos comandos das três Forças inquietam o país. Precisamos do máximo de responsabilidade de todas as autoridades públicas. A Democracia é um valor inegociável."

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República

"Não bastasse a pandemia e o difícil momento econômico, há inquietação entre chefes militares. Espero que as FFAA se mantenham fiéis à Constituição. Mandamento que vale para todos os cidadãos. Mais ainda para os que temos a ver com a política. Equilíbrio e lei; ordem e progresso."

Ciro Gomes (PDT), ex-governador do Ceará e ex-ministro

"Nunca houve na história brasileira a ocasião em que os três comandantes das Forças Armadas tenham pedido demissão ao mesmo tempo. Isso é um gesto muito poderoso, muito grave. Potencialmente, é uma mensagem importante que eles estão mandando para várias direções. Acompanhe: Para dentro da tropa, é uma mensagem inequívoca de que eles não aceitam - e eles representam a liderança formal daqueles que estão na ativa - o apelo golpista dos setores bolsonaristas que querem envolver as forças armadas na politicagem. Para Bolsonaro, é sinal de que o limite de transgressão do respeito à constituição, ao profissionalismo das forças armadas, foi ultrapassado quando ele, sem nenhuma cortesia, sem respeito, humilhando, demitiu sem conversar com ninguém o ministro da Defesa por razões mesquinhas. E para o povo brasileiro: nós devemos receber essa mensagem com prudência e, acima de tudo, com muito respeito. É um primeiro grande sinal de que as Forças Armadas estão se desencantando com as loucuras que Bolsonaro tem praticado no Brasil. Também é sinal que eles querem retornar o melhor respeito que sempre deveriam ter merecido se não fora a aventura, o equívoco, de terem hoje quase 4 mil militares da ativa dentro do governo."

As declarações acima foram colhidas e publicadas pelo portal G1, em 30.03.2021

Troca na Defesa denuncia crise militar e marca divisão entre generais sobre radicalismo de Bolsonaro

Saída de ministro e comandantes das Forças Armadas pega o país de surpresa e abre incógnita sobre as apostas do presidente, pressionado pelo Centrão e o setor econômico

O general Fernando Azevedo e Silva, exonerado do Ministério da Defesa. (Crédito da foto: Evaristo Sá / Agência France Press).

A segunda-feira parecia agitada pela notícia da saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Mas foi a carta de demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que revelou o tamanho do caos no Governo Bolsonaro. Num momento de turbulências em Brasília com a pressão pela gestão pífia da pandemia de covid-19, a saída de Azevedo, amigo de longa data do presidente Jair Bolsonaro, mostrou que a estabilidade do Governo está cambaleante neste final de março. A leitura é clara: quando o ministro que dirige as Forças Armadas pede para sair de um Governo dominado por militares há uma discrepância maior do que parecia sobre os rumos da instituição. O anúncio de última hora de uma reunião dos três comandantes das Forças Armadas aumentaria a tensão. Nesta terça, confirmou-se que o trio desembarca do Governo Bolsonaro. “O Ministério da Defesa (MD) informa que os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica serão substituídos. A decisão foi comunicada em reunião realizada nesta terça-feira (30), com presença do Ministro da Defesa nomeado, Braga Netto, do ex-ministro, Fernando Azevedo, e dos Comandantes das Forças”, avisou o comunicado.

“Esta é uma crise militar séria”, diz João Roberto Martins Filho, estudioso das Forças Armadas no Brasil, organizador do livro recém lançado Os militares e a crise brasileira (Alameda Editorial). “É a primeira vez desde a redemocratização que acontece isso. O que falta desvendar é o que Bolsonaro vai fazer”, diz Martins Filho. Ao que tudo indica, a falta de posicionamento diante de anúncios radicais do Governo Bolsonaro estaria cobrando seu preço, culminando na saída de Azevedo.

Em meio ao anúncio de saída de outros ministros, foi a queda do ministro da Defesa a que mais deixou atônitos os brasileiros. Três generais de reserva ouvidos pela reportagem nesta segunda souberam pela imprensa que ele estava saindo e se disseram surpreendidos. Dois preferiram não comentar até se inteirar melhor dos detalhes. As versões e especulações se multiplicaram com o passar das horas logo após a divulgação da carta de demissão por volta das 16h. De certo, o consenso de que algum limite foi ultrapassado para as forças militares, que já vinham desgastadas pelos erros no Ministério da Saúde e na gestão da proteção à Amazônia.

Desde o início do seu mandato, Bolsonaro abusou de impulsos autoritários, como falar no emprego do artigo 142, que supostamente daria poderes às Forças Armadas de intervir em outros poderes, assim como insuflou protestos contra o Supremo Tribunal Federal. Embora tenha sido brecado pela Corte, manteve sua postura de radicalismo para agradar sua base de eleitores. No dia 8 deste mês disse que “meu Exército não vai obrigar o povo a ficar em casa”, confrontando o lockdown proposto por governadores para estancar as mortes pela pandemia. “Este é um Governo disposto a qualquer coisa, não tem limites”, diz Martins Filho. “A questão agora é saber por que a instituição se afasta dele. Precisam se distinguir?”, questiona.

A crise militar chega num momento péssimo para o Brasil que já prevê uma terceira onda da pandemia. Péssimo também para o Governo Bolsonaro, que entregou a cabeça do ministro Ernesto Araújo depois de uma briga escancarada do diplomata com o Congresso e forçou uma reforma ministerial com troca em outras cinco pastas, além da Defesa. Por trás dessa troca açodada, está o papel do Centrão, o grupo de partidos que prometeu sustentação a Bolsonaro desde que a presidência do Congresso foi renovada. O general da reserva Paulo Chagas acredita que a saída de Azevedo passa pelos acordos políticos do Governo. “A minha leitura pessoal é que o presidente quer mexer no time de ministros, mais fácil tratar com um contemporâneo seu”, diz Chagas, lembrando que a relação do ministro demissionário com Bolsonaro é de décadas e sempre foi muito boa, tanto do ponto de vista pessoal como profissional.

Chagas, porém, admite que há desconfortos no Exército, por exemplo, por conduções assumidas pelo Governo, como no caso da Saúde, comandada até poucos dias pelo general Eduardo Pazuello. “Quando se diz que um general não teve sucesso numa missão passa para a opinião pública que a instituição não tem quadros preparados”, diz ele. “Isso não afeta a instituição em si, mas afeta os que lá estão. Ficam desconfortáveis.”

Para ele, não há risco de ruptura institucional com a troca de comando na Defesa, e qualquer ato extremo do Governo num momento de desespero ―como insistir em eleições fraudulentas em 2022— não terá o suporte das Forças Armadas. Por ora, Bolsonaro acabou forçando uma divisão que havia dentro da instituição. Saem os generais que se opõem a seu estilo cada vez mais radical, ficam os generais bolsonaristas, a maioria da reserva, que atuam na máquina pública. Entra Walter Braga Netto na Defesa, que vai mostrar o quanto está disposto a apoiar os arroubos golpistas de Bolsonaro no que resta do seu mandato ou, pior, contaminar ainda mais as instituições militares em nome de um projeto de poder imprevisível. Até hoje, os militares precisam ficar se explicando que respeitam a Constituição em função das inúmeras demonstrações que o presidente Bolsonaro já deu da falta de compromisso democrático.

O papel de Pazuello na Saúde já era algo difícil de engolir pela caserna, assim como os variados atropelos que sofreram, como a própria indiferença ao plano inicial que o Exército tinha para lidar com a pandemia da covid-19 quando ela estava no início. Agora, sob as cobranças do PIB nacional e a pressão internacional, os militares estariam ponderando o preço pago por dar suporte ao presidente que fez o Brasil virar pária, e os militares, cúmplices desse projeto.

CARLA JIMÉNEZ, de São Paulo para o EL PAÍS, em 30 MAR 2021 - 14:49 BRT

Com 3.780 mortes por covid-19 em 24h, Brasil registra novo recorde diário

País também contabilizou mais de 84 mil novos casos nesta terça-feira. Os dados não incluem os números do estado de Roraima, por problemas técnicos. Total de mortes passa de 317 mil   

O Brasil registrou nesta terça-feira (30/03) um novo recorde diário de mortes por covid-19. Em apenas 24 horas, foram contabilizadas 3.780 mortes associadas à doença, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). Os dados não incluem os números do estado de Roraima, por problemas técnicos. 

Também foram identificados 84.494 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções oficiais no país subiu para 12.658.109, enquanto os óbitos chegam a 317.646.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 10.969.247 pacientes haviam se recuperado até segunda-feira.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 151,2 no Brasil, a 19ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,3 milhões de casos e mais de 550 mil óbitos.

Ao todo, mais de 127,9 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,79 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle / Brasil, em 30.03.2021

Quarenta deputados alemães pedem que Congresso brasileiro não flexibilize regras ambientais

Parlamentares alemães enviaram carta para Arthur Lira e Rodrigo Pacheco afirmando que eventual aprovação de três projetos de lei pode afetar a relação comercial entre Alemanha e Brasil

Signatários, que incluem 40 membros do Parlamento alemão, afirmam que aprovação de projetos de lei teria potencial para elevar o desmatamento no Brasil

Quarenta membros do Parlamento alemão (Bundestag) assinaram na sexta-feira (26/03) uma carta aberta endereçada aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pedindo que eles não pautem para votação três projetos de lei que flexibilizam regras de proteção do meio ambiente e de comunidades tradicionais e indígenas.

O texto menciona o projeto que autoriza a mineração em terras indígenas, o que flexibiliza as normas para regularização de terras e o que estabelece um novo marco legal do licenciamento ambiental.

Entre os assinantes, está a vice-presidente do Bundestag Claudia Roth e Anton Hofreiter, líder dos Verdes no Parlamento alemão, além de mais cinco integrantes da Câmara dos Deputados da Itália e um membro do Parlamento Europeu, totalizando 46 políticos europeus com mandato.

Os signatários afirmam que a aprovação dos projetos tem potencial para elevar o desmatamento e a violência contra comunidades indígenas e tradicionais e significaria um retrocesso na legislação ambiental do Brasil.

A carta diz também que os projetos mencionados, se virarem lei, afetariam as relações atuais e futuras com o Brasil. Os parlamentares citam que ações que provoquem mais desmatamento, afetem os direitos humanos e prejudiquem o combate às mudanças climáticas devem ser levadas em conta em qualquer acordo comercial.

"Estamos muito preocupados que esse pacote de propostas legislativas possa ameaçar nossos esforços conjuntos e colocar em risco nossas relações econômicas e comerciais futuras", diz o texto. "Gostaríamos de considerar o Brasil nosso parceiro num esforço conjunto por um mundo melhor. Um mundo que protege os direitos humanos, respeita a biodiversidade e o clima e dá suporte a sociedades prósperas."

A carta é o mais recente capítulo da crescente pressão europeia para a preservação do meio ambiente no Brasil, agravada por políticas do governo Jair Bolsonaro que reduziram a proteção florestal e prejudicaram o combate ao desmatamento e a incêndios, deixando mais longe uma possível ratificação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.

Deutsche Welle / Brasil, em 30.03.2021

Comandantes das Forças Armadas deixam os cargos

Troca simultânea de comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica é inédita e ocorre na esteira da demissão de ministro da Defesa e investidas de Bolsonaro para ampliar influência nas Forças Armadas.

Fragilizado, Bolsonaro vem tentando ampliar sua influência sobre as Forças Armadas

O novo ministro da Defesa, general Braga Neto, substituirá os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A decisão foi tomada nesta terça-feira (30/03) em reunião da qual também participou o general Azevedo e Silva, que havia sido demitido do comando da Defesapelo presidente Jair Bolsonaro no dia anterior. Uma nota divulgada pela pasta oficializou a mudança, mas não explicou os motivos.

A saída de Azevedo e Silva ocorreu em meio a uma minirreforma ministerial que envolveu trocas em seis pastas, mas foi a alteração mais rumorosa devido a movimentos frequentes de Bolsonaro para aprofundar a instrumentalização das Forças Armadas em benefício de seu projeto político. A saída do ministro provocou a maior crise na cúpula militar em décadas. É a primeira vez na história que os três comandantes das forças são substituídos ao mesmo tempo sem que isso ocorra em meio a uma troca de governo.

Azevedo e Silva vinha resistindo a algumas dessas investidas do presidente, como pedidos para mobilizar o Exército para se contrapor aos governadores que declararam lockdown para reduzir a disseminação da covid-19. O ex-ministro também havia se recusado a demitir o comandante do Exército, Edson Pujol, que não agradava a Bolsonaro e em novembro de 2020 havia dito que "a política não pode entrar nos quartéis”.

Na segunda-feira, Pujol e os comandantes da Marinha, Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, Antônio Bermudez, já haviam se reunido e discutido a possibilidade de colocarem seus cargos à disposição, como um sinal de que não compactuariam com tentativas do presidente de usar as Forças Armadas em seu benefício. 

General Braga Netto, que chefiava a Casa Civil do governo Bolsonaro, agora comanda a Defesa

Nos bastidores, vários militares de alta-patente fizeram chegar à imprensa que não queriam se envolver em alguma aventura golpista ou iniciativa que contrariasse a Constituição.

Antes de ser nomeado para a Defesa, Braga Neto era ministro da Casa Civil e tem a confiança de Bolsonaro. É atribuição do presidente definir os comandantes das Forças Armadas, em uma escolha que tradicionalmente segue uma lista elaborada por critério de antiguidade.

Em nota oficial, Azevedo e Silva disse que, durante o seu período à frente da pasta, havia preservado as Forças Armadas "como instituições de Estado".

Apesar de ter se colocado contra novas investidas de Bolsonaro, o ex-ministro chegou a sobrevoar ao lado do presidente, em um helicóptero, uma manifestação de conteúdo antidemocrático na Praça dos Três Poderes em junho de 2020.

Desde o início da sua gestão, Bolsonaro tem se apoiado nos militares para preencher diversos cargos no governo. O presidente também faz elogios frequentes à atuação das Forças Armadas durante o regime militar e determinou a comemoração do golpe de 1964, que nesta quarta-feira faz 57 anos.

"Meu Exército"

Bolsonaro e Azevedo e Silva não vieram à público informar o motivo da troca do comando na Defesa, mas apuração da imprensa brasileira aponta diversos episódios das últimas semanas que contribuíram para o desfecho.

Entre eles, em 19 de março o presidente disse que o "seu" Exército não iria contribuir para aplicar os lockdows determinados por alguns governadores do país, o que teria incomodado as Forças Armadas. "O meu Exército não vai para a rua para cumprir decreto de governadores", afirmou.

No mesmo dia, Bolsonaro disse que poderia chegar o momento de ter que declarar estado de sítio para ir contra as medidas de restrição adotadas por alguns governadores. Segundo o jornalista Ricardo Kotscho, do portal UOL, o presidente queria o apoio das Forças Armadas para pressionar o Congresso a aprovar o estado de sítio, mas Azevedo e Silva se negou a fazer isso.

A jornalista Thais Oyama, também do UOL, relatou que Bolsonaro teria pressionado Pujol a emitir uma manifestação pública criticando a decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e restituiu seus direitos políticos. O comandante do Exército se recusou, e Bolsonaro pediu a Azevedo e Silva que o demitisse, que novamente se negou a fazer isso.

O ex-ministro da Defesa também teria se recusado a demitir, a pedido de Bolsonaro, o general Paulo Sérgio, responsável pelo setor de recursos humanos do Exército. O presidente havia ficado irritado por Sérgio ter dito em entrevista ao jornal Correio Braziliense que os militares estavam se preparando para uma "terceira onda" de covid-19 e que haviam reforçado medidas de distanciamento social.

Deutsche Welle / Brasil, em 30.03.2021

segunda-feira, 29 de março de 2021

Brasil tem mais 1.660 mortes por covid-19 em 24h

País também registrou mais de 38 mil novos casos nesta segunda-feira. Total de mortes passa de 313 mil.

 

Taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 149,4 no Brasil

O Brasil registrou nesta segunda-feira (29/03) 1.660 mortes associadas à covid-19, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass).

Também foram identificados 38.927 novos casos da doença. Com isso, o total de infecções oficiais no país subiu para 12.573.615, enquanto os óbitos chegam a 313.866.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que os números reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

O Conass não divulga número de recuperados. Segundo o Ministério da Saúde, 10.912.941 pacientes haviam se recuperado até domingo.

A taxa de mortalidade por grupo de 100 mil habitantes subiu para 149,4 no Brasil, a 19ª mais alta do mundo, quando desconsiderados os países nanicos San Marino, Liechtenstein e Andorra.

Em números absolutos, o Brasil é o segundo país do mundo com mais infecções e mortes, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 30,2 milhões de casos e mais de 549 mil óbitos.

Ao todo, mais de 127,4 milhões de pessoas já contraíram oficialmente o coronavírus no mundo, e 2,78 milhões de pacientes morreram.

Deutsche Welle / Brasil, em 29.03.2021

Bolsonaro faz seis trocas no governo, confirma demissões e leva nome do Centrão para o Planalto

Deputada Flávia Arruda (PL-DF) assume Secretaria de Governo, responsável pela articulação política

O presidente Jair Bolsonaro oficializou nesta segunda-feira, 29, seis trocas no governo. Em nota, ele confirmou a demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, da Advocacia-Geral da União, José Levi, e a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) como ministra da Secretaria de Governo, responsável pela articulação política do Palácio do Planalto com o Congresso.

O ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, também foi demitido. Sua saída vinha sendo cobrada dentro e fora do governo. Na visão de parlamentares, especialistas e empresários, a atuação do chanceler na pasta, considerada ideológica, prejudicou o País na obtenção de insumos e vacinas para combater a covid-19. Em seu lugar entrará o diplomata Carlos Alberto Franco França, ex-cerimonialista da Presidência.

Ministro da Defesa foi demitido após recusar alinhamento das Forças Armadas ao governo Bolsonaro

No Ministério da Justiça, Bolsonaro trocou André Mendonça, que volta a comandar a AGU, seu antigo cargo, e colocou no lugar o delegado da Polícia Federal Anderson Torres. Até então secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Torres havia sido cotado para assumir a diretoria-geral da Polícia Federal em ao menos três oportunidades, e agora deve assumir um cargo hierarquicamente superior. Ele é próximo da família do presidente.

As outras mudanças foram apenas de nomes que já integravam o governo e foram realocados: o general Walter Braga Netto assume o Ministério da Defesa e o general Luiz Eduardo Ramos vai para o seu lugar, na Casa Civil, abrindo a vaga para Flávia Arruda na Secretaria de Governo.

A deputada é próxima ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), que na semana passada cobrou uma mudança de postura do governo federal no enfrentamento da pandemia. Na ocasião, alertou que a declaração era um "sinal amarelo" do Congresso ao chefe do Executivo e, sem citar o impeachment, disse que o Legislativo possui “remédios políticos amargos”, alguns “fatais”.

No mês passado, Bolsonaro já havia acomodado um nome do Centrão no governo, com a nomeação de João Roma (Republicanos-BA) no Ministério da Cidadania.

As trocas ocorrem no momento mais agudo da pandemia de covid-19 no País, com recordes diários de mortes pela doença e colapso na rede de saúde de diversas cidades. Ao mesmo tempo, pesquisas apontam queda na popularidade do presidente.

Veja abaixo as todas as trocas:

Nota oficial

O Presidente Jair Bolsonaro alterou a titularidade de seis ministérios nesta segunda-feira (29). As seguintes nomeações serão publicadas no Diário Oficial, a saber:

• Casa Civil da Presidência da República: General Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira;

• Ministério da Justiça e Segurança Púbica: Delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres;

• Ministério da Defesa: General Walter Souza Braga Netto;

• Ministério das Relações Exteriores: Embaixador Carlos Alberto Franco França;

• Secretaria de Governo da Presidência da República: Deputada Federal Flávia Arruda;

• Advocacia-Geral da União: André Luiz de Almeida Mendonça.

Secretaria Especial de Comunicação Social

Ministério das Comunicações

Redação, O Estado de S.Paulo29 de março de 2021 | Atualizado às 19h24


Fake news bolsonaristas também contribuíram para a saída de ministro da Defesa

A rede de fake news ligada ao presidente Jair Bolsonaro criou uma cadeia de mal-entendidos que também contribuiu para a queda do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva.  

Os deputados federais Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, incomodaram os meios militares ao relacionar as medidas de combate à Covid-19 que condenam, assim como o presidente, a um incidente ocorrido na noite de domingo em Salvador, em que um policial militar foi morto depois de atirar contra soldados do Bope da Bahia. 

O soldado, aparentemente, teve um surto psicótico, deu vários tiros para o alto e disparou contra os colegas que o cercavam no Farol da Barra. Em suas redes sociais, os dois deputados disseminaram versões semelhantes sobre o fato. Bia afirmou que o PM morreu porque “se recusou a prender trabalhadores e cumprir as ordens ilegais do governador Rui Costa”.

Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e investigada na CPI das Fake News, a parlamentar chamou o soldado de herói, antes de apagar o post pelas críticas que recebeu. Eduardo Bolsonaro também defendeu o PM morto e disse que “estamos brincando de democracia”. Perfis bolsonaristas nas redes seguiram os dois deputados e começaram a espalhar esta versão para criticar o governador da Bahia, que é do PT.

A Federação dos Policiais Militares da Bahia exigiu uma retratação do governo federal, na pessoa do próprio presidente. Assim como o comando da corporação no estado, que investiga o caso como uma crise pessoal do policial.

Azevedo defendeu que Bolsonaro se desculpasse pelos atos do filho, da aliada e do restante dos seguidores. O presidente reagiu irritado, recusando-se a qualquer retratação. Entre os dois, já havia a instatisfação do presidente com o comandante do Exército, Edson Pujol, que queria substituir, e com o que considerava falta de apoio público das Forças Armadas, como relatou Lauro Jardim

Até agora, o mais cotado para substituir Azevedo é Walter Braga Netto, ex-comandante da intervenção na segurança do Rio de Janeiro que causou insatisfação interna, no comando da Casa Civil, quando tirou férias em meio à crise do governo provocada pelos sucessivos recordes de mortes pela Covid-19 no país. A mudança abrirá espaço ao centrão na articulação política.

Por Maiá Menezes, O Globo online, em 29/03/2021 • 17:55

Malu Gaspar: Comandantes das Forças Armadas discutem renúncia conjunta

Os comandantes das três Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – estão reunidos neste momento em Brasília discutindo uma renúncia conjunta aos cargos, como reação à saída do ministro da Defesa, Fernando Azevedo. Embora não tenha sido tomada uma decisão definitiva, o mais provável é que deixem seus postos ainda hoje. 

O comandante do Exército, Edson Pujol, em sua posse, em janeiro de 2019. Pujo; e os chefes da Marinha e da Aeronáutica também cogitam sair. 

Além de Edson Pujol, que o presidente Jair Bolsonaro disse hoje nos bastidores que demitiria, participam da reunião em local não revelado o comandante da Marinha, Ilques Barbosa Junior e o da Aeronáutica, Antonio Carlos Moretti Bermudez. Ministros militares de Jair Bolsonaro também participam do encontro. 

A renúncia conjunta dos chefes das Forças Armadas seria algo inédito na história da República. Embora o clima entre os militares seja de muita tensão, auxiliares de Bolsonaro tentam dar à saída dos comandantes caráter de normalidade. 

MALU GASPAR. Formada pela USP, cobriu política e economia nos principais veículos do país. Escritora, lançou dois livros: "Tudo ou Nada: Eike Batista e a Verdadeira História do grupo X" e "A Organização: a Odebrecht e o Esquema de Corrupção que Chocou o Mundo". Esta informação foi publicada originalmente n'O Globo online, às 18,30 h, em 19.03.2021.

A favor da Amazônia, bancos e entidades católicas pressionam Bolsonaro

Carta assinada por 93 instituições, também financeiras, ameaça retirada de investimentos no Brasil, pede plano concreto contra desmatamento e proteção de povos indígenas.

Vista aérea de desmatamento na Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, em Altamira, Pará 

Diante do avanço da destruição da Floresta Amazônica, mais de 90 instituições internacionais católicas, entre as quais quatro bancos alemães, se uniram para manifestar publicamente oposição às políticas ambientais de Jair Bolsonaro.

Nesta segunda-feira (29/03), o grupo entrega uma carta ao presidente brasileiro e a seu vice, Hamilton Mourão, pedindo ações concretas para proteger a maior floresta tropical do mundo e os povos indígenas.

"Como investidores, nós estamos usando os meios possíveis para exercer pressão contra a destruição da Amazônia e de seus povos tradicionais", justifica Tommy Piemonte, da instituição financeira católica alemã Bank für Kirche und Caritas (BKC), em entrevista à DW.

Segundo Piemonte, é a primeira vez que investidores católicos se unem para exercer esse tipo de pressão internacionalmente, motivados pelo aumento do desmatamento, queimadas, crimes ambientais e violações dos direitos indígenas. Em 2020, a área de vegetação destruída na Amazônia chegou a 11.088 quilômetros quadrados, batendo recorde dos últimos 12 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

"Se não houver mudanças, vamos retirar nossos investimentos e cancelar potenciais investimentos futuros", afirma Piemonte. "Somos quatro bancos que têm muitos clientes, inclusive outras instituições católicas", complementa, mencionando o Bank im Bistum Essen, Pax-Bank Köln e Steyler Ethik Bank, que também assinam a carta.

Com um total de ativos estimado em 5,6 bilhões de euros (cerca de 38 bilhões de reais), o BKC tem fundos de investimentos que incluem títulos do governo do brasileiro. Fundada em 1972, a instituição é uma das pioneiras em apoiar projetos sustentáveis e a se opor a negócios ligados à energia nuclear, usinas de carvão, indústria de armamento, ou que tenham violado direitos humanos e usado trabalho infantil.

"É importante mostrar nosso relativo poder como investidor ao Brasil. Afinal, oferecemos dinheiro para projetos, negócios, para a economia. E, desse modo, queremos aumentar a pressão vinda de fora sobre o governo brasileiro", comenta Piemonte.adas. Dentre os pontos do plano de ação sugerido estão implementação de legislação estrita de proteção ambiental; programa concreto de combate ao desmatamento com orçamento e metas intermediárias a serem medidas; mais recursos para combater incêndios; suspensão de medidas contra organizações não governamentais; proteção dos territórios e dos direitos da população indígena; reflorestamento e relatórios anuais sobre o progresso dessa atividade.

Diálogo Difícil

O documento pede ainda diálogo com o governo brasileiro. Eleito com forte apoio dos evangélicos, Bolsonaro administra o maior país católico do mundo, em que 50% da população se diz pertencente a essa religião, segundo pesquisa Datafolha de 2020.

"É muito difícil o diálogo", diz Dom Vicente de Paula Ferreira, secretário da Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB, que também encabeça o movimento de protesto.

Por outro lado, acrescenta o bispo, a CNBB tem um assento no Conselho Nacional de Justiça e mantém conversas com a Câmara de Deputados, senadores e comissões, como a de Meio Ambiente. "Há instâncias que estão abertas ao diálogo. Mas com o presidente é mais complicado, porque a pauta dele é totalmente contrária ao que pensamos."


Encíclica "Laudato si'", do papa Francisco, prega ecologia integral e proteção do meio ambiente

As críticas à postura antiambiental do governo Bolsonaro seguem as linhas gerais da encíclica Laudato si', redigida pelo papa Francisco em 2015. O documento defende o planeta como casa comum, prega a ecologia integral, proteção do meio ambiente e ações contra as mudanças climáticas.

"Num contexto maior, a nossa posição é critica e de denúncia de violações de direitos dos povos, da natureza. Por isso saímos em defesa das comunidades indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, que formam uma rede que protege o meio ambiente e que, geralmente, são afetados por grandes projetos internacionais, especialmente na Amazônia", diz Ferreira.

Mesmo sob a liderança que prega a defesa socioambiental do papa Francisco, há dificuldades internas dentro da Igreja Católica: "Há fragmentos ligados à ala mais extremista que apoiam muito também [o presidente Bolsonaro]", reconhece o bispo.

Contra projetos de destruição

Com a carta pública, as instituições católicas esperam uma sinalização do governo Bolsonaro. "A destruição da Floresta Amazônica e a violação dos direitos humanos não representam apenas uma ameaça à reputação do Brasil na comunidade internacional, mas também uma ameaça real à economia brasileira", alerta o documento.

Em toda a Europa, têm crescido pedidos de boicotes a produtos brasileiros como consequência da atual política ambiental do país. Bancos internacionais têm desencorajado investimentos em empresas que, direta ou indiretamente, atuam na cadeia ligada ao desmatamento. No fim de 2020, o governo francês anunciou que reduziria importações da soja brasileira devido ao aumento da devastação na Amazônia.

"Com esse comunicado ao governo brasileiro, esperamos fazer pressão sobre a economia, sobre as empresas que têm negócios no Brasil principalmente relacionados à madeira, mineração, soja", diz Piemonte sobre as expectativas, acrescentando que, como o Brasil ainda é o maior país católico do mundo, espera também que o documento influencie a opinião pública.

Para Dom Vicente de Paula Ferreira, essa movimentação internacional é importante para mostrar ao mundo as violações, flexibilizações de leis de proteção ambiental, agressões às comunidades indígenas de que o Brasil tem registrado aumento nos últimos dois anos.

"Lá fora, a mensagem é de que está havendo sustentabilidade nos empreendimentos, mas isso não está acontecendo de fato nos territórios. É preciso que se questione os investimentos internacionais. Será que esses bancos e agências conhecem de fato a realidade para investir por aqui? No Brasil, há muitos projetos que são de destruição", alerta Ferreira.

Deutsche Welle / Brasil, em 29.03.2021

Bolsonaro demite ministro da Defesa, Fernando Azevedo

Em nota, ministro diz que dedicou 'total lealdade' ao presidente, que pediu o cargo; Braga Netto, da Casa Civil, pode assumir

 O Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, entregou carta de demissão da pasta ao presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, 29. A informação foi confirmada pela assessoria do ministério, em nota. Segundo o Estadão apurou, o presidente havia pedido a saída do ministro do cargo.

No comunicado, Azevedo agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e reforçou sua lealdade ao chefe do Executivo. "Agradeço ao Presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao País, como Ministro de Estado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", informou. Na agenda do presidente consta que os dois se reuniram no início da tarde desta segunda-feira.

A reportagem apurou que Bolsonaro pediu a saída de Azevedo após uma entrevista do general Paulo Sérgio, responsável pela área de saúde do Exército, ao jornal Correio Braziliense. À publicação, o militar apontou a possibilidade de uma 3.ª onda da covid-19 no País nos próximos meses e defendeu lockdown, contrariando o que prega o presidente, crítico a medidas de isolamento social.

O ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, está cotado para assumir a Defesa. A mudança teria como objetivo promover uma "dança das cadeiras" no Palácio do Planalto. No lugar de Braga Netto, assumiria o ministro Luiz Eduardo Ramos, que está na Secretaria de Governo. Com isso, a pasta responsável pela articulação com o Congresso seria entregue a um político. O nome mais cotado até agora é o do líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO).

De perfil moderado e com experiência na relação com o Congresso, Azevedo foi assessor do ministro Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal.

Leia abaixo a nota de demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva:

Agradeço ao Presidente da República, a quem dediquei total lealdade ao longo desses mais de dois anos, a oportunidade de ter servido ao País, como Ministro de Estado da Defesa. Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado. O meu reconhecimento e gratidão aos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, e suas respectivas forças, que nunca mediram esforços para atender às necessidades e emergências da população brasileira. Saio na certeza da missão cumprida. Fernando Azevedo e Silva   

Fernando Azevedo e Silva

Eliane Cantanhêde e André Shalders, O Estado de S.Paulo, em 29 de março de 2021 | 15h59Atualizado 29 de março de 2021 | 16h25

Ernesto Araújo se reúne com Bolsonaro para pedir demissão

Ministro passou pouco mais de 800 dias à frente do Itamaraty e vinha sendo contestado dentro e fora do governo

 O embaixador Ernesto Araújo se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, 29, para entregar seu cargo. A informação foi repassada ao Estadão por pessoas que acompanham a discussão sobre a saída do chanceler. Ernesto passou pouco mais de 800 dias à frente do Itamaraty e vinha sendo contestado dentro e fora do governo.

O chanceler cancelou compromissos nesta segunda-feira com autoridades estrangeiras para discutir seu futuro. E foi chamado de última hora por Bolsonaro no Palácio do Planalto.

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Auxiliares diretos do ministro consideram que a situação é "irreversível". Ele também cancelou a reunião geral com secretários, depois de ser convocado ao palácio. O encontro estava previsto para ocorrer ao meio-dia, até que o ministro recebeu o chamado presidencial.

Na reunião, segundo aliados, Ernesto disse ao presidente estar disposto a deixar o cargo para não ser mais um problema para o governo na relação com o Congresso. 

A demissão está sendo discutida, mas Bolsonaro ainda não escolheu o substituto. O nome mais forte no Palácio do Planalto é o do almirante Flávio Rocha, atual secretário de Comunicação Social e da Secretaria de Assuntos Estratégicas (SAE). Rocha tem o apoio do ministro das Comunicações, Fabio Faria. Uma ala do do Planalto, porém, defende um político para o cargo, de preferência um senador.

Um outro nome cogitado é o do embaixador do Brasil na França, Luiz Fernando Serra. O diplomata, porém, indicou a colegas que não gostaria de deixar Paris neste momento para voltar ao País.

A pressão sobre Ernesto aumentou neste domingo, depois que o ministro acusou a senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO) de fazer lobby de chineses durante almoço com ele no Itamaraty. Com o gesto, ele forçou novo embate entre o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. Presidente da Comissão de Relações Exteriores, a senadora disse que apenas defendeu que não haja discriminação à China no leilão do 5G e chamou o ministro de “marginal”. Ela recebeu apoio expressivo de congressistas que já cobravam a demissão de Ernesto.

A tese dos interesses chineses por trás da queda de Ernesto já vinha sendo apontada nos bastidores por aliados do ministro no governo e por militantes conservadores nas redes sociais.

A declaração do ministro, no Twitter, foi interpretada como gesto “suicida” por diplomatas, e uma forma de construir uma versão para justificar sua saída do cargo. Parlamentares e diplomatas avaliam que o ministro teve apoio do clã Bolsonaro nessa contra ofensiva. Ele tem apoio público do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o filho do presidente que mais interfere na política externa.  

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo, em 29 de março de 2021 

Sob Bia Kicis, CCJ vira praça de guerra e tem até pedido para que deputada use máscara nas sessões

Principal comissão da Câmara não aprovou nenhum projeto até agora; desempenho contrasta com outros colegiados

 Eleita para comandar a principal comissão da Câmara há 20 dias, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) não conseguiu votar um único projeto desde que assumiu o cargo. De lá para cá, foram cinco sessões do colegiado, todas marcadas por discussões, obstruções e até o registro de reclamação para que a parlamentar utilizasse máscara ao presidir as reuniões - o que não fez no início da primeira.

Kicis é uma das principais aliadas do governo Jair Bolsonaro no Congresso. Sua escolha para comandar a CCJ foi articulada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), em troca do apoio que recebeu do Palácio do Planalto para se eleger ao cargo. 

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) Foto: Dida Sampaio/Estadão

A indicação, porém, sofreu resistências até mesmo de aliados de Lira pelo perfil da deputada. Ex-procuradora do Distrito Federal, ela se notabilizou por discursos radicais e é investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após promover e participar de atos que pediam o fechamento da Corte, no ano passado. 

Neste fim de semana, ela adicionou mais uma polêmica à sua lista ao incentivar um motim de policiais militares na Bahia, Estado comandado pelo petista Rui Costa. O motivo foi a morte de um PM que atirou contra seus próprios colegas na capital baiana. A paralisação de forças policiais é inconstitucional.

Após a repercussão do caso, ela apagou a postagem e disse ter sido informada que o agente morto pela PM estava em surto. "Aguardarmos as investigações. Inclusive diante do reconhecimento da fundamental hierarquia militar", postou no meio da manhã desta segunda.

Sem tantas polêmicas, outras comissões da Casa têm avançado. A Comissão de Educação, sob o comando da deputada Professora Dorinha (DEM-TO), já aprovou no mesmo período três projetos e 21 requerimentos, como pedidos de audiências públicas. Na de Meio Ambiente, presidida pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), colega de Kicis, foram nove requerimentos votados e dois projetos aprovados, um sobre o reaproveitamento de dados de licenciamentos ambientais. 

Porta de entrada de projetos no Legislativo, a CCJ tem como sua pauta prioritária neste ano destravar a reforma administrativa. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é uma promessa de campanha de Bolsonaro, mas que chegou ao Congresso apenas em setembro do ano passado -- 21 meses após o início do governo -- e está parada desde então. O relator do texto, deputado Darci de Matos (PSD-SC), ainda não entregou seu parecer.

No entanto, mesmo que já estivesse com seu relatório pronto, Matos teria de esperar a fila da CCJ andar. Desde a instalação da comissão, no dia 10 de março, o colegiado debateu um único tema: um recurso do deputado Boca Aberta (PROS-PR), que teve sua cassação aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara. O caso trava a pauta. O único requerimento votado até agora foi, justamente, para adiar essa discussão para outra sessão.

Máscara e bate-boca. Logo na primeira sessão, Kicis foi advertida pela deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) para que fizesse o uso de máscara enquanto estivesse à frente dos trabalhos, pois trata-se de obrigatoriedade prevista em lei. Em resposta, a parlamentar, que já gravou vídeo ensinando "truques" para burlar o uso da proteção, disse que estava apenas "tomando chá". A presidente da CCJ é autora de um projeto que torna a proteção facultativa. Após a reclamação, porém, manteve o item no rosto nas reuniões seguintes.

Dias depois, a sessão da comissão se tornou uma praça de guerra, com deputados do PSL e do PT chegando quase a se agredirem fisicamente. Tudo começou quando Paulo Teixeira (PT-SP) chamou Bolsonaro de genocida, por causa da condução do enfrentamento da pandemia de covid-19 no País. Carlos Jordy (PSL-RJ), aliado do governo, rebateu o petista e, exaltado, o chamou de “vagabundo”. Houve bate-boca generalizado e a turma do "deixa disso" precisou entrar em ação para segurar os dois parlamentares.

“Vergonhosa a produtividade da CCJ. Regra básica do parlamento é que oposição fala, governo vota. Os próprios deputados da base do governo parecem não querer votar nada, pois atrasam reuniões com 'questões de ordem' inúteis e perdem tempo batendo boca com a oposição, que ri do amadorismo dos governistas. Parece um governo de oposição”, afirmou o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que faz parte da CCJ.

Também membro do colegiado, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) pondera que a complexidade do caso de Boca Aberta impôs um ritmo mais lento ao colegiado.  “Eles estão segurando em cima do recurso do deputado Boca Aberta sobre o Conselho de Ética. Este recurso trava a pauta. Enquanto não for votado este recurso a presidente não pode pautar a reforma administrativa”, disse o tucano.

A oposição admite atrasar os trabalhos do colegiado como um protesto contra a reforma administrativa. “O problema é a pauta, com a proposta enviada pelo presidente, que coloca como prioridade uma reforma que ataca os servidores públicos. Por isso, fizemos obstrução nas últimas três semanas. Não é razoável termos projeto que ataca direitos no momento em que o povo está sofrendo muito com a pandemia”, disse Melchiona.  

Comparação. O primeiro mês de funcionamento da CCJ em 2021 também destoa das últimas presidências. Nas três primeiras sessões após Felipe Francischini (PSL-PR) assumir, em 2019, a comissão aprovou 15 projetos de lei e de decreto legislativo, requerimentos e fez duas audiências públicas sobre a reforma da Previdência.

Em 2018, quando o ex-deputado Daniel Vilela (MDB-GO) comandava, foram 39 projetos. O hoje presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em 2017, aprovou uma PEC e seis projetos na sua primeira sessão. 

Nesta semana, a CCJ poderá concluir a análise do recurso do deputado Boca Aberta. A fase de discussão foi encerrada, mas falta votar o parecer do relator, deputado João Campos (Republicanos-GO), que recomenda o retorno do processo ao conselho, para que mais testemunhas sejam ouvidas.

Procurada para comentar o desempenho da CCJ e as polêmicas, Kicis não quis se manifestar.

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo, em 29 de março de 2021 

Denis Lerrer Rosenfield: Política e irracionalidade

Pode dar certo um governo que se caracteriza pela falta de atitudes racionais?

O cenário nacional é de tempestade perfeita: descontrole fiscal, baixo crescimento, aumento da inflação, alta dos juros, aproximadamente 14 milhões de desempregados, sem falar nos subocupados, no medo generalizado da covid-19 e de uma cifra de mortes de mais de 300 mil pessoas, em crescimento acelerado. Para coroar o quadro, um presidente descontrolado e irresponsável, que nem ideia tem do abismo em que estamos entrando. E como desgraça pouco é bobagem, a alternativa política que se está desenhando, graças ao Supremo Tribunal, é o retorno de Lula à cena política.

A dificuldade de compreensão do presidente Bolsonaro reside em que seu comportamento, suas ações e declarações não se orientam pela normalidade, pela racionalidade que julgaríamos comum em atitudes políticas. Ele se pauta pela irracionalidade, pela destruição e pela morte. Sua previsibilidade só se dá se seguirmos esses critérios, e não os da razão, do equacionamento da violência (ataques e agressões), da vida. Ele tem uma tendência incontida, diria incontrolável, a seguir comportamentos destruidores, até de acordos por ele mesmo celebrados, ainda que este rompimento lhe seja prejudicial em médio e longo prazos.

Sua estrutura psicológica se organiza em torno de seu núcleo familiar, a saber, seus filhos, que lhe conferem apoio e união, sempre e quando, evidentemente, seja reconhecido como o pai e o mestre. Sua coesão interna na destruição e na morte está baseada na consideração do outro, qualquer que seja, como estranho e, por via de consequência, como um inimigo potencial, seja ele fático ou imaginário. Isso se traduz igualmente pela instabilidade na consideração dos “amigos”, sempre provisórios e transitórios, tratados com desconfiança. Foram vários os seus “amigos” que passaram a ser “inimigos”. Eis o que o faz sempre privilegiar os filhos, por mais que eles possam estar emaranhados em ilícitos ou simples idiotices, que terminam tendo repercussão nacional.

Outra versão de seu comportamento irracional consiste em seu completo desprezo pelo outro, em seu sentido genérico, aplicável não apenas aos de seu círculo político, mas aos brasileiros em geral. Sempre tratou as vítimas da pandemia sem nenhuma compaixão, utilizando a “ironia” como se fosse uma gracinha. Seus impropérios foram múltiplos. As pessoas adoecem, sofrem e morrem sem uma palavra sequer de apoio do representante máximo do País. Até hoje não visitou nenhum hospital, não viu a morte com os próprios olhos, restringiu-se ao seu gozo distante. Um presidente normal mostraria sentimentos morais, exibiria compaixão, emprestaria palavras de apoio e solidariedade.

Logo, ao bem público é reservado uma posição completamente secundária, pois o mais importante consiste na proteção da família e em sua permanência no poder, apostando na eleição e flertando com o desrespeito à ordem institucional. O presidente e sua família agarram-se de todas as maneiras à preservação dos seus interesses e à conservação de sua coesão psicológica. Sua única política conhecida é a do ataque, por mais, reitero, que isso possa ser-lhes prejudicial em longo prazo. A satisfação é tirada do projeto imediato, de pequenas conquistas e do aplauso grotesco de seus apoiadores fanatizados. Não entra em linha de consideração o que é melhor para o País, deixando situação econômica e social se desagregar cada vez mais. O projeto, vendido nas eleições, de uma pauta liberal já está completamente “vendido”, não mais corresponde aos seus interesses familiares. Foi apenas uma encenação eleitoral.

O caso mais escandaloso dessa política da morte é o tratamento dado à pandemia. As cenas são aterradoras. O tratamento precoce proposto, desautorizado em todo o mundo, não defendido por nenhuma comunidade ou instituição científica no planeta, é apresentado aqui como poção mágica. Trata-se de campanha sistemática contra a vacina, traduzida por postergações enormes, apesar de que, agora, por queda abrupta de popularidade ameaçando seu projeto de poder, ela começa a ser revertida. E o é pela impostura, pois a vacina de aplicação preponderante e amplamente majoritária, a Coronavac, é toda ela obra do governador João Doria. Aliás, não faltaram discursos presidenciais contra a “vacina chinesa”. Isso para não falar na ausência de leitos em unidades de tratamento intensivo, na falta de oxigênio, em atrasos, erros de envio, e assim por diante, além do boicote aos governadores. Fosse uma política racional, nada disso teria acontecido, só a irracionalidade explica a conduta presidencial e governamental.

De nada adianta agora fazer uma encenação de união nacional, na qual nem os participantes acreditam. Criar um comitê é ao mesmo tempo nada pretender fazer, quando mais não seja pelo fato de seu objetivo ser somente compartilhar a sua irresponsabilidade. Em vez de uma escolha técnica para Ministro da Saúde, optou novamente por uma opção familiar, multiplicando ainda mais os conflitos políticos. Pode dar certo um governo que se caracteriza pela ausência de comportamentos racionais?

Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Este artigo foi pubicado originalmente n'O Estado de São Paulo, em 29 de março de 2021.

José Sarney: O amor e um mundo de paz

Entre perplexo, revoltado, preso de um medo que cada vez se prolonga mais, o Brasil assiste entre preces e lágrimas ao anúncio dos recordes mundiais que alcançamos em mortes provocadas pela Covid.

O que podemos fazer? Acho que ninguém deixa de estar disposto a ajudar. O problema tornou-se uma tragédia global pelas circunstâncias que cercaram a pandemia. Primeiro o caráter de surpresa com que a quase totalidade do mundo foi tomada — apenas alguns milhares de cientistas e estudiosos sabiam que ela viria a qualquer momento. Aliás o inesperado caracteriza as catástrofes. Nos seus bilhões de anos a nossa Terra, como o universo, é marcada por acasos, nas contorções que lhe dão desde a forma geográfica — com a criação de oceanos, montanhas, vulcões, destruição de cidades — até à criação da vida e ao aparecimento e à extinção das espécies. A própria prevalência da espécie homo sapiens foi fruto do desaparecimento dos seus parentes mais próximos, como os neandertais, que chegaram a misturar-se ao próprio sapiens.

Não deixemos de considerar que somos uma espécie extremamente recente, de cerca de trezentos mil anos, que teve em sua adaptação e predominância a vantagem decisiva da linguagem, esta talvez há apenas setenta mil anos.

Criamos várias civilizações, convivemos com vários tipos de sociedade e chegamos à modernidade e à pós-modernidade. Conseguimos desvendar o mundo dos genes e das proteínas, o mundo das partículas de alta energia, como o bóson de Higgs — a que chamaram de “partícula de Deus”, por concluir o “Modelo Padrão” que explica a estrutura do universo.

E assim o bicho homem desfruta de um mundo extraordinário — o dos sentimentos —, que nos dá a sublimação da alegria, do prazer, do sentimento do amor e também da tristeza, da dor. Aquilo que Bergson chamava de “sentimento da alma”.

Pois bem, isso que nos traz a alegria de viver dá ao homem também a desgraça da maldade, do ódio, da inveja, da destruição. As nações se organizam e, em vez de construir um mundo de paz, de convivência pacífica, de uma Humanidade sem armas, sem ódio, sem competição, marcha em busca de armas cada vez mais potentes, capazes de destruir países e até a vida na Terra.

Mas se esquece que a natureza é mais forte que todos esses atos. E ela reage de maneira aleatória, como o passado mostrou tantas vezes, trazendo as pestes, a destruição de espécies, e nos ameaça com aquilo que Helmut Schmidt dizia — repito ainda uma vez — ser a maior ameaça ao futuro da Humanidade: as doenças desconhecidas. A nossa geração já conhece duas: a Aids e a Covid.

A presença do acaso em absolutamente todos os fatos da natureza levava Einstein a dizer que sua ideia de Deus era formada por sua “profunda convicção na presença de um poder superior, que aparece no universo incompreensível”.

A desgraça da Covid que nos ameaça, que não sabemos como começou e como vai terminar, nos leva a pensar no início da filosofia, o de onde viemos e para onde vamos, de Platão.

Eu, que sou cristão, penso no amor, na solidariedade e na construção, depois dessa tragédia, de um mundo melhor, mais humano e de paz.

José Sarney foi Governador do Maranhão e Presidente da República. Este artigo foi publicado originalmente n'O Estado do Maranhão, edição de 28.03.2021