sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

O desafio do deputado bolsonarista

Não é hora de contemporizar. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados

 As eleições de 2018 deviam ser, assim pediram os eleitores nas urnas, a renovação da política. Havia o clamor por um novo patamar moral e cívico dos governantes e parlamentares eleitos. De fato, houve uma renovação do Congresso em porcentual inédito. No entanto, fica cada vez mais evidente que o bolsonarismo não apenas aproveitou esse anseio de uma nova política, como de alguma forma o atraiçoou, ao trazer para a política gente que não apenas ignora os fundamentos básicos do Estado Democrático de Direito, como descumpre também o Código Penal.

Ao divulgar um vídeo em que profere ofensas e ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e faz pregação de caráter claramente golpista, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) descumpriu seu compromisso de respeitar a Constituição – não há lugar no Congresso para quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5 e intimida integrantes de qualquer dos Poderes –, além de ter cometido crimes previstos na legislação brasileira. Trata-se de escárnio com o regime constitucional. Por discordar das decisões do Supremo, o deputado bolsonarista pede, por exemplo, a destituição, cassação e prisão dos seus membros, além de instigar a violência contra eles.

A imunidade parlamentar – “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”, diz o texto constitucional – não é sinônimo de impunidade. Tanto é assim que a Constituição prevê que parlamentares podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.

Por 11 votos a zero, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o deputado bolsonarista, ao instigar a adoção de medidas violentas contra a vida e a segurança dos ministros do Supremo, cometeu crime inafiançável, mantendo a prisão em flagrante decretada pelo ministro Alexandre de Moraes na terça-feira passada.

A manifestação contundente do Supremo recorda a todos que, apesar do caos que alguns querem impor, ainda existe lei no País. No início da sessão, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, lembrou o dever do STF de zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras. “Por esse motivo, o STF mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. (...) Ofender autoridades, além dos limites permitidos pela liberdade de expressão, que tanto consagramos no STF, exige, necessariamente, uma pronta atuação da Corte”, disse.

O decano do Supremo, ministro Marco Aurélio, destacou a gravidade do comportamento do deputado Daniel Silveira. “Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiados judicantes, e jamais imaginei presenciar ou vivenciar o que vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições”, disse.

Ao votar pela manutenção da prisão, Marco Aurélio lembrou que era imprescindível interromper a prática delituosa, não havendo qualquer dúvida sobre a periculosidade do preso e a necessidade de preservar a ordem pública. Alvo de dois inquéritos no Supremo, o deputado bolsonarista, em sua passagem pela Polícia Militar do Rio de Janeiro de 2013 a 2018, sofreu 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e 2 advertências, acumulando 54 dias de prisão e 54 de detenção. Trata-se de um histórico nada abonador, revelando quem o bolsonarismo alçou à vida pública

Como dispõe a Constituição, compete à Câmara dos Deputados decidir sobre a prisão decretada pelo Supremo. “Os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”, diz o art. 53, § 2.º.

Com esse procedimento, a Constituição estabelece não apenas mais um meio de controle das garantias constitucionais, como atribui ao Poder Legislativo um papel decisivo na aplicação da lei. O Congresso tem o dever de proteger o Estado Democrático de Direito, sem criar espaços para a impunidade e, o que seria ainda pior, transigir com agressões ao regime republicano e às instituições democráticas.

Não é hora de contemporizar. A atuação do deputado bolsonarista não coloca em risco apenas o Supremo e seus ministros. Ao defender o AI n.º 5, Daniel Silveira também ameaça o Congresso. Há limites e eles precisam ser devidamente lembrados.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 19 de fevereiro de 2021

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Atestados falsos, 26 dias de prisão e 14 repreensões na PM: a folha corrida de Daniel Silveira

Preso pelo STF, parlamentar do PSL atuava na PM do Rio, com ficha repleta de faltas injustificadas, e atua para emplacar pautas ideológicas na Câmara

Deputado bolsonarista Daniel Silveira PSL-RJ Foto: Reprodução

Quando foi chamado para prestar depoimento na delegacia de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, sobre o uso de atestados médicos falsos no trabalho, em abril de 2007, o então cobrador de ônibus Daniel Lúcio da Silveira deu uma explicação pouco convincente: alegou que, diante da negativa de uma médica do pronto-socorro da cidade de assinar o documento, pediu um atestado a um “homem que estava sempre de branco no corredor da unidade”. O homem prontamente “preencheu o atestado na sua frente”. Por outras duas vezes, Silveira voltaria ao hospital para pedir atestados à mesma pessoa — que a polícia descobriria se tratar de um faxineiro do hospital.

Hoje deputado federal, Silveira disse que não sabia que o homem de branco não era médico. Em depoimento, o faxineiro disse que conhecia Silveira “antes mesmo de ele trabalhar na empresa de ônibus”. Ao todo, Silveira conseguiu atestados falsos para faltar ao serviço de 23 de dezembro de 2006 a 17 de janeiro de 2007.

O crime de falsidade material de atestado pelo qual ele foi acusado prescreveu em 2016, e o caso acabou arquivado. No entanto, por conta da passagem pela polícia, Silveira foi reprovado, em 2011, pela pesquisa social necessária para ingressar na PM do Rio. Ele só seria plenamente integrado à corporação em 2014, após recorrer à Justiça.

Daniel Silveira ficou famoso por quebrar a placa de rua em homenagem à vereadora assassinada do PSOL, Marielle Franco. Episódio aconteceu durante a campanha de 2018, em comício ao lado de Wilson Witzel – eleito e efastado do cargo desde agosto de 2020 – e de Rodrigo Amorim, eleito deputado estadual

Deputado Daniel Silveira nos tempos de Polícia Militar:26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências — a maioria das punições por faltas e atrasos Foto: Reprdoução

Deputado federal Daniel Silveira (PSL) chega ao IML do Rio de Janeiro para fazer exame de corpo de delito, depois de ser preso sob ordem do ministro Alexandre de Moraes, do STF, por divulgar vídeos em que atacava a corte Foto: Betinho Casas Novas / Futura Press / Agência O Globo

Em junho do ano passado, deputado Daniel Silveira já havia sido alvo de busca e apreensão no inquérito sobre atos antidemocráticos Foto: Jorge William / Agência O Globo

Com broche de armas na lapela do paletó, Daniel posa na Câmara dos Deputados Foto: Reprodução / Agência O Globo

Daniel Silveira posta ao lado de Hélio Lopes e Rodrigo Amorim com a camisa da campanha presidencial de Bolsonaro: "Meu partido é o Brasil" Foto: Reprodução / Agência O Globo

A favor da reforma da Previdência, Daniel desembarca, no Aeroporto Juscelino Kubitscheck, em Brasília, e encontra manifestação contra o projeto Foto: Jorge William / Agência O Globo

Deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) posa entre os deputados estaduais Rodrigo Amorim (PSL) e Filippe Poubel (PSL) Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Daniel Silveira (PSL-RJ) fala na tribuna da Câmara dos Deputados Foto: Pablo Valadares / Agência O Globo

Eleito para a Câmara dos Deputados apenas quatro anos depois, ostentando um perfil de PM combatente, Daniel Silveira teve uma passagem pela corporação que mimetiza seus tempos de cobrador de ônibus: repleta de faltas injustificadas. Levantamento feito pelo GLOBO em boletins da corporação revela que, num período de oito meses, entre junho de 2015 a janeiro de 2016, quando trabalhava na UPP da Rocinha, ele faltou oito vezes ao serviço. Nos carnavais de 2015 e 2016, mesmo escalado para trabalhar, não apareceu. Em seus cinco anos, nove meses e 17 dias na PM, contabilizaria 26 dias de prisão, 54 de detenção, 14 repreensões e duas advertências — a maioria das punições por faltas e atrasos.

Em algumas ocasiões, Silveira até tentou apresentar justificativas. Em meados de 2015, por exemplo, afirmou que faltou um dia de serviço para prestar auxílio à mulher. Como não apresentou “qualquer documento que comprovasse a real urgência na prestação de auxílio a sua esposa no dia do seu serviço ordinário”, a punição foi mantida. Na maior parte de sua carreira na corporação, o hoje deputado ostentou o predicado “mau” em sua ficha disciplinar de comportamento.

Deputado Daniel Silveira nos tempos de Polícia Militar Foto: Reprdoução

Em fevereiro de 2018, o acúmulo de punições culminaria na submissão de Silveira a Conselho de Revisão Disciplinar, processo administrativo que poderia resultar na expulsão do então praça. Na ocasião, o relatório publicado no boletim da corporação apontaria que Silveira “postou vídeos em sua página pessoal da rede social Facebook com comentários ofensivos e depreciativos em desfavor de integrantes da imprensa nacional de uma forma geral, em alguns deles durante a execução do serviço, fardado e no interior da viatura, erodindo preceitos éticos em vigor na Polícia Militar e repercutindo negativamente a imagem da corporação”.

Ofensiva:Deputado grava vídeo ao ser preso e desafia ministro do STF: 'Você está entrando numa queda de braço que não pode vencer'

Ele repetiria a conduta após ser eleito: Silveira foi preso anteontem após divulgar um vídeo no qual faz apologia ao AI-5 e defende a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o que é inconstitucional.

Em 4 de outubro de 2018, o boletim interno da PM publicaria a exclusão de Silveira das suas fileiras: como ele não havia completado dez anos na corporação, não poderia se licenciar para se candidatar.

Placa quebrada

No mesmo dia, o então candidato passaria a ser conhecido em todo o país: num comício em Petrópolis, ele subiria num palanque para exibir uma placa quebrada em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada sete meses antes. O episódio angariou a simpatia de apoiadores de Jair Bolsonaro.

No Supremo, a prisão em flagrante de Silveira foi decretada no âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos, no qual ele é investigado desde o ano passado. Em 19 de abril de 2020, por ocasião de uma manifestação pedindo o fechamento do STF e do Congresso, o deputado se pronunciou em vídeo divulgado em seus canais nos seguintes termos:

— Se o povo sair às ruas de fato, e resolver cercar o STF, resolver cercar o Parlamento... Invadir mesmo, tô falando pra invadir, não tô falando pra botar faxina, não. Tô falando pra cercar invadir mesmo. Tô falando pra cercar lá e retirar na base da porrada, sabe como é que é? Na base da porrada, tirar, arrancar do poder. Porra! — afirmou Silveira.

Ao depor à Polícia Federal (PF) sobre o episódio, em setembro, o parlamentar atribuiu as próprias declarações a um “momento passional”. Ele também havia declarado que “já passou da hora de contarmos com as Forças Armadas”. Depois, tentou minimizar a declaração e disse não apoiar uma intervenção militar.

Atuação parlamentar

Em dois anos na Câmara, Daniel Silveira apresentou 47 projetos de lei e relatou outros seis, apresentados por colegas. Uma das bandeiras defendidas de maneira mais expressiva pelo parlamentar é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para transformar o Rio de Janeiro em uma segunda capital do país, junto à Brasília, na tentativa de ajudar a capital fluminense a se recuperar da crise financeira. A PEC foi apresentada em julho do ano passado e, para Silveira, representa a materialização do slogan “Mais Brasil, Menos Brasília”, utilizado na campanha de Bolsonaro, em 2018.

Entre outras propostas, Silveira também sugeriu a criação do “Dia Nacional em Memória das Vítimas do Comunismo no Brasil” e, de maneira mais bem sucedida, de uma data no calendário da Educação para conscientização sobre a prevenção de desastres naturais e calamidades públicos. O segundo projeto foi um dos poucos que avançaram na Casa e seguiram para o Senado.

Há ainda projetos criados por Silveira para tipificar a causa antifascista como terrorismo, extinguir visitas íntimas a presos, proibir que empresas obriguem funcionários a estarem vacinados contra a Covid-19 e vedar a remoção de conteúdo das redes sociais pelas empresas que as administram. Uma proposta mira o STF e tenta obrigar a Corte a divulgar online os rendimentos mensais dos ministros.

No primeiro ano de mandato, em 2019, Silveira virou alvo de piadas da oposição após tentar convocar o jornalista Glenn Greenwald para um depoimento na Câmara e recuar em seguida, ao perceber que o movimento era apoiado pela esquerda. Greenwald havia atuado na divulgação de mensagens de procuradores da Operação Lava-Jato, cujo conteúdo interessava à defesa e a aliados do ex-presidente Lula, do PT.

Rafael Soares, João Paulo Saconi e Aguirre Talento, O Globo, em 18/02/2021 

Brasil supera 10 milhões de casos de covid-19

País registra 51 mil novas infecções pelo coronavírus e 1.367 mortes ligadas à doença em 24 horas. Total de óbitos desde o início da epidemia chega a 243 mil.

Pratos com cruzes vermelhas estão dispostos em gramado em ato de protesto em Brasília

O Brasil registrou oficialmente 51.879 novos casos confirmados de covid-19 nesta quinta-feira (18/02), elevando o total de infectados para mais de 10 milhões, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e o Ministério da Saúde.

Também foram registradas 1.367 mortes ligadas à doença nas últimas 24 horas. Ao todo, 243.457 pessoas morreram em decorrência da covid-19 desde o início da epidemia no país, e 10.030.626 brasileiros foram infectados.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que as cifras reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Segundo o Ministério da Saúde, 8.995.246 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quinta-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes agora é de 115,9 mortes no Brasil.

Segundo um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, até a noite de quarta-feira mais de 5,4 milhões de pessoas haviam recebido a primeira dose da vacina contra a covid-19 – o número é mais baixo que o de terça-feira pois Pará e São Paulo revisaram e diminuíram os dados informados anteriormente.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,8 milhões de casos, e da Índia, com 10,9 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, atrás dos EUA, que têm mais de 492 mil óbitos.

Ao todo, mais de 110 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no planeta, e 2,4 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 18.02.2021

Sem vacina e sem economia

Vacina é hoje um insumo essencial para retomada econômica, mas Jair Bolsonaro mostra-se incapaz de entender essa verdade

Sobram máquinas e equipamentos parados, enquanto a economia rasteja, e há mão de obra ociosa em todo o País, por causa do desemprego, mas falta vacina para conter a covid-19 e abrir espaço a uma recuperação mais ampla. Vacina é hoje um insumo essencial para uma firme retomada econômica na maior parte do mundo, como têm dito e repetido dirigentes do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de outras instituições multilaterais. Vacinação foi um dos primeiros assuntos mencionados pela economista Ngozi Okonjo-Iweala logo depois de anunciada, na segunda-feira, sua escolha para dirigir a Organização Mundial do Comércio (OMC). O presidente Jair Bolsonaro mostra-se incapaz, até hoje, de entender essa verdade simples.

“O aumento do número de casos de covid-19 representa um risco do processo de recuperação econômica”, segundo o Boletim Macro, edição de janeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa incerteza, somada a outros fatores, como a suspensão do auxílio emergencial, levou a uma redução das expectativas em relação ao ritmo da atividade neste início do ano. Economia fraca no primeiro semestre e crescimento a partir do segundo compõem o cenário apresentado no boletim.

Risco de recessão, com recuo do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro e no segundo trimestres, é apontado por vários analistas mencionados nesta segunda-feira em reportagem do Estado. Outras equipes, pouco mais otimistas, projetam retração no período de janeiro a março e baixo crescimento nos três meses seguintes.

A melhora do quadro, em todos os casos, é associada a um possível ganho de impulso da vacinação, depois de um começo muito lento e muito mal preparado pelas autoridades federais. Sinais de escassez de vacinas em vários municípios, incluídas grandes capitais, comprovam a escandalosa inépcia do ministro da Saúde, estrito cumpridor de ordens do presidente da República.

O ano terminou com um Natal fraco, queda de 6,1% nas vendas do varejo, setor de serviços ainda estagnado e a indústria avançando mais devagar que nos meses anteriores. Nada sugere maior atividade no início de ano nem melhora significativa no mercado de emprego (14 milhões de desocupados, 14,1% da força de trabalho, no período setembro-novembro, segundo os últimos dados). A disposição de empresários e consumidores, no começo de ano, reflete esse desempenho medíocre, ou abaixo disso, da economia brasileira.

Em janeiro, o Índice de Confiança do Consumidor medido pela FGV caiu pela quarta vez seguida e atingiu o menor nível desde junho, quando se recuperava da queda recente. O Índice de Confiança do Empresário caiu, igualmente, em relação ao nível de dezembro.

Também a Confederação Nacional da Indústria detectou menor disposição do empresariado. O Índice de Confiança do Empresário Industrial caiu 1,4 ponto entre janeiro e fevereiro, na segunda queda consecutiva, e chegou a 59,5 pontos. Manteve-se na área positiva, acima de 50 pontos, mas a piora de humor desde o início do ano se agravou.

Medíocre talvez seja uma palavra suave para qualificar o desempenho econômico previsto, nas instituições financeiras e nas principais consultorias, para 2021. A mediana das últimas projeções ficou em 3,43%. Para isso, no entanto, bastará a economia manter a atividade alcançada no trimestre final de 2020, 3,14% superior à do período de julho a setembro, segundo o índice estimado pelo Banco Central.

Sem o auxílio emergencial, mais de 17 milhões de pessoas caem de novo no estado de pobreza, ampliando para cerca de 62 milhões o contingente de indivíduos com renda diária inferior a US$ 5,50. Passada a Quarta-feira de Cinzas, o governo ainda espera do Congresso medidas para restabelecer, em condições mais limitadas, o socorro financeiro abandonado, por falta de previsão e de planejamento, na virada do ano. Quanto às demais condições necessárias à sustentação da economia, continuam obscuras. Quando se trata de previsão e de planejamento, estão empatados, ou quase, os Ministérios da Economia e da Saúde.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo, em 18 de fevereiro de 2021 

Acuado, ‘bolsonarismo’ mira seu maior inimigo

Uma pergunta inquieta ministros do STF, políticos e analistas experientes: por que o “bolsonarismo”, via Daniel Silveira, resolveu desferir ataque tão direto à Corte neste momento? 

No arrazoado das hipóteses, quatro prevalecem: 

1) para reaglutinar forças, rebocando, inclusive, o núcleo militar até a confusão; 

2) esquentar os ânimos de sua tropa no Congresso rumo à queda de braço final pelo controle da CCJ; 

3) testar os limites do Judiciário; 

4) por fim, pelo puro diversionismo, a velha cortina de fumaça, em meio ao desastre da vacinação e da pandemia.

A ver. Cotada para a poderosa CCJ, a bolsonarista Bia Kicis manteve a cautela. Em privado, porém, aliados de Jair Bolsonaro usaram a decisão do STF para tentar despertar o corporativismo ao reforçar a necessidade de ter no comando da comissão alguém com coragem de peitar a Corte, única “oposição” real ao presidente atualmente.

A ver 2. Do outro lado da trincheira, leitura diferente: por ora, o episódio atrapalha os planos de Bia.

Dona Bela. Dentro do PT, o grupo que “só pensa naquilo” vê uma boa chance de alisar ministros do STF defendendo prisão e punição exemplar a Silveira. No horizonte, claro, sentenças favoráveis a Lula.

É… Aliados de Arthur Lira tentam convencer Alexandre de Moraes a trocar a prisão por medida cautelar. Com isso, os deputados não teriam de ir para a votação no plenário da Câmara.

…ruim, hein? Porém, um interlocutor do ministro Luiz Fux chamou de “desgastante” qualquer tentativa de acordo. A decisão da Corte foi contundente.

Fatura. Questionado sobre o futuro, Marco Aurélio Mello disse à Coluna: “Não há afronta alguma, é o sistema democrático, de freios e contrapesos. Agora, é claro que a Câmara presta contas ao povo brasileiro”.

Nova direção. Lira marcou diferença de estilo para com Rodrigo Maia: o atual presidente da Câmara evitou arroubos e não quis ser protagonista do episódio.

Coluna do Estadão, ( O Estado de São Paulo), em 18 de fevereiro de 2021 

Após 11 a 0 no Supremo, deputados mudam estratégia e já falam em manter prisão de Silveira

Avaliação entre líderes partidários é que a Câmara não tem mais como votar de forma a contrariar uma decisão unânime da Corte

A votação unânime no Supremo Tribunal Federal (STF) e a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) forçaram deputados aliados ao governo Jair Bolsonaro e ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a rever a estratégia para tentar livrar o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) da cadeia. Após o placar, a avaliação entre líderes partidários é que a Câmara não tem mais como votar de forma a contrariar uma decisão que agora é de onze ministros. 

Na noite desta quarta-feira, 17, a tese era adiar ao máximo a votação do caso do plenário para que o deputado passe, ao menos, o final de semana preso. A mais predominante é votar para acatar o mandado de prisão. A Mesa Diretora da Câmara protocolou uma representação contra Silveirano Conselho de Ética, abrindo caminho para a cassação do parlamentar

A Câmara foi notificada oficialmente apenas nesta quarta da prisão efetuada na noite anterior em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. A prisão seria analisada nesta quarta-feira, mas depois ficou acordado transferir a apreciação para quinta-feira ou sexta-feira. Com isso, o caso só seria analisado após a audiência de custódia, marcada para as 14h30, por meio virtual. Até lá, os advogados de Silveira vão ingressar com pedidos de relaxamento de prisão. Se conseguirem questionar o “flagrante”, a Câmara não precisaria deliberar sobre a prisão.

Um deputado do Progressistas disse ao Estadão, reservadamente, que “toda a articulação veio por água abaixo” após o placar de 11 a 0 no plenário do STF. Nem o ministro indicado por Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, votou a favor do deputado governista. Com a ofensiva da PGR, a situação ficou ainda mais complicada. 

Integrantes da equipe econômica mandaram recados para o presidente da Câmara preocupados que essa discussão possa prejudicar a votação de medidas importantes para o País, como a retomada da discussão do auxílio emergencial e as reformas. Segundo o Estadão apurou, o argumento de que a Câmara não pode perder tempo com uma agenda envolvendo um deputado extremista, em detrimento de toda uma pauta necessária para a retomada da economia, convenceu parlamentares a votar pela prisão e encerrar o assunto o quanto antes.

Líderes de partidos e articuladores do Centrão vinham sendo contatados por Lira, por telefone. O líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), chegou a anunciar que votará pela libertação de Silveira, mas disse que a prisão não é “assunto de governo”, tentando isolar sua posição do Palácio do Planalto. Publicamente, Bolsonaro manteve distância do choque entre os poderes Legislativo e Judiciário. Como o Planalto trabalha nos bastidores, vice-líderes do governo também tentavam sensibilizar parlamentares.

Alguns deputados, irritados com o grupo de militantes bolsonaristas radicais que apoia Silveira e pressiona Lira e Bolsonaro, aconselharam o presidente da Câmara a não se envolver na articulação. Um correligionário de Lira no Progressistas disse que ele atrairia para si posições radicais e fortaleceria a ala ideológica, um grupo descrito pelos deputados como “totalitário” e que atacava até pouco tempo os parlamentares do Centrão e ministros do Supremo. 

Até mesmo a eleição de Bia Kicis (PSL-DF) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ficou prejudicada com aumento da resistência no Centrão – ela é do mesmo grupo de Silveira.

Felipe Frazão, O Estado de São Paulo, em 17 de fevereiro de 2021 

Lira tentou costurar acordo com Supremo após prisão de deputado

Presidente da Câmara discutiu propor um pedido de desculpas públicas à Corte; ele ligou para Bolsonaro, que evitou o assunto

 As horas seguintes à divulgação do vídeo do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que fez apologia ao AI-5 e atacou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), foram marcadas por conversas reservadas entre o presidente Jair Bolsonaro, ministros da Corte e o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). 

Nos bastidores de Brasília, a prisão de Silveira já era dada como certa antes mesmo de a decisão ser assinada pelo ministro Alexandre de Moraes na noite de terça-feira, dado o perfil rigoroso do ministro. Relator dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, o ministro já mandou para a prisão apoiadores de Bolsonaro por defenderem medidas antidemocráticas. Silveira foi preso no âmbito do primeiro e denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) dentro do segundo. 

Deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) chega ao IML do Rio nesta quarta-feira, 17, para fazer exame de corpo de delito. Foto: Betinho Casas Novas/Futura Press

Enquanto o vídeo de 19 minutos do parlamentar alcançava grande audiência nas redes sociais e repercutia entre integrantes do Poder Judiciário, Lira telefonou para o presidente Jair Bolsonaro, de quem Silveira é aliado. Buscava uma avaliação do chefe do Planalto sobre o conteúdo publicado. Um parlamentar que acompanhou o diálogo contou ao Estadão que Bolsonaro, um ávido usuário das redes sociais, se limitou a responder que não sabia de gravação alguma e encerrou a conversa. 

O presidente da Câmara também tentou conversar com Moraes, mas num primeiro momento foi informado que o ministro estava viajando. Quando ele conseguiu o contato, a ordem de prisão já estava assinada, conforme revelou o Estadão. Interlocutores de Lira avaliaram que nenhum diálogo teria evitado a disposição do ministro. No vídeo, o deputado levanta suspeitas sobre a atuação de Moraes na Corte. “Será que você permitiria a sua quebra de sigilo temático? A sua quebra de sigilo bancário?”, questionou Silveira. 

Conforme relatos colhidos pelo Estadão com envolvidos nas conversas, coube ao ministro Gilmar Mendes fazer chegar a Lira a péssima repercussão dentro da Corte. Diante disso, o presidente da Câmara discutiu em reunião com interlocutores propor um acordo. Ele pediria desculpas públicas ao Supremo, ressaltando que a posição beligerante de Silveira não representava o entendimento majoritário na Casa. Seria uma tentativa de colocar panos quentes, dissociar a Casa das ameaças feitas pelo parlamentar e evitar que os deputados tenham que decidir se mantêm ou não uma ordem da Corte, referendada ontem pelos 11 ministros. 

Dessa forma, o episódio seria tratado como um problema interno da Câmara, que poderia ser resolvido pelo Conselho de Ética. Lira, contudo, não topou incluir no pedido de desculpas uma sugestão vinda de interlocutores do Supremo para criticar diretamente o deputado Daniel Silveira. Alegou que, apesar de discordar, ele tem direito como parlamentar a se manifestar. Com isso, quem tentava ajudar na interlocução desistiu. 

Após tantos telefonemas, o desfecho do caso é considerado imprevisível. De um lado, a votação unânime do Supremo, chancelando a posição de Moraes, mostrou unidade do tribunal, pelo menos quando se trata de ataques antidemocráticos. 

De outro, com boa parte de parlamentares – inclusive o presidente da Câmara – sendo investigada pelo próprio Supremo, há quem questione se a maioria dos parlamentares está realmente disposta a derrotar 11 ministros do STF em nome de um dos expoentes do bolsonarismo radical. 

Na sessão do STF que chancelou a prisão de Silveira, o ministro Marco Aurélio Mello destacou que caberá à Câmara avaliar “não um ato individual” de um ministro, mas um “ato do colegiado, que, imagino, formalizado a uma só voz”. “Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiados judicantes, e jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições”, resumiu.

Andreza Matais e Rafael Moraes Moura, O Estado de S.Paulo, em18.02.2021

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Brasil registra mais 1.150 mortes por covid-19

Ao todo, 242 mil pessoas morreram devido ao coronavírus desde o início da epidemia. País tem ainda 56 mil novos casos, e total de infectados chega a 9,97 milhões.

Apesar de o país viver sua pior fase na pandemia, praia no Rio estava lotada na terça-feira

O Brasil registrou oficialmente 56.766 casos confirmados de covid-19 e 1.150 mortes ligadas à doença nas últimas 24 horas, segundo dados divulgados nesta quarta-feira (17/02) pelo Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

Com isso, o total de infecções identificadas no país desde o início da epidemia subiu para 9.978.747 casos, enquanto os óbitos chegaram a 242.090.

Diversas autoridades e instituições de saúde alertam, contudo, que as cifras reais devem ser ainda maiores, em razão da falta de testagem em larga escala e da subnotificação.

Segundo o Ministério da Saúde, 8.950.450 pacientes haviam se recuperado da doença até esta quarta-feira. O Conass não divulga número de recuperados.

A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes é de 115,2 mortes no Brasil.

Segundo um consórcio da imprensa brasileira, formado por O Globo, Extra, G1, Folha de S. Paulo, UOL e O Estado de S. Paulo, até a noite de terça-feira mais de 5,5 milhões de pessoas haviam recebido a primeira dose da vacina contra a covid-19 – ou 2,6% da população do país.

Em números absolutos, o Brasil é o terceiro país do mundo com mais infecções, atrás apenas dos Estados Unidos, que somam mais de 27,8 milhões de casos, e da Índia, com 10,9 milhões. Mas é o segundo em número absoluto de mortos, atrás dos EUA, que têm mais de 489 mil óbitos.

Ao todo, mais de 109,8 milhões de pessoas já contraíram o coronavírus no planeta, e 2,4 milhões de pacientes morreram em decorrência da doença.

Deutsche Welle Brasil, em 17.02.2021

Por unanimidade, STF confirma prisão de Daniel Silveira

'Estou com 74 anos de idade, e jamais imaginei presenciar ou vivenciar o que vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições', disse Marco Aurélio

Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quarta-feira (17) a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi detido por determinação do ministro Alexandre de Moraes, horas após divulgar um vídeo com apologia ao Ato Institucional 5 (AI-5) – o mais violento ato da ditadura militar no Brasil – e discurso de ódio contra os integrantes da Corte. A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve apresentar nos próximos dias uma denúncia contra o parlamentar.

‘Medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa’, sentenciou Alexandre ao determinar a prisão do deputado Daniel Silveira

‘Medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa’, sentenciou Alexandre ao determinar a prisão do deputado Daniel Silveira

“Compete ao Supremo Tribunal Federal zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras, promovendo a estabilidade democrática, estimulando a construção de uma visão republicana de país e buscando incansavelmente a harmonia entre os Poderes”, discursou o presidente do STF, Luiz Fux, na abertura da sessão.

“Por esses motivos, esta Corte mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. Ofender autoridades, além dos limites permitidos pela liberdade de expressão que nós tanto consagramos no STF, exige necessariamente uma pronta atuação da Corte”, completou Fux.

Conforme previsto na Constituição, em caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, o processo deverá ser enviado dentro de 24 horas para a Câmara, a quem caberá resolver sobre a detenção do deputado. Logo depois de assinar a decisão, na última terça-feira, Moraes entrou em contato com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por telefone.

Segundo o Estadão apurou, Lira tentou demover o ministro de determinar a prisão, mas ouviu de Moraes o recado de que a decisão já estava tomada. Nesta quarta-feira, Lira falou com Fux sobre o episódio e indicou uma punição ao parlamentar.

O placar unânime a favor da prisão mostra que, apesar de suas divisões internas e do desgaste interno de Fux, o STF deixa as diferenças de lado e se une quando se trata de defender o tribunal e repudiar ataques antidemocráticos. Ainda que a decisão de terça-feira tenha sido individual, Moraes conversou com os colegas ao longo da terça-feira para definir a reação da Corte aos ataques do parlamentar.

Justificativa.

Na avaliação de Moraes, a adoção da medida contra o parlamentar foi necessária para impedir novos ataques à democracia.

“As manifestações revelam-se gravíssimas não apenas do ponto de vista pessoal, como também do ponto de vista institucional e do Estado Democrático de Direito. Essas manifestações se revestiram de claro intuito, visando impedir o exercício livre da Judicatura, o exercício independente do Poder Judiciário e a manifestação do Estado Democrático de Direito”, disse Moraes.

A prisão de um deputado não é um procedimento comum. A Constituição prevê que os parlamentares são ‘invioláveis, civil e penalmente, por opiniões, palavras e votos’ e não podem ser detidos no exercício da função. A exceção é para flagrantes de crimes inafiançáveis. A hipótese deve aparecer no centro da discussão no tribunal. Isso porque Moraes considerou que, pela tese da ‘infração permanente’, o flagrante teria sido configurado uma vez que o vídeo continuou disponível nas redes sociais após a gravação.

“Atentar contra as instituições, contra o Supremo Tribunal Federal, atentar contra a democracia, contra o Estado de Direito, não configura exercício de função parlamentar para invocar a imunidade. A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e o Estado Democrático”, acrescentou Moraes.

Moraes também destacou que a derrocada de um poder no Estado Democrático de Direito leva à supressão dos outros e ao “nefasto manto do arbítrio e da ditadura”, como ocorreu com a promulgação do AI-5. “Defendido de forma ardolosa e vergonhosa por Daniel Silveira”, frisou o ministro.

O AI-5 foi o ato mais duro instituído pela repressão militar nos anos de chumbo, em 13 de dezembro de 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus, e instalou a censura nos meios de comunicação. A partir da medida, a repressão do regime militar recrudesceu.

“Aqui parece importante relevantíssimo destacar: muito mais que os crimes contra a honra dos ministros – o que é gravíssimo – muito mais que ameaça à integridade física dos ministros e muito mais do que ofensas pesadas, as manifestações tinham o mesmo intuito que tiveram as outras manifestações, que tiveram a participação em outros eventos, de corroer o sistema democrático brasileiro. De corroer as constituições, de abalar o regime jurídico do Estado Democrático de Direito”, afirmou Moraes.

Ao longo da sessão, Fux e os ministros Kassio Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia deram votos curtos em que acompanharam o entendimento do relator.

“Referendo (a liminar), apenas registrando que considero que a flagrância se caracteriza pelo fato de a prisão ter sido decretada no mesmo dia, pouco depois do cometimento do crime, crime que foi reiterado ao longo do dia, inclusive no momento da prisão”, disse Barroso.

O ministro Marco Aurélio, que se aposenta em julho, concordou com os colegas. “Estou com 74 anos de idade, 42 em colegiados judicantes, e jamais imaginei presenciar ou vivenciar o que vivenciei, jamais imaginei que uma fala pudesse ser tão ácida, tão agressiva, tão chula, no tocante às instituições”, comentou Marco Aurélio.

Marco Aurélio também afirmou que caberá à Câmara dos Deputados avaliar “não um ato individual” de um ministro do Supremo, mas um “ato do colegiado, que, imagino, formalizado a uma só voz”.

Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto/ SÃO PAULO, para O Estado de São Paulo, em 17 de fevereiro de 2021


PF prende Daniel Silveira, deputado bolsonarista que postou vídeo com discurso de ódio contra ministros do STF

Prisão foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes. O processo deverá ser enviado dentro de 24 horas para a Câmara, a quem caberá resolver sobre a detenção do deputado, que atacou ministros do STF      

O deputado federal Daniel Silveira ao lado do presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução Facebook

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na noite desta terça-feira (16) a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), após o parlamentar divulgar um vídeo com apologia ao Ato Institucional 5 (AI-5) e discurso de ódio contra os integrantes da Corte. A ordem de prisão em flagrante pela prática de crime inafiançável foi determinada pelo ministro para ser cumprida “imediatamente e independentemente de horário”, o que não é um procedimento comum.

A liminar de Moraes deve ser referendada pelo plenário do Supremo na sessão desta quarta-feira.

Conforme previsto na Constituição, em caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, o processo deverá ser enviado dentro de 24 horas para a Câmara, a quem caberá resolver sobre a detenção do deputado. Logo depois de assinar a decisão, Moraes entrou em contato com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por telefone.

Segundo o Estadão apurou, Lira tentou demover o ministro de determinar a prisão, mas ouviu de Moraes o recado de que a decisão já estava tomada. Ainda que a decisão tenha sido individual, o ministro conversou com os colegas de STF ao longo do dia para definir a reação da Corte aos ataques do parlamentar.

A prisão de Silveira marca o primeiro desgaste entre STF e Câmara desde que Lira assumiu o comando da Casa, há duas semanas. Aliados do presidente da Câmara temem que a decisão leve a uma nova crise entre o Judiciário e o Legislativo. Procurado pela reportagem, Lira não respondeu.

“Como sempre disse e acredito, a Câmara não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”, escreveu o presidente da Câmara em seu perfil no Twitter.

“Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia. Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento”, acrescentou o presidente da Câmara.

A prisão do deputado foi determinada no âmbito do inquérito sigiloso que apura ameaças, ofensas e fake news disparadas contra ministros do Supremo e seus familiares. O caso pode ser analisado pelo plenário do Supremo nesta quarta-feira.

Nas redes sociais, Silveira afirmou que a Polícia Federal foi em sua residência para cumprir o mandado de prisão. “Polícia federal na minha casa neste exato momento com ordem de prisão expedida pelo ministro Alexandre de Moraes”, escreveu. Ele está sendo conduzido para a Superintendência da Polícia Federal no Rio.

Silveira também é investigado no inquérito que mira o financiamento e organização de atos democráticos em Brasília. Em junho do ano passado, ele foi alvo de buscas e apreensões pela Polícia Federal e teve o sigilo fiscal quebrado por decisão de Moraes. Em depoimento, o parlamentar negou produzir ou repassar mensagens que incitassem animosidade das Forças Armadas contra o Supremo ou seus ministros.

O deputado está em seu primeiro mandato na Câmara. Ele que ficou conhecido por destruir, durante a campanha, uma placa de rua que homenageava a vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em março de 2018.

“A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, artigo 60, §4º), com a consequente, instalação do arbítrio”, escreveu Moraes ao mandar prender Silvevira.

“Imprescindível, portanto, medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito”, observou o ministro.

Em uma decisão de oito páginas, Moraes destacou que a conduta do parlamentar revela-se ‘gravíssima’, pois atenta contra o Estado democrático de direito e suas instituições republicanas.

“Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Na presente hipótese, verifica-se que o parlamentar Daniel Silveira, ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante”.

Discurso de ódio.

Mais cedo, Silveira publicou um vídeo nas redes atacando os ministros do Supremo. A gravação foi divulgada após o ministro Edson Fachin classificar como ‘intolerável e inaceitável’ qualquer forma de pressão sobre o Poder Judiciário.

A manifestação do ministro foi dada após a revelação que um tuíte do ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, feito em 2018 e interpretado como pressão para que o Supremo não favorecesse o ex-presidente Lula, teria sido planejado com o Alto Comando das Forças Armadas.

No vídeo, Silveira afirma que os onze ministros do Supremo ‘não servem pra porra nenhuma pra esse país’, ‘não têm caráter, nem escrúpulo nem moral’ e deveriam ser destituídos para a nomeação de ‘onze novos ministros’. A única exceção que é elogiada é o ministro Luiz Fux, a quem o deputado diz respeitar o conhecimento jurídico, mas mesmo o presidente da Corte é incluído nas críticas generalizadas aos integrantes do tribunal, chamados de ‘ignóbeis’.

“Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas Bôas, rapidão, só pra gente ver um negocinho, se tu não tem coragem. Porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso, que não tem mesmo. Na verdade ele gosta do culhão roxo”, continuou o deputado. “Gilmar Mendes… Barroso, o que é que ele gosta. Culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes… (o deputado faz gesto simulando dinheiro) é isso que tu gosta né, Gilmarzão? A gente sabe”.

Silveira também afirma na gravação que já imaginou o ministro Fachin ‘levando uma surra’, assim como ‘todos os integrantes dessa Corte aí’.

“O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”, afirmou. “Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.

AI-5.

O deputado bolsonarista também mencionou o AI-5, o Ato Institucional mais duro instituído pela repressão militar nos anos de chumbo, em 13 de dezembro de 1968, ao revogar direitos fundamentais e delegar ao presidente da República o direito de cassar mandatos de parlamentares, intervir nos municípios e Estados. Também suspendeu quaisquer garantias constitucionais, como o direito a habeas corpus, e instalou a censura nos meios de comunicação. A partir da medida, a repressão do regime militar recrudesceu.

“O AI-5, que é o mais duro de todos como vocês insistem em dizer, aquele que cassou três ministros da Suprema Corte, você lembra? Cassou senadores, deputados federais, estaduais… foi uma depuração. com um recadinho muito claro: se fizer besteirinha, a gente volta”, afirmou Silveira.

Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA, Fausto Macedo e Paulo Roberto Netto/SÃO PAULO para o Estado de São Paulo, em 16 de fevereiro de 2021.

Veja aqui o Decreto de Prisão do Deputado 

INQUÉRITO 4.781 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

AUTOR(A/S)(ES) :SOB SIGILO 

ADV.(A/S) :SOB SIGILO 

DECISÃO 

Trata-se de inquérito instaurado pela Portaria GP Nº 69, de 14 de março de 2019, do Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente Dias Toffoli, nos termos do art. 43 do Regimento Interno desta CORTE, para o qual fui designado para condução, considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares. 

Na data de hoje (16/02), chegou ao conhecimento desta CORTE vídeo publicado pelo Deputado Federal Daniel Silveira, disponibilizado através do link: https://youtu.be/jMfInDBItog, no canal do youtube denominado “Política Play”, em que o referido deputado durante 19m9s, além de atacar frontalmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5; inclusive com a substituição imediata de todos os Ministros, bem como instigando a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de poderes. É o relatório. DECIDO.

As manifestações do parlamentar DANIEL SILVEIRA, por meio das redes sociais, revelam-se gravíssimas, pois, não só atingem a honorabilidade e constituem ameaça ilegal à segurança dos Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como se revestem de claro intuito visando a impedir o exercício da judicatura, notadamente a independência do Poder Judiciário e a manutenção do Estado Democrático de Direito. 

A previsão constitucional do Estado Democrático de Direito consagra a obrigatoriedade do País ser regido por normas democráticas, com observância da Separação de Poderes, bem como vincula a todos, especialmente as autoridades públicas, ao absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais, com a finalidade de afastamento de qualquer tendência ao autoritarismo e concentração de poder.

O autor das condutas é reiterante na prática criminosa, pois está sendo investigado em inquérito policial nesta CORTE, a pedido da PGR, por ter se associado com o intuito de modificar o regime vigente e o Estado de Direito, através de estruturas e financiamentos destinados à mobilização e incitação da população à subversão da ordem política e social, bem como criando animosidades entre as Forças Armadas e as instituições. 

A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, artigo 60, §4º), com a consequente, instalação do arbítrio.

A liberdade de expressão e o pluralismo de ideias são valores estruturantes do sistema democrático. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva.

Dessa maneira, tanto são inconstitucionais as condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo, juntamente com suas instituições republicanas; pregando a violência, o arbítrio, o desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos fundamentais, em suma, pleiteando a tirania, o arbítrio, a violência e a quebra dos princípios republicanos, como se verifica pelas manifestações criminosas e inconsequentes do referido parlamentar:

“(…) eu quero saber o que você vai fazer com os Generais... os homenzinhos de botão dourado, você lembra ? Eu sei que você lembra, ato institucional nº 5, de um total de 17 atos institucionais, você lembra, você era militante do PT, Partido Comunista, da Aliança Comunista do Brasil

(…) o que acontece Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo... várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte … quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra... Que que você vai falar ? que eu to fomentando a violência ? Não... eu só imaginei... ainda que eu premeditasse, não seria crime, você sabe que não seria crime... você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível.... então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime

(...) 

vocês não tem caráter, nem escrúpulo, nem moral para poderem estar na Suprema Corte. Eu concordo completamente com o Abraham Waintraub quando ele falou ‘eu por mim colocava todos esses vagabundos todos na cadeia’, aponta para trás, começando pelo STF. Ele estava certo. Ele está certo. E com ele pelo menos uns 80 milhões de brasileiros corroboram com esse pensamento.

(…)

Ao STF, pelo menos constitucionalmente, cabe a ele guardar a constituição. Mas vocês não fazem mais isto. Você e seus dez ‘abiguinhos, abiguinhos’, não guardam a Constituição, vocês defecam sobre a mesma, essa Constituição que é uma porcaria, para poder colocar canalhas sempre na hegemonia do poder e claro, pessoas da sua estirpe devem ser perpetuadas para que protejam o arcabouço dos crimes no Brasil, e se encontram aí, na Suprema Corte 

(...)

Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze ? que não servem para porra nenhuma para esse país ? Não.. não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem.

(…) 

você desrespeita a tripartição dos poderes, a tripartição do Estado, você vai lá e interfere, comete uma ingerência na decisão do presidente, por exemplo, e pensa que pode ficar por isso mesmo. Aí quando um general das Forças Armadas, do Exército para ser preciso, faz um tuite, faz alguma coisa, e você fica nervosinho, é porque ele tem as razões dele. Lá em 64, na verdade em 35, quando eles perceberam a manobra comunista, de vagabundos da sua estirpe, 64 foi dado então um contragolpe militar, é que teve lá os 17 atos institucionais, o AI5 que é o mais duro de todos como vocês insistem em dizer, aquele que cassou 3 ministros da Suprema Corte, você lembra ? Cassou senadores, deputados federais, estaduais, foi uma depuração, um recadinho muito claro, se fizerem a gente volta, mas o povo, naquela época ignorante, acreditando na rede globo diz “queremos democracia” “presidencialismo”, “Estados Unidos”, e os ditadores que vocês chamam entregaram o poder ao povo. (…) vocês deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação, convocada e feita de onze novos ministros, vocês nunca mereceram estar aí e vários também que já passaram não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitáveis, intolerável Fachin.

(…)

Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não, porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda, e quando chega em cima, na suprema corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda. Então como já dizia lá, Rui Barbosa, a pior ditadura é a do Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer. E infelizmente, infelizmente é verdade. O Judiciário tem feito uma, vide MP, Ministério Público, uma sucessão de merdas. Um bando de militantes totalmente lobotomizado, fazendo um monte de merda”.

A reiteração dessas condutas por parte do parlamentar revela-se gravíssima, pois atentatório ao Estado Democrático de Direito brasileiro e suas Instituições republicanas.

Não existirá um Estado democrático de direito, sem que haja Poderes de Estado, independentes e harmônicos entre si, bem como previsão de Direitos Fundamentais e instrumentos que possibilitem a fiscalização e a perpetuidade desses requisitos. Todos esses temas são de tal modo interligados, que a derrocada de um, fatalmente, acarretará a supressão dos demais, trazendo como consequência o nefasto manto do arbítrio e da ditadura, como ocorreu com a edição do AI-5, defendido ardorosa, desrespeitosa e vergonhosamente pelo parlamentar.

Imprescindível, portanto, medidas enérgicas para impedir a perpetuação da atuação criminosa de parlamentar visando lesar ou expor a perigo de lesão a independência dos Poderes instituídos e ao Estado Democrático de Direito.

Na presente hipótese, as condutas praticadas pelo referido Deputado Federal, além de tipificarem crimes contra a honra do Poder Judiciário e dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, são previstas, expressamente, na Lei nº 7.170/73, especificamente, nos artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26:

Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de 

Direito.

Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

Parágrafo único.- Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até a metade; se resulta morte, aumenta-se até o dobro.

Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.

Pena: reclusão, de 2 a 6 anos.

Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:

I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social;

(...)

IV - de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: detenção, de 1 a 4 anos.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão.

Art. 23 - Incitar:

I - à subversão da ordem política ou social;

II - à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;

(...)

IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.

Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala ou divulga.

As condutas criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois na verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos.

Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Na presente hipótese, verifica-se que o parlamentar DANIEL SILVEIRA, ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante.

Ressalte-se, ainda, que, a prática das referidas condutas criminosas atentam diretamente contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; apresentando, portanto, todos os requisitos para que, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, fosse decretada a prisão preventiva; tornando, consequentemente, essa prática delitiva insuscetível de fiança, na exata previsão do artigo 324, IV do CPP (“Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: IV quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva).

Configura-se, portanto, a possibilidade constitucional de prisão em flagrante de parlamentar pela prática de crime inafiançável, nos termos do §2º, do artigo 53 da Constituição Federal.

Diante de todo exposto DETERMINO: 

a) a IMEDIATA EFETIVAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO, POR CRIME INAFIANÇÁVEL DO DEPUTADO FEDERAL 

DANIEL SILVEIRA. Nos termos do §2º, do artigo 53 da Constituição Federal, o Presidente da Câmara dos Deputados deverá ser 

imediatamente oficiado para as providências que entender cabíveis;

b) que se oficie o YOUTUBE para IMEDIATO BLOQUEIO da disponibilização do vídeo ( link https://youtu.be/jMfInDBItog), sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais);

c) que a autoridade policial providencie a preservação do conteúdo 

do vídeo disponibilizado no link https://youtu.be/jMfInDBItog;

SERVIRÁ ESSA DECISÃO COMO MANDADO QUE DEVERÁ SER CUMPRIDO IMEDIATAMENTE E INDEPENDENTEMENTE DE 

HORÁRIO POR TRATAR-SE DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO

Encaminhe-se imediatamente ao Diretor Geral da Polícia Federal, para cumprimento imediato, independentemente de horário, em razão da situação de flagrante, que poderá ser encontrado nos seguintes endereços: 

SQN 302, Bloco G, apartamento 403, Brasília (DF)

Rua Genésio Belisário de Moura s/nº, Petrópolis (RJ)

Gabinete 403 do Anexo IV da Câmara dos Deputados, Brasília (DF)

Cumpra-se. 

Brasília, 16 de fevereiro de 2021. 

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente



'Leão na jaula': como anda a vida do ex-presidente Lula, segundo amigos próximos

O ex-presidente está confinado em casa por causa da pandemia (Crédito da foto: Reuters / Amanda Perobelli).

Um leão dentro da jaula. Essa é a imagem que um amigo próximo escolhe para descrever o atual estado de espírito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Ele ficou confinado lá em Curitiba mais de 500 dias. Depois vem a pandemia, fica confinado em casa. Vai para Cuba, pega covid, fica confinado em Cuba", diz esse amigo.

"Ele não aguenta mais o confinamento, está louco para ver gente. Ele é o tipo de ser humano para quem o contato com as pessoas é essencial. Está louco para tomar a vacina, para poder voltar a ter mobilidade", conta o confidente, que prefere falar sob anonimato, pois afirma não ter a pretensão de ser um "intérprete" do ex-presidente.

Diante da expectativa de retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a suspeição do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, a BBC News Brasil ouviu nos últimos dias seis pessoas próximas ao ex-presidente.

Entre elas, estão o ex-presidente e atual diretor do Instituto Lula, Paulo Okamotto; o senador Jaques Wagner (PT-BA); o deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP) e o advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente no Supremo. Outras duas pessoas prefeririam não ter seus nomes citados.

Íntimo de Lula, ele não acredita que poderá concorrer à Presidência em 2022, apesar de ainda nutrir o desejo de ser candidato.

"O que ele tem repetido para algumas pessoas no particular é que não tem como desfazerem o mal que fizeram. A mentira foi tão grande, que fica difícil voltar atrás", afirma uma das pessoas que optou pelo anonimato. "Voltar atrás e deixar o Lula readquirir os direitos políticos dele seria muito difícil, porque eles iriam se desmoralizar."

Além da expectativa do ex-presidente quanto ao julgamento no STF e quanto ao futuro do PT nas eleições de 2022, esse círculo de pessoas próximas relata como Lula tem passado os dias; por que desistiu por enquanto de se mudar para a Bahia; por que decidiu viajar para Cuba mesmo em meio à pandemia; e o que tem pensando sobre o governo Jair Bolsonaro (sem partido) e a atuação da oposição diante do avanço da extrema-direita.

Lula deixou a prisão em novembro de 2019, após 580 dias, beneficiado por uma decisão do STF que reconheceu o direito de réus condenados a responderem em liberdade até o último recurso. Condenado em duas instâncias no caso do tríplex no Guarujá, no âmbito da Operação Lava Jato, ele cumpria pena de 8 anos, 10 meses e 20 dias.

No caso do sítio de Atibaia (SP), o TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) condenou o ex-presidente em segunda instância a 17 anos, 1 mês e 10 dias de prisão, pela acusação de ter sido beneficiário de reformas pagas por empreiteiras que obtiveram vantagens indevidas em contratos com a Petrobras.

Lula está morando com sua namorada, Janja (Crédito da foto: reprodução Twitter)

Janja e a cadela Resistência

Aos 75 anos, Lula mora atualmente em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, mas não mais no apartamento que dividiu durante anos com sua segunda esposa, Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017, aos 66 anos.

"Ele mora numa casa que era usada antigamente pelos seguranças dele. Depois que ficou junto com a Janja, eles nunca ficaram no apartamento em que ele morou com a Marisa", conta um dos amigos do ex-presidente.

Janja é o apelido da socióloga Rosângela da Silva, 54, noiva do ex-presidente.

O relacionamento entre os dois se tornou público em maio de 2019, quando o economista e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira — no que foi considerado por muitos como uma indiscrição — revelou, após visitar Lula na prisão, que o ex-presidente estava apaixonado e pretendia se casar ao deixar o cárcere.

Na casa térrea, no mesmo bairro de seu antigo apartamento, Lula e Janja moram com três cachorros vira-latas. A mais famosa é a cadela Resistência, adotada filhote por metalúrgicos do ABC que participaram da "Vigília Lula Livre", acampamento que durou todos os 580 dias da prisão do ex-presidente em Curitiba.

"Lembro da Resistência filhotinha. Os metalúrgicos do ABC ficaram com ela um tempão, até que, um belo dia, a Janja, que ainda não era conhecida, resolveu adotá-la", conta uma das pessoas próximas a Lula.

"O presidente dizia sempre que, quando saísse da prisão, ele ia levar a Resistência junto. E de fato levou. Ele gosta muito de cachorro. Às vezes nas lives e entrevistas, dá para ouvir os cachorros latindo."

Cachorrinha Resistência foi adotada por Janja (Crédito da foto: Reprodução / Twitter).

Exercícios físicos e rotina de 'lives' no computador

Segundo os amigos, um dia típico do ex-presidente começa com exercícios físicos. Em geral, ele se exercita em casa mesmo, mas às vezes vai a uma academia de amigos, onde consegue treinar com aparelhos sem a presença de outras pessoas.

"Ele tem uma esteira e faz exercícios físicos regularmente. Na Presidência ele já fazia, mas depois dela, começou a se cuidar mais, também por causa do câncer", diz um amigo dele. "Ele costuma dizer — e não é mentira — que corre 9 km por dia. E ele corre mesmo."

Lula foi diagnosticado com um câncer de laringe em 2011. Em março do ano seguinte, foi considerado curado pela equipe de médicos do Hospital Sírio-Libanês. Desde então, faz acompanhamento regular para assegurar que não há retorno da doença.

Após os exercícios, o dia do ex-presidente é ocupado principalmente por videoconferências e conversas por telefone. Fala com amigos, lideranças do PT, sindicalistas e militantes de movimentos sociais, em grupos ou individualmente. Sem celular próprio e com pouca intimidade com as novas tecnologias, depende da ajuda de assessores e de seus seguranças.

"O presidente nunca gostou de computador, de celular. Era uma coisa muito estranha o computador na vida dele, ele não usava. Mas, com a pandemia, ele começou a fazer muita reunião pelo computador e passou a dizer 'as minhas brigas, que antes eram na porta de fábrica, depois foram nas ruas, agora são pelo computador'. Mas ele fala da vacina toda hora, quer tomar vacina, porque não aguenta mais ficar no computador, isso está sufocando ele."

Sonho de morar na Bahia adiado

No ano passado, notícias davam conta de que Lula tinha planos de se mudar para a Bahia — Estado onde o petista Fernando Haddad venceu nas eleições de 2018, com mais de 72% dos votos no segundo turno, contra pouco mais de 27% para o presidente eleito Jair Bolsonaro.

Quase que instantaneamente, começaram a circular informações falsas, como a de que ele teria comprado uma mansão em Lauro de Freitas, cidade no litoral próxima a Salvador. Ou de que iria morar no mesmo condomínio em que vive Emílio Odebrecht, patriarca da construtora que foi uma das pivôs do escândalo de corrupção da Lava Jato.

"Pelo menos por enquanto, ele suspendeu o projeto. Realmente ele queria vir passar um ano, mas foi atrasando, aí foi para Cuba e voltou. Acredito que ele ainda pensa em passar um tempo aqui, mas por ora esse plano está suspenso", diz o senador Jaques Wagner, que já foi governador da Bahia e ministro da Defesa, da Casa Civil e chefe do Gabinete da Presidência durante o governo Dilma Rousseff (PT).

"Ele tem um desejo de ter sossego, de poder passar um tempo tranquilo. É um sonho dele e da Janja também", conta um outro amigo. "Eles chegaram a analisar a hipótese de morar na Bahia. Começaram a ver casa lá e imediatamente vieram as 'fake news', botando no ar um monte de casas chiques que ele supostamente iria alugar. Ele ficou muito chateado com a confusão toda que deu em torno disso. Mais a dificuldade da pandemia, e eles acabaram adiando esse desejo."

Lula não mora mais em seu apartamento em São Bernardo (Crédito da foto, Reuters)

Viagem para Cuba e covid-19

Esse mesmo desejo de um período de sossego foi um dos fatores que levou Lula a viajar para Cuba, mesmo em meio à piora da pandemia no Brasil. Novamente, o ex-presidente teve seu plano frustrado, ao ser diagnosticado com covid-19 logo nos primeiros dias de viagem.

"Havia há muito tempo um convite insistente do governo cubano e havia um convite do cineasta Oliver Stone para que eles gravassem lá um documentário", conta uma das pessoas do círculo de Lula.

"Como em Cuba a questão da covid está bastante sob controle, era uma forma também de ele dar uma fugida, dar uma descansada. O sonho dele é que ele iria lá, iria gravar o documentário, ia ter contato com as autoridades cubanas e depois ia ficar numa praia descansando, ter uns dias de repouso. Acontece que eles chegaram no dia 22 de dezembro e, no dia 26, no segundo exame que fizeram, constatou-se a covid, aí acabou."

Das 9 pessoas que acompanhavam Lula na comitiva à Cuba, somente 1 não se infectou.

O único que precisou ser internado foi o escritor Fernando Morais, biógrafo de Olga Benário, Paulo Coelho e Assis Chateaubriand, que trabalha atualmente num livro sobre o ex-presidente. O primeiro volume da obra (serão dois no total) tem previsão de lançamento esse ano pela Companhia das Letras no Brasil e pela Penguin nos Estados Unidos e Reino Unido.

O ex-ministro da Saúde e atual deputado federal Alexandre Padilha tem acompanhando de perto o estado de saúde de Lula.

"Ele está super bem", diz Padilha, que é médico formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com especialização em infectologia pela Universidade de São Paulo (USP). "Ele chegou a ter lesão pulmonar, mas antes de sair de Cuba, uma tomografia já mostrava que havia melhorado. Desde então, ele fez outros exames aqui no Brasil e está tudo absolutamente normal.

"A coisa da covid certamente foi alguém da equipe que já estava infectado, pelo tempo do diagnóstico quando eles chegaram em Cuba", avalia o ex-ministro. "A viagem tinha sido programada em outubro, quando internacionalmente tinha havido uma redução dos casos. Eles seguiram todos os protocolos de viagem internacional, foram de avião fretado pela produção, colheram exames antes e achavam que isso era suficiente. Fica claro que não é."

Quanto à internação depois da volta de Cuba devido a uma infecção bacteriana, Padilha afirma que não há relação com o coronavírus.

"No sábado (6/2), ele teve um episódio intestinal e uma tremedeira, por isso o quadro foi registrado como uma bacteremia. No pronto-socorro, já começou com antibiótico. Só ficou internado até terça-feira (9/2) porque a equipe médica queria ver se identificava o crescimento da bactéria no sangue, para mudar a medicação que seria administrada em casa. Como isso não aconteceu, se manteve o medicamento que estava usando no hospital."

Julgamento no STF e eleições de 2022

Ao menos três das pessoas do círculo pessoal de Lula têm uma mesma avaliação: a de que o ex-presidente não acredita que irá recuperar seus direitos políticos para poder concorrer novamente à Presidência em 2022.

O STF deve retomar ainda esse semestre o julgamento da ação em que a defesa de Lula pede a anulação da condenação no caso do tríplex do Guarujá, alegando parcialidade do juiz Sergio Moro. O julgamento teve início em dezembro de 2018, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Quando foi suspenso, o placar somava dois votos contrários à defesa de Lula, do relator Edson Fachin e da ministra Cármen Lúcia.

Em um desdobramento recente, o STF permitiu à defesa de Lula ter acesso integral às mensagens hackeadas de celulares dos procuradores da Lava Jato, apreendidas pela Operação Spoofing da Polícia Federal.

O advogado Cristiano Zanin Martins afirma, no entanto, que o acesso ao material não alterou a estratégia da defesa de Lula.

"Não pretendemos adicionar nenhum conteúdo ao habeas corpus, porque o nosso objetivo é que ele seja efetivamente julgado num futuro próximo, até porque sobre ele incidem dispositivos legais e regimentais que dão prioridade", afirma o advogado.

"Seja porque o ex-presidente Lula é maior de 60 anos, seja porque o habeas corpus por natureza é uma ação de rito célere, seja porque é um caso cujo julgamento já foi iniciado em 2018 e precisa ser concluído pelo Supremo", completa Zanin Martins.

Em entrevista ao portal UOL na semana passada, o ministro Gilmar Mendes explicou que, mesmo que o habeas corpus referente à condenação do tríplex do Guarujá seja concedido pelo STF, Lula ainda não será considerado ficha limpa, pois foi condenado também pelo caso do sítio de Atibaia.

"Ele pessoalmente é muito cético [com relação ao julgamento do STF]. É uma pessoa muito tarimbada, não alimenta ilusões", diz Paulo Okamotto, que participou da fundação do Instituto Lula e foi presidente da instituição desde sua fundação, em 2011, até o ano passado. Hoje, é diretor do instituto.

"Quem é muito mais otimista são as pessoas que vivem no entorno dele, que acham que uma hora a verdade vai chegar, que cada dia vai ficando mais claro que houve uma farsa."

Essa também é a avaliação de um amigo de Lula que optou pelo anonimato. "Ele é muito cético em relação à situação dele, de ter a possibilidade de ser candidato e ter os direitos políticos devolvidos. Por isso ele procura estimular o Haddad, para que haja uma alternativa, embora ele mantenha profundamente o desejo de voltar a ser candidato."

"Então ele vive uma contradição permanente, que o deixa muito chateado, porque, de um lado, ele quer muito [ser candidato], de outro lado, ele sabe que é muito difícil que o sistema permita isso", completa. "Ele acredita que a suspeição do Moro pode ser feita de tal modo que não o libere para ser candidato, em função do outro processo da chácara [de Atibaia]."

Haddad à beira da piscina e o 'leão dentro da jaula'

"Lula então se equilibra entre o grande desejo de ser [candidato] e o realismo. Aí a preocupação dele é que o PT cresça, tenha força, seja protagonista. Ele fica muito angustiado com isso. E cobra muito do PT uma ação mais efetiva, mais mobilizadora. E cobra também do Fernando Haddad. Por isso ele teve uma conversa com o Haddad, que foi como um empurrão, tipo 'pula na piscina, não fica enrolando'", relata esse amigo.

Haddad esteve ao lado de Lula quando o ex-presidente deixou a prisão (Crédito: Rodolfo Buhrer / Reuters)

Apesar disso, o ex-prefeito de São Paulo e candidato derrotado à Presidência pelo PT em 2018 tem mantido postura ambígua. Em entrevista ao site Brasil 247 no início de fevereiro, Haddad relatou a conversa com Lula.

"Ele [Lula] me chamou para uma conversa no último sábado (30/1) e disse que não temos mais tempo para esperar. Ele me pediu para colocar o bloco na rua e eu aceitei", disse Haddad.

Dias depois, no entanto, em entrevista ao UOL, o ex-prefeito voltou a dizer que seu candidato nas próximas eleições é Lula. "Em 2018 [meu candidato] era o Lula e em 2022 continua sendo", disse Haddad.

Esse mesmo amigo do ex-presidente tenta explicar a ambiguidade. "É por conta do respeito do Fernando a essa contradição vivida pelo Lula. Porque ele sabe que o Lula, tendo condições, adoraria ser [candidato]", afirma. "Acredito que agora, assim que ele [Lula] receba a vacina, vai organizar um roteiro de viagem pelo país, ele quer muito isso. Ele está muito — para usar uma expressão popular — de saco cheio de ficar parado. Isso deixa ele como um leão dentro da jaula."

Segundo o quadro do PT, Lula avalia que o resultado em 2022 pode ser diferente, ainda que o candidato do partido seja o mesmo de 2018.

"Ele [Lula] acha que pode. Primeiro, porque o Haddad terá condições de fazer uma campanha muito mais ampla, com mais tempo. Mas, sobretudo, com a costura de uma aliança mais ampla com a centro-esquerda. Ele trabalha muito a necessidade de essa aliança ser construída."

Lula fez uma live no aniversário do PT (Crédito, reprodução).

Governo Bolsonaro e a oposição

Lula não tem medido palavras para criticar o governo Jair Bolsonaro. Em sua mais recente fala pública, durante evento online em comemoração aos 41 anos do PT, no dia 10 de fevereiro, criticou o que considera uma "destruição" de conquistas históricas pela atual gestão.

"Eu digo sempre que, para construir uma conquista, para construir uma obra, você demora anos e anos. Para destruir, você destrói num dia. E eles estão conseguindo destruir, estão conseguindo desmontar, em poucos meses, aquilo que foi construído em muitos anos."

O ex-presidente mencionou ainda a falta de reação da oposição. "Muitas vezes, nós não estamos conseguindo reagir. Há um certo 'anestesiamento' na sociedade brasileira", disse.

Um amigo de Lula conta que o ex-presidente tem uma reação muito emocional ao ambiente criado pelo atual governo. "Ele sente muito a maneira como o país deixou de ser um lugar alegre, otimista, com certo grau de fraternidade, para essa coisa do ódio de agora. Ele não consegue entender como isso foi acontecer e dói muito para ele isso."

Segundo esse amigo, Lula avalia que os meios de comunicação tiveram papel relevante para o país chegar à situação atual. "Quando ele ataca a Globo, por exemplo, ele simboliza na Globo os meios de comunicação que, na visão dele, criaram no país um clima que levou o povo a fazer essa escolha [de eleger Bolsonaro]. Ele é muito severo em relação aos partidos e aos setores de comunicação que criaram no país um clima onde valia tudo contra o PT."

Por fim, o petista relata a aflição do ex-presidente quanto à falta de reação da sociedade.

"Ele tem um sentimento quase de desespero, em relação à desproporção que existe entre o que está acontecendo — por exemplo, as mortes em Manaus, as mortes no país todo, a volta da fome — e a nossa capacidade de reagir. Ele não se conforma com a quase naturalização dos absurdos que estão acontecendo."

"Aí cabe de novo a figura do leão preso numa jaula. Não poder se movimentar é uma coisa muito dura para ele. Por isso tenho certeza de que, assim que for possível, ele vai sair feito um doido pelo país afora. Para tentar levantar o povo. Porque ele sabe que só a mobilização do povo vai segurar essa situação."

Thais Carrança, de São Paulo para a BBC News Brasil, em 17.02.2021.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Juan Arias: A macabra e psiquiátrica paixão de Bolsonaro pela pólvora

Talvez o mais grave dessa loucura do presidente seja o silêncio até agora das instituições do Estado frente aos novos decretos para aumentar o número de armas particulares

Apoiadores de Jair Bolsonaro, sempre associando sua figura ao uso de armas e à violência. (Crédito da foto: Paulo Whitaker / Reuters) 

Se algo caracteriza a idiossincrasia de Bolsonaro é sua paixão pelas armas, por tudo o que cheira à pólvora. Além do tiro ao alvo ser um dos seus esportes preferidos, sua ânsia por armar até os dentes os brasileiros revela seguramente um distúrbio psiquiátrico que não sei se tem nome científico. Dizer que “o povo está vibrando” de felicidade por poder possuir tantas armas revela mais, talvez, sua obsessão macabra pela violência.

Nos comentários à reportagem de Carla Jiménez e Regiane Oliveira sobre os novos decretos do Presidente que amplia de 4 a 6 o número de armas que uma pessoa pode possuir legalmente e os caçadores, até 40, foram muito significativos. “Menos armas e mais emprego”, “menos armas e mais educação”, “menos armas e mais vacinas”. Outros chegaram a fazer hipóteses que nessa pressa de Bolsonaro em armar a população pode significar que o que deseja é criar sua própria milícia para que o defenda no caso de tentarem retirá-lo do poder ou perca as próximas eleições, criando um clima violento no país de guerra civil.

É uma hipótese bem possível, mas acho que essa paixão desmedida por tudo o que cheira à pólvora e a tudo relacionado às armas de fogo pode fazer parte de sua personalidade de morte e destruição, de negacionismo e de mania de perseguição. E até de medo. 

Ele confessou que dorme com uma arma ao lado de sua cama, como se em sua residência presidencial não existisse segurança suficiente para defendê-lo. 

Esse amor pelas armas e pela violência pode explicar sua frieza às mortes da pandemia. Não sabemos como são os sonhos de Bolsonaro além de que dorme muito pouco porque sofre de insônia, mas certamente são povoados de armas e mortes.

Essa sua paixão desmedida por disparar armas de fogo fez com que em sua viagem oficial a Israel pedisse para realizar uma exibição de tiro ao alvo. E essa paixão pelas armas é evidente vendo suas fotografias imitando com as mãos o gesto de disparar. Três fotos são particularmente eloquentes e aterradoras a esse respeito: a dele e seus três filhos políticos juntos imitando disparar um fuzil e com os quatro sorrindo de orelha a orelha. A do hospital após a operação depois do atentado durante a campanha eleitoral ainda envolto em mistério. A foto o apresenta ainda se recuperando imitando com suas mãos o disparo de um fuzil. E a mais aterrorizante talvez seja a que o mostra com uma menina de cinco anos em seus braços enquanto a ensina a fazer o gesto de disparar um revólver com suas mãozinhas inocentes.

Bolsonaro querer agora que os brasileiros possam se tornar o país mais armado do mundo com até 600 armas para cada cem habitantes é uma aberração em um Brasil já martirizado com mais de 40.000 homicídios por ano. Não porque seja um país mais violento do que os outros e sim porque sofre uma carência crônica de segurança do Estado incapaz de defendê-lo.

Em um país em que as pessoas podem, se desejarem, ter até seis armas em sua casa é se esquecer que isso só é possível para os que podem se permitir esse luxo. Enquanto os de sempre ficarão mais expostos à violência, que costumam ser os negros, os jovens e as mulheres pobres assim como os habitantes das periferias que já são alvo a cada dia de cenas de morte e terror dos policiais e dos traficantes de drogas.

E talvez o mais grave dessa loucura do Presidente por sua paixão pelas armas e a violência seja o silêncio até agora das instituições do Estado frente aos novos decretos para aumentar o número de armas particulares. O STF, o Congresso e o Senado ficarão de mãos cruzadas? Não vão parar esses instintos de morte e violência de um Presidente que pode contribuir para aumentar ainda mais o rio de sangue inocente que corre pelas ruas do país?

Há silêncios que podem acabar sendo mortais. E o silêncio, quando não a cumplicidade das instituições do Estado com os instintos de morte do Presidente, podem acabar em uma tragédia nacional

JUAN ARIAS para o EL PAÍS, em 16 FEV 2021