sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Brasil se torna arriscado demais para investidores estrangeiros

É cada vez menor a confiança do empresariado estrangeiro de que o governo brasileiro conseguirá equilibrar o orçamento estatal e interromper o aumento da dívida.


Queda no mercado de ações e do real também são consequência da mudança na política econômica brasileira

Economista nenhum esperava que o real fosse perder até 40% de seu valor em relação ao euro neste ano. E certamente ninguém esperava que os investidores virassem as costas ao Brasil de tal forma. Mas um novo estudo mostra agora que a retirada de investidores estrangeiros é uma tendência de longo prazo e não parece ser necessariamente uma consequência direta da pandemia.

Isso é claramente demonstrado pelas previsões do Instituto de Finanças Internacionais (IIF, nas sigla em inglês). A associação bancária global realizou uma pesquisa entre seus membros, os 450 maiores bancos e fundos de investimento do mundo em 70 países. De acordo com a sondagem, a elite financeira global prevê que os investidores estrangeiros retirem cerca de duas vezes mais capital do Brasil do que no ano passado, o que pode corresponder a 24 bilhões de dólares (R$ 132 bilhões).

O assustador é que, ao contrário do ano passado, quando os investidores se retiraram principalmente dos títulos do governo brasileiro porque as taxas de juros caíram, eles agora estão vendendo principalmente ações e não mais títulos puramente financeiros. Mas eles também estão investindo significativamente menos diretamente nas empresas este ano do que antes. O IIF prevê que o investimento direto cairá de 73 bilhões de dólares em 2019 para 50 bilhões de dólares este ano.

Os investidores estrangeiros não esperam que as empresas brasileiras aumentem seus lucros e, portanto, dividendos nos próximos trimestres, de modo que os investimentos ainda valham a pena.

Ações e empresas baratas

Isso é surpreendente. Por um lado, as ações e empresas brasileiras ficaram baratas para os investidores estrangeiros por causa da desvalorização. Era de se esperar que eles fossem com sede ao pote, para garantir uma boa barganha. Mas não foi o que ocorreu.

Além disso, a liquidez global é extremamente alta. Há dinheiro suficiente. Por muitos anos, o Brasil sempre foi um porto seguro para investidores mais afeitos a riscos. Isso acabou.

Então, por que os investidores estrangeiros estão procurando a saída? Há várias razões para isso. Todos eles têm a ver com a crescente incerteza em todos os níveis. Por exemplo, a crescente insegurança jurídica mencionada em análises anteriores ou dúvidas sobre o futuro poder de compra dos brasileiros.

Mas a queda do mercado de ações e do real nas últimas semanas e as previsões ruins do IIF também são uma consequência da mudança que está ocorrendo atualmente na política econômica e financeira do Estado: é a mudança da política monetária cada vez mais fraca para o domínio crescente da política fiscal.

Fuga para o dólar

Em suma, ocorre o seguinte processo: o Banco Central é cada vez menos capaz de controlar a inflação futura com taxa de juros e política monetária. Isso pode ser visto nas taxas de juros crescentes que os investidores estão cobrando por seus empréstimos.

Os investidores temem que o governo reduza o déficit através de mais inflação e não por meio de medidas de austeridade ou aumento de receita – e estão fugindo para o dólar. O Banco Central agora pode aumentar as taxas de juros para impedir a saída do dólar e conter as expectativas de inflação. Porque isso aumentaria o déficit orçamentário ainda mais rápido, porque aumentam as despesas do Estado com juros sobre suas dívidas.

Quanto mais tempo permanece incerto se e como o governo está traçando o curso para conter o déficit crescente – mais o real se depreciará, elevando as projeções para a inflação futura.

Publicado por Deusch Welle, edição de 09;10;2020

A realidade bate à porta da Casa Branca

Trump fez questão de quase não usar máscara e minimizou repetidamente o coronavírus. Agora, o próprio presidente está infectado. Seu modo de lidar com a pandemia definirá a eleição, opina Ines Pohl.

Então, agora chegou a vez dele. Durante meses, Donald Trump minimizou os perigos da covid-19, zombou das pessoas que tentam se proteger com máscaras, declarou que a doença potencialmente fatal é uma invenção democrata e afirmou que nem tudo é tão grave assim.

Mesmo que pouco depois do anúncio do diagnóstico positivo não seja possível prever se e com que gravidade o mandatário de 74 anos adoecerá, os efeitos sobre a campanha política já são claros, nas vésperas das eleições: são desastrosos.

Sem considerar vidas

Todas as tentativas de desviar a atenção do próprio fracasso, de minimizar o fato de que não existe um plano nacional para proteger a população, de que os governadores foram abandonados à própria sorte e de que mais de 200 mil americanos morreram do vírus são agora obsoletas.

A realidade fez estourar o pacote de mentiras do presidente. Ele e sua equipe não conseguirão mais acender cortinas de fumaça, pintar os distúrbios violentos em algumas cidades como mais graves do que o fato de mil americanos morrerem todos os dias em decorrência do vírus.

Com todas as suas forças e ignorando perdas de vidas, Donald Trump tentou colocar a economia novamente nos trilhos antes do dia da eleição. Este plano também vai por água abaixo com este diagnóstico. Mesmo os maiores negacionistas do coronavírus não poderão mais deixar de admitir que o vírus é altamente contagioso – já que ele pode contagiar até mesmo o homem forte que reside na Casa Branca. Neste 2 de outubro, o país está mais longe do que nunca da normalização que Trump esperava tão desesperadamente.

Teorias da conspiração

Imediatamente depois que sua infecção se tornou conhecida, uma enxurrada de comentários sarcásticos caiu sobre o presidente. Até teorias da conspiração foram divulgadas, dizendo que ele inventou tudo para distrair a atenção de seus números ruins nas sondagens.

Ele pode lidar bem com tudo isso, afinal, são coisas com que presidente dos "fatos alternativos" está acostumado. Mas não com a perda de sua imagem de touro imbatível. Porque nesse caso não deve restar muita coisa.

Biden: de velho a cauteloso

Depois do primeiro debate na TV, o principal argumento dos apoiadores de Trump a seu favor era de que ele estava significativamente mais em forma e, portanto, era mais adequado para este cargo exaustivo de presidente dos Estados Unidos do que seu oponente. A menos que Joe Biden tenha sido infectado durante o debate, esse argumento não deve valer mais – pelo menos nas próximas semanas. Agora não mais sua suposta senilidade deve estar em primeiro plano, mas sua sabedoria de idoso, expressa na razoável cautela.

O impotente presidente Trump tem pouco a oferecer. E definitivamente não é a receita certa para lidar com essa perigosa e contagiosa doença. A decência obriga que seja desejado a Donald Trump e sua mulher, Melania, tudo de bom para os próximos dias.

Ines Pohl foi editora-chefe da DW (Deutsch Welle) e hoje é correspondente em Washington. O texto reflete a opinião pessoal da autora, e não necessariamente da DW.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Investigado deve depor em dia, hora e local definido pela Polícia, diz Celso de Mello

Decano é relator do inquérito que apura suposta interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal e, em seu último voto no caso antes da aposentadoria, afirma que 'ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir as leis e a Constituição'   

Em seu voto último voto após 31 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello fez uma defesa do princípio de que todos são iguais perante a lei, e votou pela recusa a um pedido do presidente Jair Bolsonaro, que busca depor por escrito em um inquérito que apura interferência política na Polícia Federal. O decano da corte fez críticas a ‘privilégios’ e ‘tratamentos especiais’ e manteve a posição que havia demonstrado em setembro, quando determinou que Bolsonaro fosse ouvido presencialmente pela PF.

Mello afirmou que qualquer investigado, seja chefe de poder ou não, deve passar por interrogatório presencialmente, de acordo com a lei. “Nunca é demasiado reafirmar que a ideia de República traduz um valor essencial: a igualdade de todos perante as leis do Estado. Ninguém, absolutamente ninguém tem possibilidade para transgredir as leis. Ninguém está acima da autoridade e do ordenamento jurídico brasileiro”, afirmou o ministro nesta quinta-feira, 8, no plenário do Supremo.

O ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal. Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

O ministro, que deixa o STF no próximo dia 13, afirmou que investigados, ‘independentemente da posição funcional que ocupem no aparato estatal ou na hierarquia de poder do Estado, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados’.

Mello afirmou que tem defendido essa posição há mais de 20 anos no STF. A lei, como destacou, prevê apenas depoimento por escritos para presidentes de poderes quando eles estão na condição de testemunha, mas não na de investigados. Em sua explicação, Mello afirmou que a presença de réus não pode não ser substituída e não é possível haver interrogatórios por procuração. Segundo ele, sem o depoimento presencial, há prejuízo para a investigação, diante da impossibilidade de se fazer novas perguntas e explorar eventuais contradições.

“O dogma republicano da igualdade, que a todos nos nivela, não pode ser vilipendiado por tratamentos especiais e extraordinários inexistentes em nosso sistema de direito constitucional”, disse. O ministro afirmou, também, que não se pode justificar “o absurdo reconhecimento de inaceitáveis e odiosos privilégios, próprios de uma sociedade fundada em bases aristocráticas ou, até mesmo, típicos de uma formação social totalitária”.

Jair Bolsonaro é investigado pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República desde abril, após o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmar que estavam acontecendo interferências indevidas na Polícia Federal, por parte do presidente. Na segunda-feira, 5, o inquérito foi prorrogado por mais 30 dias.

Como a investigação chegou na fase de tomada de depoimento, o ministro Celso de Mello determinou que ele fosse tomado presencialmente, em setembro. Apesar de Bolsonaro ter dito anteriormente que, para si, não fazia diferença a forma do depoimento, a Advocacia-Geral da União – que o representa no caso – recorreu ao plenário do Supremo, para que ele seja autorizado a prestar informações por escrito.

Segundo destacou a defesa de Bolsonaro, precedentes no tribunal permitiram que depoimentos fossem tomados por escritos. O ex-presidente Michel Temer teve essa permissão concedida em 2017 e 2018, por decisões dos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. O procurador-geral da República, Augusto Aras, concordou com o pedido da defesa de Bolsonaro.

Celso de Mello, porém, afirmou que a recusa para depoimento por escrito não é inédita entre chefes de poderes. Ele explicou que o ex-ministro do STF Terori Zavascki determinou depoimento presencial de um ex-presidente do Congresso Nacional. “O postulado republicano repele privilégios e não tolera discriminação, impedindo que se faça tratamento seletivo em favor de determinadas pessoas”, disse Celso de Mello.

O decano frisou, também, que presidentes de poderes, como quaisquer cidadãos, têm uma série de direitos — entre eles, não ser tratado como culpado antes do trânsito em julgado, não se incriminar, não ser condenado com provas ilícitas.

Em seu voto, Celso de Mello afirmou, ainda, que Sérgio Moro, também investigado no caso, deve ter o direito de formular perguntas para serem feitas ao presidente Jair Bolsonaro, por meio de seus advogados.

Quanto aos argumentos da AGU e da PGR, Celso de Mello deixou claro que esta é a primeira vez que o plenário do Supremo está discutindo se presidentes de Poderes, quando investigados, podem depor por escrito, direito que, pela lei, só lhes é dado quando são testemunhas. De acordo com o relator, não procede afirmação do procurador-geral da República de que decisões de Fachin e Barroso representam jurisprudência consolidada do tribunal. “Não há pronunciamento colegiado na Suprema corte sobre o tema agora em julgamento”, disse o decano. ”Esse ponto que está sendo julgado pela primeira vez.”

Mello afirmou também que o fato de o presidente poder permanecer em silêncio e mesmo não comparecer ao relatório não dá o direito de depor por escrito. “Caso fosse possível admitir-se essa particular interpretação oposta pelas doutas AGU e PGR, deveria tal exegese (interpretação) ser estendida, por razões de equanimidade, a todos aqueles contra quem se praticam atos de persecução penal, uma vez que a todos os cidadãos é dado o direito ao silêncio, de não comparecer ao interrogatório, de não produzir provas contra si mesmo”, disse.

“O fato de o presidente titularizar direitos como todos cidadãos do país titularizam não permite o presidente criar um direito particular que lhe propicie como particular prerrogativa que qualquer outro investigado não possui”, afirmou o decano.

Ao término do voto, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, agradeceu a ‘última lição’ do decano.

“Toda vez que vossa excelência erguer a sua voz, da sua boca e da sua pena sempre sairão para nós, ministros, lições como profissionais e como homens”, disse Fux, que ontem já havia homenageado o decano.

Fux não informou quando o julgamento será retomado.

Breno Pires , de Brasília / O Estado de São Paulo, em 08.10.2020.

Reforma administrativa: questão de cidadania

Apesar de atrasada e diminuta, proposta apresentada pelo governo abre ao Parlamento a possibilidade de agir

No início de setembro o governo encaminhou ao Congresso uma proposta de Reforma Administrativa atrasada e diminuta. Apesar dos pesares, ela abre ao Parlamento a possibilidade de agir. A atual legislatura mostrou ímpeto reformista na Previdência, mas agora o desafio é mais complexo. Uma nota técnica do Centro de Lideranças Públicas (CLP) dá a medida dessa complexidade.

Antes de tudo há as distorções: a estabilidade indiscriminada; a progressão automática de carreira; e o déficit nas avaliações de desempenho. Muitos servidores ingressam com remunerações elevadas e alcançam em pouco tempo o topo da carreira, não com base em resultados e méritos, mas em tempo de serviço ou certificados acadêmicos.

Além das distorções, há as perversões. O Banco Mundial estima que os servidores públicos no Brasil recebam em média 18% acima de seus pares privados. Outras estimativas apontam que essa diferença pode chegar a 50%. De resto, há as disparidades no próprio serviço público entre a elite e a base. Pelo coeficiente Gini de mensuração de desigualdade, estima-se que a desigualdade no setor público seja 7 vezes maior que no privado, podendo variar de 4 a 14 pontos conforme a região.

A análise comparada expõe esta disfuncionalidade e perversidade da máquina pública. O número de servidores no Brasil não é alto. São 5,6% da população, enquanto a média dos países da OCDE é de 9,5%. Mas os gastos com pessoal correspondem a 13,8%, o que, segundo o Banco Mundial, coloca o País na 15.ª posição entre os que mais gastam como proporção do PIB. Em outras palavras, comparativamente, o Brasil tem poucos funcionários que ganham muito.

A Constituição de 1988 estendeu a todos os servidores a condição de estatutários com estabilidade. Mas nos países desenvolvidos apenas alguns postos, como juízes, soldados, fiscais ou policiais, têm essa prerrogativa. Na Suécia e na Espanha, por exemplo, apenas 1% dos funcionários é estatutário. Na Grã-Bretanha são 10%, e mesmo assim com estabilidade parcial.

Um dos pontos positivos da reforma em trâmite é a eliminação de vários privilégios, como licença-prêmio; aumentos retroativos; férias acima de 30 dias; aposentadoria compulsória como punição; ou promoções automáticas.

Outro avanço são os modelos de contratação diversos. Os cargos típicos de Estado seriam apenas aqueles que não podem ser transferidos para o mercado. A estabilidade seria mantida, mas após um período probatório de 3 anos. Além disso, há os cargos por prazo determinado ou indeterminado, mas que podem ser extintos caso se mostrem obsoletos.

Um terceiro ponto positivo é que a reforma abarca União, Estados e municípios. Mas, como lembra o CLP, os pontos questionáveis são exatamente as suas exclusões. Primeiro, a reforma só valerá para os futuros concursados. Depois, ficou de fora precisamente a elite do funcionalismo – militares, promotores, juízes e parlamentares. Tal como está, a reforma aumentará em muito a desigualdade entre os quadros públicos.

O governo seguiu o entendimento de que não teria legitimidade para reformar outros Poderes. Essa justificativa, em si questionável, não explica por que os militares, que compõem o Executivo e mantiveram a maioria de seus privilégios na Reforma da Previdência, ficaram de fora. O Congresso, ao menos, já está encaminhando sua própria Reforma Administrativa e há quem diga que, sendo o campeão dos privilégios, tem mais legitimidade para tratar das categorias do Judiciário.

Estima-se que em 15 anos cerca de um terço dos servidores da União se aposentará. A calibragem eficiente da reposição poderá trazer mais equilíbrio para as contas públicas. Tudo somado, o CLP calcula que o impacto fiscal da reforma pode levar a uma economia de R$ 403,3 bilhões até 2024.

Todos os brasileiros, inclusive os funcionários públicos, merecem serviços mais eficientes. Os trabalhadores privados merecem mais paridade em relação aos públicos, assim como os servidores da base em relação à elite. O Congresso tem a oportunidade de brindar a população com essas três conquistas numa só reforma.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 08.10.2020.


Pandemia domina debate entre Mike Pence e Kamala Harris

Em confronto civilizado, candidatos a vice dos EUA discutem propostas. Democrata parte para o ataque contra o governo, enquanto republicano fica na defensiva.

    
Kamala Harris e Mike Pence em debate
Segurança no debate foi reforçada devido à pandemia

Uma semana depois do caótico confronto entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos, seus vices, o republicano Mike Pence e a democrata Kamala Harris, se enfrentaram num evento transmitido ao vivo da Universidade de Salt Lake City. A pandemia de covid-19, que atingiu em cheio a Casa Branca, dominou esse que será o único debate entre os candidatos a vice-presidente.

Separados por dois painéis de acrílico e sentados a 3,7 metros de distância, Pence e Harris trocaram farpas, mas mantiveram a civilidade num confronto de 90 minutos realizado na noite desta quarta-feira (07/10), que além da pandemia abordou os temas da campanha dos candidatos.

A crise do coronavírus foi o principal assunto da primeira meia hora do evento, que ocorre num momento em que o presidente Donald Trump está infectado e em que cada vez mais funcionários da Casa Branca e do Pentágono, além de parlamentares republicanos, testam positivo para a covid-19, após terem minimizado a doença e ignorado medidas para evitar o contágio.

Harris criticou a resposta do governo Trump à crise gerada pelo coronavírus nas áreas de saúde e economia. "O povo americano assistiu ao que é a maior falha de qualquer administração presidencial na história do nosso país", afirmou a democrata, destacando os mais de 211 mil óbitos causados pela doença no país.

A candidata culpou Trump e Pence, que lidera a força-tarefa de combate à covid-19, por terem omitido a gravidade da doença no início da pandemia. "Eles sabiam o que estava acontecendo e não disseram para vocês", afirmou, dirigindo-se à audiência ao olhar diretamente para a câmera, tal como o candidato democrata Joe Biden fez durante no debate com Trump.

Ao partir para o ataque, Harris acusou ainda o governo de querer tirar o seguro de saúde de 20 milhões de pessoas, na tentativa de acabar com a lei de Cuidados de Saúde a Baixo Custo, conhecida como Obamacare.

Na réplica, Pence defendeu a forma como a Casa Branca lidou com a pandemia e disse que Trump salvou milhares de vidas ao fechar as fronteiras com a China, onde o surto teve início. "Desde o primeiro dia, Trump pôs a saúde dos EUA em primeiro lugar."

O vice afirmou ainda que haverá "dezenas de milhões de doses" da vacina contra a covid-19 prontas para serem distribuídas "antes do final do ano" e que o plano de Biden para combater a pandemia "parece um plágio" do que a Casa Branca tem feito. Na defensiva, Pence afirmou que o Obamacare é um desastre e disse que seu governo está trabalhando numa proposta melhor. 

"O que Pence diz que a administração fez claramente não está funcionando", contra-atacou Harris, que insistiu em responsabilizar a Casa Branca pelos efeitos econômicos da pandemia e acrescentou que "não podia haver uma diferença mais fundamental" entre os planos dos candidatos para a economia.

"Biden acredita que se mede a saúde e força da economia americana com base na saúde e força do trabalhador e da família americana. Por outro lado, Trump mede a força da economia com base em como estão as pessoas ricas", destacou a candidata, que é a primeira mulher negra a concorrer à vice-presidência dos Estados Unidos. 

Economia 

Harris prometeu ainda que Biden irá anular os cortes de impostos feitos por Trump e usar esse dinheiro para investir em infraestrutura, inovação, energia limpa e educação, com alguns níveis de ensino superior se tornando gratuitos. 

Pence usou essa questão a seu favor, dizendo aos eleitores que Biden irá aumentar os impostos. Harris retrucou e ressaltou que ninguém que ganhe menos de 400 mil dólares por ano sofrerá um aumento da carga fiscal. 

Durante os 90 minutos do debate, moderado pela jornalista Susan Page, Pence interrompeu Harris algumas vezes, levando-a a reclamar para que ele a deixasse completar a fala. O tom da discussão, no entanto, foi bem menos acirrado que o do debate presidencial.

Page tentou fazer com que os candidatos cumprissem as regras acordadas antes do início, mas não conseguiu que ambos respondessem diretamente a algumas perguntas. 

Em vários momentos, Pence usou o tempo de resposta para direcionar a discussão para outros temas, se esquivando, por exemplo, de responder a questões sobre o estado de saúde de Trump, que foi diagnosticado com covid-19 e precisou ser internado por três dias.

Harris também evitou a pergunta sobre se ela e Biden vão tentar aumentar o número de assentos na Suprema Corte dos EUA, caso a candidata nomeada por Trump, Amy Coney Barrett, seja confirmada antes das eleições. 

Resultado eleitoral

Ao ser questionado sobre seu papel se Trump fosse derrotado nas eleições e se recusasse a aceitar o resultado, Pence não se comprometeu com uma transferência pacífica de poder.

"Em primeiro lugar, penso que vamos vencer esta eleição", afirmou, acusando os democratas de não terem aceitado a vitória de Trump em 2016, numa referência ao processo de impeachment aberto pelo partido no final de 2019 e à investigação do procurador especial Robert Mueller sobre a interferência russa na campanha de 2016.

Sem provas, Pence adotou a estratégia de Trump de colocar dúvidas sobre a integridade dos votos por correspondência e disse que isso poderia levar a fraudes em massa, algo que especialistas descartam.

O debate abordou ainda as mudanças climáticas e a reforma na polícia devido às tensões raciais geradas pela morte de George Floyd, deixando claro as diferenças nas propostas e linha de atuação dos partidos. Enquanto Harris defendeu a luta contra a violência policial, Pence negou a existência de um racismo sistêmico na instituição.

Os próximos debates entre Biden e Trump estão marcados para 15 e 22 de outubro. Apesar da doença do presidente, nenhum dos dois eventos foi cancelado até o momento. Trump disse que pretende comparecer aos debates, mas Biden afirmou que só irá se seu adversário tiver testado negativo para a covid-19.

Publicado por Deutsch Welle, edição de 08.10.2020

quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Reforma do Estado

O Brasil evoluiu nas últimas décadas. Mas essa permanece como uma tarefa inconclusa

A atuação do Estado está ligada a múltiplos elementos e pode ser julgada sob diversas óticas. De qualquer forma, o mais importante é ele desempenhar o papel para o qual existe, que é o de atender adequadamente à população – e, nesse sentido, é evidente que o Estado brasileiro deixa bastante a desejar.

Exatamente por essa deficiência, a expressão “reforma do Estado” permeia as reflexões sobre o tema geral das grandes reformas do País há muitos anos. Levando em conta esse pano de fundo, eu e meus colegas da área de planejamento do BNDES Sérgio Guimarães Ferreira e Antônio Hoelz Ambrozio organizamos o livro Reforma do Estado Brasileiro – Transformando a Atuação do Governo, recentemente publicado pela GEN Editora.

Procuramos explicar o sentido do livro na apresentação que antecede os capítulos. O objetivo de qualquer organização pública deve ser a busca da eficácia, da eficiência e da efetividade. Eficácia se mede pela capacidade de entregar o produto ou serviço; eficiência, pela capacidade de fazê-lo ao menor custo possível; e efetividade, pela capacidade de produzir o maior impacto possível para a sociedade. Sabemos que no Brasil o Estado não tem sido eficaz. Obras públicas paradas são o exemplo mais óbvio em todos os níveis. O Estado aqui também não é eficiente. Os serviços públicos, além de ineficazes em sua operação, são ofertados de forma custosa. Por último, o Estado brasileiro tem baixa efetividade na medida em que suas intervenções têm muitas vezes baixo impacto.

O livro, de 23 capítulos, é aberto com a tirada de W. Churchill de que “é mais fácil comprar um submarino que ser autorizado a comprar um pacote de chá para as reuniões de gabinete”, algo que merece reflexão nos tempos atuais, em que os controles de todo tipo começam a cobrar um custo importante para a agilidade da gestão em todos os âmbitos. O livro conta com prefácio de Armínio Fraga, “orelha” escrita pelo jornalista Fernando Dantas e contracapa do ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, e se divide em oito blocos.

O primeiro grupo de capítulos basicamente introduz o tema da natureza e das formas de funcionamento do Estado moderno. A segunda parte traz um conjunto de capítulos que trata do equilíbrio intertemporal de receitas e despesas, com abordagens complementares que lidam com o tema – muito discutido na literatura internacional – das regras fiscais.

A terceira parte lida com o que poderíamos denominar “função de produção” da administração pública, representada pelos recursos humanos e pelas compras de bens e serviços. A quarta parte trata do desafio de alocar recursos escassos de forma a maximizar o resultado final desejado e inclui capítulos sobre propostas de redefinição do processo orçamentário, gestão pública baseada em evidências, processos de monitoramento e avaliação, mecanismos de transformação da gestão pública e a integração das diversas políticas governamentais.

A quinta parte engloba capítulos cujos autores procuraram responder a uma mesma indagação: como aproximar o governo das preferências e necessidades dos cidadãos? Isso implica discutir temas ligados à descentralização administrativa, à lógica de ação dos agentes políticos, às normas que regem a conduta dos administradores públicos, ao aprimoramento do combate à corrupção e à relação entre o comportamento dos governos e o fenômeno das novas mídias.

A sexta parte traz propostas de mudança da atuação do Estado. Ela inclui um relato do processo de privatização desde 1990 até os dias atuais; uma reflexão sobre o papel do Estado como regulador, com um olhar sobre o caso específico do setor de energia; uma discussão acerca de como melhorar a efetividade de algumas políticas; e a necessidade de quebrar barreiras à entrada e de usar o Estado para favorecer os mecanismos de competição.

A sétima parte discute uma velha questão da teoria do Estado: quem controla o controlador? Nele se procura definir os limites que o Estado deveria ter na função de controle e a relação entre o Judiciário e os demais Poderes.

Por último, há uma oitava parte com uma reflexão sobre a definição das questões de que o livro trata, mas avaliadas à luz da crise do coronavírus de 2020.

O estudo dos processos de desenvolvimento que levaram sociedades outrora com sérios problemas a se tornar agrupamentos de cidadãos prósperos nos ensina que as instituições desempenham papel-chave para o progresso. Nesse sentido, não há dúvidas de que o Brasil evoluiu nas últimas décadas. A Constituição de 1988 envolve um compromisso social importante, temos ritos democráticos que se repetem sem percalços há muitas eleições e a macroeconomia está mais organizada que do no passado, com inflação; e agora também com taxas de juros baixas. A reforma do Estado, porém, permanece como uma das tarefas inconclusas de nossa caminhada.

Esperemos que a leitura do livro possa representar uma modesta contribuição para a reflexão sobre o tema.

Fabio Giambiagi, o autor deste artigo, é economista. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 07 de outubro de 2020 | 03h00

O alarme contra a crise fiscal

O alarme soa com instabilidade do dólar e dos juros futuros, mas se dissipa na Praça dos Três Poderes

Um novo desastre fiscal, com as contas públicas em frangalhos e a dívida pública disparada, pode levar o País a uma crise mais funda, alertam grandes bancos, investidores, analistas de mercado e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O alarme soa no dia a dia, com o sobe e desce do dólar e a instabilidade dos juros futuros, mas o barulho se dissipa, quase sem efeito, na Praça dos Três Poderes. Nesse estranho enclave no centro do País, alguém se lembra de vez em quando, ou é lembrado, de preceitos meio cabalísticos, como uma estranha regra de ouro e um inoportuno teto de gastos.

Relatórios do Deutsche Bank, do Itaú Unibanco e do Bradesco, citados em reportagem do Estado, chamam a atenção, mais uma vez, para o desafio de conter a expansão do buraco fiscal e da enorme dívida pública. Mas o presidente Jair Bolsonaro parece ter pouco tempo – quase nenhum – para preocupações desse tipo. Cuidar da reeleição tem sido sua atividade principal, e uma fonte de sustos e inquietações para o mercado e para muitos analistas da economia brasileira.

Discussões sobre como financiar a Renda Cidadã, concebida como grande bandeira eleitoral, têm ocasionado frequentes sobressaltos. Brigas entre ministros por causa da gestão do dinheiro público também inquietam investidores e analistas. Além disso, o mercado reage mal quando se fala de investimentos eleitoreiros, obviamente imaginados como pretextos para viagens presidenciais. Não se trata, é claro, de planos de obras estratégicas para o desenvolvimento, até porque esses conceitos são estranhos ao mundo bolsonariano.

Dólar mais caro, aumento de custos e expectativa de juros mais altos no médio e no longo prazos são alguns dos efeitos dessa inquietação. O Banco Central (BC) tem chamado a atenção, em seus comunicados, para o risco de juros em alta se o mercado perder confiança na gestão das contas públicas.

O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem feito muito mais que divulgar as notas da instituição. Tem mostrado, em reuniões do Executivo, a importância de um claro compromisso com a responsabilidade fiscal. Reuniu-se com Bolsonaro duas vezes, desde o fim de setembro, para alertá-lo sobre os temores do mercado.

As incertezas sobre a gestão das finanças públicas são mencionadas, embora de forma suavemente diplomática, em relatório divulgado pelo FMI depois da recente visita ao Brasil de uma equipe técnica. Nesse tipo de visita, realizado anualmente, funcionários do Fundo coletam informações do governo e de outras fontes para a elaboração de um relatório sobre as condições perspectivas do país. A maior parte dos países-membros participa desse ritual e autoriza a divulgação dos dados e das avaliações.

“Com a dívida pública ascendendo a 100% do PIB, preservar o teto constitucional de gastos como âncora fiscal é fundamental”, assinala o comunicado, “para apoiar a confiança do mercado e manter contido o prêmio de risco soberano.” Soberano, nesse caso, é o risco associado à dívida pública.

Essa dívida, de R$ 6,39 trilhões em agosto, já bateu em 88,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e no fim do ano encostará em 100%, segundo as projeções correntes. Na média, o endividamento público nas economias emergentes deve ficar, neste ano, próximo de 60% do PIB, provavelmente pouco acima.

O maior endividamento é inevitável num ano de pandemia devastadora e enormes perdas econômicas. O FMI ajudou dezenas de governos a enfrentar os gastos com saúde e com apoio a empresas e famílias. Mas, passada a fase mais crítica, é preciso consertar os fundamentos da economia e criar condições para uma retomada segura.

No caso do Brasil, essa próxima etapa deve incluir, segundo a equipe do FMI, reformas para desengessar o Orçamento, proporcionar eficiência ao governo e tornar a tributação mais progressiva e mais favorável à alocação racional de recursos. Alguns desses pontos podem aparecer na retórica oficial, mas, no dia a dia, nem o mero compromisso com a responsabilidade fiscal está claro. O sobe e desce do mercado é um retrato das incertezas.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo - 07 de outubro de 2020 | 03h00

Vacina em novembro

Erradicação da loucura que assola o mundo tem de começar pela eleição dos EUA

Parecia impossível que algum líder mundial fosse superar o festival de loucuras que Jair Bolsonaro protagonizou durante a pandemia do novo coronavírus, subindo em lombo de cavalo, promovendo aglomerações, indo a atos antidemocráticos, mostrando cloroquina para as emas, etc.

Mas aconteceu. Desde que foi diagnosticado com covid-19, na semana passada, Donald Trump deixou o pupilo brasileiro no chinelo em termos de impostura e inadequação não apenas ao cargo que ocupa e ao qual se agarra com unhas e dentes, mas também aos princípios básicos de civilidade e convívio público no curso de uma emergência sanitária.

O homem mais poderoso do planeta foi internado na sexta-feira com muitas dúvidas pairando quanto à data exata de seu diagnóstico, se ele promoveu eventos já sabendo que estava doente ou a gravidade do quadro antes e depois de ser hospitalizado. 

À falta de transparência inimaginável para um País que se gaba de ser o berço e o guardião da democracia ocidental se somou a boçalidade desvairada.

Desesperado diante do revés da doença quando fazia questão de zombar dela, vender tratamentos mandrakes e defender e praticar comportamentos sociais irresponsáveis, Trump quis se mostrar forte. 

Para isso, expôs assessores, seguranças e equipe do hospital a risco de contaminação. O carro em que ele fez o desfile patético é blindado inclusive para ataques químicos e biológicos, o que significa dizer que, se nada entra, tampouco sai. A carga viral de um presidente doente ficou toda concentrada no interior do carro, sujeitando os demais ocupantes a riscos.

A diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que lá existem menos puxa-sacos e lambe-botas que aqui. E, quando um presidente se comporta como um moleque, há quem, mesmo entre os que o circundam, com coragem para dizer em voz alta. Foi o que fez o médico James Phillips, do hospital Walter Reed. “Eles podem ficar doentes. Eles podem morrer. Por teatro político”, atestou.

Lá como aqui este teatro que se prolonga já cobrou muito em termos de corrosão dos valores e dos marcos civilizatórios. Que um presidente decida se comportar como um bufão num debate e a comissão nacional encarregada de organizar tais eventos não deixe claro que isso não irá se repetir sob hipótese alguma é sinal de que Trump venceu mais um round e conseguiu enfraquecer mais uma estrutura que sustenta a democracia norte-americana – que, mesmo com todas as suas lacunas e falhas, é uma das mais estáveis do mundo.

Por tudo isso é vital a importância da eleição dos Estados Unidos, para o mundo e para o Brasil. A era de governantes fanfarrões calhou de coincidir com o maior flagelo humano, social e econômico que as atuais gerações – sejam as mais novas, sejam as que estão vendo antecipado seu tempo útil – irão conviver no curso de suas vidas.

A presença de figuras como Trump e Bolsonaro em postos de comando agrava exponencialmente os efeitos desse calvário. Mais de 200 mil mortos lá, quase 150 mil aqui e tanto um quanto outro seguem distraídos e distraindo os seus governados com factoides midiáticos. Lá a busca vale-tudo por uma reeleição cada vez mais difícil. Aqui a costura de terreno político com vista ao mesmo objetivo e para proteger a família presidencial, cada vez mais enredada numa trama que explicita o uso de dinheiro público de gabinetes para enriquecimento.

Não se sabe o mal que Trump ainda pode fazer, desde propagar o vírus para os que o cercam até colocar em dúvida a transição do poder caso se efetive a derrota que as pesquisas apontam. Mas é fácil analisar a importância que sua eventual saída de cena em novembro representará para começar a trazer de volta a racionalidade perdida à política brasileira. Que assim seja.

Vera Magalhães, aautora deste artigo, é editora do BR Político e apresentadora do programa Roda Viva, da TV Cultura. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 07.10.2020.

"Bolsonaro é a exibição sem censura da incivilização brasileira"

Para cientista político, Brasil vive processo cumulativo de "direitização", com Bolsonaro como expressão do moralismo conservador. Bandeiras do combate à corrupção e antipetismo vieram para ficar, diz. 

"Mesmo que não seja muito crível Bolsonaro se apresentar como anticorruptível e como um herói anticomunista, para uma parte da sociedade esses são valores eternos"

Diferenciar o fenômeno político do fenômeno eleitoral Jair Bolsonaro é essencial para compreender a ascensão da direita no Brasil. É o que afirma Adriano Codato, doutor em Ciência Política pela Universidade de Campinas (Unicamp) e um dos coordenadores do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Para Codato, há um processo cumulativo de "direitização" no país, vigente desde o início da década passada. "Bolsonaro foi em 2018 a expressão do moralismo conservador das camadas médias, da anticorrupção, esse valor muito caro à sociedade nacional que a esquerda não soube cultivar quando no governo", diz. "Como fenômeno político, Bolsonaro é a encarnação acabada do racismo, do machismo, da misoginia, da violência prática e simbólica."

Em entrevista à DW Brasil, Codato fala ainda sobre as perspectivas para as eleições municipais de novembro, o impacto do auxílio emergencial e de políticas sociais nos próximos processos eleitorais e os diferentes perfis da direita brasileira contemporânea. "Ela [a direita] conseguiu ter mais presença, soube usar melhor e antes as novas plataformas digitais de comunicação do que a esquerda", afirma. 

DW Brasil: O senhor afirma no artigo Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica que a direita brasileira vem crescendo no país desde o início da década de 2010. Qual foi o "ponto de virada" para esse crescimento?

Adriano Codato: Posicionar partidos políticos no Brasil no espectro tradicional esquerda-centro-direita é sempre problemático. Há muitos partidos que controlam cadeiras no Congresso Nacional [Câmara dos Deputados e Senado], mais de 20, e poucos são, de fato, puramente programáticos. Assim, o alinhamento principal do espectro partidário no Brasil se dá mais no eixo que separa governo e oposição do que direita e esquerda, como na Europa.

De toda forma, há sim partidos com um discurso e com uma atuação parlamentar conservadora. Esses partidos conquistaram a maioria das cadeiras nas eleições de 2014, invertendo uma tendência de queda desde 2002.

Além disso, o Brasil é um país presidencialista. As eleições parlamentares são separadas das eleições para presidente da República. Em 2014, a eleição presidencial foi vencida por Dilma Rousseff, de um partido de centro-esquerda, o PT. Em 2018, a eleição foi vencida por um político de extrema direita, Jair Bolsonaro, um político indiferente a partidos e que já passou por vários deles, mas sempre à direita.

Entre 2014 e 2018 houve o impedimento de Rousseff (PT), em 2016, a partir de um movimento liderado por um bloco de forças políticas, sociais e judiciais reacionárias. Em resumo: não há um ponto de virada concentrado em uma única conjuntura crítica, mas um processo cumulativo e progressivo de "direitização".

A direita brasileira é um fenômeno complexo, que foge à ideia de direita única e tradicional. Quais são os perfis da direita brasileira hoje?

A grosso modo, identificamos cinco tipos: o político tradicional de direita (ligado aos grandes partidos cuja origem genealógica pode ser buscada na ditadura militar); o político da nova direita popular (ligado à ampla base social das igrejas evangélicas); o político da direita populista (no caso, o tipo ideal seria Bolsonaro; o político da direita neoliberal (cujo programa reformista vai do PSDB até o Novo) e o político da direita libertária.

Ainda dentro dessa questão, algo que se consolidou nos últimos anos foi o aumento da bancada evangélica. Ela conseguiu, de fato, ocupar o espaço que por muito tempo foi da esquerda nas comunidades e periferias?

Pesquisas qualitativas têm apontado nessa direção, e a própria geografia do voto tem mostrado isso, sim.

As Jornadas de Junho, de 2013, exerceram um papel importante no fenômeno de consolidação dessas diferentes "direitas"?

Os movimentos de junho de 2013 marcaram a aglutinação de forças políticas e também sociais oposicionistas aos governos do Partido dos Trabalhadores, na Presidência desde 2003. Nesse momento, emergiram com força duas agendas, uma negativa, contra a corrupção, e uma positiva, a favor da melhoria dos serviços públicos. Reconstruindo a cronologia dos acontecimentos, pode parecer que 2018 [quando ocorre a eleição de um político de extrema direita] já estivesse contido em 2013 [nos movimentos de protestos contra o governo encampados pela direita anti-PT], mas essa não é uma linha reta.

Quais são as perspectivas para a direita brasileira nas eleições municipais deste ano e para o pleito de 2022?

A política brasileira, nos últimos dez anos, é tão repleta de acontecimentos, voltas e reviravoltas que se torna difícil fazer previsões. Um agente que tem contribuído muito para essa imprevisibilidade é o poder Judiciário, que atua também como ator político, muda constantemente as regras eleitorais, torna competidores inelegíveis, altera interpretações da legislação, etc. Nesse contexto, há tanto chance de a esquerda não petista disputar a prefeitura de grandes cidades, como em Porto Alegre ou em São Paulo, como de Bolsonaro empregar seu capital político, prestígio e popularidade recentes para aumentar a presença da direita no interior do Brasil.

Em 2018, o partido Novo, que à época tinha sido registrado há somente três anos, conseguiu eleger o governador de um dos maiores estados do país[Romeu Zema, de Minas Gerais] e teve um candidato à Presidência com desempenho melhor que nomes já conhecidos, como Henrique Meirelles (MDB) e Marina Silva (Rede). Essa direita com forte perfil de liberalismo econômico e nomes ligados ao empresariado, e não tradicionalmente à política, deve crescer no Brasil?

A maior barreira para o crescimento dessa família de direita é o seu programa econômico e o seu discurso político. No Brasil, um programa de ajuste fiscal rigoroso e um discurso pró-mercado possui quase nenhuma viabilidade eleitoral. O partido Novo apoiou-se mais no fato de ser novidade do que no fato do que ele é de fato: o mais acabado exemplo de reciclagem do discurso conservador e demófobo da direita liberal brasileira.

Um levantamento da Folha de S. Paulo divulgado em julho apontou que o total de contas de usuários mais à direita suspensas pelo Twitter entre maio de 2019 e junho de 2020 é quatro vezes maior do que as contas consideradas mais à esquerda. O que esse número acaba entregando?

Que a direita brasileira conseguiu ter mais presença, soube usar melhor e antes as novas plataformas digitais de comunicação do que a esquerda.

Jair Bolsonaro foi de um parlamentar mediano, desconhecido de grande parte da população por muito tempo, a presidente do Brasil. O que explica esse fenômeno?

Penso que seja preciso diferenciar Bolsonaro como fenômeno político, de um lado, e como fenômeno eleitoral, de outro. Como fenômeno político, Bolsonaro é a encarnação acabada do racismo, do machismo, da misoginia, da violência prática e simbólica, das taras e dos preconceitos de uma sociedade profundamente autoritária como a brasileira. Um ator político rude, inculto e grosseiro é a exibição sem censura da nossa incivilização.

Como fenômeno eleitoral, por sua vez, Bolsonaro foi em 2018 a expressão do moralismo conservador das camadas médias, da anticorrupção, esse valor muito caro à sociedade nacional que a esquerda não soube cultivar quando no governo, e o veículo útil das forças de mercado que encontraram, em 2018, em um acabado reacionário a oportunidade para continuar e aprofundar um projeto reformista do capitalismo nacional.

Nos últimos anos, muito se apontou no Brasil uma melhora em relação à renda, por conta do aumento do salário mínimo e de programas como o Bolsa Família, além de uma maior facilidade em relação ao acesso a crédito, políticas direcionadas ao ingresso nas universidades, e que tais políticas sociais favoreceram a manutenção do PT na Presidência. O auxílio emergencial, porém, multiplicou o alcance do Bolsa Família. Qual será o impacto dessas políticas sociais nas próximas duas eleições?

Nas eleições municipais de novembro de 2020, o impacto tende a ser positivo à medida que candidatos e candidatas consigam se associar a essa agenda. Mas isso deve variar bastante, pois há mais de 30 partidos eleitorais no Brasil, e as disputas se darão em mais de 5.500 cidades. Nas eleições de outubro de 2022 esse impacto será seguramente modulado pela continuidade ou não desse tipo de programa de transferência de renda.

As principais bandeiras de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 foram o "combate à corrupção" e o "antipetismo". Elas ainda se sustentam em um cenário em que o PT já estará há seis anos longe do poder em 2022 e Bolsonaro rompeu com Moro?

Exceto se eu estiver completamente errado, o combate à corrupção e o antipetismo, como já foi o anticomunismo, são bandeiras que vieram para ficar no coração das camadas médias brasileiras, dos formadores de opinião e dos publicistas em geral. Mesmo que não seja muito crível Bolsonaro se apresentar como anticorruptível e como um herói anticomunista, para uma parte da sociedade brasileira esses são dois valores eternos. Por outro lado, o voto econômico, ou seja, o voto baseado na percepção sobre as condições reais de vida da maior parte do eleitorado, deverá ter mais importância do que o voto ideológico.

Hoje, quais as chances reais de reeleição de Bolsonaro?

Com dois anos de antecedência, é imprudente fazer alguma previsão. Suas chances dependem da manutenção da sua popularidade, sustentada por programas de transferência de renda, do seu apoio junto à turma do dinheiro e do prestígio da retórica reacionária. Isso, de um lado. De outro, da capacidade, ou da incapacidade, das esquerdas (lulista, trabalhista, verde) se coordenarem em uma frente ampla, ou única, ou o que seja, contra a hegemonia pretendida da direita.

Publicado por Deutsch Welle, em 07.10.2020

O coquetel de anticorpos usado no tratamento de Trump contra a covid-19

Presidente dos Estados Unidos recebeu uma dose de Regn-Cov2, um medicamento autorizado apenas para uso emergencial nos EUA. Testes clínicos preliminares mostram redução da concentração do coronavírus nos pulmões.

Trump deixa o hospital militar onde passou três dias em tratamento

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pôde receber medicamentos ainda não amplamente liberados durante sua rápida passagem por um hospital militar para o tratamento contra a covid-19.  Entre eles estão, além do antiviral remdesivir , também o Regn-Cov2.

Segundo o médico de Trump, Scott Gottlieb, o presidente recebeu uma dose intravenosa de 8 gramas do medicamento. Trata-se de um coquetel de anticorpos desenvolvido pela empresa americana de biotecnologia Regeneron Pharmaceuticals.

Como funciona o Regn-Cov2?

O Regn-Cov2 é uma das várias drogas experimentais contra a covid-19 que usam os chamados anticorpos monoclonais – cópias sintéticas de anticorpos humanos formados por pacientes nos estágios iniciais da doença.

O medicamento é administrado por via intravenosa e num único tratamento. O coquetel experimental está em fase de testes e ainda não passou pela avaliação de outros cientistas. A Regeneron afirma, contudo, que a droga foi bem-sucedida até aqui quando usada em seres humanos.

O princípio ativo é uma combinação de dois tipos de anticorpos: um fabricado pela empresa e outro oriundo de pacientes que se recuperaram da doença. Tal combinação, segundo a Regeneron, é vantajosa caso haja mutação do coronavírus.

Ao se ligarem aos chamados peplômeros (proteína spike) do Sars-Cov-2, os anticorpos atuam em conjunto, deformando a estrutura do vírus e, assim, limitando a capacidade dele de atacar as células humanas.

Os anticorpos, segundo a empresa, foram selecionados com base numa análise feita em camundongos geneticamente modificados. Ao final do experimento, os cientistas escolheram os dois anticorpos mais potentes e que não competiam entre si.

A Regeneron afirma que estudos pré-clínicos mostraram uma redução na quantidade de vírus nos pulmões de pacientes de covid-19 tratados com Regn-Cov2. Os maiores benefícios, porém, foram observados entre os pacientes que não haviam desenvolvido uma resposta imunológica eficaz por conta própria.

Ainda de acordo com a empresa farmacêutica, o tempo médio para alívio dos sintomas foi de 13 dias para o grupo de placebo, oito dias para o grupo de alta dosagem e seis dias para o grupo de baixa dosagem. Até o momento, 275 pacientes já teriam participado dos testes nos EUA.

A Food and Drug Administration (FDA), agência do governo dos EUA que regulamenta o uso de medicamentos no país, ainda não aprovou a utilização em massa do Regn-Cov2. Seu uso em casos de emergência, porém, foi autorizado antes mesmo de a revisão formal ser concluída.

Embora ainda faltem dados sobre a nova droga, o conselheiro da Casa Branca Anthony Fauci disse que ela se mostrou promissora. Nos testes conduzidos pela Regeneron, porém, a idade média dos participantes era de 44 anos. Trump, que é levemente obeso e tem 74 anos, enquadra-se na categoria de alto risco.

Além do Regn-Cov2 e do remdesivir, o tratamento do presidente dos EUA também consiste na administração de zinco, vitamina D, melatonina, aspirina e um remédio para azia.

Em junho, o governo dos EUA concedeu à Regeneron um contrato de fornecimento de 450 milhões de dólares para até 300 mil doses do tratamento de anticorpos.

No ano passado, um plano de tratamento triplo com anticorpos, desenvolvido pela Regeneron, se mostrou eficaz contra o vírus ebola.

Publicado por Deutsc Welle em 07.10.2020

Maioria dos brasileiros relativizou democracia durante a pandemia

Pesquisa sobre valores morais indica que mais de 80% colocaram regime democrático em segundo plano em meio à crise da covid-19. Medo, insegurança sobre o futuro e fake news contribuem para fragilização do sistema.


Pessoas em rua movimentada de São Paulo em meio à pandemia

"A pandemia oferece uma oportunidade única para estudar como os valores morais das pessoas se comportam em tempos de crise", diz pesquisadora

Em algum grau, 82,5% dos brasileiros aceitam a relativização do regime democrático desde que o objetivo do governo seja resolver os problemas e melhorar a vida da população. Foi o que apontou a primeira etapa da pesquisa "Valores em Crise 2020", conduzida pelo Instituto Sivis e pelo Instituto Votorantim em meio à pandemia de covid-19.

O objetivo do levantamento, explica a gerente de Pesquisa e Impacto do Instituto Sivis, Thaise Kemer, é descobrir como a percepção dos entrevistados sobre a crise do coronavírus se transformou ao longo da pandemia e como essas mudanças de perspectiva afetaram seus valores morais e orientações sociais.

Para tanto, o estudo será conduzido em três etapas: a primeira, no meio da crise, foi aplicada em maio e junho de 2020 e já teve seus resultados divulgados; a segunda, será realizada no momento em que a vida pública começar a voltar à normalidade, o que se espera que aconteça ainda nos meses finais de 2020; e a terceira deve ocorrer um ano após a primeira, em meados de 2021.

"A pandemia oferece uma oportunidade única para estudar como os valores morais das pessoas se comportam em tempos de crise. Esse cenário de incerteza levanta várias questões importantes de pesquisa: as pessoas mudam seus valores em um contexto de crise? Se sim, como essas mudanças de valores se manifestam?", comenta a pesquisadora.

Segundo Kemer, a relativização da democracia demonstra um grave problema, indicando que falta conhecimento sobre as implicações desse regime para a vida em sociedade.

Ela também diz que a pandemia aprofundou desigualdades já existentes no país: aproximadamente 40% dos entrevistados receberam dinheiro de algum auxílio emergencial, enquanto 34,6% sofreram impactos econômicos severos, como perda de emprego ou fechamento do negócio próprio.

"Esse cenário pode ter consequências deletérias para a democracia brasileira, ao tornar mais difícil  que parcelas expressivas da sociedade tenham acesso a ferramentas e conhecimentos relevantes para o exercício democrático”, pontua.

‪Amélia do Carmo Sampaio Rossi, doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirma que há várias crises ocorrendo simultaneamente. Na visão da docente, a baixa adesão ao regime democrático lhe parece ligada de forma estreita a uma crise econômica mundial, agravada pela pandemia da Sars-CoV-2. ‬‬

Ela também ressalta que o regime democrático não pode ser visto apenas como a vontade da maioria, ou autogoverno popular, mas como o respeito intransponível a todos os direitos fundamentais. Nesse ponto, ela diz acreditar que as democracias atuais têm falhado.

"O medo, a insegurança para com os rumos da vida, as exclusões e assimetrias, a crise das democracias representativas – muitas vezes sequestradas pelo poder econômico-financeiro aliado aos dados digitais – tudo isso colabora para que o valor democrático fique em segundo plano", esclarece.

Rossi diz ainda que não há como precisar se o dado apontado pela pesquisa do Instituto Sivis seria diferente em tempos de "normalidade", vez que o conceito é relativo – não há, por exemplo, subjetividade na fome. Só poderia ser considerada "normal" uma sociedade com plena justiça social e acesso a bens básicos, como saúde, educação, segurança alimentar, assistência social, entre outros.

"Não é possível gozar de uma efetiva liberdade para uma comunidade se esta não está associada ao acesso aos bens básicos e à ideia de dignidade e mínimo existencial. Melhorar a vida deve significar criar maiores planos de igualdade material. Ou devemos acreditar que falta dinheiro no mundo?", questiona a docente.

Fragilidade histórica

Para Marília Veronese, docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), existe uma fragilidade histórica em relação à consolidação da democracia no continente americano.

"O colonialismo ibero-americano a partir do ‘descobrimento' resultou em um encontro colonial extremamente violento, calcado na relação de exploração e extração das riquezas naturais, que foram depenadas e impulsionaram a revolução industrial europeia" diz. "Aqui, porém, tivemos um genocídio da população indígena e uma destruição dos conhecimentos e culturas originários da América Latina. Mais tarde, tivemos mais violência com a escravização dos africanos."

A cientista social também aponta que a instabilidade democrática verificada ao longo do século 20, com períodos ditatoriais, como o Estado Novo e o regime militar no Brasil e as demais ditaduras do Cone Sul, é um fator que contribuiu para essa fragilidade.

O fato de os brasileiros aceitarem que o governo passe por cima do Congresso, das leis e das instituições em tempos de crise, como apontaram os resultados da pesquisa "Valores em Crise 2020", demonstra um comportamento que é sintomático dos déficits existentes na cultura democrática brasileira, diz Kemer.

"A cultura democrática passa por uma internalização dos significados sociais e institucionais da democracia para a vida dos cidadãos. Nesse sentido, ao relegar as bases do regime democrático a um segundo plano, é possível que a pandemia esteja demonstrando fragilidades da democracia brasileira que têm natureza estrutural", opina.

Fake news

Outro fenômeno atual que pode gerar impactos significativos na democracia são as fake news. Um estudo realizado pela Avaaz, rede para mobilização social global através da internet, apontou que sete em cada dez brasileiros acreditaram em pelo menos uma notícia falsa sobre a pandemia do coronavírus.

Rossi  afirma que a digitalização da política e as fake news criaram modos de estabelecer uma pós-verdade. "A manipulação e o uso de informações por meio de algoritmos influenciam as escolhas políticas. Estamos diante de um novo ‘voto de cabresto digital'; não somos obrigados a escolher este ou aquele candidato, mas a manipulação escolhe por nós", considera. "Há muitos e novos problemas para pensarmos no século 21, muitas perguntas que levam a reflexão, mas, por enquanto, nenhuma resposta."

Já para Kemer, o índice trazido pela pesquisa da Avaaz é reflexo da desinformação e impacta prejudicialmente o jogo democrático: uma população mal informada, diz a especialista, não tem elementos pertinentes para fiscalizar o trabalho dos governantes e exigir seus direitos.

"Trabalhar contra a desinformação é um requisito fundamental para fortalecer a democracia brasileira, e esse combate passa tanto pela valorização de diálogos plurais quanto pela busca em assegurar que cidadãs e cidadãos brasileiros tenham os conhecimentos necessários para tomar decisões conscientes sobre o futuro", conclui.

Publicado por Deutsch Welle em 07.10.2020

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Trump deixa hospital com tratamento que OMS liga a casos graves de covid

Especialistas desconfiam da rapidez com que o presidente foi liberado e questionam coquetel de remédios usados apenas em pacientes com complicações 

Donald Trump deixou ontem o hospital militar Walter Reed, em Washington, após três noites internado com covid-19. Sean Conley, médico do presidente, disse que ele “cumpriu os critérios para alta” e passará os próximos dias confinado em um quarto na Casa Branca. Especialistas, porém, questionam se a alta foi dada cedo demais e se perguntam por que Trump recebeu três tratamentos diferentes, normalmente reservados a pacientes graves, se o caso dele é leve, como alegam seus médicos. 

Segundo assessores, Trump estava ansioso para voltar para a Casa Branca. Ele vinha pressionando para ter alta desde domingo, para mostrar ao país que ele está ativo – e não acamado. “Não tema a covid. Não a deixe tomar conta de sua vida”, escreveu o presidente no Twitter, pouco antes de deixar o hospital. “Estou melhor que há 20 anos.” 

O tom do presidente é ainda desafiador e mostra que ele deve usar o fato politicamente, argumentando que superou a doença. No domingo, ele disse que, por ter contraído o vírus, ele “entendia” a covid melhor que os médicos. “Aprendi muito sobre a covid. Aprendi indo realmente à escola. Esta é a escola real. Não é como ler livros”, disse o presidente, em vídeo de 73 segundos, no fim de semana. “Agora eu entendo.”

O presidente tem pressa. Nos últimos dias, enquanto estava confinado, o democrata Joe Biden cruzou o país realizando comícios. Em muitos Estados, milhões de eleitores já votam pelo correio. A 28 dias da eleição, Trump está atrás nas pesquisas e corre contra o tempo.

Uma oportunidade é o segundo debate, marcado para dia 15, em Miami. Ontem, seu comitê de campanha disse que ele estará no encontro, embora o protocolo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) determine quarentena de dez dias após o surgimento dos primeiros sintomas, dependendo da evolução do paciente. Biden disse ontem que aceita debater, desde que os médicos digam que é seguro.

Embora tenha recebido alta e retornado à Casa Branca, o estado de saúde de Trump ainda é um mistério. Mesmo Conley, seu médico, admitiu que ele “não está totalmente fora de perigo”. No entanto, muitos especialistas questionam não só aspectos do tratamento dado ao presidente como também a própria credibilidade de Conley. 

Ontem, por exemplo, o médico disse a jornalistas que o presidente estava há mais de 72 horas sem febre e sem antitérmicos, mas admitiu que Trump vem tomando o corticoide dexametasona, que alivia inflamações – e pode também mascarar a febre. Pelo Twitter, a infectologista Céline Gounder criticou o médico. “O doutor Conley disse que o presidente não toma medicamentos para reduzir a febre há 72 horas. Ele está errado”, escreveu. “A dexametasona reduz a febre.”

Outros especialistas alertaram para o risco de dar alta para um paciente com covid no momento mais delicado da doença. “Para alguém tão doente que precisou tomar remdesivir e dexametasona, não consigo imaginar como um paciente estaria bem para sair no terceiro dia, mesmo com a capacidade médica da Casa Branca”, disse Robert Wachter, diretor do Departamento de Medicina da Universidade da Califórnia, em San Francisco. 

Os médicos dizem que pacientes com covid são especialmente vulneráveis pelo período de uma semana a dez dias após os primeiros sintomas. Alguns infectados que parecem saudáveis pioram repentinamente em razão do vírus ou de uma resposta imunológica que pode causar danos a vários órgãos, incluindo o coração. “A pessoa pode estar bem, mas a coisa pode ficar complicada muito rapidamente”, afirmou Amesh Adalja, da Universidade Johns Hopkins.

Reforçando as preocupações está o fato de Trump ser o primeiro paciente – ou um dos primeiros – a receber uma combinação incomum de três tratamentos fortes, com suplementos e até um medicamento não regulamentado. “Ele passou por tratamentos diferentes”, disse Rochelle Walensky, infectologista do Hospital Massachusetts General. Segundo ela, quando a dexametasona foi testada, no início do ano, nenhum dos pacientes recebeu junto o coquetel experimental de anticorpos dado a Trump.

Pesquisas

Do ponto de vista dos números, a campanha segue inalterada. Os republicanos tinham esperança que os eleitores ficassem ao lado de um presidente doente. No entanto, as primeiras pesquisas mostraram que não houve o chamado “salto de compaixão”, que eles esperavam.

Duas pesquisas realizadas após o diagnóstico de Trump mostram Biden à frente. Na sondagem Ipsos-Reuters, o democrata lidera com 10 pontos porcentuais de vantagem (1 a mais do que na semana passada). Os números da pesquisa YouGov-Yahoo colocam Biden 8 pontos à frente – 3 a mais que na semana passada. / NYT, WP e REUTERS 

Redação, O Estado de S.Paulo, 06 de outubro de 2020 | 05h00

Biden amplia vantagem sobre Trump após debate e diagnóstico de covid do adversário, aponta pesquisa

Levantamento da rede americana CNN aponta que candidato democrata aumentou vantagem em relação ao atual presidente a menos de um mês da eleição

O candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, ampliou a vantagem sobre o atual presidente, o republicano Donald Trump, na corrida eleitoral americana. De acordo com pesquisa encomendada pela rede americana CNN, o ex-vice de Barack Obama lidera com vantagem de 57% a 41% das intenções de voto.

De acordo com a pesquisa - realizada após o anúncio de contaminação de Trump por covid-19 -, Biden lidera a preferência dos eleitores em diversos quesitos considerados importantes para a decisão do voto na eleição deste ano. Entre os prováveis eleitores (aqueles que ainda não se registraram para votar), por exemplo, o democrata é visto como mais confiável quando os assuntos são a pandemia do novo coronavírus (59% a 38%), saúde (59% a 39%), desigualdade racial (62% a 36%), nomeações para o Supremo Tribunal Federal (57% a 41%) e crime e segurança (55% a 43%).

Embora esta seja a primeira pesquisa nacional da CNN a relatar resultados entre prováveis eleitores, uma comparação dos resultados entre eleitores registrados de agora com uma pesquisa realizada a cerca de um mês atrás revela que Biden ganhou apoio substancial entre vários blocos eleitorais importantes.

Biden ampliou sua vantagem sobre Trump entre as mulheres, de 57% a 37% em setembro para 66% a 32% agora. Essa mudança inclui ganhos substanciais para Biden entre mulheres brancas com diploma universitário e mulheres negras em geral. Entre a população negra, a vantagem de Biden aumentou de 59% a 31% em setembro para 69% a 27%. O ex-vice-presidente também obteve ganhos entre os eleitores mais jovens, moderados e independentes no mês passado.

O aumento do apoio a Biden, porém, não veio acompanhado de quedas substanciais de Trump. A base de apoio do presidente continua firme, aumentando em determinados grupos. Entre homens brancos sem diploma universitário, por exemplo, o apoio de Trump aumentou de 61% em setembro para 67% agora.

Mesmo com a liderança nacional de Biden, a disputa pela Casa Branca será definida em alguns poucos Estados pêndulo. O ex-vice-presidente lidera em vários desses campos de batalha, mas por margens mais estreitas do que sua vantagem nacional.

A pesquisa da CNN foi conduzida pelo SSRS de 1º a 4 de outubro entre uma amostra nacional aleatória de 1.205 adultos alcançada em telefones fixos ou celulares por um entrevistador ao vivo, incluindo 1.001 prováveis eleitores. Os resultados da amostra completa têm uma margem de erro de amostragem de 3,3 pontos percentuais para mais ou para menos. Entre os prováveis eleitores, margem de erro é de 3,6 pontos para mais ou para menos.

Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 06.10.2020.

Amigos do peito

As relações pessoais do presidente com integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis. O problema é quando sugerem outros propósitos.

 Não constitui problema um presidente da República ter amigos do peito em outros Poderes. As relações de caráter pessoal do chefe do Executivo com alguns integrantes do Legislativo e do Judiciário são até presumíveis, dada a convivência cotidiana em Brasília, que em alguns casos pode chegar a décadas. O problema é quando essa relação sugere que tem outros propósitos além do cultivo de uma amizade sincera.

A democracia presume a separação de Poderes. Esse princípio, pilar do Estado de Direito, é antídoto contra a tentação autoritária de quem pretende concentrar poderes que a Constituição não lhe faculta. É evidente que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário não são estanques. Sua relação se dá por meio dos chamados freios e contrapesos, fórmula que propicia fiscalização mútua e impõe obstáculos a qualquer tentativa de usurpação de poder. 

Para que funcione conforme o espírito constitucional, de forma harmônica, essa relação deve se dar exclusivamente no ambiente institucional, a salvo de interesses particulares dos ocupantes temporários dos cargos nos Três Poderes. Há mais de 200 anos é assim, ao menos nas democracias maduras.

Diante dessas considerações, vem causando justificável estupor o modo como o presidente Jair Bolsonaro pretende construir as relações de sua Presidência com o Supremo Tribunal Federal (STF). Sua primeira nomeação para aquela Corte, a do desembargador Kassio Nunes Marques, serve a um único propósito, conforme o próprio presidente admite sem corar: ter no topo do Judiciário um ministro que esteja “100% alinhado comigo”, como Bolsonaro escreveu recentemente numa rede social. Esse “alinhamento”, segundo o presidente, significa ser contra o aborto e a favor do armamento da população, além de “defender a família e as pautas econômicas”. 

É prerrogativa do presidente escolher quem bem entender para o Supremo, desde que atendidas as exigências constitucionais de notório saber jurídico e reputação ilibada. Também é natural que o indicado represente valores caros ao eleitorado do presidente, legitimados pelas urnas. O que não é natural nem saudável numa democracia é quando o presidente pretende que seu indicado ao Supremo atue como advogado de seus interesses pessoais, o que se depreende de sua insistência em classificar o desembargador Kassio Nunes Marques como um amigo: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né? O convívio da gente”.

Mas as amizades estratégicas de Bolsonaro, com ou sem tubaína, não se limitam a seu indicado ao Supremo. O abraço afetuoso entre o presidente e o ministro do STF Dias Toffoli, numa “confraternização” na casa do magistrado no fim de semana, é a constrangedora imagem da ausência de limites institucionais na república bolsonariana.

Nessa república, o presidente age como se não fosse ocupante temporário do cargo e, assim, não precisasse observar a liturgia que garante a impessoalidade do exercício da Presidência. Procura estabelecer com integrantes do Judiciário laços de compadrio que embutem uma óbvia expectativa de cumplicidade. Faz campanha pessoal por seu indicado ao Supremo como se fosse um cabo eleitoral. Só falta distribuir santinhos.

Tudo muito conveniente para quem é o chefe de um clã enroscado com a Justiça e é, ele mesmo, investigado. Também é muito conveniente para quem tem como base parlamentar um grupo de partidos e políticos que, em razão dos muitos processos que enfrentam por corrupção, estão igualmente interessados em cultivar relações de camaradagem no Judiciário.

“Preciso governar”, disse o presidente Bolsonaro a um apoiador que o criticou pelo abraço em Toffoli, como se seu governo dependesse de relações de caráter pessoal, e não institucional. E depende mesmo: sabendo que “governar”, para Bolsonaro, é manter-se no poder a qualquer custo, proteger seus filhos na Justiça e de quebra ajudar os companheiros do Centrão que lhe dão apoio crucial neste momento, é natural que o presidente ainda venha a precisar de muitos amigos do peito.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 06.10.2020.

Trump deixa hospital e volta a minimizar covid-19

"Não tenham medo da covid", diz presidente sobre doença que matou 209 mil americanos. Dúvidas sobre o estado de saúde do mandatário persistem após equipe médica se recusar a fornecer detalhes sobre diagnóstico.


Mesmo doente, Trump tirou a máscara assim que chegou à Casa Branca

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou na noite desta segunda-feira (05/10) o hospital militar Walter Reed, onde permaneceu três dias internado para tratar uma infecção por coronavírus. Após deixar o centro de saúde, por volta de 18h30 no horário local, ele seguiu de helicóptero para a Casa Branca. Ao chegar à residência oficial, mesmo doente, ele tirou a máscara e posou para fotógrafos.

A saída do hospital ocorreu em meio a dúvidas sobre o estado de saúde do mandatário de 74 anos. Nos últimos dias, a


USA Trump verlässt Krankenhaus (Jonathan Ernst/Reuters)

Trump ao deixar o hospital. Ele seguiu de helicóptero para a Casa Branca

Casa Branca deu informações contraditórias e confusas, e a equipe médica do presidente continua a se recusar a informar detalhes sobre a linha do tempo da infecção. A saída também ocorre apesar de os médicos admitirem que o mandatário "não estar totalmente fora de perigo".

O anúncio de que Trump iria deixar o hospital foi feito pelo próprio presidente por meio do Twitter. "Estou me sentindo muito bem!", escreveu. "Nós desenvolvemos, no governo Trump, ótimos remédios e conhecimento. Sinto-me melhor do que há 20 anos."

Ele ainda voltou a minimizar a gravidade da covid-19, afirmando aos americanos que "não tenham medo da covid" e não deixem que ela "domine suas vidas". Os EUA são de longe o país mais afetado pela pandemia no mundo, tendo registrado mais de 209 mil mortes associadas à doença e 7,4 milhões de casos.

Após o anúncio de Trump, o médico da Casa Branca, Sean Conley, e membros da equipe do Hospital Walter Reed concederam uma entrevista para abordar a alta do presidente. "Embora o presidente possa ainda não estar totalmente fora de perigo, a equipe e eu concordamos que todas as suas avaliações, e o mais importante, o seu estado clínico permitem o seu regresso a casa, onde ele estará rodeado de cuidados médicos de nível mundial 24 horas por dia, sete dias por semana", declarou Conley,


O grupo de médicos disse ainda que o presidente não apresentou nenhuma reclamação em relação a seu sistema respiratório e que ele não sentia febre há 72 horas.


USA I Trump I Coronavirus I PK (abaca/picture-alliance)

Médicos não responderam várias perguntas sobre estado de saúde Trump

Depois que foi diagnosticado com o vírus, Trump foi submetido a três tipos de tratamento, incluindo o antiviral remdesivir, dexametasona e um coquetel conhecido como REGN-COV2, da empresa Regeneron, que consiste numa combinação de cópias sintéticas de anticorpos humanos.

No entanto, ainda persistem dúvidas em relação ao estado de saúde de Trump. Ao falar com a imprensa, Conley se negou a responder quando foi a última vez que o presidente testou negativo para covid-19, uma informação relevante para identificar quando ele foi infectado. "Não quero olhar para o passado", disse o médico. Conley ainda se recusou a responder se Trump está com pneumonia ou dar detalhes sobre o tratamento oferecido ao presidente. 

Nos últimos meses, a Casa Branca propagandeou que Trump vinha se submetendo a testes diários de covid-19, mas a recusa da equipe médica em apontar quando ocorreu o último diagnóstico negativo levantou dúvidas se isso era verdade ou se a presença do vírus foi mesmo detectada na madrugada de sexta-feira, como a Casa Branca comunicou.

A postura do médico gerou críticas entre jornalistas americanos que cobrem a Casa Branca, que apontaram que Conley vem se comportando mais como um assessor político do que como um médico. A confirmação de que o presidente também tomou dexametasona, um esteroide recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apenas para casos graves de covid-19, também alimentou dúvidas sobre seu real estado de saúde. 

Nos últimos dias, a Casa Branca também deu informações que entraram em choque com as avaliações de Conley, que pintou um quadro otimista imediatamente após o presidente anunciar que estava doente. No sábado, porém, Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, contradisse os médicos e disse que o presidente estava passando por um período "muito preocupante". 


Walter Reed Militärhospital | Donald Trump Videobotschaft Covid-19 (The White House via Reuters)

Trump em vídeo divulgado no sábado. Jornal aponta suspeita de que gravação foi editada para esconder tosse

No domingo, os médicos reconheceram que o presidente precisou receber oxigênio suplementar e que ele estava sendo tratado com um medicamento usado em casos graves. No dia anterior, os médicos haviam se recusado a responder se Trump havia precisado de oxigênio suplementar.

Nesta segunda-feira, o jornal Washington Post ainda apontou a suspeita de que um vídeo divulgado por Trump no sábado, em que o presidente aparecia no hospital tentando passar uma sensação de normalidade, possa ter sido editado para esconder que o mandatário estava tossindo.

O período de internação de Trump no Walter Reed também foi marcado por controvérsias provocadas pelo próprio presidente. No domingo, depois da admissão dos médicos de que seu quadro inicial havia sido mais preocupante do que o inicialmente divulgado, Trump, que disputa a reeleição e está atrás nas pesquisas, resolveu fazer uma demonstração de força. Ele deixou temporariamente o hospital e fez um passeio de carro para acenar a apoiadores. A ação gerou críticas nos meios político e médico dos EUA, despertando acusações de que o presidente estava expondo agentes da sua segurança desnecessariamente ao vírus.

Nesta segunda, o republicano publicou quase duas dezenas de novas mensagens no Twitter, para propagandear as principais bandeiras do seu projeto político e estimular seus apoiadores a votar. "SALVEM A NOSSA SEGUNDA EMENDA: VOTEM!", dizia uma das mensagens, em referência ao artigo da constituição americana que garante o acesso a armas de fogo. "FORÇA ESPACIAL. VOTEM!", era o tom de outra mensagem, mencionando um dos projetos do governo Trump.

O número de funcionários da Casa Branca com covid-19 continua a aumentar. Nesta segunda-feira, a secretária de imprensa da Casa Branca, Kayleigh McEnany, comunicou pelo Twitter também ter testado positivo. Com isso, chegou a 12 o número de pessoas próximas a Trump que foram diagnosticadas com a doença nos últimos dias.

Boa parte delas estiveram num evento na Casa Branca em 26 de setembro, data que está sendo examinada como um possível "evento de superpropagação". Naquele dia foi oferecida uma recepção para a juíza indicada por Trump para a Suprema Corte, Amy Coney Barrett.

Publicado originalmente por Deutsche Welle, em 06.10.2020.

Sarney: Trump quer destruir a democracia

Costumo dizer que não estamos vivendo em um mundo em transformação, mas num mundo transformado. Com o Covid-19 especula-se que vamos viver um novo normal. Ninguém pode dizer o que isto será. Mas antes que ele venha estou estupefato diante de algo que jamais pensei que pudesse ver.

A minha admiração pelos Estados Unidos vem do orgulho de que tenha saído do Continente Americano o país que transformou o mundo, tornando-se a maior nação da terra, líder e exemplo para todos os povos. Deles surgiu o sistema político que Fukuyama afirmou ter levado ao fim da História, com o domínio da democracia liberal e da economia de mercado.

Formou-se um sistema de governo capaz de garantir a ideia de que todos são iguais perante a lei e ninguém pode ser discriminado em razão de cor, raça ou religião. Cristalizaram-se as ideias de liberdade, direitos humanos, dignidade humana, governo do povo e para o povo. E esses direitos foram consagrados de tal maneira que passaram a ser um ideal universal.

Alexis de Tocqueville escreveu em 1835 um livro clássico, no qual ele profetizou que os Estados Unidos iriam “por algum desígnio secreto um dia controlar em suas mãos os destinos de metade do mundo”. E sempre afirmei que foi a grande sorte do mundo. Calcule se saísse da velha Europa ou de qualquer parte outro país que tivesse como bandeira ideal usar a força, a supremacia de raça — como aconteceu na Alemanha de Hitler — ou pregasse a religião como base das nações. Estamos presenciando um conflito de civilização no Oriente Médio. Mas foram os Estados Unidos que pregaram a liberdade, como forma de vida que venceu.

Pois não é que agora, com grande espanto, em pleno século XXI, ouvimos sair da boca de um Presidente dos Estados Unidos que ele pode não aceitar o resultado de uma eleição e não entregar o poder, como se seu país fosse qualquer republiqueta dos séculos passados, quando a alternância do poder pudesse ainda ir contra a decisão soberana do povo.

Isso eu considero a maior e mais impensável coisa a que pudéssemos assistir. A solidez do maior e mais forte país democrático do mundo comportar uma afirmação dessa natureza. Jefferson, Madison, Washington devem ter tremido em seus túmulos e abominar pela eternidade um Trump, negar-lhe a companhia dos homens que fizeram a Constituição de Filadélfia, o maior documento produzido pelo homem para regular suas relações e o viver pacífico em sociedade.

Trump, com seu comportamento e sua frase, acaba por fazer uma síntese do que buscou ao longo de seu governo. Foi caminhando para o isolamento americano, para a divisão da sociedade, para uma nova guerra fria — e até quente. Seu objetivo é inaceitável: destruir a democracia!

O autor deste artigo, José Sarney, foi Presidente do Centro Liceista, órgão representativo dos alunos do Liceu Maranhense. E Presidente da República Federativa do Brasil. Publicado originalmente em O Estado do Maranhão, edição de 04.10.2020.

Da Coluna do Sarney


Porandubas Políticas

Por Gaudêncio Torquato 

Abro a coluna com o contador de boas histórias e escritor Leonardo Mota.

I.N.R.I. - Iesus Nazarenus Rex Iudaeorum

Conta Leonardo Mota que o mestre Henrique era reputado marceneiro nos sertões de Sergipe. Sua especialidade estava nas camas francesas à Luís Quinze. Quando o freguês achava que o leito era baixo, recebia a explicação de que a cama era francesa, mas era à Luís Quatorze; se se queixava da excessiva altura, ficava sabendo que aquilo era cama francesa à Luís Dezesseis. O mestre Henrique pôs toda a sua ciência no Cruzeiro do patamar da igreja de Aquidabã. No topo do sagrado madeiro, o vigário da freguesia fizera o mestre Henrique colocar uma tabuinha com as letras I.N.R.I., iniciais de Jesus Nazareno Rei dos Judeus, a irônica inscrição latina de que a ruindade de Pilatos se lembrara na ignominiosa sentença de morte do filho de Deus. Decorrido algum tempo, um sertanejo sergipano, intrigado com a significação daquelas quatro letras, perguntou a um seu conhecido:

- Que é que quererá dizer aquele negócio de INRI, que tem escrito em riba do Cruzeiro?

- Você não sabe não? Ali falta é o Q-U-E. Esse QUE não cabeu na tabuinha: aquilo é a assinatura de quem fez, que foi o mestre INRIque...

Conviver com a covid-19

A observação é irretocável: vamos ter de aprender a conviver com esse vírus da pandemia por muito tempo. E mesmo ainda sob registro de muitas mortes e grande contaminação, parcelas das populações em alguns Estados fazem questão de desobedecer regras impostas para evitar o vírus. Mas não tem jeito, o perigo está ali, pertinho, à espreita. Se pegar, pegou, se morrer, morreu. Esse parece ser o sentimento geral de milhões de brasileiros. Só falta mesmo assistirmos a uma pelada de futebol entre contaminados e não contaminados, como ocorreu na Espanha, semana passada.

O Brasil

Costumo, vez ou outra, lembrar essa historinha: há quatro tipos de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, a mais civilizada, onde tudo é permitido, salvo o que é proibido. A segunda é a alemã, sob rígidos controles, onde tudo é proibido, salvo o que é permitido. A terceira é a totalitária, pertinente às ditaduras, na qual tudo é proibido, mesmo o que é permitido. E a quarta é a brasileira, onde tudo é permitido, mesmo o que é proibido.

Manaus, a esperança já era

Dizia-se que, ante a redução de casos em Manaus, a capital havia atingido a imunidade de rebanho. Mas o surto voltou com virulência. E assim a esperança se esvai sob a efervescência das pessoas que querem esbanjar coragem e saúde. Saúde? Que os anjos anunciem, com o toque de suas trombetas, que a besta-fera ainda corre o país inteiro.

Quem diria, hein?

Quem seria capaz de prever que um ex-juiz de Direito, na contramão de candidatos e partidos tradicionais, eleito governador pela vontade cívica dos cariocas, iria ser pego com a boca na botija, hein? Wilson Witzel, que começou o governo com a indicação de que snipers iriam dar um jeito na bandidagem do Rio, está a poucos passos do impeachment. A política tem sempre a visita do Senhor Imponderável.

Bolsonaro dá as cartas

Começou sob grande descrédito. Virou motivo de piada. Assumiu a identidade de líder da extrema-direita. Tem apoio dos conservadores, evangélicos e das periferias urbanas. Começa a expressar uma linguagem que bate no coração de parcelas das classes médias. Adentra no Nordeste, e já tomou o lugar de Lula em muitos rincões da região. Prepara um programa - Renda Cidadã - para substituir o Bolsa Família. Mesmo que o dinheiro venha do Fundeb ou de precatórios. Os beneficiários do Renda Cidadã não querem saber de onde vem a grana. Aliviou a acidez da expressão. Começa a acariciar a esfera política. Enfrenta as denúncias que batem em seus filhos. Mas não diminui a popularidade. É bom já ir se acostumando com o modo Bolsonaro de ser.

Nietzsche

"Afetos iguais diferem no homem e na mulher, quanto ao ritmo. Esse é o motivo pelo qual homem e mulher não cessam de se desentender" - Nietsche, em Para Além do Bem e do Mal.

Eleições de novembro

É bem provável que o presidente saia do processo eleitoral sem uma grande frente de prefeitos e vereadores. Saiu do PSL e não criou o Aliança pelo Brasil. Vai ocorrer imensa dispersão na base do edifício político. Quem será capaz de juntar o gigantesco rebanho?

E em 2022?

Seria possível uma aglutinação em torno de um partido em 2022? Ou haveria fusão entre eles? Para onde irão PSDB, MDB, PSL, PSD, PP, PR, por exemplo? O PT juntar-se-ia ao PSOL e ao PC do B? Respostas no ar. Uma é certa: quem é dono da flauta dá o tom. Refiro-me à orquestra da economia. Se estiver saudável em 2022, o maestro será o dono da flauta. Se estiver doente, o candidato (um, não uns) do centro regerá a orquestra.

Kassio leva a melhor

Fizeram suas apostas? Pois perderam. O desembargador piauiense, Kassio Nunes, de 48 anos, católico, é o indicado para a vaga do decano Celso de Mello. Um golpe de mestre de Bolsonaro. Produziu uma reversão de expectativas, fez um agrado ao Nordeste, satisfaz o desejo dos ministros do STF, de ver indicado um nome não tão identificado com o presidente e o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, ganham a condição de sair da polêmica e ter seus nomes questionados. P.S. Vale lembrar que não houve até o momento confirmação da escolha. O Imponderável nos ronda.

Salles, o mais criticado

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, com a desarrumação que acaba de fazer no Conama (Conselho do Meio Ambiente), destroça os instrumentos legais que preservavam restingas e manguezais. Ganha a unanimidade de vaias dos ambientalistas. Mas o ministro mais criticado do governo é uma ilha de frieza e insensibilidade. Vai poder andar na rua, depois que deixar o Ministério?

Camada impermeável

É oportuno fazer uma observação sobre o peso das críticas. Começo com o lembrete que, de tanto ver cadáveres, pessoas que trabalham nos Institutos de Medicina Legal e mesmo coveiros não mais se assustam em ver corpos mortos. Queimadas e incêndios, que destroem o meio ambiente, são vistos todos os dias pelas telas de TV. Já não causam tanto impacto. As críticas ao governo e a alguns de seus ministros também começam a entrar por um ouvido e a sair por outro. É como se os ouvintes e telespectadores tivessem desenvolvido uma camada impermeável à dor, ao sofrimento, às notícias ruins.

Baleia entre choques

Baleia Rossi, deputado e presidente do MDB, pode ser o tertius na disputa pela presidência da Câmara Federal. A briga de foice entre Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Arthur Lira (PP-AL) pode sobrar espaço para Baleia, que tem se demonstrado discreto e intenso mobilizador de bastidores.

Meter a mão no bolso

Historinha

Certa ocasião, Adolfo López Mateos recebe um aviso inquietante.

- Não são poucos, senhor, aqueles que aproveitam sua generosidade para fincar os dentes no orçamento, sussurrou um de seus colaboradores.

Longe de perder a calma, o presidente do México entre 1958 e 1964 medita um instante, mexe no bolso e puxa sua carteira de Delicados. Acende um, pensativo.

- Cada mexicano tem metido a mão no bolso de outro mexicano, e ai daquele que rompe a cadeia, conclui depois da primeira tragada.

Lição: é um princípio universal que cada um, mexicano ou não, mete a mão no bolso do outro, e pobre daquele que rompe a cadeia.

Moral ou imoral?

À propósito, Juan Domingo Perón dizia:

- A única víscera sensível que os egoístas têm é o bolso.

Economia, como arrumar?

Estamos vivendo o momento mais crítico da equipe econômica. O governo precisa arrumar dinheiro para bancar as obras da infraestrutura, capitaneadas pelo ministro Tarcísio de Freitas. Precisa recompor o colchão social, com o novo programa Renda Cidadã. Precisa atender demandas de parlamentares. E de onde tirar recursos? Paulo Guedes quebra a cabeça para saber em que fontes (novas) o governo vai beber água, ou seja, arrumar recursos. Tirar do Fundeb? Dos precatórios? Não seria pedalada? E a grita? Bolar o imposto das transações digitais, que, dizem, será um imposto em cascata? Quem será o milagreiro?

O vice, quem será?

Tirar o Hamilton Mourão da chapa majoritária Federal de 2022 não será tarefa fácil. Primeiro, porque Mourão tem dado conta do recado. Segundo, porque outro entrando em seu lugar seria um ato de condenação e censura ao desempenho do vice. Terceiro, porque deverá haver reação da cadeia militar. Quarto, porque um nome da esfera política não será bem recebido pelas hostes bolsonaristas. E daí por diante. Tem muita água a correr por baixo da ponte. Mas essa água deságua no Forte de Copacabana. Ou no Forte Apache.

Trump x Biden

Um dos piores debates entre candidatos à presidência dos EUA. Foi o que se viu do primeiro confronto direto entre Donald Trump e Joe Biden. O presidente norte-americano, atrás nas pesquisas, tentou deixar nervoso o candidato democrata, interferindo quase todo tempo em sua fala. Foi chamado de "palhaço" e de "racista" por Biden. CNN, por larga margem, deu vitória a Biden, depois de apresentar uma pesquisa. E a Fox News, por meio de um comentarista, diz que Trump dominou o estúdio. Vi o debate. Na minha visão, apesar de titubear em algumas questões, Joe Biden deu um puxão no raivoso Trump. Biden foi melhor.

Propaganda negativa

A revolução francesa de 1789 pode ser considerada o marco da propaganda agressiva nos termos em que hoje se apresenta. Ali, os jacobinos, insuflados por Robespierre, produziram um manual de combate político, recheado de injúrias, calúnias, gracejos e pilhérias que acendiam os instintos mais primitivos das multidões. Na atualidade, é a Nação norte-americana que detém a referência maior da propaganda agressiva, mola da campanha negativa. Este formato, cognominado de mudslinging, apresenta efeitos positivos e negativos. No contexto dos dois grandes partidos que se revezam no poder - democrata e republicano -, diferenças entre perfis e programas são mais nítidas e a polarização sustentada por campanhas combativas ajuda a sociedade a salvaguardar os valores que a guiam, como o amor à verdade, a defesa dos direitos individuais e sociais, a liberdade de expressão, entre outros. Nem sempre a estratégia de bater no adversário gera eficácia. Às vezes, torna-se bumerangue, voltando-se contra o atacante.

Ideia de jerico

Taxar livros, essa mal-ajambrada maneira de fazer crescer a arrecadação, é uma ideia de jerico. Livro é aprendizagem, é cultura, é avanço civilizatório, é a libertação da ignorância. De quem foi mesmo essa ideia? Não é possível que tenha sido de Paulo Guedes. Mais provável que tenha sido de um assessor aloprado.

Gaudêncio Torquato, Professor Titular na USP, é cientista político e consultor de marketing político.

----------------------------------------------------------------------------------------

Livro Porandubas Políticas

A partir das colunas recheadas de humor para uma obra consagrada com a experiência do jornalista Gaudêncio Torquato.

Em forma editorial, o livro "Porandubas Políticas" apresenta saborosas narrativas folclóricas do mundo político acrescidas de valiosas dicas de marketing eleitoral.

Cada exemplar da obra custa apenas R$ 60,00. Adquira o seu, clique aqui. - https://www.livrariamigalhas.com.br/