segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Vendo Trump como realmente ele é

Assistir ao debate sem som torna evidente a imagem de um presidente torpe e raivoso diante de um opositor de coração gentil

Ao desligar o som da TV, o debate presidencial mostrava as maiores forças de Joe Biden e a gigantesca fraqueza de Donald Trump.

Se você quiser entender quem ganhou o debate presidencial desta semana, tenha em mente um momento de nosso passado político que chamo de “Epifania de Stahl”. Durante a campanha presidencial de 1984, a repórter da CBS Lesley Stahl elaborou uma crítica dura e implacável das políticas de Ronald Reagan para o país, concentrando-se particularmente na disjunção entre o que Reagan dizia e o que fazia. A reportagem mostrava imagens de Reagan homenageando atletas paraolímpicos e inaugurando uma nova casa de repouso, mas a narração de Stahl revelava que, na verdade, seu governo tentara cortar fundos para os deficientes físicos e os programas habitacionais subsidiados.

A crítica foi ao ar como um segmento de quase seis minutos no noticiário noturno, e Stahl tinha certeza de que seus contatos na Casa Branca ficariam furiosos. Mas, em vez disso, ela recebeu um telefonema de Richard Darman, um dos assessores de Reagan, dizendo: “Que história ótima! Nós adoramos”. Stahl ficou perplexa e Darman explicou: “Ninguém ouviu o que você disse. Vocês da tevelândia ainda não entenderam, não é? Quando as imagens são poderosas e emotivas, elas se sobrepõem ao som, muitas vezes até o abafam completamente. O que quero dizer, Lesley, é que ninguém ouviu você”.

Quando comecei a assistir ao debate da terça-feira passada, pensei que o presidente Donald Trump estava ganhando. Ele estava no comando, dando golpes enérgicos, controlando a pauta e colocando o candidato democrata Joe Biden na defensiva. Biden quase nunca conseguia expor seus pontos de vista de forma clara e sem interrupções. Mas, aí, pensei na “Epifania de Stahl” e revi algumas partes do debate com o som desligado. Foi totalmente revelador. Livres das palavras, as imagens revelaram um contraste gritante. De um lado, você via um senhor de idade, um tanto combalido, cambaleando algumas vezes, mas mostrando um grande sorriso e um coração gentil. Do outro lado, você via um valentão da quarta série, um homem torpe, raivoso e emocionalmente descontrolado. Ele ficou de cara fechada e tentou abrir sorrisos amarelos durante todos os 90 minutos de debate.

Sempre achei que a “Epifania de Stahl” era um sinal da fraqueza da televisão. Mas esse debate me fez reconhecer sua força. Cortando todo o ruído, a tela abriu para o povo americano uma janela com vista para as personalidades dos dois candidatos. Lançou luz sobre as maiores forças de Biden e a gigantesca fraqueza de Trump. Esqueça a política por um momento. Trump é um homem de mau caráter, que abusou de pessoas, instituições e normas, sempre para tirar alguma vantagem pessoal. Foi isso que as imagens transmitiram.

As novas revelações sobre suas declarações de imposto de renda só confirmam o que sempre soubemos sobre ele. Como Drew Harwell reportou em 2016, na única vez que Trump esteve à frente de uma empresa de capital aberto, trapaceou os acionistas para benefício próprio. Ele transferiu para a empresa quase US$ 2 bilhões de dívidas pessoais e remunerou a si mesmo com dezenas de milhões de dólares, ao mesmo tempo em que levava a empresa à falência e limpava os bolsos dos acionistas. Talvez tudo tenha sido legal, mas pouquíssimos CEOS de empresas se comportam assim. Em uma sociedade complexa e civilizada, não podemos tratar como ilegais todas as ações antiéticas ou desagradáveis concebíveis. Acima e além das leis, deve haver normas.

A democracia não consegue funcionar sem alguma adesão às normas. Você não pode realizar debates presidenciais quando um dos lados simplesmente se recusa a cumprir as regras, constantemente interrompendo e importunando seu oponente e contestando tudo o que ele diz. Trump também está fazendo uma coisa nova e muito mais prejudicial. Ele mente de uma maneira que nenhum candidato jamais mentiu, totalmente livre de qualquer compromisso com os fatos. Os republicanos reconheceram que revogar o Obamacare sem nenhum programa para substituí-lo será politicamente impopular, mas não conseguem chegar a um acordo sobre uma alternativa. Para Trump, isso não representa nenhum problema: ele simplesmente afirma que tem uma alternativa.

Trump quebrou tantas normas que é difícil catalogá-las. Longe de aceitar que o outro lado também é legítimo, ele pediu para que sua adversária na disputa de 2016 fosse presa. Ele rejeitou se afastar de seus interesses comerciais e, já na cadeira de presidente, permitiu que governos estrangeiros cobrissem a ele e a sua família com presentes na forma de marcas registradas e receitas de hotéis. Os assessores da Casa Branca promoveram abertamente os interesses comerciais de Trump e de sua família. Ele usou seu poder para recompensar e ameaçar empresas – e, o que é mais preocupante, para intimidar a imprensa livre. Sob a direção da Casa Branca, várias agências federais vêm trabalhando para atacar o Twitter depois que a plataforma decidiu sinalizar alguns de seus tuítes mais flagrantemente falsos. O uso dos extraordinários poderes do estado contra oponentes políticos é um dos sinais mais perturbadores de autoritarismo.

Ao que tudo indica, Trump está bem atrás nesta eleição. Estamos assistindo a um homem sob pressão. E, se suas perspectivas continuarem sombrias, ele ficará mais desesperado, mais antiético e mais cruel. Vamos torcer para que a democracia americana consiga resistir ao ataque

Esqueça a política por um momento. Trump é um homem de mau caráter.

O autor deste artigo, Fareed Zakaria é colunista e analista politico da rede de TV americana CNN. Publicado em O Estado de São Paulo, edição de 05.10.2020.

sábado, 3 de outubro de 2020

Organizar a oposição

      Não há que entregar o jogo, asfaltando o caminho do autoritarismo digital

Recente pesquisa de opinião pública atribuiu a Bolsonaro 40% de aprovação, isso na mesma semana em que o Brasil passou pela vergonha de discurso irresponsável do presidente da República na ONU, no qual disse ter a Justiça atribuído aos governadores a condução das medidas no campo da saúde pública, além de culpar “índios e caboclos” pelos incêndios na Amazônia. O resultado da pesquisa revela a consagração do embuste como expediente para enganar uma população que admira mais o histrionismo do governante do que a realidade visível.

Membros da imprensa e da sociedade civil se manifestaram contra o desplante do discurso. Mas grande parte de nosso povo não quer ler nem ouvir manifestações revestidas de racionalidade e não alimenta interesse em se informar e minimamente avaliar os fatos. 

Em maio, quando 30% consideravam o governo Bolsonaro bom ou ótimo, foram lançados vários manifestos tradutores do sentimento e pensamento dos demais 70%, destacando-se o documento editado pelo movimento Estamos Juntos. Do manifesto realçam dois parágrafos. “Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”; e “Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos os mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança”.

Outro manifesto, de cerca de 600 juristas, intitulado Basta, destacava que o País estava em crise política “quando já imerso no abismo de uma pandemia que encontra no Brasil seu ambiente mais favorável, mercê de uma ação genocida do presidente da República”. E mais adiante sinalizava: “Todos nós acreditamos que é preciso dar um BASTA… Não nos omitiremos. E temos a certeza de que os Poderes da República não se ausentarão”.

Hoje estamos quase virando minoria e, em vez de se ter dignidade do presidente nesta devastadora crise sanitária, o que há é continuada falta de solidariedade e de coragem de sua parte. Em 18 de setembro ele fez chacota das medidas de isolamento, ao dizer a agricultores: “Vocês não pararam durante a pandemia. Vocês não entraram na conversinha mole de ‘fica em casa’, ‘a economia a gente vê depois’. Isso é para os fracos”.

Exigia-se, nos manifestos, que houvesse afeto, informação, presença dos Poderes da República. O que se vê, todavia, da parte de Bolsonaro é apenas desprezo pela dor dos doentes e de seus familiares, humilhação dos receosos de contrair o vírus causador de tantas mortes, ofendendo todos os que se cuidam ao chamá-los de fracos. Elogia, assim, o ideal infantil do Superman, que munido de substância milagrosa, a cloroquina, uma anticriptonita, enfrenta o vírus de peito aberto. 

Clamava-se por ação dos Poderes da República, mas há um alarmante silêncio dos principais atores políticos, a começar pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que em sua ambição de reeleição, manifestamente inconstitucional, se fazem de surdos.

Nos manifestos requeria-se informação veraz, mas o que se tem é desinformação. Na ONU o presidente disse: “Por decisão judicial, todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação. Ao presidente, coube o envio de recursos e meios a todo o País”.

Mentira. O voto do ministro Fachin, relator da Adin 6.341, bem esclarece ser “competência comum dos entes federativos a adoção ou manutenção de medidas restritivas durante a pandemia da covid-19. Assim, a princípio, tanto a União quanto os Estados e os municípios podem (e devem) adotar imposição de distanciamento social”. O ministro Gilmar Mendes, no seu voto, elucida: “Todas as esferas federativas que compõem o SUS (União, Estados, municípios e Distrito Federal) possuem deveres e responsabilidades com a saúde pública, e é de todas elas que devem ser cobradas atuações administrativas eficazes, preventivas e de assistência”. 

A verdade deixou de ser um valor, haja vista Bolsonaro blasonar-se, com sucesso, da concessão do auxílio emergencial, quando propusera só R$ 200 e foi o Congresso a impor o triplo. No lugar de sinceridade, união e afeto, vive-se a criação artificial de inimigos e a exploração do medo, geradora de crenças salvacionistas e polarizadoras. 

O que fazer diante desse quadro? Como diz Milagros Pérez Oliva no El País (27/9), não se tem antídoto certo para afrontar a teoria da conspiração do neopopulismo.

Contudo não há que entregar o jogo, asfaltando o caminho do autoritarismo digital. Cumpre fazer o debate, mesmo que com isso se venha a ser acusado de fazer parte da conspiração.

Cabem, então, novos manifestos dos grupos de maio passado e ocupar as redes sociais, denunciando com firmeza o atual descalabro político, econômico e moral. É hora de organizar a oposição sem partido, visando a preservar a racionalidade e a democracia.

Miguel Reale Júnior, o autor deste artigo, é Advogado, Professor Titular Sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras. Foi Ministro d Justiça (Governo FHC). Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 03.10.2020.

O governo é isso aí

De um governo se espera que governe. Do atual governo, contudo, a conclusão, perto da metade do mandato de Jair Bolsonaro, é que seria esperar demais que ele se dedicasse à faina

De um governo se espera que governe, ou seja, que dê uma direção à administração, com planos bem definidos e disposição de negociar com o Congresso sua implementação. Do atual governo, contudo, a conclusão, perto da metade do mandato de Jair Bolsonaro, é que seria esperar demais que ele se dedicasse à faina.

É tão evidente que o governo Bolsonaro não consegue articular nenhuma política concreta, apenas lampejos e arroubos desconexos, que mesmo a crítica a esse incrível estado de coisas perdeu o sentido. Pois a crítica presume, da parte do crítico, a expectativa de que o criticado venha a se emendar e passe a fazer o que deve ser feito. E isso não vai acontecer, pois o governo Bolsonaro é essencialmente isso aí.

Há ilhas de excelência em meio a esse mar de profunda mediocridade, claro. Quando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz num encontro com investidores que os juros vão imediatamente subir se o teto de gastos for desrespeitado, colocando o Brasil no caminho da insolvência fiscal, indica que há gente de muito bom senso em posições estratégicas no governo. Vai na mesma linha o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, que afirmou recentemente que “aumentar despesa gera um resultado socialmente ruim, destrói empregos”, enfatizando o que deveria ser óbvio.

Outros setores que têm atuado razoavelmente bem no governo a despeito da mixórdia bolsonarista são a Agricultura e a Infraestrutura. No primeiro caso, a ministra Tereza Cristina vem dando duro para reparar os danos causados à imagem do País e ao agronegócio brasileiro em razão da atitude beligerante de Bolsonaro e da ala lunática do governo em relação ao meio ambiente. No segundo, o ministro Tarcísio de Freitas se dispõe a trabalhar com o que tem e elabora projetos de acordo com a realidade, algo raríssimo na administração bolsonarista.

Infelizmente, contudo, esses bons exemplos não são suficientes para desfazer a sensação generalizada de que o governo é irremediavelmente desorientado, resultado da inaptidão de Bolsonaro para o exercício da Presidência. Não é outra a razão do vexame do tal “Renda Cidadã”, ou “Renda Brasil”, ou seja lá que nome venha a ter o programa social que Bolsonaro quer usar no palanque. O incrível fiasco envolveu o primeiríssimo time do governo, do “superministro” Paulo Guedes ao líder na Câmara, deputado Ricardo Barros, passando pelo presidente da República em pessoa. Se já era difícil acreditar no que dizem os próceres do governo, agora é praticamente impossível.

O único projeto de Bolsonaro que vai de vento em popa é o eleitoral. O presidente vem aos poucos abandonando os bolsonaristas fanáticos, que só têm a lealdade cega a lhe oferecer, e decidiu entregar o governo de vez ao Centrão, em troca da permanência no poder e da viabilização de sua reeleição.

Se é isso, como parece ser, então é ocioso cobrar do governo que, enfim, governe. Por essa razão, mais do que nunca, a sociedade brasileira, especialmente sua elite – intelectual, empresarial e integrante dos Poderes Judiciário e Legislativo, além de governadores e prefeitos País afora –, deve se mobilizar para impedir que o País se renda à apatia.

Cada um deve se empenhar para fazer o que estiver a seu alcance, e que não dependa do desgoverno federal, para dar aos brasileiros em geral a sensação de que há um rumo, e que esse rumo não é o do precipício. Há sinais promissores: empresas têm demonstrado genuína preocupação com o meio ambiente e com a abertura de oportunidades para quem é historicamente marginalizado; o Congresso vem exibindo inegável perfil reformista, encaminhando discussões cruciais para o futuro do País; e muitos governadores e prefeitos têm trabalhado duro para enfrentar a pandemia, recorrendo à ciência em vez da mistificação bolsonarista.

Portanto, há saída. Se é esse o presidente que temos, o País deve então buscar soluções bem longe do Palácio do Planalto – o que talvez seja uma oportunidade de ouro para desenvolver no Brasil o sentido cívico, de participação ativa na vida política e de envolvimento efetivo com o futuro de todos.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado em 03.10.2020

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Novas regras para as ações coletivas

Objetivo é acabar com indústria da litigiosidade e aumentar a segurança jurídica das empresas

A pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um grupo de juristas acaba de concluir um projeto de lei que modifica as exigências para o ingresso de ações coletivas nos tribunais. Com 35 artigos, o texto vai para a Câmara dos Deputados. O que levou o CNJ a tomar essa iniciativa é a tentativa de reduzir o custo das litigâncias coletivas abusivas que penalizam as empresas e impedem a redução do chamado “custo país”. Segundo a última edição da pesquisa Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil está na 124.ª posição de um ranking de 190 países sobre a facilidade para fazer negócios. Os custos da Justiça são um dos indicadores da pesquisa.

O projeto envolve uma questão delicada da legislação processual civil e talvez demore para ser votado. Durante décadas, a lei tratou basicamente das ações que tratam de interesses individuais homogêneos. Mas, com o avanço da urbanização e a industrialização do País, na segunda metade do século 20, surgiram ONGs, movimentos sociais e as mais variadas entidades representativas. Por isso, na medida em que os conflitos coletivos foram aumentando, o Legislativo criou a figura jurídica dos direitos coletivos e dos direitos difusos e, por consequência, das ações coletivas. Com o tempo, as prerrogativas das associações representativas, bem como as do Ministério Público e das Defensorias Públicas, foram alargadas. 

Essas inovações jurídicas foram saudadas como um avanço da cidadania, permitindo o questionamento de planos de saúde, de tarifas dos serviços bancários, do atendimento das lojas de varejo aos consumidores e dos serviços das concessionárias de serviços públicos.

Paralelamente, porém, surgiram associações sem representatividade, criadas com o objetivo de converter as ações coletivas em forma de ganhar dinheiro, propiciando assim o surgimento de uma indústria da litigiosidade. Além disso, muitos procuradores de Justiça passaram a propor ações polêmicas, para ganhar visibilidade na mídia e, desse modo, abrir caminho para uma carreira política. Apesar de saírem derrotados inúmeras vezes, eles aparecem na mídia e não arcam com qualquer custo financeiro.

O projeto enviado pelo CNJ à Câmara quer pôr fim a esses abusos. Tem crescido, nos últimos anos, o número de empresas que, mesmo obtendo sentenças favoráveis, são obrigadas a arcar com os custos judiciais, pois as associações representativas de fachada que as processam não têm dinheiro para arcar com taxas e honorários de sucumbência. Essas associações muitas vezes são criadas por pequenos escritórios de advocacia que ajuízam ações coletivas sobre um mesmo tema em várias regiões do País, obrigando as empresas a se defender em várias comarcas, a um alto custo. 

Como a fronteira entre as ações coletivas sérias e as abusivas é difusa, o desafio do CNJ foi encontrar uma solução que evitasse abusos sem restringir um instrumento processual para a defesa do interesse de coletividades. No caso do Ministério Público, uma das inovações propostas é que ele seja obrigado a arcar, com recursos de seu orçamento, com os valores pecuniários das ações coletivas que vierem a ser consideradas “manifestamente improcedentes” pelos tribunais. No caso das associações, a proposta é que sejam submetidas a um teste de representatividade. Uma terceira medida é exigir de quem for beneficiado por um ganho numa ação coletiva que abra mão de ação individual. 

São medidas sensatas. Como afirma a exposição de motivos do projeto, “abusos precisam ser coibidos de lado a lado, para que as ações coletivas possam gerar os benefícios desejados para a sociedade. A proteção dos indivíduos não se pode dar em detrimento da prosperidade econômica da sociedade, pois desta prosperidade depende o bem-estar dos próprios indivíduos”. Pela prudência demonstrada neste caso, com o objetivo de tornar o ambiente de negócios seguro e saudável, a iniciativa do CNJ vem em boa hora. 

Editorial / Notas & Informações, O Estado de São Paulo. Publicado originalmente em 02.10.2020

O capitão parece sem rumo

O presidente Jair Bolsonaro não sabe para onde quer ir ou está perdido

Basta alinhar um fato atrás do outro para concluir que o capitão Bolsonaro ou não sabe o que quer ou está perdido.

Para o dia 25 de agosto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia agendado o que chamou de “big bang”, aquilo que seria um ato de recriação da economia. Haveria o anúncio do Renda Brasil, um avanço sobre o Bolsa Família, que distribuiria mais renda. O ministro Paulo Guedes avisou que teria como principal fonte orçamentária a extinção de programas sociais pouco eficazes: o abono salarial, que concede um salário mínimo por ano para trabalhadores que ganham até dois salários mínimos por mês; o seguro-defeso, distribuído aos pescadores artesanais nos períodos de desova dos peixes, em que teriam de permanecer inativos; e o próprio Bolsa Família, cujos recursos seriam incorporados ao novo programa.

O presidente Bolsonaro fulminou a proposta. Disse que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”. O “big bang” não passou de um estourinho de pipoca dentro da panela. 

Do “big bang” fariam parte duas outras providências: a desindexação total da economia (inexistência de reajustes), que alcançaria salários, aposentadorias e pensões; e o anúncio de um programa estimulador de empregos, a desoneração dos encargos sociais, a que estão obrigados os empregadores. A arrecadação que deixaria de ser obtida com a redução dos encargos sociais seria coberta com um novo imposto, que incidiria sobre transações financeiras, em quase nada diferente da extinta CPMF. 

Às críticas a essa nova CPMF o ministro Paulo Guedes disse que seria “a troca de um imposto cruel por um feioso”. Se esse imposto cria distorções, argumenta ele, mais e maiores distorções são produzidas pelos encargos sociais, que impedem a criação de postos de trabalho, estimulam a informalidade e semeiam concorrência desleal pelas empresas que pagam salários “por fora” e não recolhem os encargos. 

Há três dias, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), avisou que não havia acordo político para a nova CPMF e que, por isso, o projeto não teria condições de tramitação no Congresso. A proposta vai outra vez para a gaveta e, com isso, fica para depois a desoneração pretendida.

Dia 15 de setembro, o secretário especial do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, avisou que a cobertura para o programa Renda Brasil viria do congelamento de aposentadorias e pensões, por dois anos. Não era nada do que não tivesse sido combinado anteriormente, seja porque Paulo Guedes já havia adiantado essa desindexação por ocasião do anúncio do “big bang”, seja porque Waldery não é o tipo da autoridade que fala por conta própria. 

Mas o presidente Bolsonaro desconsiderou avaliações técnicas anteriores, desautorizou pelas redes sociais o secretário Waldery e advertiu que levantaria o cartão vermelho para autoridades do governo que defendessem propostas desse tipo. Waldery recolheu-se à toca, à espera do que viesse, e não se falou mais em desindexação de salários e aposentadorias.

Na última segunda-feira, o mesmo líder do governo, Ricardo Barros, fez um comunicado na presença do presidente Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes – portanto anunciava algo previamente negociado –, de que o Renda Brasil seria rebatizado de Renda Cidadã e que seria financiado com recursos do adiamento do pagamento das dívidas precatórias e com parcela do Fundeb, cujo nome e sobrenome é Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação.

Depois do caos produzido no mercado com a perspectiva da caracterização de um calote e o uso para outra finalidade de recursos liberados do teto dos gastos, nesta quarta-feira o ministro Paulo Guedes, aparentemente por ordem superior, desdisse o que defendia antes. Abateu a tiros a ideia do adiamento do pagamento dos precatórios, que já havia sido determinado pela Justiça, para lastrear o Renda Cidadã. Outra vez, o anúncio oficial já não valeu para nada.

O presidente Bolsonaro vem repetindo o princípio que aprendeu no Exército de que “pior do que uma decisão ruim é a indecisão”. Mas tem coisa pior do que isso. São decisões tomadas e, repetidamente abandonadas. Ele mesmo autoriza o piloto a mudar a rota do barco e, logo depois, volta atrás e ainda recrimina o piloto por ter obedecido a sua ordem. No Estado Maior deve haver um nome para isso.

Importa menos a direção dos ventos. Basta ajustar as velas do barco. Mas Bolsonaro não sabe para onde quer ir e os marinheiros não sabem como ajustar as velas.

O autor deste artigo, Celso Ming, é comentarista de economia do jornal O Estado de São Paulo. Publicado originalmente na edição de 02.10.2020.

Franquia’ da Lava Jato migra para Estados e municípios

Em 17 de março de 2014, o Brasil assistiu – sem imaginar o que estava por vir – à primeira fase da Operação Lavajato. Durante os 6 anos seguintes, as investigações e delações premiadas apontaram para a prática de corrupção de altos membros da política nacional e executivos da empresa estatal petrolífera Petrobras, além de empresários de grandes empresas brasileiras. Sem receio de errar, se trata da maior investigação contra a corrupção e lavagem de dinheiro da história do país.

Por outro lado, é fato que esse fenômeno não está mais restrito à cidade de Curitiba. E, nos últimos meses, temos assistido a uma nova onda de operações policiais contra a corrupção e a lavagem de dinheiro, mas agora os alvos são governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores em estados e municípios do país.

Nesse novo cenário, umas das mais recentes operações encabeçadas pelo Ministério Público Estadual, batizada de Easy Legis, foi realizada em 5 de setembro deste ano na cidade de Mogi das Cruzes e culminou na prisão de vereadores, funcionários públicos, além de um empresário. Por outro lado, é fato que essa operação desestabilizou a política local, criou cenários, antecipou julgamentos e estabeleceu algumas certezas de culpabilidade às vésperas de eleições municipais.

Nessa esteira, é muito cedo para afirmar que a migração da franquia jurídica da “lavajato” para estados e municípios traz apenas benefícios para a sociedade a longo prazo.

Não se trata de aceitar e conviver com a corrupção, lavagem de dinheiro ou organizações criminosas em desfavor da administração pública, mas sim entender quais são as limitações constitucionais de investigações penais e de processo criminal, a fim de evitar que o livre convencimento de voto seja de alguma forma vilipendiado.

Especificamente nesse caso da cidade de Mogi das Cruzes, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Habeas Corpus, já reconheceu a ilegalidade da prisão e a necessidade de aplicação de medidas acautelatórias diversas do encarceramento, com o objetivo de evitar a punição antecipada ou como forma de resposta aos anseios da sociedade.

Não obstante, a recente denúncia ofertada pelo Ministério Público, da qual os acusados vão agora se defender, repete integralmente os fatos e fundamentos que embasaram a ordem judicial para as buscas e apreensões e as prisões preventivas que foi afastada pelo Superior Tribunal de Justiça.

E mais: com uma simples leitura da denúncia, é possível identificar uma deficiência na descrição das condutas supostamente criminosas, além da ausência de algumas tecnicidades jurídicas que podem levar ao fracasso de toda a operação.

Por exemplo, o crime de lavagem de dinheiro, uma figura outrora coadjuvante, tornou-se um instrumento hábil e eficiente para trazer a juízo aqueles que apresentam movimentações financeiras suspeitas. Entretanto, transferências bancárias duvidosas não são motivo suficiente para uma condenação por ablução de capitais. Há a necessidade da prática de um ilícito penal antecedente.

Nesse sentido, faz-se mister sobrelevar que, por exemplo, um ato de corrupção, por si só, não pode ser definido como crime antecedente, certo e imutável, para a tipificação do crime de lavagem de dinheiro, pois há necessidade da comprovação de que os recursos utilizados como contrapartida ao ato corrupto tenham procedência criminosa. E de forma inversa, diversas transações bancárias suspeitas não são o suficiente para a caracterização do crime de corrupção.

Por vezes, inclusive, as instituições que trabalham em prol da acusação e também membros do Poder Judiciário têm ignorado a premissa da exigência de um crime antecedente para a caracterização do delito de branqueamento de capitais e buscado a subsunção do fato à norma penal incriminatória com base apenas na destinação dos recursos, o que subverte a ordem dos fatores erigida pelo legislador e que, nesse caso, altera o produto.

Feitas essas rápidas observações e partindo-se do cenário político-jurídico que se descortina para uma explosão de procedimentos criminais para apurar a corrupção e a lavagem de dinheiro em estados e municípios, fica a seguinte questão: a corrupção e lavagem de dinheiro devem ser combatidas a qualquer custo ou sua a aplicação deverá sempre ocorrer dentro dos limites legais?

O autor deste artigo, Armando S. Mesquita Neto, advogado especializado em Direito Penal Econômico e sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados. Publicado originalmente em O Estado de São Paulo, edição de 02.10.2020.

Barafunda

Quando o ministro da Economia afirma que o cerne de uma proposta como o tal “Renda Cidadã” simplesmente não vale, tem-se a dimensão da barafunda

Que confiança pode inspirar um governo que anuncia algo num dia para desmentir categoricamente no dia seguinte? Que palavra vale, a de ontem ou a de hoje? Como investidores devem avaliar um país que tem no presidente da República, ninguém menos, a principal fonte de instabilidade?

Quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, informa que o cerne de uma proposta apresentada com estardalhaço pelo próprio presidente Jair Bolsonaro dois dias antes simplesmente não vale, como foi o caso do tal “Renda Cidadã” – programa de transferência de renda tido e havido como a maior realização de um governo que até agora fez quase nada –, tem-se a dimensão da barafunda.

O governo não se entende nem a respeito do nome do programa. Já foi “Renda Brasil”, tornado assunto proibido por Bolsonaro depois que a equipe econômica sugeriu que a única maneira de financiá-lo seria congelando aposentadorias. Poucos dias depois, surgiu o tal “Renda Cidadã”, bancado pelo calote em precatórios e por dinheiro tomado indevidamente do Fundeb, o fundo de financiamento da educação básica.

Do Fundeb, Paulo Guedes nada falou, mas nem precisava: é a segunda tentativa do governo de tirar verba da educação para, como disse o ministro da Economia em outra ocasião, “injetar dinheiro na veia dos pobres”. A primeira tentativa, como se sabe, foi barrada no Congresso, por ser um drible tosco no teto de gastos, ao qual o Fundeb não está submetido.

Já a respeito da limitação dos recursos destinados ao pagamento de precatórios para financiar o “Renda Cidadã”, o ministro Guedes foi didático: disse que o novo programa não pode ter a arquitetura de um “puxadinho” e que o dinheiro destinado aos precatórios “não é uma fonte saudável, limpa, permanente e previsível”. E explicou que o “Renda Cidadã”, por ser uma despesa permanente, “tem que ser financiado com uma receita permanente”.

O fato embaraçoso é que o próprio ministro Guedes estava presente no solene anúncio do novo programa e ouviu tudo sem se manifestar. Segundo gente do governo, a ideia de usar os precatórios foi de Guedes. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento de 2021, declarou, em meio ao espanto do mercado com as ideias francamente irresponsáveis que nortearam o plano, que uma proposta como essa jamais teria sido apresentada sem a chancela de Bolsonaro e Guedes.

A esta altura, pouco importa o que disse o ministro Guedes ou o que argumentou o senador Bittar. O responsável é o presidente Jair Bolsonaro. É ele quem deseja criar um programa de transferência de renda sem promover cortes de gastos, especialmente com o funcionalismo. Tampouco sinaliza apoio às reformas e convicção em relação às privatizações. Enquanto isso, quer, em suas palavras, “ficar de bem com todo mundo”, o que ninguém consegue.

O governo é exclusivo reflexo das decisões de Bolsonaro – ou, talvez seja melhor dizer, da falta delas. Se algo funciona, reivindica para si a autoria mesmo quando a iniciativa é de terceiros, como no caso da reforma da Previdência ou do auxílio emergencial; quando não funciona, o que acontece na maior parte do tempo, o governo terceiriza a responsabilidade, como no caso da devastação econômica da pandemia ou de sua desesperadora incapacidade de tocar a agenda liberal prometida na campanha. 

O ministro Paulo Guedes, macaqueando seu chefe, chegou ao cúmulo de acusar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de mancomunar-se com a esquerda para barrar as privatizações que ele e sua equipe, por incompetência e por falta de apoio de Bolsonaro, não conseguem realizar. Rodrigo Maia devolveu a agressão, dizendo que Guedes está “desequilibrado” e “deveria assistir ao filme A Queda” – que mostra Hitler nos seus últimos dias, encerrado num bunker com seus auxiliares e completamente alheio à realidade.

E a realidade é que o Brasil, justamente no momento em que mergulha em profunda crise e precisa de direção firme e racional, está à mercê de um governo que reflete fielmente a incapacidade de seu chefe de administrar até mesmo seu bunker.

Editorial / Notas & Informações. O Estado de São Paulo, edição de 02.10.2020

Confirmação de que Trump está com covid gera reviravolta em corrida eleitoral

Contaminação do presidente a 32 dias da eleição irá mudar de imediato o ritmo da campanha, com consequências políticas ainda imprevisíveis

 O anúncio feito pelo presidente Donald Trump  por volta da 1h da manhã desta sexta-feira, 2, que está com covid-19 gera uma reviravolta na corrida eleitoral. A contaminação do presidente pelo coronavírus a 32 dias da eleição irá mudar de imediato o ritmo da campanha, com consequências políticas ainda imprevisíveis para o resultado de uma eleição já tumultuada

Trump, que vinha fazendo comícios eleitorais e eventos de arrecadação de fundos para a campanha em ambientes fechados, iniciou a quarentena na madrugada de hoje. Se ele tiver um ciclo normal de recuperação da doença, de 14 dias após a infecção, pode ficar quase metade do tempo restante até as eleições afastado do contato com o público. Os comícios são considerados um dos maiores ativos políticos do presidente, conhecido por ser um "showman" com alta capacidade de energizar seus eleitores em discursos. Trump viajaria para a Flórida nesta sexta-feira e para o Wisconsin no final de semana, dois Estados-pêndulo cruciais para as eleições.



Donald Trump e primeira-dama Melania testam positivo para o novo coronavírus

A infecção por covid-19 também coloca em xeque a realização dos próximos dois debates com o democrata Joe Biden. O próximo encontro entre os dois candidatos está agendado para o dia 15 de outubro. A imprensa americana já discute também o que acontecerá em um cenário mais grave, caso Trump sofra com complicações da doença e esteja com a saúde ameaçada no dia da eleição, em 3 de novembro.

Um rastreamento de contágio entre o alto escalão do governo americano que esteve com Trump nos últimos dias deve acontecer hoje. Ainda não há informação da campanha do democrata Joe Biden, que esteve com Trump na terça-feira durante debate eleitoral, se ele será testado.

Com os comícios dos últimos meses, Trump tentou não apenas retomar o contato com o eleitorado, mas também mostrar que os Estados Unidos estavam voltando à vida normal apesar do coronavírus. Parte da mensagem política do presidente consiste em mostrar que ele colocou os EUA no caminho da recuperação econômica, de saúde e que conseguirá anunciar uma vacina em tempo recorde.

Tonight, @FLOTUS and I tested positive for COVID-19. We will begin our quarantine and recovery process immediately. We will get through this TOGETHER! — Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 2, 2020

Considerado o favorito para ganhar a disputa eleitoral no início do ano, o republicano perdeu apoio desde o início da pandemia. A maioria da população reprova a resposta dada pelo presidente à crise de saúde. Os EUA têm o maior número de casos (7,2 milhões) e de mortos (207 mil) por covid-19 no mundo.

Trump negou a gravidade do coronavírus no início do ano. Quando a situação já havia saído do controle em Nova York, na metade de março, ele endossou a necessidade de adotar medidas de isolamento, mas apenas por um breve período. Em abril, diante da explosão no número de desempregados no país e já em queda nas pesquisas de opinião, o presidente passou a pressionar governadores para reabrir a economia antes do considerado seguro por especialistas.

Desde março, o republicano entrou sucessivas vezes em choque com o corpo de infectologistas que orienta a Casa Branca, abraçou teorias de cura não comprovada, resistiu a defender o uso de máscaras e quebrou regras de distanciamento. No debate com Biden na última terça-feira, ele ironizou o fato de o democrata fazer eventos de campanha para pouquíssimas pessoas. "Ele faz círculos com três pessoas", disse Trump. "Se você conseguisse ter as multidões, você faria o mesmo (comícios)", completou o republicano, que também zombou do fato de Biden sempre aparecer de máscara em público -- algo que ele já disse que "não é muito presidencial".

Saiba como funcionam bipartidarismo, prévias, escolha dos vices, colégio eleitoral, votos, apuração e pesquisas na disputa presidencial dos Estados Unidos

iden respondeu com a acusação de que Trump tem sido "totalmente irresponsável na forma como ele lida com distanciamento social, o uso de máscaras -- basicamente encorajando as pessoas a não usarem". "Ele é um idiota nisso", disse o democrata. Considerado uma das principais formas de prevenção, o uso de máscara foi politizado nos EUA. Apoiadores do presidente resistem a usar máscaras em muitas partes do país.

A confirmação de que Trump está com covid-19 não apenas tira o republicano da campanha, como também joga para o centro do debate público e eleitoral o tema que mais o prejudica: a pandemia. Nos últimos meses, Trump tentou mudar o foco da discussão eleitoral e centrar sua mensagem em narrativas que têm apelo entre o eleitorado republicano.

Em junho, Trump adotou o discurso de defesa da lei e da ordem diante dos protestos antirracismo e contra violência policial que se espalharam pelo país após o assassinato de George Floyd em Mineápolis. Em agosto, com novos protestos em Kenosha, no Wisconsin, Trump renovou o mesmo discurso e apelou para o medo, ao dizer que os subúrbios seriam destruídos por protestantes e anarquistas se os democratas fossem eleitos. Nas últimas duas semanas, o foco do republicano foi a indicação de uma nova juíza para a Suprema Corte, um assunto caro à base conservadora. Em todas as ocasiões, Joe Biden tentava puxar o debate novamente para questões sobre acesso à saúde em meio e a pandemia, uma fragilidade na campanha de Trump.

O impacto eleitoral ainda é imprevisível. O jornalista e âncora da CNN americana Anderson Cooper citou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na cobertura dessa madrugada ao dizer que Trump pode reforçar seu discurso de que a doença não é grave caso se recupere brevemente. Bolsonaro, Trump e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson são considerados por analistas internacionais como símbolos de líderes que minimizaram a gravidade do vírus. Os três foram infectados.

A confirmação de que Trump está com coronavírus também coloca em questão o esquema de segurança da Casa Branca. O presidente alegava que pode circular e interagir sem máscara durante eventos porque todas as pessoas que o cercam são testadas diariamente. Com frequência, os eventos realizados pela presidência ou pela campanha ignoraram protocolos de segurança defendidos por médicos e autoridades do país. 

Beatriz Bulla, correspondente de O Estado de S.Paulo em Washington, DC. Publicado originamente em 02.10.2020, às 07h02.

O presidente Donald Trump anunciou na madrugada desta sexta-feira, 2, que ele e a primeira-dama Melania testaram positivo para o novo coronavírus. Em uma publicação no Twitter, Trump disse que vai começar a quarentena "imediatamente". Os dois fizeram exames para a covid-19 após a conselheira próxima do presidente, Hope Hicks, ser diagnosticada com o novo coronavírus. 

O médico do presidente, Sean Conley, disse em comunicado que Trump vai continuar a cumprir seus deveres “sem interrupções”. Segundo ele, o presidente e a primeira-dama passam bem e “planejam continuar em casa durante a recuperação”.

Mesmo após serem notificados dos sintomas de Hope Hicks, Trump e sua comitiva viajaram até Nova Jersey para participar de um evento de arrecadação de fundos para a campanha. O presidente entrou em contato direto com dezenas de outras pessoas, incluindo apoiadores.

Aos 74 anos, Donald Trump é um paciente de alto risco para o novo coronavírus por conta da idade e por ser considerado "acima do peso". Ele demonstrou ter boa saúde durante os últimos anos na Casa Branca, mas não costuma se exercitar com frequência ou seguir uma dieta saudável.  

Trump cancelou os planos de participar de um evento de campanha na Flórida nesta sexta-feira, mas manteve na agenda uma ligação telefônica ao meio-dia sobre “apoio a idosos vulneráveis durante a covid-19”.  

Presidente anunciou diagnóstico positivo na madrugada desta sexta-feira e disse que irá começar a quarentena "imediatamente" Foto: Carlos Barria/REUTERS

Hicks viajou com o presidente americano a bordo do Air Force One diversas vezes nesta semana e esteve com ele no debate, em Cleveland. Com a quarentena de Trump, a agenda de campanha muda radicalmente. 

Trump, que sempre minimizou os efeitos da covid, vinha fazendo comícios com grande público. O presidente disse a Sean Hannity, âncora da Fox News, durante uma entrevista ao vivo na noite desta quinta-feira, que ele e a primeira-dama, Melania Trump, foram testados depois de saberem sobre Hicks e estavam aguardando os resultados. 

Hicks, de 31 anos, foi porta-voz da campanha de Trump em 2016 e, em seguida, se tornou diretora de comunicações da Casa Branca. Em 2018, deixou o governo para ocupar um cargo na Fox News. Ela voltou à Casa Branca em fevereiro no papel de conselheira do presidente. Nos últimos dias, Hicks viajou com Trump para Pensilvânia, Ohio e Minnesota.

A conselheira foi fotografada sem máscara no comício da Pensilvânia, batendo palmas ao som de YMCA, da banda Village People, com outros assessores de Trump. Ela também não usava proteção em Cleveland (Ohio), onde foi realizado o primeiro debate da campanha presidencial na terça-feira.  

Trump, que não usa máscara nem promove distanciamento social, costuma ser visto próximo a sua comitiva, que também não segue as recomendações de especialistas em saúde pública. 

“O presidente leva muito a sério sua saúde e segurança, assim como a de todos que trabalham em seu apoio e do povo americano”, disse Judd Deere, porta-voz da Casa Branca. “O Departamento de Operações da Casa Branca colabora para garantir que todos os planos e procedimentos incorporem as orientações e as melhores práticas do CDC para limitar ao máximo possível a exposição à covid-19.”

Biden

Histórias falsas sobre a saúde do democrata Joe Biden se espalharam nas redes sociais dois dias após o primeiro debate presidencial. Parte das informações falsas vem de anúncios enganosos no Facebook promovidos pela campanha de Trump, além de vídeos virais no TikTok. Uma história falsa sobre Biden usando um fone de ouvido durante o debate com Trump surgiu na terça-feira e continuou a ganhar força no Facebook após o evento. 

O anúncio promovido pela campanha de Trump, que incentiva as pessoas a “verificarem os ouvidos de Joe” e perguntava “por que Sleepy Joe (Joe Dorminhoco, em tradução livre) não se compromete com a inspeção do fone de ouvido?”, foi visto entre 200 mil a 250 mil vezes.  

Uma parcela grande das visualizações foi de pessoas com mais de 55 anos no Texas e na Flórida. O anúncio, cujo conteúdo se originou de um tuíte de um repórter do New York Post, que citou uma única fonte anônima, diz que Biden usou o fone para que alguém lhe passasse informações.  

Na plataforma TikTok, quatro vídeos que diziam que Biden estava usando um fio para “trapacear” durante o debate acumularam mais de meio milhão de visualizações, segundo uma pesquisa do grupo de vigilância de mídia Media Matters.  

Um deles mostra uma foto de Biden com a mão dentro do terno, enquanto outro sobrepõe uma flecha sobre a gravata de Biden, mas nenhum dos vídeos mostra qualquer evidência visual do uso de dispositivo eletrônico. 

Antes do debate, os executivos do Twitter e do Facebook revisaram hashtags, tendências e outras contas que podem violar as regras das empresas usando uma combinação de software e revisão humana.

Fonte: The Washington Post e The New York Time. Publicado no Brasil por O Estado de São Paulo, edição de 02.10.2020.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

O Brasil tem 144.103 mortes por coronavírus confirmadas até as 13h desta quinta-feira (1°),

É o que revela levantamento do consórcio de veículos de imprensa a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde.

Desde o balanço das 20h de quarta-feira (30), 7 estados atualizaram seus dados: BA, CE, GO, MG, MS, PE e RR.

Veja os números consolidados:


144.103 mortes confirmadas

4.820.116 casos confirmados

Às 8h, o consórcio publicou a primeira atualização do dia com 143.910 mortes e 4.813.989 casos.

Na quarta-feira, às 20h, o balanço indicou: 143.886 mortes confirmadas, 876 em 24 horas. Com isso, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias foi de 689, uma variação de -12% em relação aos dados registrados em 14 dias.

É o 8º dia seguido que o país apresenta média móvel abaixo de 700. Uma sequência tão grande com o número abaixo dessa marca só ocorreu antes em meados de maio.

Desde o dia 14 de setembro a tendência na média móvel de mortes segue em estabilidade, ou seja, o número não apresentou alta nem queda representativa em comparação com os 14 dias anteriores. Antes disso, o país passou por um período de uma semana seguida com tendência de queda no registro de mortes por Covid.

Em casos confirmados, eram 4.813.586 brasileiros já tiveram ou têm o novo coronavírus desde o começo da pandemia, com 33.269 desses confirmados no último dia. A média móvel de novos casos foi de 26.544 por dia, uma variação de -15% em relação aos casos registrados em 14 dias.

Brasil, 30 de setembro

No total, 2 estados apresentam alta de mortes: Roraima e Rio Grande do Norte.

Vale ressaltar que há estados em que o baixo número médio de óbitos pode levar a grandes variações percentuais. Em Roraima, por exemplo, a média saltou de 0 para 5 no intervalo de 14 dias, o que levou a uma variação de 700%; e, no Rio Grande do Norte, a média passou de 4 para 5, que representou variação de 16% em relação a duas semanas antes. A média é, em geral, em números decimais e arredondada para facilitar a apresentação dos dados.

Estados

Subindo (2 estados): RR e RN

Em estabilidade, ou seja, o número de mortes não caiu nem subiu significativamente (14 estados): SC, ES, MG, RJ, GO, MS, AM, AP, BA, CE, MA, PB, PE e SE

Em queda (10 estados + DF): PR, RS, SP, DF, MT, AC, PA, RO, TO, AL e PI

Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Publicado originalmente por G1


A inflação do Alvorada

As palavras, decisões e atitudes irresponsáveis de Jair Bolsonaro espantam investidores, afetam o câmbio e inflam os preços

O presidente Jair Bolsonaro é hoje a fonte de inflação mais perigosa. Suas palavras, decisões e atitudes irresponsáveis assustam o mercado, espantam investidores, afetam o câmbio e acabam inflando os preços com a alta do dólar. Em outros países se pode conter a inflação com aumento de juros, principal instrumento de aperto monetário. Não há, no entanto, meios de controlar o presidente brasileiro, fazê-lo medir suas palavras e tentar criar um ambiente político e econômico saudável e previsível.

Um novo susto derrubou a bolsa de valores na segunda-feira e levou o dólar a R$ 5,67, a maior taxa desde 21 de maio, quando a cotação chegou a R$ 5,70. O fato assustador, desta vez, foi o anúncio de mais uma gororoba fiscal para financiar a Renda Cidadã, estandarte da campanha pela reeleição. A fórmula anunciada inclui uma redução de pagamentos de precatórios, algo com cheiro de calote, e uma apropriação muito polêmica de recursos do Fundeb. De novo o Banco Central (BC) precisou intervir no mercado, vendendo moeda americana, para derrubar a cotação até R$ 5,63, uma taxa ainda muito elevada.

Dólar muito caro, muitas vezes superando por 40% a cotação do início do ano, tem pressionado os preços por atacado. Os aumentos são em parte explicáveis pelas exportações do agronegócio, principalmente para a China, e em parte também pelo câmbio. Dólar mais caro estimula também as vendas de produtos de menor peso na balança comercial, como o arroz, mas muito importantes para o mercado interno. Além disso, preços domésticos tendem a acompanhar os externos, especialmente quando há aumento de custos.

A inflação do atacado é bem visível no Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Esse indicador subiu 4,34% em setembro, 14,40% neste ano e 17,94% em 12 meses. Mas convém traduzir esse aranzel de letras e números. O IGP-M é formado por três componentes. Os preços ao produtor (atacado) têm peso de 60%. Os preços ao consumidor correspondem a 30% do conjunto. O índice nacional do custo da construção representa 10% do indicador total.

Os preços por atacado, os mais sensíveis ao mercado internacional e ao câmbio, subiram 5,92% em setembro, 20,14% em 2020 e 25,26% em 12 meses. As maiores altas foram as dos produtos agropecuários: 9,41% no mês passado, 28,82% no ano e 45,52% em 12 meses. Mas, com o isolamento, a perda de renda e a insegurança de milhões de famílias, o consumo foi refreado. Por isso, a maior parte da alta de preços ficou represada no atacado. Houve pouco repasse ao varejo e ao comprador final.

Por isso, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) aumentou apenas 0,64% no último mês, 2,03% em 2020 e 3,04% nos 12 meses até setembro. Mas isso é um número médio. O custo da alimentação, um dos principais componentes do IPC, subiu bem mais que os outros preços pagos pelas famílias, com altas de 1,30%, 7% e 9,08% nos períodos considerados. Em setembro o arroz ficou 11,08% mais caro e virou o novo terror inflacionário.

“O câmbio médio dos próximos 30 dias poderá determinar o futuro de curto prazo do IGP-M”, disse o coordenador de índices de preços da FGV, André Braz, ao apresentar os novos dados. Dólar na faixa de R$ 5,50 a R$ 5,60 poderá, segundo ele, impedir a desaceleração dos preços.

Não se pode rejeitar a possibilidade de um IGP-M com 20% de alta em 2020, embora o cenário básico seja outro, comentou o economista. Com a volta da China e de outras grandes economias à normalidade, as commodities se valorizam “e a incerteza doméstica cria uma desvalorização cambial que, se for perpetuada, poderá criar uma pressão em direção a esse cenário”, acrescentou.

A incerteza doméstica, refletida no dólar, também é fator inflacionário. É palavra de especialista, confirmada no dia a dia dos mercados. Faltou dizer de onde vem a incerteza. Vem, é claro, do desgoverno, principal fonte de insegurança fiscal e econômica. Exemplo: a lambança orçamentária discutida na segunda-feira. Endereço: Palácio da Alvorada. Mas as emas são inocentes.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 01.10.2020

A democracia na América

Donald Trump não respeita o adversário político, o próprio partido e o eleitor

O primeiro debate das eleições americanas assustou os telespectadores. Foram 90 minutos de injúrias, insultos e demasiadas interrupções. “Ninguém jamais viu um debate presidencial como o festival de gritos e agressões de terça à noite entre o presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden”, resumiu Dan Balz, do Washington Post.

Desde o início, o presidente americano impôs o tom do debate, com falas agressivas e contínuas interrupções. Sem sucesso, o moderador Chris Wallace fez vários apelos a Donald Trump para que respeitasse a ordem do debate. Tal incivilidade impediu uma discussão efetiva sobre os reais problemas do país. No entanto, por mais constrangedores que tenham sido os maus modos de Trump, eles não foram o aspecto mais assustador do debate – e do que se tem visto até agora da campanha eleitoral nos Estados Unidos.

Atrás nas pesquisas de opinião, Donald Trump tem colocado em dúvida a lisura do sistema eleitoral americano, sem trazer qualquer fato que apoie sua acusação. Como escreveu Thomas L. Friedman no New York Times, “o presidente disse-nos de inúmeras maneiras que ou será reeleito ou deslegitimará o voto, alegando que todas as cédulas por correio – uma tradição consagrada que conduziu republicanos e democratas ao cargo e foi usada pelo próprio Trump – são inválidas”.

Perversa, a tática de Trump, lançando suspeitas infundadas sobre a contagem dos votos, causa enormes estragos na confiança na democracia. Caso não vença no Colégio Eleitoral, o candidato republicano dá sinais de querer criar uma enorme confusão, levando o resultado das urnas para avaliação da Suprema Corte ou do Senado.

Esse descarado desrespeito às regras do jogo tem causado apreensão. “Nossa democracia está em terrível perigo”, escreveu Thomas L. Friedman. Segundo o colunista do New York Times, um perigo como esse não era visto “desde a Guerra Civil; mais perigo do que depois de Pearl Harbor, mais perigo do que na crise dos mísseis cubanos e mais perigo do que durante Watergate”. Não deixa de ser estranho que esse perigo se dê precisamente no país que tem sido o paradigma de democracia.

Essa dramática situação é resultado de uma tática usada há anos por Donald Trump, com a conivência de não poucas pessoas. O candidato republicano não respeita o adversário político, não respeita o próprio partido e não respeita o eleitor.

Pesquisa realizada pela CNN apontou que Joe Biden venceu o debate da noite de terça-feira contra Donald Trump por 60% a 28%. Num cenário tão dramático, é um alívio constatar que o bom senso parece ainda prevalecer minimamente. Mas, como disse o cientista político Hussein Kalout, “foi um dos piores debates da história das eleições americanas. Um debate caótico e desprovido de conteúdo e de propostas estruturais. O confronto se deu de forma rasteira e é impossível auferir a vitória a um dos lados. O eleitor americano foi o maior perdedor”.

O quadro é extremamente preocupante. A confusão que Donald Trump se esforça para armar pode trazer grandes prejuízos não apenas para os Estados Unidos, mas para todo o mundo. No caso do Brasil, há ainda um aspecto especialmente constrangedor. Mesmo diante do comportamento de Donald Trump, o governo de Jair Bolsonaro insiste em ser submisso, de um jeito nunca visto na diplomacia brasileira, ao candidato republicano e a seus interesses eleitorais.

O debate de terça-feira à noite, com a atuação absolutamente incivilizada do candidato republicano, evidencia o grau de cegueira deliberada de Jair Bolsonaro e de parte de seu governo, em especial da chamada ala ideológica. Vale lembrar, por exemplo, a análise do chanceler Ernesto Araújo, publicada em artigo, na qual dizia que Donald Trump era o único que talvez pudesse ainda salvar o Ocidente. Mais realista parece ser a constatação de Thomas L. Friedman sobre o candidato republicano: é “a pessoa mais desonesta, perigosa, mesquinha, divisiva e corrupta que já ocupou o Salão Oval”.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 01.10.2020

Queimadas no Pantanal batem recorde em 9 meses e são as maiores em 23 anos

Total de focos entre 1º de janeiro e 30 de setembro foi de 18.259, alta de 82% em relação ao observado em 2019, e é o maior do registro histórico para um ano inteiro; Amazônia também teve alta de queimadas

 Ao contrário do discurso recente, e errado, do governo Bolsonaro minimizando o número de queimadas no Brasil, os dois biomas mais preservados do País fecharam o mês de setembro com altas expressivas no número de focos. 

O Pantanal – maior planície úmida do mundo, que se estende pelos Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul – apresentou a sétima alta mensal consecutiva e bateu o recorde do registro histórico para setembro, com 8.106 focos de calor, alta de 180% em relação ao mesmo mês do ano anterior, que teve 2.887 focos. Somente na quarta-feira, 30, os satélites captaram 682 focos ativos. Em apenas nove meses, o bioma também bateu o recorde anual. 

                                

                            Queimadas no Pantanal Matogrossense Foto: Dida Sampaio/Estadão

De acordo com dados do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 1º de janeiro e 30 de setembro, o total de pontos de fogo no Pantanal – 18.259 – já supera em 82% o total de queimadas observado ao longo de todo o ano passado no bioma (10.025). E é o maior valor observado para o período de um ano desde o início dos registros do Inpe, em 1998. O maior valor até então era o de 2005, com 12.536 focos para 12 mese

Em área, as queimadas já consumiram neste ano cerca de 23% do bioma, segundo estimativas do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da UFRJ, compiladas até 27 de setembro. O cálculo aponta que o fogo atingiu até domingo 34.610 km². 

O Instituto Centro de Vida (ICV), organização sediada em Mato Grosso e que tem acompanhado de perto as queimadas no bioma, relatou no início da semana que mesmo as primeiras chuvas de setembro ainda não foram capazes de controlar o alastramento dos incêndios no Estado.

Segundo o ICV, o fogo segue avançando pelo Parque Estadual Encontro das Águas, maior reduto de onças pintadas do mundo e que já teve 93% de sua área atingida. Outra unidade de conservação afetada foi a Estação Ecológica Taiamã, com 27% da área queimada.

Cinza, lama e fogo predominam sobre o verde e criam a nova paisagem no Parque Encontro das Águas. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Fogo na Amazônia

Na Amazônia, foram 32.017 focos, alta de 60,6% em relação ao mesmo mês do ano passado, que teve 19.925 focos em setembro. É o maior valor desde 2017 para este mês no bioma.

Em agosto, tinha ocorrido uma leve queda dos focos na Amazônia em comparação com os números do mesmo mês no ano passado (29.307 ante 30.900). As queimas em agosto do ano passado eram as piores desde 2010 e deram início às críticas estrangeiras sobre a falta de atenção do governo federal à região. Foi também quando ocorreu o chamado "Dia do Fogo", em que proprietários de terra do Pará, de modo coordenado, colocaram fogo em várias regiões simultaneamente, segundo as investigações

De acordo com o IBGE, maior perda de área natural ocorreu na Amazônia

Amazônia teve 32.017 focos de incêndio em setembro deste ano, alta de 60,6% em relação ao mesmo mês de 2019. É o maior valor desde 2017 para este mês no bioma. Foto: Christian Braga / Greenpeace

A queda registrada neste ano, porém, pode estar subestimada. O Inpe informou que os valores estão menores em razão de uma “indisponibilidade global de dados” na segunda quinzena de agosto do sensor de um dos satélites da Nasa usados para medir as queimadas. Com isso, a expectativa é que o total de focos de calor na Amazônia tenha sido maior que o registrado em agosto, mas as informações ainda não foram atualizadas.

Giovana Girardi, de O Estado de S.Paulo. Publicado originalmente em 01.10.2020



quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Separando fatos de ficção no debate entre Trump e Biden

Confronto entre presidente americano e oponente democrata foi marcado por interrupções, insultos pessoais e retórica confusa. Algumas afirmações ficaram longe da realidade. A DW checou os pontos mais controversos.

Cena de duelo televisivo entre Biden e Trump: 

Duelo televisivo entre Biden e Trump: acusações, ofensas e inverdades

O presidente Donald Trump e seu rival democrata, Joe Biden, travaram o primeiro debate da atual corrida à Casa Branca nesta terça-feira (29/09). O duelo caótico foi marcado por insultos e interrupções, e o moderador Chris Wallace, jornalista da Fox News, teve dificuldades de controlar a situação.

No geral, o debate foi ralo no contexto factual e provavelmente de pouca ajuda para os eleitores indecisos. A julgar pelas reações de especialistas políticos e comentários em plataformas de mídia social, o sentimento predominante parece ser uma mistura de incredulidade e exasperação.

Confira a checagem da DW sobre alguns dos pontos mais controversos:

Biden afirmou que "um em cada mil afro-americanos morreu por causa do coronavírus". "E se ele [Trump] não fizer algo rapidamente, no final do ano, um em cada 500 afro-americanos terá morrido."

A afirmação está parcialmente correta

Os negros, de fato, sofrem proporcionalmente mais que a parcela branca da população americana: um em cada 1.020 negros americanos morreu em razão do coronavírus, o que corresponde a 98 mortes por 100 mil pessoas, enquanto um em 2.150 americanos brancos morreu de covid-19, o que corresponde a cerca de 47 mortes por 100 mil pessoas.

Os negros americanos têm, portanto, duas vezes mais chances de morrer de covid-19 em comparação com os brancos, apesar de, em números absolutos, mais pessoas brancas morrerem devido ao coronavírus, segundo apontam os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos.

Entretanto, não é possível se dizer se a previsão de Biden sobre a taxa de um a cada 500 afro-americanos mortos está correta.

Fraude eleitoral

Trump disse mais uma vez que a votação por correio deixa a porta aberta para fraudes. "Há fraude. Eles encontraram nos riachos. Eles encontraram algumas (cédulas de votação) com o nome Trump outro dia em uma cesta de lixo. Elas estão sendo enviadas para todos os lugares. Eles enviaram mil cédulas duplicadas numa região democrata. Todos têm duas cédulas. Isso vai ser uma fraude como você nunca viu. (...) Veja a Virgínia Ocidental, lá um carteiro vendeu cédulas de votação."

De fato, houve irregularidades isoladas, conforme destacado pelo serviço postal dos EUA. Uma bandeja com cédulas foi encontrada em uma vala no estado de Wisconsin. Mas não está claro quantas ou se já tinham sido preenchidas. No estado da Pensilvânia foram encontradas nove cédulas de votação no lixo, como informado pelo Departamento de Justiça dos EUA.

No estado de Virgínia Ocidental, em maio, um funcionário dos correios foi acusado – e depois admitiu – de tentativa de fraude eleitoral ao alterar solicitações para votos por correio. Em Virgínia, até mil pessoas teriam recebido cédulas duplas. Entretanto, essas pessoas não conseguiriam votar duas vezes, segundo autoridades eleitorais. 

O fato é, entretanto, que Trump não forneceu qualquer evidência de irregularidades generalizadas. Não há evidências de fraude generalizada.

Mão coloca carta numa caixa de correio

O número de votos pelo correio deve aumentar devido à pandemia de coronavírus

Economia

Segundo Trump, em decorrência da pandemia, ele "teve que fechar a maior economia da história do nosso país". "E, a propósito, agora está sendo reconstruída", disse.

Incorreto. A economia sob Trump não teve um desempenho tão bom quanto sob os presidentes Dwight D. Eisenhower, Lyndon B. Johnson e Bill Clinton.

O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a uma taxa anual de 2,3% em 2019, ante 2,9% em 2018 e 2,4% em 2017. Para comparação: em 1997, 1998 e 1999, o PIB anual cresceu 4,5%, 4,5% e 4,7%, respectivamente.

Um retrospecto ainda maior mostra números ainda mais evidentes. O crescimento entre 1962 e 1966 variou de 4,4% a 6,6%. Nos anos do pós-guerra 1950 e 1951, o crescimento anual foi de 8,7% e 8%, respectivamente.

A taxa de desemprego atingiu um mínimo de 3,5% sob Trump. Em 1953, era de apenas 2,5%.

Biden, por sua vez, criticou a marca do governo Trump relativa ao desemprego, afirmando que "Trump será o primeiro (presidente) na história americana" a deixar o cargo com maior número de desempregados do que quando assumiu.

Incorreto. Se Trump perder a reeleição, ele não seria o primeiro presidente na história dos Estados Unidos a deixar o cargo com taxa de desemprego maior do que quando iniciou o mandato. Isso aconteceu no governo de Herbert Hoover, que perdeu a eleição de 1932 para Franklin D. Roosevelt, quando a Grande Depressão causou perdas massivas de empregos.

Os registros oficiais de empregos remontam a 1939. Desde então, nenhum presidente terminou seu mandato com mais desempregados do que quando começou. No entanto, os sinais são de que o registro do primeiro mandato de Trump pode mostrar que ele perdeu empregos. Isso o tornaria o primeiro a fazê-lo desde Herbert Hoover, que atuou como presidente de 1929 a 1933.


Mulher negra de máscara com criança coberta por pano no colo

População negra é proporcionalmente mais atingida pelo coronavírus nos EUA

Declarações de imposto de renda

Quando questionado sobre quanto havia pagado em imposto de renda federal em 2016 e 2017, Trump disse: "Milhões de dólares, e você poderá ver."

Recentemente o jornal The New York Times publicou uma reportagem mostrando que o presidente pagou 750 dólares em imposto de renda federal em 2016 e 2017. Como comparação, as famílias de renda média em 2016 pagaram uma média de 2,2 mil dólares em imposto de renda, de acordo com o Departamento de Orçamento do Congresso.

Dos 18 anos que o New York Times analisou com base em documentos, Trump não teria pagado o imposto de renda federal em 11 deles. O ponto aqui é que Trump provavelmente pagou outros impostos - e é a isso que se referiu em sua resposta no debate -, mas não o imposto de renda federal. 

Meio ambiente

"Quero água e ar cristalinos. Quero ar lindamente limpo. Temos o carbono mais baixo. Se você olhar para nossos números, somos fenomenais", disse Trump.

Essa declaração é ao menos enganosa. O governo de Trump não é conhecido por colocar o meio ambiente em primeiro lugar. Os EUA abandonaram o Acordo Climático de Paris em 2019. O governo de Trump redefiniu ou está prestes a redefinir cem regras ambientais. Trump diz que quer ar puro. Ele enfraqueceu algumas regulamentações da Lei do Ar Limpo.

Quando se trata da afirmação sobre o carbono, não está totalmente claro a que se refere. É verdade que os Estados Unidos reduziram suas emissões de dióxido de carbono mais do que qualquer outro país, se forem considerados os números da Agência Internacional de Energia (AIE). Mas os EUA estão longe de ter as menores emissões de CO2 per capita. Segundo o Banco Mundial ou a organização científica UCS, os EUA figuram no grupo de países com as maiores emissões per capita.

Com isso em mente, falar em algo "fenomenal" parece mais uma ousadia.

Publicado por Deutsch Welle, em 30.09.2020

Desemprego sobe para 13,8% em julho, maior taxa desde 2012

País perde 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses e população ocupada encolheu para o menor contingente já registrado pela pesquisa.

A taxa de desemprego no Brasil subiu para 13,8% no trimestre encerrado em julho, atingindo 13,13 milhões de pessoas, com um fechamento de 7,2 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada nesta quarta-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Trata-se da maior taxa de desemprego da série histórica, iniciada em 2012.

O índice corresponde a um aumento de 1,2 ponto percentual em relação ao trimestre encerrado em fevereiro (12,6%) e de 2 pontos percentuais em relação ao mesmo trimestre de 2019 (11,8%).

Desemprego julho/2020 — Foto: Economia G1

Em termos de número de desempregados, o contingente registrado no trimestre encerrado em julho é o maior desde abril do ano passado, quando os desocupados somavam 13,17 milhões. O recorde histórico foi registrado em março de 2017 (14,1 milhões).

População ocupada cai para mínima histórica

A população ocupada encolheu 8,1% em 3 meses, recuando para 82 milhões, o menor contingente da série. O número representa uma redução de 7,2 milhões pessoas em relação ao trimestre anterior e de 11,6 milhões na comparação anual.

A analista da pesquisa, Adriana Beringuy, explica que as quedas no período da pandemia de Covid-19 foram determinantes para os recordes negativos deste trimestre encerrado em julho. “Os resultados das últimas cinco divulgações mostram uma retração muito grande na população ocupada. É um acúmulo de perdas que leva a esses patamares negativos”, afirma.

A Pnad Contínua é a pesquisa mais ampla sobre o mercado de trabalho no país e é usada como indicador oficial do desemprego no Brasil.

Sinais de recuperação em setembro

Com a pandemia de coronavírus, o IBGE passou a realizar também levantamentos semanais para identificar os impactos da Covid-19 no mercado de trabalho.

Na semana passada, o IBGE mostrou que a taxa de desemprego passou de 14,3% para 13,7% entre a última semana de agosto e a primeira de setembro. As pesquisas, no entanto, não são comparáveis, devido às características metodológicas, que são distintas.

Fonte: G1

Trump e Biden travam debate caótico

Xingamentos e interrupções marcam primeiro duelo direto. Trump se recusa a condenar racistas, e Biden chama presidente de palhaço e mentiroso. Democrata sinaliza que pretende retaliar Brasil por devastação ambiental.

(Opinião do editor deste blog - O que deveria ter sido um debate entre estadistas sobre questões fundamentais para o Povo norte-americano e a segurança do resto do mundo, virou um bate-boca de esquina sob a leniência de Wallace, o moderador da Fox News, a rede de TV dita conservadora, que dá total apoio a Trump, desde a última eleição presidencial). 

Donald Trump e Joe Biden em debate

Trump interrompeu Biden repetidamente durante o debate

Faltando pouco mais de um mês para a eleição presidencial dos EUA, o primeiro debate entre Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden na noite de terça-feira (29/09) foi marcado por ataques pessoais, insultos e constantes interrupções. O moderador do duelo, o jornalista Chris Wallace teve dificuldades de controlar a situação.

O debate teve duração de 90 minutos, sem intervalos, dividido em seis blocos de 15 minutos que abordavam diferentes tópicos.

O presidente Trump, que está atrás nas pesquisas, ficou na defensiva em parte do confronto, mas também apostou em táticas diversionistas, incluindo ataques à família de Biden e constantes interrupções durante as falas do adversário. O presidente chegou a mencionar que o único filho ainda vivo de Biden, Hunter, teve problemas com drogas no passado.

Já Biden, frustrado com as constantes interrupções de Trump logo no início do debate, pediu que o rival calasse a boca. "Você vai calar a boca, cara?", disse o democrata. "É difícil falar qualquer coisa com esse palhaço", disse o democrata em outro momento do confronto. Ele também chamou Trump de mentiroso e disse que ele é "o pior presidente que os Estados Unidos já tiveram".

Biden mencionou o Brasil durante um tópico sobre os incêndios que devastam a Califórnia e afirmou que, caso eleito, pretende trabalhar com outros países e canalizar verbas para a preservação da Amazônia. Ele também sinalizou que pode retaliar o governo brasileiro caso a devastação da floresta continue.

"A floresta tropical no Brasil está sendo destruída. Parem de destruir a floresta e, se isso não acontecer, haverá consequências econômicas significativas", completou.

Racismo e "esquerdismo"

Outro momento tenso do debate ocorreu entre Trump e moderador Wallace, que pediu que o presidente condenasse publicamente grupos supremacistas brancos, especialmente um grupo extremista de direita chamado Proud Boys. Trump evitou uma condenação direita e disse apenas: "Proud Boys, recuem e fiquem em stand by." Em seguida, apelou para o diversionismo. "Mas, vou lhe dizer uma coisa, alguém tem que fazer algo sobre o Antifa e a esquerda, porque isso não é um problema de direita, é um problema de esquerda”, afirmou.

"Este é um presidente que usou tudo como um apito de cachorro para tentar gerar ódio racista, divisão racista", disse Biden um pouco antes.

O presidente ainda tentou ligar Biden à ala mais à esquerda do Partido Democrata, afirmando que seu adversário era um apoiador do "Green New Deal" defendido por estrelas da esquerda, como o senador Bernie Sanders e a deputada Alexandria Ocasio-Cortez. Biden rejeitou a fala, e respondeu: "Não apoio o Green New Deal. Apoio o plano Biden que apresentei."

Biden ainda rejeitou outras acusações de Trump, como a de que o democrata defende diminuir o financiamento de forças policiais. "Oponho-me totalmente. Policiais precisam de assistência", disse Biden.

Suprema Corte

A abertura recente de uma vaga na Suprema Corte dos EUA também foi um ponto de conflito entre os candidatos. Trump defendeu a nomeação a conservadora Amy Barrett para a cadeira deixada por Ruth Ginsburg a pouco mais de um mês da eleição. O momento da indicação contrasta com a posição republicana adotada em 2016, quando o partido bloqueou uma indicação de Barack Obama alegando que ela deveria ser prerrogativa do presidente que vencesse a eleição naquele ano.

"Eu não fui eleito para três anos, fui eleito para quatro anos", disse Trump.

Já Biden evitou responder a uma pergunta sobre se pretende aumentar o número de juízes na Suprema Corte, mas defendeu que a nomeação para a vaga de Ginsburg não deveria ser feita neste momento porque a eleição já está em andamento em alguns estados.

Covid-19

Em geral, os ataques e a tensão no confronto obscureceram discussões sobre políticas específicas. Biden ainda acusou Trump de ter "entrado em pânico" durante a pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 200 mil americanos.

"Muitas pessoas morreram, e muitas outras vão morrer, a menos que ele (Trump) seja mais inteligente", disse Biden.  "Ele sabia desde fevereiro quão sério isso era, sabia que era mortal. O que ele fez? Ele disse que não queria criar pânico. Ele entrou em pânico", disse Biden.

Trump defendeu a condução da crise pelo seu governo e contra-atacou Biden de maneira pessoal pelo uso da palavra "inteligente”. "Você se formou como o últimos como um dos últimos da sua turma", disse o presidente. "Nunca use a palavra inteligente comigo. Nunca use essa palavra."

Em outro momento, quando Biden acusou Trump de ofender os militares, o presidente voltou a distribuir ataques pessoais. Ele disse que Beau Hunter, um dos filhos do democrata, "foi expulso das Forças Armadas". "Ele foi expulso de forma desonrosa por usar cocaína", disse Trump. Biden respondeu: "Meu filho, assim como muitas outras pessoas, como muitas pessoas que vocês conhecem, tem um problema com drogas." Beau Biden morreu em consequência de um tumor cerebral em 2015.

Resultado

Trump também voltou a não se comprometer a aceitar o resultado das eleições em caso de derrota. Ele ainda voltou a repetir, sem apresentar provas, que a votação realizada por correio tem risco de ser fraudada, apesar de já ter sido realizada com sucesso várias vezes no passado. 

"Se for uma eleição justa, estou 100%. Mas se eu vir milhares de cédulas sendo manipuladas, não posso concordar com que... Isso significa que você tem uma eleição fraudulenta", disse.

Biden, por sua vez, acusou Trump de tentar "assustar" os eleitores para convencê-los a desistir de votar.

O democrata ainda explorou a recente revelação feita pelo jornal The New York Times de que Trump não pagou imposto de renda em 11 dos últimos 18 anos. "Mostre seu imposto de renda", rebateu Biden, que divulgou suas próprias declarações ao fisco horas antes do debate.

Uma pesquisa instantânea da CNN apontou que 60% dos espectadores do debate apontaram que Joe Biden se saiu melhor do que Trump. Pelo levantamento, 28% disseram que Trump foi o vencedor da noite.

No entanto, o debate deve ter apenas o efeito de reforçar as convicções dos eleitores. Segundo uma pesquisa Wall Street Journal/NBC News, mais de 70% dos americanos dizem que não consideram o debate muito importante para decidir o voto.

Publicado originalmente por Deutsh Welle, em 30.09.2020.

A chanchada da Renda Cidadã

O arranjo defendido por Jair Bolsonaro, por seus aliados e pelo ministro Paulo Guedes é apenas uma coleção de remendos de baixíssima qualidade

Calote, pedalada, burla, drible e contabilidade criativa foram algumas das palavras mais ouvidas, no mercado, quando se anunciou a fórmula escolhida para financiar a Renda Cidadã, a nova bandeira eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. A imprensa também registrou avaliações como “calote temporário” e “medida estarrecedora”. Conhecida a proposta, o dólar chegou a R$ 5,67, um novo recorde, revertido quando o Banco Central entrou no jogo vendendo moeda americana. A Bolsa deixou a coreografia internacional e encerrou o dia com um tombo de 2,41%.

A proposta assustadora foi anunciada depois de uma reunião do presidente, no Palácio da Alvorada, com parlamentares aliados e ministros, incluído o da Economia, Paulo Guedes. O apoio de Guedes ao esquema demonstra a função real, no atual governo, de um Ministério para assuntos econômicos: cumprir ordens, sem levar em conta prioridade, conveniência econômica e financeira e até critérios de responsabilidade fiscal.

A fórmula para acomodar o novo programa social, substituto do Bolsa Família, é uma combinação perversa de dois truques. Em primeiro lugar, pagamentos previstos de precatórios podem ser limitados, isto é, reduzidos. Em segundo, uma parcela do Fundeb poderá ser convertida em Renda Cidadã. Este componente, se aceito, pode proporcionar uma vantagem especial, por ser isento do teto de gastos. O teto limita o aumento da despesa à inflação tomada como baliza da lei orçamentária.

Calote ou ameaça de calote, a ideia de reduzir o pagamento de precatórios foi criticada pelo ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, por políticos, por investidores do mercado e por especialistas em contas públicas. Precatórios correspondem a dívidas do governo reconhecidas pela Justiça. São obrigações financeiras vinculadas a ordens judiciais. Limitar seu pagamento corresponde, em primeiro lugar, a uma escolha de quem terá prioridade no ressarcimento. Isso envolve questões de decência. Envolve também problemas de legalidade.

A questão da moralidade é evidente, mas adiar o pagamento, nesse caso, pode ser também um crime de responsabilidade, análogo às pedaladas do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, como observou o economista Carlos Kawall, diretor da Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional. No caso da presidente petista, a violação da lei motivou um processo político encerrado com impeachment, isto é, com perda do cargo.

Igualmente indefensável é o uso de recursos do Fundeb para financiar a Renda Cidadã. A tentativa de usar esse fundo para burlar o teto de gastos já havia sido rejeitada pelo Congresso. Além da manobra para romper o limite, haveria um claro desvio de finalidade de uma importante fonte de financiamento educacional. Mas a fórmula envolve outras importantes questões legais.

Para criar um gasto permanente, o poder público deve encontrar uma fonte permanente de receita ou eliminar, também de forma duradoura, alguma despesa de montante compatível com a nova necessidade. Nenhuma dessas condições se verifica. Adiar o pagamento de precatórios apenas empurra a despesa com a barriga, sem eliminá-la, como observa o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto. É fácil perceber esse fato mesmo sem o auxílio de um especialista em contas públicas.

Meter a mão no Fundeb também pode proporcionar apenas uma solução temporária, fora do padrão da Lei de Responsabilidade Fiscal. O arranjo defendido pelo presidente, por seus aliados e pelo ministro da Economia é apenas uma coleção de remendos de baixíssima qualidade, digna de malandragens das velhas chanchadas.

Chanchadas, no entanto, podiam ser divertidas, eram inofensivas e envolviam competência técnica e artística. Nenhuma dessas qualidades aparece na fórmula para financiar a bandeira eleitoral do presidente Bolsonaro. “O Brasil é um país sério”, disse o ministro Guedes, tentando defender o indefensável. Seria bom se o Executivo também mostrasse alguma seriedade ao cuidar da economia e do dinheiro público.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 30.09.2020

A vaga no Supremo

Notável saber jurídico e reputação ilibada são condições para o bom funcionamento do STF

 Em novembro, o ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal (STF) completará 75 anos, idade que dá ensejo à aposentadoria compulsória. No entanto, o decano do STF requereu aposentadoria voluntária a partir do dia 13 de outubro. “Razões estritas (e supervenientes) de ordem médica tornaram necessário, mais do que meramente recomendável, que eu antecipasse a minha aposentadoria, que requeri, formalmente, no dia 22 de setembro de 2020”, disse Celso de Mello ao Estado. Com isso, o preenchimento de sua vaga no Supremo pode ter sido antecipado em um mês.

Sempre, mas especialmente em momentos como o atual, o procedimento e as condições para a escolha de um novo ministro devem ser rigorosamente respeitados. “O STF compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, diz o art. 101 da Constituição.

Mais do que meros requisitos formais, são condições para o bom funcionamento do Supremo. Por isso, a Constituição estabelece que “os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”. O Poder Executivo indica o nome e o Legislativo, por meio do Senado, faz o controle dos requisitos.

Critica-se, com frequência, o procedimento para o preenchimento das vagas do Supremo. Ao longo dos anos, foram apresentadas no Congresso muitas propostas de mudança do texto constitucional. Naturalmente, todo processo tem falhas. No entanto, como dissemos neste espaço, “esse sistema funciona bem desde que o Senado compreenda que as sabatinas não são protocolares nem devem ser feitas em clima de camaradagem e com roteiro prévio. Quando levadas a sério, são excelente antídoto para barrar a entrada numa corte suprema de indicados medíocres, sem currículo e biografia”.

O Senado pode desde já contribuir para uma escolha constitucionalmente adequada do sucessor do ministro Celso de Mello, deixando claro ao presidente Jair Bolsonaro que não aceitará uma indicação fora dos requisitos previstos. Por exemplo, de que não validará nomes que, em matéria de saber jurídico, são o que Ruy Barbosa chamava de “nulidades”.

A atuação responsável do Senado pode ajudar Jair Bolsonaro a se recordar do que ocorreu no ano passado, quando ele manifestou o desejo de nomear o filho Eduardo como embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A competência privativa do presidente da República de indicar um nome para determinado cargo não significa autorização para agir arbitrariamente. É preciso respeitar os requisitos constitucionais de cada cargo.

As condições para ministro do Supremo estão expressas: reputação ilibada e notável saber jurídico. Os próprios adjetivos empregados pela Constituição – ilibada e notável – indicam que não deve haver nenhuma dúvida quanto ao caráter e ao conhecimento jurídico do indicado. Ou seja, o respeito à Constituição é incompatível com qualquer tipo de transigência na aferição dos dois requisitos para o preenchimento de uma vaga no Supremo.

Desde o início do governo, o presidente Bolsonaro já mostrou ter dificuldades de compreensão sobre a escolha e o papel de um ministro do Supremo. Por exemplo, em maio do ano passado, Jair Bolsonaro disse, em entrevista à Rádio Bandeirantes: “Eu fiz um compromisso com ele (Sérgio Moro), porque ele abriu mão de 22 anos de magistratura. Eu falei: a primeira vaga que tiver lá, vai estar à sua disposição”. Mais recentemente, Bolsonaro falou que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico”. Também já manifestou o desejo de que o futuro ministro do Supremo defenda na Corte o governo.

O papel do Supremo é defender a Constituição. E o papel do Senado é defender o Supremo, garantindo a independência da Corte. Não basta ter a confiança do presidente da República. O indicado deve ter reputação ilibada e notável saber jurídico. Deve ser um cidadão respeitável e sério.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo, edição de 30.09.2020

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Imbróglio ambiental

Se o Brasil está virando um pária internacional, isso se deve à política conduzida pelo governo

 A questão ambiental tornou-se uma espécie de faroeste, com mocinhos e bandidos se enfrentando. Os “mocinhos” de ocasião são os ambientalistas, por mais que suas diferenças internas sejam grandes, alguns com históricos esquerdistas, alinhados agora com banqueiros. Os “bandidos” são a agricultura, a pecuária e o agronegócio em geral, como se eles fossem os responsáveis pelo desmatamento, quando são alheios em suas atividades ao que lá acontece, embora haja irresponsáveis nesse campo. A realidade é muito mais multifacetada.

Convém lembrar que o Brasil é um dos países mais preservacionistas do planeta, com cobertura de mata nativa em torno de 64% de seu território. São dados tanto da Embrapa quanto da Nasa, algo que não deveria ser contaminado por discussões ideológicas, expondo um grau de conservação ambiental ímpar em termos mundiais. No caso da Amazônia, os proprietários rurais são obrigados, por conta própria, a preservar 80% de sua área, graças ao instituto da reserva legal, exemplo único no mundo. Qual dos países europeus, que tanto criticam o Brasil, pode ostentar tal grau de preservação? Por que não importam o instituto da reserva legal?

Além do mais, o desmatamento anterior, se é que podemos utilizar esse nome, se deve à abertura de áreas para a agricultura e a pecuária, ou seja, para a produção de alimentos. Ou a humanidade não deverá doravante se alimentar? O Brasil, graças ao investimento em ciência e tecnologia e ao empreendedorismo dos produtores rurais, tornou-se um campeão da produção mundial de alimentos. A área cultivada do País cresce muito menos do que a sua produtividade, o que faz que o mundo hoje dependa da produção nacional de alimentos. E frise-se, isso nada tem que ver com a Amazônia, a produção concentra-se no Centro-Oeste, no Sudeste e no Sul. O que se exporta não é cultivado na Amazônia, salvo exceções, em áreas regularizadas. 

Dito isto, a política governamental tem sido um desastre. Como disse o próprio presidente Bolsonaro, a comunicação é péssima, de onde logicamente deveria extrair a conclusão de uma mudança completa nessa área. Uma medida muito acertada foi a criação do Conselho da Amazônia, sob a coordenação do general Hamilton Mourão, pessoa inteligente e com compreensão do problema, capaz de estabelecer diálogos com ONGs e governos estrangeiros. A pauta deveria ser o diálogo. Acontece que o confronto continua a ser a regra do atual governo, embora tenha havido algum apaziguamento.

O governo tem sido, sim, omisso na questão ambiental, ora negligenciando-a, ora compactuando com garimpeiros, ora não supervisionando, ora criticando instituições científicas de monitoramento. Tampouco é de valia um ataque sistemático a governos estrangeiros e ONGs, piorando ainda mais a imagem nacional e criando obstáculos à vinda de investimentos. Se o Brasil está se tornando uma espécie de pária na cena internacional, isso se deve à política conduzida. Quando se erra, pede-se desculpa e não se persevera no erro.

Tampouco adianta os ambientalistas se oporem à regularização fundiária, quanto mais não seja pelo fato de a recusa perpetuar um status quo que é muito ruim. O Brasil dispõe de instrumentos para isso, graças ao Cadastro Ambiental Rural e ao Código Florestal, que podem ser amplamente utilizados e, se for o caso, aprimorados. O setor rural está também pronto para esse tipo de negociação, que deveria ser feito sem preconceitos e em espírito de diálogo. Fincar pé em posições intransigentes não interessa a ninguém. Se não houver regularização fundiária, não haverá responsabilização dos desmatamentos ilegais numa área superior à da Europa.

Evidentemente, não se pode fazer tudo in loco, é necessária a utilização de meios digitais. O Incra e o Ministério da Agricultura podem realizar essa tarefa. Responsabilizar implica reconhecer a propriedade, e não apenas uma posse eventual, que pode facilmente iludir a lei. 

A mobilização da sociedade civil em prol do meio ambiente é uma expressão da modernização do País, embora haja muitas pedras pelo caminho, com boas intenções podendo ser apropriadas pelo “demo”. Uma delas é a defesa repentina da questão ambiental pelos bancos. De um lado, deve ser bem-vinda por exprimir uma pauta de interesse coletivo; de outro, deixa um problema fundamental em aberto. Estabelecerão eles “critérios” ambientais para a concessão de créditos agrícolas? Quem os elaborará? ONGs com vinculações com países e governos europeus? Essa experiência já foi tentada no governo Lula – que recuou logo depois –, com o Banco do Brasil elaborando critérios “sociais” para a concessão de crédito com o apoio do MST e de entidades empresariais. Por exemplo, algumas das ONGs operando no Brasil tiveram ou têm esse tipo de relação como a Oxfam, com o MST, o Instituto Socioambiental, a National Farmers Association – a que produziu o célebre documento Farmers here, forests there – e a Salvation. E ainda com entidades indigenistas, como o Conselho Indigenista Missionário, e com a Teologia da Libertação, ala esquerdista da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). 

Denis Lerrer Rosenfield, o autor deste artigo, é Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 29.09.2020.