segunda-feira, 1 de junho de 2020

Militar da ativa e militar da reserva

Por quem falam, afinal, os militares no governo?

Existe o militar da ativa e o militar da reserva. Os militares da ativa e da reserva que trabalham no governo. E os que não trabalham. Existe a elite militar, e a tropa militar. E por aí vamos. Militar é gênero de múltiplas espécies.

Muitos tendem a perceber os militares como um só todo. Com obrigações, valores, missões, benefícios, ideologias, limites únicos. Como bloco uniforme e monolítico.

Não são, não. Diferem, e muito.


Neste artigo publicado pela Folha de São Paulo, o escritor, advogado e professor Joaquim Falcão, explica o que distingue um militar do serviço ativo do militar reformado, ou seja, da reserva remunerrada. 

Toda a carreira do militar da ativa é formalizada, previsível e institucionalizada por critérios objetivados, diria o ministro Ayres Britto. Etapas adequadas ao mérito e treinamento que tiveram. O soldo é predeterminado. A hierarquia profissional prevalece. São obrigados ao silêncio obsequioso. São proibidos de se manifestar politicamente.

Já com o militar da reserva que vai para o governo, não. É opção individual. Depende de sua vontade e do convite político. O cargo no governo, seja no primeiro, segundo ou qualquer escalão, necessariamente não corresponde ao treinamento que receberam na ativa. Ao ir para o governo, a renda individual do militar da reserva, em geral, aumenta.

A hierarquia é outra. Às vezes, generais da reserva disputam publicamente posições dentro do governo. Falam, debatem e discordam em público. Mais ainda. Quando militar na ativa comete alguma falta, é julgado na Justiça Militar. De legislação e critérios próprios. Quando em cargo de governo, não. Generais vão depor diante de delegados. E, às vezes, são contraditados.

A evidência destas diferenças de posicionamento entre militar da ativa e militar da reserva, dentro do mesmo governo, está ficando cada vez mais nítida. Para o brasileiro, em geral. Globalmente também.
E, com certeza, gera tensões internas. E externas.

Como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno enviou o seu alerta ao ministro Celso de Mello. Mas não assinou somente como ministro. Sua letra mostra que assinou como general. Qual, afinal, a identidade dos militares em cargos de governo? A que são obrigados? Por quem falam? É o que o Brasil quer saber.

Desde 1988, as Forças Armadas fizeram claro esforço para recuperar a imagem dos militares desgastada pela ditadura. Nacional e internacionalmente. Não somente por causa dos limites constitucionais. Mas por voluntária autolimitação.

Conseguiram. O que tem sido extremamente saudável para o Estado democrático de Direito.
Construíram confiança e legitimidade ao adotarem comportamento democrático diante do poder. Todas as pesquisas de opinião e de confiança nas instituições demonstraram o sucesso dessa política por anos.

As Forças Armadas, as igrejas e a imprensa são instituições em quem os brasileiros mais confiam.
Essa conquista das Forças Armadas é um ativo que não precisa correr nenhum risco. Mas deve estar passando agora por um “stress test”. Devido ao crescente número de militares da reserva assumindo cada vez mais cargos e responsabilidades no governo federal.

​Os militares da reserva no governo não têm responsabilidade direta sobre a imagem da corporação como um todo. Mas interferem. Queiram ou não. A responsabilidade direta pela imagem é dos militares da ativa fora do governo.

Será que essa imagem vai passar imune a este período de extrema radicalização política?
Difícil saber. As tensões e diferenças internas entre militares movem-se como placas tectônicas. Mas é certo que política e governo são um risco às Forças Armadas.

Lembro muito de um episódio simbólico, no final do governo João Baptista Figueiredo. Houvera reunião de ministros da Cultura de vários países em Veneza. Representando o Brasil, foi, então secretário de Cultura, o designer pernambucano Aloísio Magalhães. Que sofreu um acidente vascular cerebral em pleno discurso que fazia.

Faleceu lá mesmo. Uma tragédia.

​Dias depois, alguns membros do Conselho da Fundação Pró-Memória foram a Brasília conversar com o ministro de Educação e Cultura, o general Rubem Ludwig. Que os surpreendeu ao dizer: “Quem deveria ter ido a Veneza era eu. Mas mandei o Aloísio. Não achei que a cultura brasileira deveria se apresentar ao mundo através de um general”.

Ou seja, há limites. Existem valores intangíveis para os militares ocuparem cargos no governo. E se politizarem.

Militar é carreira de Estado. Não de governo.

Joaquim Falcão, o autor deste artigo, é doutor em educação pela Universidade de Genebra, mestre em direito pela Universidade Harvard, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Escola de Direito do Rio da FGV.

Os democratas precisam conversar


Forças políticas que têm suas diferenças, mas compartilham a defesa das liberdades, devem se reaproximar

Nestes 32 anos de vigência da Constituição de 1988 e nos 35 da saída dos militares do Planalto, não houve momentos em que a estabilidade democrática parecesse estar por um fio. A morte de Tancredo antes da posse foi uma tragédia mitigada aos poucos, à medida que o vice, José Sarney, com a habilidade dos velhos políticos conservadores, foi conduzindo o país até a primeira eleição direta pós-ditadura para presidente, em 1989. Os acidentes no percurso da renascida democracia continuaram. Fernando Collor de Mello sucumbiu ao impeachment, em uma crise acompanhada com adequada distância pelos militares. Nem a perspectiva da subida do PT pela rampa do Planalto causou temores. Transcorreram sem sustos 13 anos com a esquerda no Executivo, vencendo-se ainda mais um impeachment, de Dilma Rousseff.

Mas Jair Bolsonaro e o que pensa, quem o cerca e a conjuntura histórica em que país e mundo se encontram passaram a ser a maior ameaça à democracia brasileira neste período de uma geração.

Ter a extrema direita no Planalto, na democracia, é uma experiência nova que gera enormes pressões sobre todos os poderes republicanos. Seria o mesmo se fosse a extrema esquerda. Num mundo digitalizado, os ataques a pessoas e a instituições se multiplicam, há muito ruído, agitação, e o que cabe fazer é aplicar a Constituição sem recuos.

O Congresso, mesmo com a limitação das sessões remotas, cumpre sua pauta, e o Judiciário trabalha. Mas a grave crise política exige mais. Bolsonaro, quem diria, usa o método chavista de cooptar militares — alguns da ativa —, para comprometê-los com seu projeto de poder. Finja-se de desentendido quem quiser, mas a estratégia é clara. O uso desta fórmula da experiência bolivariana acrescenta mais tensão ao momento.

A sociedade precisa encontrar a saída de uma situação em que crises provocadas pelo presidente se sucedem e são amplificadas por manifestações, concentradas em Brasília nas últimas semanas, nada expressivas, mas causadoras de intranquilidades, pois são potencializadas por milícias digitais. Tudo transcorre numa séria crise humanitária, social e de saúde pública, em que o número de mortes já se aproxima dos 30 mil, e dentro de uma hecatombe econômica. São ingredientes que favorecem a quem deseja criar o caos para dele se aproveitar.

Durante a semana, ministros do Supremo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fizeram o que se espera deles. Defenderam as instituições, frisaram o papel vital da democracia, enalteceram a necessidade do diálogo. Mas falta para todas essas acertadas intenções uma via política, que só será construída se os democratas dos diversos matizes se entenderem. Forças políticas que têm diferenças no campo da economia, na área social e outras, mas compartilham zonas de intercessão na defesa das liberdades, têm de se reaproximar.

Esta via política não deve excluir Bolsonaro, que, por sua vez, precisa fazer um gesto pelo entendimento, a melhor alternativa também para ele e seu governo. Com a pacificação, o presidente abrirá espaços de negociação no Congresso, para além do centrão, a fim de executar sua agenda, paralisada, como tudo, devido à crise política. E continuará assim com o fim da epidemia, se este momento não for superado.

O Brasil republicano já venceu fases difíceis, e conseguiu superá-las com a ajuda de alianças entre segmentos políticos que aceitaram deixar de lado diferenças e se unir em torno de interesses compartilhados contra o inimigo comum que ameaçava a todos com a supressão da democracia. Foi assim na resistência ao Estado Novo getulista (1937-45), na ditadura militar (1964-1985/88), e em ambas as transições para a democracia.

Fechada a saída inviável da luta armada, após a decretação do AI-5, e deixada para trás a fase do “milagre econômico”, esgotado na insolvência do modelo, a memória ainda está viva de como liberais, a chamada esquerda democrática e mesmo frações mais à esquerda se entenderam sobre o melhor caminho para a abertura democrática, que não passava pela violência. E numa negociação bem-sucedida entre experientes políticos de direita e de esquerda, incluindo egressos do velho regime, teceu-se um entendimento sobre a abertura com militares geiselistas que venceram o confronto com falanges de extrema direita nos porões da ditadura. São os herdeiros ideológicos daqueles comandos radicais criados nos subterrâneos do regime militar que chegaram ao poder com Bolsonaro. Importa que o país tem de contornar a atual crise da melhor maneira, dentro da lei e pelo diálogo.

É preciso reaprender com a História e voltar a costurar o entendimento entre forças democráticas — mesmo com nuances —, como na década de 70 e início dos anos 1980, desta vez para proteger a Constituição de 1988, que tem garantido anos de estabilidade, sem a qual o Brasil se tornará um pária no mundo. As pressões bolsonaristas contra o Supremo são um ataque à Carta. Mas o país tem a vantagem de contar com instituições edificadas. Não se trata mais de enfrentar a ditadura de Getúlio nem a dos generais. Trata-se de sustentar a democracia, na qual há espaço para todos.

Editorial de O Globo, edição de 31//05/2010

Governo nomeia indicado do Centrão para comandar fundo de R$ 30 bi da educação

Marcelo Lopes Pontes vai substituir Karine Silva dos Santos, que ocupava o cargo desde dezembro e é alinhada ao ministro Abraham Weintraub

O governo nomeou o chefe do gabinete do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), Marcelo Lopes da Ponte, para a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem um orçamento de R$ 29,4 bilhões neste ano. A nomeação foi publicada na edição desta segunda-feira, 1, do Diário Oficial da União.

Ele vai substituir Karine Silva dos Santos, que ocupava o cargo desde dezembro e é alinhada ao ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Bolsonaro vai entregar presidência do Banco do Nordeste ao PL de Valdemar Costa Neto

Ciro Nogueira

O senador Ciro Nogueira Foto: Dida Sampaio/Estadão - 2/8/2011

A entrega do fundo a um nome indicado pelo Centrão – bloco informal da Câmara formado por Progressistas, PL, Republicanos, PTB, Solidariedade, DEM e PSD – faz parte da estratégia do presidente Jair Bolsonaro para ganhar apoio no Congresso. O objetivo do governo é ter uma base consolidada para aprovar projetos e, principalmente, barrar um eventual processo de impeachment.

Vinculado ao Ministério da Educação, o FNDE é um dos espaços mais cobiçados por políticos. É responsável desde a contratação de livros escolares, transporte de alunos ao programa federal de financiamento estudantil. Foi por meio do órgão que a pasta contratou uma empresa para fornecer kits escolares a estudantes que, segundo o Ministério Público, está envolvida em um esquema, revelado em março pelo Estadão, que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba.

O governo já havia nomeado na Diretoria de Ações Educacionais do fundo um indicado ao PL, sigla do ex-deputado Valdemar da Costa Neto, condenado no mensalão. Garigham Amarante Pinto, assessor do partido na Câmara, assumiu o cargo no 18 de abril.

Inicialmente, Weintraub chegou a reclamar com o presidente por retomar a prática do “toma lá, dá cá”, no qual o governo distribui cargos em troca de votos no Congresso. Mas teve que “engolir seco”. O presidente se irritou com o subordinado, inclusive o acusando de ter vazado informações sobre a negociação.

No ano passado, o órgão foi alvo de uma disputa entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro. Um indicado pelo deputado, Rodrigo Sérgio Dias, foi exonerado da presidência do fundo em dezembro.

Redação, O Estado de S.Paulo
01 de junho de 2020 | 08h45

O que é o artigo 142 da Constituição, que Bolsonaro citou por intervenção das Forças Armadas

"Você vai corroendo a democracia por dentro, destruindo as instituições, dando verniz de legalidade. Mas é evidente que a Constituição não está prevendo sua autodestruição".

Bolsonaro em cavalo acena para manifestantes

Bolsonaro andou a cavalo em manifestação a seu favor em Brasília / Direito de imagemREUTERS

O vídeo da reunião ministerial do governo Bolsonaro foi divulgado em meados de maio, mas continua a ter desdobramentos. Um dos principais envolve a referência que o presidente Jair Bolsonaro fez ao artigo 142 da Constituição Federal, citando a possibilidade de "intervenção" no país.

"Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil", disse Bolsonaro na reunião.

Depois disso, o artigo começou a ser citado por apoiadores do presidente para defender a tese de que as Forças Armadas seriam uma espécie da mediador da queda de braços entre o presidente e o STF (Supremo Tribunal Federal), que autorizou investigações envolvendo filhos de Bolsonaro. Nessa visão, o presidente poderia convocá-las para intervir no poder judiciário.

'Bolsonaro gosta do STF quando lhe dá decisão positiva. Se é negativa, prefere não brincar de democracia', diz professora da FGV

O advogado Ives Gandra Martins também defendeu essa tese. No entanto, essa interpretação é considerada totalmente equivocada por juristas e professores de direito não ligados ao governo.

Mas afinal, o que diz o artigo e o que ele significa?

Regramento militar

O artigo 142 da Constituição não trata de divisão entre os poderes, mas descreve o funcionamento das Forças Armadas. Segundo constitucionalistas, em nenhum momento ele autoriza qualquer poder a convocá-lo para intervir em outro.

O texto é o seguinte:

"As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

Roberto Dias, professor de direito constitucional da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), diz que "essa interpretação de que esse artigo seria uma autorização para uma intervenção militar é absurda".

"É como se a Constituição previsse sua própria ruptura, e logicamente é algo que não faz sentido. É uma interpretação jurídica, política e logicamente insustentável", diz ele.

Uma intervenção militar é uma ruptura da ordem constitucional, explica Dias, porque a separação e independência de poderes e as garantias individuais são as principais bases da Carta.

A análise é mesma de outros juristas ouvidos pela BBC News Brasil, como a professora de direito Vania Aieta, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Ela explica que o fato de o artigo estabelecer as Forças Armadas sob a autoridade do presidente da República permite que ele o acione em caso de guerra com outros países, ou em casos como auxílio à grandes eventos, como na Copa do Mundo. Mas não dá à ele o direito de intervir em outros poderes — muito pelo contrário, diz explicitamente que "são instituições nacionais permanentes e regulares" destinadas à "à garantia dos poderes constitucionais", não à intervenção neles.

Manifestantes na Avenida Paulista

Manifestantes protestaram contra o presidente em São Paulo / Direito de imagemAFP

"É uma compreensão errônea que o presidente tem. Ele não faz uma distinção entre o público e o privado — sempre fala 'meu Exército, meu tribunal, meu procurador-geral', como se fosse incorporado um caráter privado à essas funções, como se estivessem ligadas à pessoa de Bolsonaro, e não ao cargo de Presidente da República", diz ela.

"Bolsonaro não conhece o que é governo e o que é administração pública." Governos são formados por representantes do povo, eleitos a cada quatro anos, e tem caráter transitório. Já a administração pública são as políticas de Estado, ou seja, têm caráter permanente.

"As Forças Armadas pertencem ao Estado brasileiro, não para satisfazer desejos pessoais do presidente", diz Aeita.

Manifestantes na Avenida Paulista

Também houve manifestações a favor do presidente / Direito de imagemAFP

A professora de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Estefânia Barboza reforça essa análise.

"De maneira nenhuma pode-se imaginar que as Forças Armadas são do presidente em proveito dele da família dele. Porque a questão está sendo colocada (e gerando atritos) é a investigação sobre os filhos", afirma.

Não existe Poder Moderador

A fala do presidente e a forma como o artigo tem sido usado por seus apoiadores, diz Roberto Dias, da FGV-SP, tentam fazer parecer "como se houvesse uma previsão constitucional que dá às Forças Armadas a função de um poder moderador".

O Poder Moderador era previsto na Constituição do Império de 1824, e ele funcionava como mediador entres os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em caso de divergências, dando a última palavra.

"Estamos na vigência da Constituição de 1988, que não prevê um poder que estaria acima dos outros para intermediar. A Constituição não dá às Forças Armadas o poder de intervenção militar em outros poderes", diz Dias. "O presidente tem 200 anos de atraso na sua interpretação da Constituição."

Manifestante lança objeto contra policiais em SP

Protesto terminou em confronto com a Polícia Militar / Direito de imagemGETTY IMAGES

"A Constituição de 1989, explica, prevê a separação dos poderes para haver um controle do poder pelo próprio poder, pela própria interação entre eles. As Forças Armadas não estão nesse jogo, elas não fazem parte do jogo político", explica Dias.

Para Gandra Martins, em artigo publicado no site Conjur no último dia 28, a Constituição prevê que "se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para reporter, naquele ponto, a lei e a ordem, se esta, realmente, tiver sido ferida pelo Poder em conflito com o postulante".

Estefânia Barbosa, da UFPR, diz que justamente por isso o número de militares nomeados para o alto escalão do governo Bolsonaro é "preocupante". "As Forças Armadas não podem ser governo, porque elas tem que ser neutras."

Barbosa explica que não existe previsão na Constituição de o Exército atuar contra o exercício legítimo do Poder Judiciário.

"A possibilidade de um dos poderes convocar as Forças Armadas existe, por exemplo, caso haja um ataque armado de militantes ao Supremo, ao Congresso, à Presidência da República — eles podem chamar para se defender. Mas de maneira nenhuma esse artigo justifica o ataque de um poder ao outro", explica Barbosa, da UFPR.

"Isso é o que acontece em países autoritários, com o regime do ex-presidente Alberto Fujimori no Peru e hoje no regime da Venezuela", diz.

Os constitucionalistas afirmam que existem diversas hipóteses para a interpretação do presidente.

"Ele pode estar juridicamente mal assessorado, com pessoas que escolhem submissão total por focar em um indicação ao Supremo", diz Vania Aeita, da UERJ.

Já Roberto Dias, da FGV-SP, diz que a hipótese mais provável é que o presidente "pretenda dar um verniz de legalidade para uma possível intervenção militar".

"Uma intervenção com essa justificativa seria um golpe sem dizer que é golpe", afirma.

"É o que explicam diversos estudiosos sobre como governos derrubam a democracia sem golpe", diz Dias, citando o professor de Harvard Steven Levitsky, autor do livro Como as Democracias Morrem.

"Você vai corroendo a democracia por dentro, destruindo as instituições, dando verniz de legalidade. Mas é evidente que a Constituição não está prevendo sua autodestruição".

Letícia Mori
Da BBC News Brasil em São Paulo

domingo, 31 de maio de 2020

Bolsonaro, o autor das crises

Basta com a irresponsabilidade de criar continuamente novas crises

Com frequência, o presidente Jair Bolsonaro coloca-se como vítima. O discurso é de que seu governo enfrenta uma descomunal resistência por parte dos outros Poderes, da esquerda, da academia, da imprensa, dos organismos internacionais e de todos os que não estão de acordo com sua pauta “conservadora”. Tal perseguição seria a causa das muitas crises que o seu governo tem enfrentado. Ainda que amplamente difundida por seus robôs e apoiadores, essa retórica não tem nenhum fundamento na realidade. As crises, que com razão trazem crescente preocupação aos brasileiros, foram e são causadas apenas e tão somente por Jair Bolsonaro. É ele que deliberadamente tem insistido em produzir, a cada semana, uma nova instabilidade, uma nova fonte de atrito com todos os que não se dispõem a prestar-lhe vassalagem.

Foi Jair Bolsonaro que criou, por exemplo, a crise que desembocou na demissão de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Não havia oposição à gestão de Mandetta. Ao contrário, era uma das poucas áreas do governo que recebiam elogio e reconhecimento de vários setores da sociedade. No entanto, para espanto de todos - afinal, o País começava a enfrentar o maior desafio de sua história na área da saúde -, o presidente Bolsonaro fez de tudo para se indispor com Mandetta.

Demitido Mandetta, Nelson Teich assumiu o cargo. Apesar do caráter inusitado da troca no meio da pandemia, houve por um tempo a expectativa de que a mudança na Saúde diminuiria as tensões, permitindo que a pasta realizasse o seu trabalho. Mas, para nova surpresa do País, em menos de um mês, Jair Bolsonaro indispôs-se com o ministro da Saúde, exigindo que ele tomasse medidas contrárias às evidências médicas. Novamente, não houve nenhuma ingerência externa a gerar desgaste para Nelson Teich. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou sua permanência na pasta.

Outra crise gerada exclusivamente pela atuação presidencial deu-se no Ministério da Justiça, com a demissão de Sérgio Moro, até então o ministro mais popular do governo. Jair Bolsonaro insistiu em realizar, contra a vontade de Moro e sem motivos plausíveis, a troca do diretor-geral da Polícia Federal (PF) Maurício Valeixo e do superintendente do órgão no Rio de Janeiro. Naquele momento, não havia nada pressionando a saída de Sérgio Moro da pasta da Justiça. Foi Jair Bolsonaro que inviabilizou a permanência do ex-juiz da Lava Jato no governo.

E foram precisamente essas ações do presidente da República que levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir inquérito, a pedido da Procuradoria-Geral da República, para investigar possível interferência política na PF. Todo o País estava voltado para uma única questão - o enfrentamento da crise sanitária, social e econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. A autonomia da PF não estava na pauta. Foi Jair Bolsonaro que criou essa crise que, por motivos óbvios, causou grave instabilidade.

Outra grave crise é a tensão entre o governo federal e o STF. Mais uma vez, seu criador se chama Jair Bolsonaro. Aqui, há um aspecto interessante, que põe por terra a retórica bolsonarista da perseguição contra o presidente. De forma escancarada, quem persegue e afronta é Jair Bolsonaro, com a participação ativa de seus apoiadores. Por exemplo, Bolsonaro tem comparecido frequentemente a manifestações que pedem nada mais nada menos que o fechamento do STF. Semanas atrás, o presidente Bolsonaro levou de surpresa uma turba de apoiadores para constranger o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, em seu gabinete. Nas redes sociais, a ofensiva contra o STF é assustadora. Poucos são os brasileiros que não recebem, todos os dias, alguma mensagem de ataque ou de ameaça das redes bolsonaristas contra integrantes do Supremo. E tudo isso porque o presidente Jair Bolsonaro se sente incomodado com decisões que lhe são desfavoráveis. Ora, o papel constitucional do STF é defender a Constituição, e não assentir a tudo o que o chefe do Executivo faça.

O País vive um momento especialmente delicado, por questões médicas, sociais e econômicas. Basta com a irresponsabilidade - verdadeiro escárnio com a população e o interesse público - de criar continuamente novas crises.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
31 de maio de 2020 | 03h00

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Enquanto isso, morrem mais 1.156 pessoas nas últimas 24 horas no Brasil vitimadas pelo coronavírus

O Ministério da Saúde divulgou nesta quinta-feira (28) seu mais recente balanço de casos confirmados e mortes.
Cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, onde são sepultadas vítimas da Covid-19 — Foto: Andre Penner/AP
Cemitério da Vila Formosa, em São Paulo, onde são sepultadas vítimas da Covid-19 — Foto: Andre Penner/ 
Os principais dados são:
26.754 mortes, eram 25.598 na quarta-feira
Foram 1.156 registros de morte incluídos em 24 horas
438.238 casos confirmados, eram 411.821 na quarta-feira
Foram incluídos 26.417 casos em 24 horas
233.880 pacientes estão em acompanhamento (53,4% do total)
Segundo dados deste levantamento, este foi o terceiro dia consecutivo que o Brasil registrou mais de mil mortes por complicações da Covid-19.
Fonte: G1
A Pandemia no Mundo
Resumo desta quinta-feira (28/05):
Mundo tem mais de 5,9 milhões de casos e mais de 358 mil mortes
Brasil tem 411.821 casos, 25.598 mortes e 166,647 pacientes recuperados, segundo Ministério da Saúde
ONU pede alívio da dívida de países em desenvolvimento ou de renda média
Coreia do Sul volta a impor restrições após aumento no número de casos
Desigualdade eleva letalidade da covid-19 em favelas, revela estudo
Europa ultrapassa 175 mil mortos
São Paulo tem recorde de novos casos de covid-19
23:44 - São Paulo tem recorde na contagem diária de novos casos de covid-19 
O estado de São Paulo registrou um novo recorde na contagem diária de novos casos confirmados de covid-19, com 6.382 infecções. Com os novos números, o total no estado aumentou para 95.865, segundo a Secretaria Estadual da Saúde. 
Os dados vieram no dia seguinte ao anúncio da estratégia do governo para a flexibilização gradual da quarentena para algumas regiões do estado. 
Os números, porém, não significam que tenha havido um salto nas contaminações em um curto período de tempo, mas sim, se referem à data em que foram incluídos no sistema. Até agora, o maior número de casos registrados em um período de 24 horas havia sido de 4.092, no dia 15 de maio. 
O estado soma 12,5 mil pacientes internados nos hospitais, sendo 4,7 mil em leitos de UTI e outros 7,8 mil em enfermaria. Em 24 horas, a ocupação das UTIs aumentou de 73,2% para 77,4% no estado e de 87,6% para 89,2% na Grande São Paulo.
O estado de São Paulo teve 268 mortes em um dia, segundo os dados divulgados nesta quinta-feira, elevando o total para 6.980.
21.05 - França reabrirá cafés, restaurantes e museus, mas Paris terá de esperar mais
A França prepara para a próxima semana o relaxamento da maioria das restrições impostas pela epidemia de covid-19 no país, com a aproximação das férias de verão.
"A liberdade irá, finalmente, se tornar mais uma vez a regra", afirmou o primeiro-ministro Francês, Edouard Philippe. A França é um dos países mais atingidos pelo novo coronavírus em todo o mundo, com 28.599 mortes e 188.038 infecções, segundo dados compilados pela Universidade Johns Hopkins.
O país impôs um lockdown de dois meses até o início do relaxamento das restrições no dia 11 de maio. A partir de 2 de junho, restaurantes e cafés serão reabertos, assim como museus e monumentos, salas de concerto e teatros, praias, locais de acampamento, academias de ginástica e piscinas públicas. A maioria das lojas poderá reabrir no dia 11 de maio.
Na região de Paris, a mais afetada pela doença, diversos locais terão de esperar até o dia 22 de junho para reabrirem. A capital francesa deixou de ser considerada uma "zona vermelha" de perigo, sendo rebaixada para "laranja". A mudança significa que a cidade-luz não será tão livre como a maioria das regiões francesas, classificadas como "verde". Ainda assim, os parques parisienses poderão ser reabertos na semana que vem.
O primeiro-ministro exaltou a forma como o país lidou com a pandemia. "os resultados são bons do ponto de vista da saúde, ainda que nos mantenhamos cautelosos", afirmou. A França, segundo Philippe, aguarda a reabertura dos cafés e restaurantes, dizendo que são "parte de nossa arte de viver".
A ocupação das mesas no restaurante se limita a 10 pessoas, com ao menos 1 metro de distância entre cada grupo. Os clientes, ao se movimentarem dentro desses locais, devem usar máscaras, que são obrigatórias em tempo integral para os funcionários. Em Paris, o atendimento é permitido apenas na parte externa. 
Em todo o país, estão proibidas reuniões públicas com mais de 10 pessoas, assim como a realização dos esportes de contato. Casas noturnas e estádios permanecerão fechados. Ainda assim, Philippe se comprometeu a reavivar a vida cultural e esportiva do país. 
Pouco antes do início das férias, os franceses poderão viajar livremente pelo país, com a remição do limite de 100 quilômetros de distância para os deslocamentos. O país, assim como os demais Estados-membros da União Europeia, deverá reabrir suas fronteiras aos países vizinhos no dia 15 de junho. 
Philippe defendeu a estratégia de remover gradualmente o lockdown, afirmando que a estratégia visa evitar o surgimento de uma nova onda da doença. "O vírus ainda está presente, mas sob controle", disse o primeiro-ministro.
 12:00 - Desemprego sobe para 12,6% em abril 
Em meio à pandemia de covid-19, a taxa de desocupação no Brasil passou de 11,2% para 12,6% no trimestre terminado em abril, chegando a marca de 12,8 milhões de desempregados. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (28/05) e fazem parte da Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A população ocupada teve queda recorde de 5,2%, em relação ao trimestre encerrado em janeiro. Isso representa uma perda de 4,9 milhões de postos de trabalho. A redução reflete os efeitos da pandemia no mercado de trabalho.
"Dos 4,9 milhões de pessoas a menos na ocupação, 3,7 milhões foram de trabalhadores informais. O emprego com carteira assinada no setor privado teve uma queda recorde", explica Adriana Beringuyc, analista da pesquisa.
A queda foi generalizada, atingindo sete dos dez grupos de atividades observados. Dos 4,9 milhões de pessoas que saíram da população ocupada, 1,2 milhão veio do comércio, 885 mil saíram da construção e 727 mil, dos serviços domésticos (a maior queda desde o início da série, em 2012).
11:30 - ONU pede alívio da dívida de países em desenvolvimento ou de renda média
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, pediu nesta quinta-feira (28/05) a redução da dívida de qualquer país em desenvolvimento ou de renda média que precise dela devido à crise causada pela pandemia. Além disso, ele solicitou que seja promovido um plano coordenado de recuperação em escala global.
Guterres fez a declaração na abertura de uma cúpula virtual com a participação de dezenas de chefes de Estado e de governo para discutir novas necessidades de financiamento para políticas de desenvolvimento no contexto da covid-19.
As Nações Unidas se propuseram a buscar ações coletivas para responder com urgência em seis áreas, incluindo o problema da dívida soberana. O diplomata alertou que as consequências econômicas da covid-19 ameaçam causar uma onda de crises de dívida que complicariam a resposta à doença e retardariam o progresso do desenvolvimento durante os próximos anos.
Para Guterres, a suspensão temporária do serviço da dívida dos países mais pobres já acordada pelo G20 é "um primeiro passo", mas essas medidas devem ser estendidas a qualquer país em desenvolvimento ou de renda média que o solicite por apresentar dificuldades de financiamento nos mercados.
10:20 -  Netanyahu oferece ajuda a Bolsonaro no combate à covid-19
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, ofereceu ao presidente Jair Bolsonaro conselhos e ajuda na fabricação de equipamentos médicos para enfrentar a covid-19, informou o governo de Israel nesta quinta-feira (28/05).
Por telefone, Netanyahu expressou a Bolsonaro "a solidariedade do povo israelense", se ofereceu para "cooperar com as indústrias brasileiras na fabricação do equipamento médico necessário" e também se dispôs a "compartilhar a experiência de Israel na luta contra o vírus".
Israel contabiliza menos de 17.000 infectados e 281 mortos e já flexibilizou a maioria das restrições. Já o Brasil é o segundo país do mundo com mais casos: 411.812 infecções e 25.598 mortes, de acordo com a universidade Johns Hopkins.
09:30 - Inglaterra e Escócia iniciam programa de rastreamento de casos por telefone e internet
A Inglaterra e a Escócia iniciaram nesta quinta-feira (28/04) um programa de rastreamento de infecções por covid-19, parte essencial do plano para flexibilizar o confinamento. Nas duas regiões britânicas, milhares de "rastreadores" ligarão ou escreverão para pessoas que testaram positivo para o novo coronavírus, a fim de mapear seus contatos recentes e pedir para que eles se isolem por 14 dias, mesmo sem sintomas.
Na Inglaterra, o trabalho começará com contato via telefone, SMS e e-mail com as 2.013 pessoas que testaram positivo para o vírus nas últimas 24h. O ministro da Saúde, Matt Hancock, disse estar confiante que "a grande maioria da população" colaborará com o programa, que visa promover a gestão localizada da pandemia e permitir o funcionamento da sociedade em geral.
A Irlanda do Norte já ativou seu sistema de rastreamento de contágio e o País de Gales se prepara para fazer isso no início de junho.
08:30 - Suíça retira militares das fronteiras
A Suíça retirou nesta quinta-feira (28/05) das fronteiras mais de 8.000 militares que protegiam a região e prestavam apoio logístico no combate ao coronavírus. Eles haviam sido designados para a tarefa em março, na maior mobilização militar da Suíça desde a Segunda Guerra Mundial.
De acordo com a universidade Johns Hopkins, o número de casos diários registrados na Suíça caiu de um pico de 1.300 em 23 de março para 15 no início desta semana. No total, o país, que tem 8,6 milhões de habitantes, contabiliza 30.776 infecções e 1.917 mortes.
07:10 - América Latina deve viver crise história
Prestes a se tornar o novo epicentro global da crise de coronavírus, a América Latina já vislumbra uma grave recessão, possivelmente a pior desde as crises de endividamento dos anos 1980.
A dívida externa dos Estados está aumentando rapidamente, e caíram a demanda e os preços do petróleo, assim como de alguns produtos agrícolas e de mineração. Para um exportador de commodities energéticas e não energéticas como a América do Sul, essa é uma péssima combinação, porque a capacidade de honrar suas dívidas está diminuindo.
Investidores financeiros privados já estão retirando capital da região. E o enfraquecimento das moedas está impedindo que se façam futuros empréstimos no exterior.  
Devido ao atraso tecnológico e às futuras cadeias produtivas globais mais curtas, é provável que a América do Sul se torne, novamente, um mero exportador de matérias-primas.
Com toda a pressão, a tendência autoritária deve continuar e a América Latina pode enfrentar os maiores desafios políticos e econômicos dos últimos 50 anos.
06:45 - Desigualdade eleva letalidade da covid-19
Mesmo que o nível de confinamento fosse igual ao de bairros ricos, comunidades pobres no Brasil teriam até o triplo de mortes em razão do novo coronavírus. É o que revela levantamento feito pelo grupo interdisciplinar de pesquisadores Ação Covid-19.
O estudo reforça que a necessidade de confinamento é maior em áreas mais pobres, onde fatores como saneamento inadequado, educação deficiente, moradias lotadas e má nutrição aumentam a possibilidade de transmissão do vírus.
Um exemplo é Fortaleza, uma das capitais mais desiguais do país e a que tem o segundo maior índice de infectados com coronavírus por 100 mil habitantes. Conforme dados obtidos com exclusividade pela DW Brasil, no bairro Meireles, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) próximo da Noruega, com um nível de confinamento de 70%, a taxa de infectados é de 6%, e a de letalidade, de 0,5%.
Já em Barra do Ceará, com IDH inferior a países como o Sudão do Sul, se houvesse o mesmo nível de isolamento, a taxa de infectados seria de 16%  e de letalidade triplicaria, o que mostra que o coronavírus avança mais rapidamente e de forma mais letal em comunidades carentes, segundo os autores do estudo.
06:30 - Europa ultrapassa 175 mil mortos
A Europa já registra mais 175 mil mortos em decorrência do novo coronavírus. Três quartos dos óbitos no continente se concentram em quatro países: Reino Unido (37.542), Itália (33.072), França (28.599) e Espanha (27.117).
Com 2.084.058 casos confirmados, a Europa é o continente mais atingido pela covid-19, que já matou em todo mundo mais de 355 mil pessoas. Os países com maior número de mortos também são os com mais casos na região: Reino Unido (268.691), Espanha (236.259), Itália (231.139) e França (183.038). A Alemanha fica em quinto lugar, com 181.918 casos.  
06:20 - Coreia do Sul volta a impor restrições
A Coreia do Sul voltou a impor nesta quinta-feira (28/05) uma série de restrições em resposta a um aumento no número de infecções por covid-19. O país, considerado um dos exemplos na luta contra a doença, anunciou que foram registrados 79 casos em apenas um dia, a maioria na região metropolitana de Seul.
O aumento obrigou as autoridades a endurecer as normas sanitárias, que haviam sido atenuadas em 6 de maio. Museus, parques e galerias de arte fecharão novamente por duas semanas a partir desta sexta-feira, informou o ministro da Saúde, Park Neung-hoo. Ele também pediu às empresas que proponham medidas de flexibilização do trabalho e pediu que as pessoas evitem reuniões sociais ou ir a lugares movimentados - incluindo restaurantes e bares. 
No final de fevereiro, a Coreia do Sul era o segundo país no mundo mais atingido pela pandemia, atrás da China. O governo, porém, conseguiu controlar a situação através de campanhas massivas de testes e rastreabilidade das pessoas infectadas. O país registrou, até agora, mais de 11 mil casos do novo coronavírus e 269 mortes.

Fonte: A Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas

Acabou o diálogo, porra!

"Rodrigo Maia tem que se mexer e dar andamento a um dos pedidos de impedimento do presidente". Ascânio Seleme, de O Globo, analisa os pronunciamentos do Presidente da República.

Bolsonaro não  merece e não está à altura da grandeza do Brasil. E o Brasil tem que se livrar de Bolsonaro e dos imensos riscos que ele representa.

O presidente da Câmara tem um mérito que não se pode negar. Ele é persistente. Engole todos os sapos para levar adiante uma política de entendimento e diálogo com o presidente da República. Os que o chamam de ingênuo não estão errados, mas a definição pode ser simplista e limitada. Rodrigo Maia está perdido no cipoal de virulências que Jair Bolsonaro criou ao seu redor e não sabe o que fazer. Depois de mais um discurso raivoso de Bolsonaro, Rodrigo disse ter ouvido uma “frase mal colocada”. É muito pouco, o que houve foi uma demonstração inequívoca da disposição de se cometer um crime contra a Constituição.

Os jornais já contaram pelo menos uma dúzia de crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro. Ao atacar o Supremo esta manhã, ele cometeu mais um. Há 36 pedidos de impeachment do presidente em cima da mesa de Rodrigo Maia ou sobre a cadeira em que ele senta. Até quando ele vai esperar para tomar medidas verdadeiras contra o criminoso que todos os dias sobressalta e ameaça a nação? Bolsonaro tem que ser calado. Acabou o diálogo. Podem dizer que a fala desta manhã foi apenas uma bravata. Mas desde o início de seu mandato ele vem cometendo bravatas e ameaçando a ordem democrática.

Bolsonaro pensa que manda nas Forças Armadas, já que na condição de presidente da República é o seu comandante em chefe. Tecnicamente ele tem poder para ordenar o Exército a ocupar e fechar o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Pode não ser obedecido porque, usando suas palavras, há ordens absurdas que não podem ser cumpridas. Mas, imaginem o que ocorreria se esse homem resolve colocar em prática todo o seu desatino? Desconfio que seria escorraçado pelo Alto Comando do Exército, que é a instituição que manda de fato na corporação. Mas, nunca se sabe. O fato é que as suas declarações neste sentido passaram de todos os limites.

Rodrigo Maia tem que se mexer e dar andamento a um dos pedidos de impedimento do presidente. O STF deve se mexer e conjunta e unanimemente fazer calar o presidente do Brasil dando irrestrito apoio aos ministros Celso de Mello e Alexandre de Moraes. Bolsonaro perdeu as condições de governar. Seus filhos e seus principais aliados ideológicos pensam como ele e usam da mesma agressividade para ameaçar outros poderes. Um dos zeros de Bolsonaro fez ontem bravata igual a do pai. Foi em rede social, com uma bando de puxa-sacos, como Olavo de Carvalho, ouvindo embevecidos o aloprado.

Bolsonaro não  merece e não está à altura da grandeza do Brasil. E o Brasil tem que se livrar de Bolsonaro e dos imensos riscos que ele representa.

Ascânio Seleme, O Globo 
28/05/2020 - 17:42 / Atualizado em 28/05/2020 - 17:44

Caixinha de 2 milhões mensais para as fakes news

Esquema de fake news com Hang e Roberto Jefferson teria 'caixinha' de R$ 2 milhões, aponta investigação


Sabe esta operação que investiga o esquema de fake news em endereços, entre os quais, os notórios Luciano Hang e Roberto Jefferson?
Uma das pontas da investigação aponta uma caixinha de R$ 2 milhões mensais para distribuir entre estes blogs subversivos de extrema direita.
Fonte: Ancelmo Gois / O Globo - 28/05/2020 • 05:00

Carluxo surta no grupo de zap da Câmara dos Vereadores

Carlos Bolsonaro está nervoso. Não se sabe se pelo caminhar do inquérito das Fake News no STF ou por qual razão.

Carlos Bolsonaro

Carlos Bolsonaro Carlos Bolsonaro | Márcio Alves - Agência O Globo

De número de telefone novo, Carluxo barbarizou há pouco no grupo de WhatsApp que reúne parlamentares de todos os partidos da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.

Suas primeiras palavras hoje, uma espécie de cartão de visitas, foram:

— Vai tomar no cu piçól, pt, seus merdas.

Os vereadores reclamaram. O petista Reimont reagiu. Escreveu que ele deveria mandar a mensagem para o ministro Alexandre de Moraes. Carlos voltou à carga:

— Manda para a sua mãe, reimont.

Para o colega Renato Cinco, do PSOL, Carluxo reservou o adjetivo "imbecil" e perguntou se ele está fumando estrume.

Por Lauro Jardim / O Globo
28/05/2020 • 18:05

Bolsonaro tem reprovação de 43% e aprovação de 33%, diz Datafolha

Instituto fez a pesquisa na segunda-feira (25) e na terça-feira (26).

Pesquisa Datafolha divulgada pelo jornal "Folha de S.Paulo" nesta quinta-feira (28) mostra os seguintes percentuais de aprovação e reprovação do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido):

Ótimo/bom: 33%
Regular: 22%
Ruim/péssimo: 43%
Não sabe/não respondeu: 2%

O levantamento ouviu 2.069 pessoas maiores de idade na segunda-feira (25) e na terça-feira (26). As entrevistas foram feitas por telefone. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais.

A pesquisa foi feita em meio à crise da pandemia do novo coronavírus, poucos dias após a divulgação pelo Supremo Tribunal Federal de vídeo de reunião ministerial de 22 de abril. A gravação faz parte de inquérito que investiga suposta interferência do presidente da República na Polícia Federal.

A reprovação de 43% dos entrevistados é o valor mais baixo, segundo os levantamentos Datafolha feitos desde o início do mandato de Bolsonaro.

Na pesquisa anterior do Datafolha, feita em 27 de abril e divulgada no dia seguinte, os resultados foram, segundo a Folha:

Ótimo/bom: 33%
Regular: 26%
Ruim/péssimo: 38%
Não sabe/não respondeu: 3%

O levantamento do Datafolha do início de abril, feito entre os dias 1º e 3, mostrava um cenário parecido com o último, mas a reprovação do presidente era maior:

Ótimo/bom: 33%
Regular: 25%
Ruim/péssimo: 39%
Não sabe/não respondeu: 2%

Por G1 — São Paulo

'Acabou, porra!', diz Bolsonaro sobre ordem do STF para operação policial contra aliados

Presidente voltou a criticar nesta quinta operação da PF autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, em inquérito que apura ataques à corte e disseminação de informações falsas.

O presidente Jair Bolsonaro voltou a se pronunciar nesta quinta-feira (28) sobre a operação da Polícia Federal que, na véspera, cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a empresários e blogueiros que apoiam o governo.

A ação foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes dentro do inquérito que investiga ataques contra a corte, o financiamento e a disseminação de informações falsas na internet.

Em frente da residência oficial do Palácio da Alvorada, Bolsonaro criticou fortemente a operação. Em um dos momentos de sua fala, disse que "as coisas têm um limite". Sem citar nomes, usou um palavrão para dizer que não vai mais admitir "atitude de certas pessoas, individuais".

"Acabou, porra! Me desculpem o desabafo. Acabou! Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoal certas ações."

O presidente defendeu que as decisões do STF sejam tomadas pelo conjunto dos ministros, e não por um único – Alexandre de Moraes autorizou as buscas e apreensões porque é o relator do inquérito das chamadas "fake news".

(Ele desconhece que a Lei autoriza a todo Juiz a decisão monocrática. 
Não sabe, por exemplo, que a Medida Provisória que assina e envia ao Congresso e começa a ter força de lei antes mesmo de ser votada pelo plenário do Congresso é uma decisão monocrática do Presidente da República, na forma autorizada pela Lei Maior).

"Ontem [quarta] foi o último dia. Eu peço a Deus que ilumine as poucas pessoas que ousam se julgar melhor e mais poderosas do que os outros, que se coloquem no seu devido lugar, que nós respeitamos e dizemos mais: não podemos falar em democracia sem um Judiciário independente, sem um Legislativo também independente, para que possam tomar decisões, não monocraticamente por vezes, mas as questões que interessam ao povo como um todo, que tomem, mas de modo que seja ouvido o colegiado", disse Bolsonaro.

Foi a segunda vez que Bolsonaro se pronunciou sobre a operação da PF.

Na noite de quarta, por meio de uma rede social, o presidente afirmou que "algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia" e que "cidadãos de bem" haviam sido alvo dos mandados de busca e apreensão.

Também na quarta, um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), cogitou, durante uma live, a necessidade de adoção de "medida enérgica" pelo pai. O deputado falou ainda em "momento de ruptura" e disse que a questão não é de "se", mas, sim, de "quando" isto vai ocorrer.

Na fala desta quinta, Jair Bolsonaro começou dizendo que a liberdade de expressão é "algo sagrado" e que a mídia tradicional e as redes sociais precisam conviver.

Em seguida, afirmou que o processo no STF, que ficou conhecido como "inquérito das fake news" foi criado "em cima de um factoide". Ele se referiu à informação de que existe, na Presidência da República, um "gabinete do ódio", responsável por produzir ataques na internet contra desafetos do presidente e de sua família.

"Dizer a vocês que inventaram o nome do gabinete do ódio, alguns acreditaram e outros foram além: abrir processo no tocante a isso. Não pode um processo começar em cima de um factoide. Em cima de uma fake news. Respeitamos os demais poderes, mas não abrimos mão que nos respeitem também."

Bolsonaro afirmou que, na operação de quarta, a PF invadiu "casas de pessoas inocentes, submetendo-as a humilhações perante esposas e filhos". Segundo o presidente, o que ocorreu "é inadmissível". Ele disse esperar que providências sejam tomadas para corrigir a ação.

“Todos nós, em nossos poderes, temos aquelas pessoas que extrapolam. Comigo, quando acontece, eu tomo a providência, espero que o mesmo aconteça com os demais poderes.”

Leia, abaixo, mais declarações do presidente Jair Bolsonaro no pronunciamento desta quinta:

"Repito, não teremos outro dia igual ontem. Chega! Chegamos no limite. Estou com as armas da democracia na mão. Eu honro os meus compromissos no juramento que fiz quando assumi a Presidência da República."

"Respeito o Supremo Tribunal Federal, respeito o Congresso Nacional, mas para esse respeito continuar sendo oferecido da minha parte, tem que respeitar o poder Executivo também. Humildade, lealdade ao povo brasileiro, patriotismo, compromisso com o Brasil é o mínimo que se espera."

"Nunca tive a intenção de controlar a Polícia Federal, pelo menos isso serviu para mostrar ontem. Mas obviamente, ordens absurdas não se cumprem. E nós temos que botar um limite nessas questões”.

"Essa historinha de querer criminalizar o crime de ódio é um artifício para censurar a mídia social. Essa mídia social me trouxe à Presidência. Sem ela, não estaria aqui."

"Pelo amor de deus, o objetivo dessa ação é atingir quem me apoia. Se eu tivesse feito algo contra a esquerda, estariam dando pancada em mim. Eu convivo com a esquerda, posso não suportar, mas convivo. Estão perseguindo gente que apoia o governo de graça. Querem tirar a mídia que eu tenho, a meu favor, sob o argumento mentiroso de 'fake news.'"

"Que insanidade é essa? Sabemos qual é o objetivo de alguns. Querem me tirar da cadeira pra voltar a roubar. Eu sei que é isso. Não terão isso pra me acusar de nada, a minha vida foi revirada de perna pro ar, não acharam nada porque não tem. Mas inventar factoides, fake news contra a minha pessoa pra me tirar da cadeira? não vão tirar."

"Não existe pessoa mais do que eu que é achincalhada, humilhada, agredida e ofendida nas mídias sociais. E nem por isso eu levantei uma só palavra no sentido de controlar quem quer que se seja."

"Essa minha cadeira presidencial não é fácil. Confesso, tá sendo mais difícil do que eu imaginava. Os inimigos não estão fora do Brasil, estão aqui dentro. Não mais ousarão atingir direitos individuais, chega."

O presidente também voltou a criticar decisão de outro ministro do Supremo, Celso de Mello, que liberou o acesso público ao vídeo da reunião entre Bolsonaro e seus ministros realizada em 22 de abril. Celso de Mello é relator do inquérito que apura a suposta tentativa do presidente de interferir na Polícia Federal, que foi aberto após denúncia do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.

Moro apontou que a reunião comprovaria suas acusações. Bolsonaro defendeu que fosse divulgado apenas o trecho da reunião relacionado ao inquérito. Celso de Mello, porém, autorizou o acesso público da gravação na íntegra.

O vídeo tem trechos polêmicos. Em um deles, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, defendeu a prisão de ministros do STF, chamados por ele de "vagabundos".

O STF determinou que Weintraub preste depoimento sobre o episódio, mas o ministro da Justiça, André Mendonça, pediu que o ministro da Educação seja excluído do inquérito.

Veja, abaixo, outras declarações de Bolsonaro nesta quinta sobre a reunião de 22 de abril:

"Outra coisa, outra coisa, uma reunião reservada do presidente da República, do vice-presidente e dos seus ministros, que era gravada como de praxe pra que nós viéssemos a retirar parte daquilo pra mostrar nas mídias sociais, e destruir a fita, lamentavelmente foi tornada pública. Ela havia sido classificada como secreta pelo secretário de governo. Fizemos o possível para que apenas a parte que interessasse ao inquérito fosse tornada pública. Um ministro do STF resolveu suspender o grau de sigilo, expondo uma reunião presidencial. E a partir disso, ouvir ministro meu, com ameaça de prisão de até 20 anos? Eu peço que reflitam. Pelo amor de deus, eu peço que reflitam! Pelo amor de deus, eu peço que reflitam!!"

"Peço pelo amor de deus, não prossigam esse tipo de inquérito a não ser que seja pela lei do abuso de autoridade, que tá bem claro de quem divulga vídeos, imagens ou áudios do que não interessa ao inquérito. Tá lá, 1 a 4 anos de detenção. O criminoso não é o Weintraub, não é o Salles, não é nenhum de nós. A responsabilidade de tornar público aquilo é de quem suspendeu o sigilo de uma sessão cujo o vídeo foi chancelado como secreto."

Por G1 — Brasília
28/05/2020 11h20  Atualizado há 42 minutos

Uma gangue entre nós

Independentemente dos resultados criminais, as decisões de Alexandre de Moraes estão ferindo o bolsonarismo na jugular

É bem possível que o inquérito aberto pelo STF para apurar a disseminação de fake news não dê em nada em termos jurídicos, ou seja, não leve ninguém à cadeia. Especialistas dizem que é complicado um órgão ativar uma investigação que o tem entre as vítimas. Seria advogar em causa própria. Como disse William Waack em sua coluna, o inquérito “transforma o STF em investigador e juiz ao mesmo tempo”, o que é estranho à cultura jurídica predominante.

Não vou meter o bedelho em assunto que não domino.

Fico só com o essencial: independentemente dos resultados no plano criminal, as decisões do ministro Alexandre de Moraes ferem na jugular o bolsonarismo. Desvendam a rede que intoxica a vida política e cultural com notícias falsas, boatos, intrigas e ataques a instituições, pessoas e procedimentos. Sem as fake news, é como se o bolsonarismo perdesse uma de suas pernas e passasse a enfrentar uma dificuldade enorme para prosseguir arrastando pessoas pela senda do autoritarismo e da mitificação, extraindo os cidadãos do campo da civilidade e da democracia.

Em termos políticos, foi o maior golpe sofrido pelo bolsonarismo até agora: uma espécie de mata-leão, que vence pelo sufocamento do adversário. Não à toa, as reações do Planalto e e de seus assessores foram furibundas. Espumaram de “indignação”, esbravejando em nome da “liberdade de crítica” e da resistência à “criminalização de opiniões”, falando em nome de uma visão tacanha e grotesca de democracia, hostil à representação e à soberania popular, a dos cidadãos.

Tem sido essas, aliás, a principal meta do ativismo bolsonarista: destruir a política democrática, seus hábitos e valores, seus sujeitos e suas instituições. O movimento não defende a liberdade de expressão, mas sim o uso da livre expressão para restringir a liberdade. O mote é: pensem conforme meu credo e calem-se para sempre. A crítica é livre, para os bolsonaristas, desde que não os afete, não seja contra eles. Atacar partidos, tribunais e instituições seria legítimo, mesmo que se valendo de mentiras e agressões criminosas. É um embuste.

Os reacionários de prontidão rapidamente se levantaram contra o STF.

O fato é que a operação autorizada por Alexandre de Moraes foi um tsunami. Aprendeu documentos, computadores e celulares de 17 pessoas suspeitas de integrar uma associação criminosa coordenada pelo “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto.

Foram afetados empresários manjados (Luciano Hang, da Havan, e Edgard Corona, da Smart Fit), blogueiros conhecidos e políticos (como o onipresente Roberto Jefferson), além de oito deputados bolsonaristas, dentre os quais Carla Zambelli, Bia Kicis e Luiz de Orleans e Bragança, integrantes ativos da “nobreza” bolsonarista. Todos dedicados patrocinadores e fomentadores de “vídeos e materiais com ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas”, escreveu Alexandre de Moraes.

O cerco não foi completo. Ficaram de fora Carlos Bolsonaro e Abraham Weintraub, este último já na mira do STF pelas declarações feitas na famosa reunião de 22 de abril. O Planalto planeja pedir um habeas corpus preventivo para tentar blindar o ministro da Educação, o que é reconhecimento cabal da fragilidade de sua situação.

Mesmo assim, o impacto foi grande e a repercussão, enorme. Com a PF em ação, aumentou a temperatura das relações entre o Executivo e o Judiciário, entre a Presidência e o STF, particularmente.

No dia seguinte (quinta-feira, 28/05), o presidente da República veio a público dizer que “ordens absurdas não se cumprem” e que ele se encarregará de “botar um limite nessas questões”. Para ele, as “armas da democracia” estão em sua mão. Não parece ter tirado o sono dos ministros da Corte Suprema.

Em tempo: o inquérito e as diligências estão com Alexandre de Moraes, relator do inquérito. Mas contam com o apoio da unanimidade do STF.

Marco Aurélio Nogueira / O Estado de São Paulo
28 de maio de 2020 | 18h03

Bastidores: STF acompanha com atenção se Bolsonaro vai cumprir promessa de desobediência

A avaliação neste momento é a de que apesar das declarações do chefe do Executivo, que inflamam a militância bolsonarista, o governo tem seguido dentro do caminho do direito, respeitando as regras do jogo democrático até aqui

     

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta apoiadores na saída do Palácio do Alvorada, em Brasília. Foto: Gabriela Biló / Estadão

Depois de impor uma série de reveses ao Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) está acompanhando com atenção se o presidente Jair Bolsonaro vai cumprir a promessa de desobediência de decisões judiciais. A avaliação neste momento é a de que apesar das declarações do chefe do Executivo, que inflamam a militância bolsonarista, o governo tem seguido dentro do caminho do direito, respeitando as regras do jogo democrático até aqui. Ministros do STF, no entanto,  não descartam a possibilidade de Bolsonaro radicalizar ainda mais e colocar em prática o seu discurso.

Integrantes da Corte apontam que, mesmo contrariado, o Planalto decidiu entrar com um habeas corpus no STF contra a determinação para que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, preste depoimento à Polícia Federal sobre as declarações na reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, Weintraub disse que, se dependesse dele, “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.

Uma das preocupações de ministros é saber até onde o governo vai esticar a corda e desistir dos instrumentos legais para confrontar o Judiciário, o que elevaria a crise a outro patamar. Nesta quinta-feira, Bolsonaro disse que não admitirá “decisões individuais” e “monocráticas”. Bolsonaro fez um alerta velado ao Supremo, dizendo: “Chega”. “Acabou, porra!”, esbravejou o presidente. “Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomando de forma quase que pessoais certas ações”, disse. 

Um ministro do STF ouvido reservadamente pela reportagem avalia que não há risco de ruptura democrática e definiu a fala de Bolsonaro como “as bravatas de sempre”. A opinião é compartilhada por outros magistrados, mas há um clima de apreensão dentro da Corte com o recrudescimento da postura do chefe do Executivo.

Em entrevista ao site de notícias G1, o vice-presidente Hamilton Mourão tentou colocar panos quentes e disse que uma ruptura democrática está “fora de cogitação”.

“Quem é que vai dar golpe? As Forças Armadas? Que que é isso, estamos no século 19? A turma não entendeu. O que existe hoje é um estresse permanente entre os poderes. Eu não falo pelas Forças Armadas, mas sou general da reserva, conheço as Forças Armadas: não vejo motivo algum para golpe”, afirmou Mourão.

Remédio

O relator do habeas corpus a favor de Weintraub é o ministro Edson Fachin, que decidiu nesta quinta-feira pedir informações ao ministro Alexandre de Moraes antes de decidir sobre o pedido do governo para trancar o inquérito das fake news e barrar o depoimento do titular do Ministério da Educação (MEC). O atual entendimento do STF é o de que não cabe habeas corpus contra decisão individual de um outro ministro da Corte – no caso, quem determinou o depoimento de Weintraub foi Moraes, relator do inquérito que apura ameaças, ofensas e fake news contra integrantes do STF e seus familiares.

Chamou atenção dentro do tribunal o fato de o habeas corpus a favor de Weintraub ter sido assinado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, que tem bom trânsito no tribunal. Geralmente, quem costuma assinar uma peça dessa natureza, atuando pelos interesses do governo, é o advogado-geral da União. Evangélico e profissional de carreira na Advocacia-Geral da União (AGU), Mendonça é um dos favoritos para a vaga de Celso de Mello, que deixará o STF em novembro deste ano.

“Parabéns, ministro André Mendonça pelo uso sensato do ‘remédio’ constitucional. A democracia exige sabedoria de TODOS. Liberdade de expressão”, escreveu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, em sua conta no microblog Twitter. Amigo pessoal de Bolsonaro, Oliveira é outro nome cotado para assumir uma das duas vagas ao STF que serão abertas no mandato do presidente. Além de Celso de Mello, Marco Aurélio Mello se aposenta em julho do ano que vem, quando completa 75 anos.

Advertência

Ao longo das últimas semanas, uma série de decisões do Supremo contrariaram Bolsonaro. A maioria veio do decano do STF, Celso de Mello, e do “novato” na Corte, Alexandre de Moraes, ministro que está no tribunal por menos tempo – pouco mais de três anos.

Moraes suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Em outro caso, determinou uma operação da PF que fechou o cerco sobre o “gabinete do ódio” e apreendeu ontem documentos, computadores e celulares em endereços de 17 pessoas suspeitas de integrar uma rede de ataques a integrantes da Corte. O ministro também é relator de um inquérito que apura a organização e o financiamento de atos antidemocráticos que ocorreram no mês passado – um deles, diante do quartel general do Exército, contou com a participação de Bolsonaro.

O decano, por sua vez, é o relator do inquérito que investiga as acusações do ex-juiz Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. Na sexta-feira passada, Celso de Mello levantou o sigilo da reunião ministerial de 22 de abril, marcada por palavrões, ofensas e ataques a instituições.

Ao autorizar a divulgação do vídeo, Celso advertiu o chefe do Executivo que o descumprimento de decisões judiciais configura “crime de responsabilidade”. “O Senhor Presidente da República, certamente atento à lição histórica de Alexander Hamilton, e mostrando-se fiel servidor da Constituição Federal, cumpriu ordem judicial emanada desta Corte e apresentou ao Supremo Tribunal Federal, por intermédio do eminente Senhor Advogado-Geral da União, a gravação que lhe havia sido requisitada”, destacou Celso de Mello.

Apesar da “bravata”, o governo entregou ao STF o vídeo da reunião, considerada peça-chave nas investigações do “inquérito Moro x Bolsonaro”. Naquela decisão, Celso de Mello afirmou que cabe contestar decisões por meio de recursos, mas jamais “desrespeitá-las por ato de puro arbítrio ou de expedientes marginais”. É esse o recado que o STF espera que Bolsonaro ouça.

Rafael Moraes Moura/ BRASÍLIA
28 de maio de 2020 | 15h50