quinta-feira, 28 de maio de 2020

Militar e a Política

As Forças Armadas, por serem instituições de Estado, não devem fazer parte da dinâmica de assuntos de rotina política, afirma o General Carlos Alberto Santos Cruz em artigo para o jornal O Estado de São Paulo

Todos os militares são eleitores, do soldado/marinheiro ao general-de-exército/brigadeiro/almirante. E todos votam com total liberdade de escolha nos seus candidatos e partidos de preferência. É o exercício da cidadania, na mais absoluta liberdade. É um dos pontos altos da democracia. É quando cada cidadão, em seu voto e por seu voto, vale o mesmo, independente de qualquer consideração de classe social, credo, etnia, etc. Mas a democracia é mais que isso. É também o funcionamento harmônico das instituições. É também a liberdade de imprensa e de associação. É também um processo coletivo de construção, a partir da diversidade da nossa sociedade, de um País mais justo, próspero e tolerante.

Na cultura militar, não existe propaganda nem discussão política sobre preferência de candidatos e partidos dentro dos quartéis. Quando o cidadão coloca a farda e representa a instituição, ele tem compromisso institucional e constitucional. Seu compromisso é com a Nação.

As Forças Armadas são instituições permanentes do Estado brasileiro e não participam nem se confundem com governos, que são passageiros, com projetos de poder, com disputas partidárias, com discussões e disputas entre Poderes ou autoridades, que naturalmente buscam definir seus espaços e limites. No jogo político, muitas vezes os atores são levados por interesses de curto prazo, influenciados por emoções, limitados por suas convicções. Isso é normal no ambiente democrático.

O militar da reserva, seja qual for a função que ocupa, não representa a instituição militar.  O desempenho de qualquer função, quando o militar está na reserva, é de responsabilidade pessoal. As instituições militares são representadas pelos seus comandantes, que são pessoas de longa vida militar e passaram por inúmeras avaliações durante a vida profissional, seguramente escolhidos entre os melhores do seu universo de escolha. 

O processo seletivo acontece em todos os níveis, desde a escolha de soldados para o Curso de Formação de Cabo até a promoção para general-de-exército. A estrutura hierárquica e a conduta disciplinar são baseadas no exemplo, no respeito, na liberdade de expressão e na união de todos. A união é que realmente faz a força. Mesmo com orçamento reduzido, basta entrar em qualquer instalação para ver a educação, a dedicação e o zelo com que o patrimônio público é mantido e administrado.

As Forças Armadas estão presentes na história do Brasil, na defesa da pátria, na pacificação do país, na educação, na ciência, na construção, no desenvolvimento, etc, e até mesmo na política, em tempos passados, com todos os riscos, responsabilidades e desgastes inerentes a isso. Não por acaso, foi justamente no regime militar que as FA decidiram, acertadamente, sair da política e ater-se ao profissionalismo de suas funções constitucionais. As FA também são responsáveis por terem contribuído para o Brasil, com todos os problemas que temos, ser um dos dez maiores países do mundo. O país evoluiu e as Forças Armadas continuam presentes na defesa da pátria, nas diversas  situações em que são chamadas para auxiliar a população em emergências e em apoio a algumas políticas de governo. Suas tarefas estão estabelecidas na Constituição – defender a pátria e garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem. O prestígio e a admiração que a sociedade lhes dedica foram construídos com sacrifício, trabalho e profissionalismo.

Nesse período, a democracia brasileira evoluiu e se consolidou. Temos um governo e um Congresso legitimamente eleitos, e as instituições funcionando.

Os Poderes não são perfeitos, como é normal. Nunca serão, já que são feitos de homens, não de anjos. Democracia se faz com instituições fortes, buscando permanentemente o seu aperfeiçoamento. No Brasil, existe legislação que permite o aperfeiçoamento das instituições e práticas políticas. As discordâncias e conflitos não estão impedindo o funcionamento das instituições. A busca da harmonia é obrigatória aos três Poderes. 

É uma obrigação constitucional. As diferenças, o jogo de pressões e as tensões são normais na democracia e as disputas precisam ocorrer em regime de liberdade, de respeito e dentro da lei. Por isso mesmo, a Constituição Federal se sobrepõe aos três Poderes da República para limitar seu emprego, para disciplinar seu exercício. É nesse processo que os três Poderes moderam sua atuação, encontram seus limites e definem as condições de emprego dos demais instrumentos do Estado, inclusive as Forças Armadas, na implementação de políticas públicas.

Santos Cruz

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz durante cerimônia de diplomação de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foto: REUTERS/Adriano Machado (10/12/18)

As Forças Armadas, por serem instituições de Estado, não devem fazer parte da dinâmica de assuntos de rotina política. A dinâmica de governo não é compatível com as características da vida militar. Os militares são unidos, os comandantes são preparados, esclarecidos e mantêm o foco na sua missão constitucional. 

As FA são instituições que não participam de disputas partidárias, de assuntos de rotina de governo, de assuntos do “varejo”.

Nas últimas décadas, as FA cruzaram momentos de hiperinflação, impeachment de presidentes, escândalos de corrupção, revezamento de governos com características diversas, sempre com posicionamento profissional, auxiliando a população, atentas à sua destinação constitucional, contribuindo para o prestígio internacional do País. É um histórico de orgulho do povo brasileiro e das próprias instituições. Por isso mesmo, creio que não se deixarão tragar e atrair por disputas políticas nem por objetivos pessoais, de grupos ou partidários.

Acenos políticos não arranham esse bloco monolítico que é formado por pessoas esclarecidas e idealistas, comprometidas com o Estado e com a Nação, que integram uma das instituições mais admiradas pelo povo brasileiro.

O General Santos Cruz, autor deste artigo, foi ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República. 

O Supremo reage ao arreganho

Corte está disposta a demonstrar serenamente que não se intimida com arreganhos liberticidas do bolsonarismo

Contando com a conivência (quando não com o estímulo) do presidente Jair Bolsonaro, seus camisas pardas travestidos de patriotas têm proferido sistemáticos ataques aos integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) porque aquela Corte ousa impedir o arbítrio bolsonarista. Sem serem advertidos por seu líder de que tal comportamento não condiz com a vida numa sociedade democrática, esses celerados defendem o fechamento do Supremo em manifestações das quais participa o próprio presidente. Não bastasse isso, ministros de Estado ansiosos por se provarem mais bolsonaristas que Bolsonaro expressam sua hostilidade ao Supremo, seja desejando ver seus ministros presos, seja advertindo do risco de ruptura institucional caso a Corte continue a fazer seu trabalho de impor limites ao presidente conforme a Constituição.

Mas o Supremo está disposto a demonstrar serenamente que não se intimida com os arreganhos liberticidas do bolsonarismo radical. “Sem Poder Judiciário, não há o império da lei. O País tem nos ministros do STF a garantia de que a Constituição da República continuará a ser observada, e a democracia, assegurada”, disse a ministra Cármen Lúcia, que lembrou que, num Estado Democrático de Direito, ninguém está acima da lei, cuja aplicação é tarefa dos juízes: “Eventuais agressões a juízes desta Corte não enfraquecem o Direito. O Brasil tem direito à democracia e à Justiça. O Supremo nunca lhe faltou e não lhe faltará”.

Na mesma linha, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo e que tem sido o mais recente alvo das agressões bolsonaristas, foi enfático: “Sem um Poder Judiciário independente, que repele injunções marginais e ofensivas ao postulado da separação de Poderes emanadas de mentes autoritárias que buscam ilegitimamente controlar o exercício da jurisdição, jamais haverá cidadãos livres nem regime político fiel aos princípios e valores que consagram o primado da democracia”.

Os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes se declararam representados pelas palavras de Cármen Lúcia, e o ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que o Judiciário “não se curva a nenhuma pressão externa”. Já o ministro Luís Roberto Barroso, ao tomar posse como presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse que, “como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade”, mas é preciso lembrar que “o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República”, que “são feridas profundas na nossa história, que ninguém há de querer reabrir”.

O Supremo, assim, dá uma resposta serena, porém firme, aos inconformados com a redemocratização do Brasil depois de duas décadas de ditadura. Democracia, malgrado seja o regime baseado na mais plena liberdade, não confere direitos ilimitados a ninguém, nem ao presidente da República nem a seus exaltados devotos – ao contrário, todos e cada um, a começar pelo chefe do Executivo, devem responder pelos seus atos, na exata medida da lei.

Foi por esse motivo, aliás, que o Supremo, em março do ano passado, instaurou inquérito para apurar as ameaças e denunciações caluniosas dirigidas por bolsonaristas à Corte em redes sociais, além da fabricação de notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, para confundir a opinião pública acerca do trabalho dos magistrados. Em qualquer dos casos, seja ao ameaçar ministros do STF e seus familiares, seja ao disseminar mentiras sobre a Corte, os bolsonaristas atentam contra o Poder Judiciário, com a óbvia intenção de enfraquecer a democracia.

Por ora, esse inquérito resultou em mandados de busca e apreensão, cumpridos ontem, contra bolsonaristas que criam e impulsionam fake news em redes sociais. Segundo o relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, as provas obtidas até agora “apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa” dedicada a atacar instituições da República “com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”. Se é assim, que sobre eles recaia todo o peso da lei – pois é assim que a democracia funciona.

Editorial / Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
28 de maio de 2020 | 03h00

Criminalistas dizem que bolsonaristas estão errados e que STF pode abrir investigação 'de ofício'

Advogados ironizam o fato de que, agora que aliados do presidente viraram alvo de operação da PF, passaram a citar direitos de defesa e criticar práticas do modelo inquisitório

Diante dos argumentos – vindos da família Bolsonaro – de que a operação da Polícia Federal contra o "gabinete do ódio" é inconstitucional porque a iniciativa da investigação partiu do Supremo Tribunal Federal (STF) e não da Procuradoria-Geral da República (PGR), criminalistas ouvidos pelo Estadão nesta quarta-feira, dia 27, ironizaram o fato de que bolsonaristas passaram a citar protocolos do direitos da defesa – ou seja, dos direitos dos acusados – em suas manifestações.

Eduardo e Carlos Bolsonaro

Eduardo e Carlos Bolsonaro, filhos do presidente Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio/Estadão

"De uma hora para a outra, eles – que acusam todo mundo de bandidos, de corruptos e outras tantas coisas – lembraram que existe direito de defesa", afirmou o advogado criminalista Alberto Zacharias Toron. "O fato é que essa instauração (do inquérito) é muito oportuna porque ela quebra a espinha dorsal de gente que não só espalha fake news, mas de gente que está atentando contra instituições do Estado, incluindo o STF e o Poder Legislativo. Esse inquérito é importantíssimo para a saúde da nossa democracia e eu aplaudo a decisão do ministro Alexandre de Moraes", acrescentou

O também criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira argumentou o mesmo: "É estranho que só agora os bolsonaristas estejam levantando essa questão (de procedimentos) agora que eles são alvo da operação, visto que essa investigação foi aberta há um ano". Mariz explica que o Supremo pode sim determinar a abertura de uma investigação. "Tem o direito e – sabendo da prática de crime – o dever de fazer isso, se não comete crime de prevaricação. Se um ministro do Supremo fica sabendo que eu comtei um assassinato, ele não pode fazer nada porque não é da procuradoria?", exemplificou.

Fábio Tofic Simantob explicou que existe uma discussão sobre se o processo penal deveria seguir um sistema chamado de "acusatório" – em que o juiz só age em resposta à acusação ou à defesa – ou "inquisitório", em que o juiz pode ter uma postura mais proativa. "Embora nós (advogados criminalistas) defendemos que a Justiça brasileira deva ser cada vez mais acusatória, a lei ainda prevê alguns momentos em que o juiz possa agir por iniciativa própria", explicou.

Tanto Tofic Simantob quanto Toron citam o artigo 242 do Código de Processo Penal, que determina que a busca pode ser determinada "de ofício" pelo juiz – ou seja, independentemente de qualquer pedido – ou atendendo a solicitação de uma das partes. Tofic ainda destaca que os membros da família Bolsonaro sempre foram muito favoráveis ao processo do tipo inquisitório, em que o juiz pode ter iniciativa.

"Quer um exemplo? Nas audiências da Operação Lava Jato, quem aparecia mais fazendo perguntas? O membro do Ministério Público ou o juiz Sérgio Moro, que fazia perguntas com o claro intuito de produzir provas?", exemplificou. "A pessoa que o presidente Jair Bolsonaro escolheu para ser ministro da Justiça era o típico juiz de ataque, que a gente sempre criticou. Mas a lei permite", concluiu.

Toron fez a ressalva de que uma das coisas discutíveis no inquérito que está sob os cuidados de Alexandre de Moraes é se ele fere ou não um preceito jurídico importante que separa o juiz que vai julgar da acusação. "O ministro Toffoli entendeu que o regimento interno autoriza a instauração de inquérito nos casos em que o próprio Supremo seja vítima. Essa é a questão que a Procuradoria coloca em debate", afirmou.

Uma operação da Polícia Federal deflagrada nesta quarta, 27, no âmbito da investigação aberta pelo STF, aprendeu celulares e computadores de apoiadores bolsonaristas. O inquérito sigiloso havia sido aberto em março do ano passado para apurar ameaças, ofensas e fake news disparadas contra os integrantes do Supremo e seus familiares.

No início da investigação, a iniciativa sofreu oposição do Ministério Público Federal por ter ter sido iniciada por iniciativa do presidente do STF, ministro Dias Toffoli. Quando o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, sucedeu Raquel Dodge, ele mudou a postura do órgão sobre as investigações, manifestando-se favoravelmente. Agora que a operação atingiu bolsonaristas, porém, Aras mudou de ideia e pediu o arquivamento do inquérito.

Na solicitação desta quarta-feira, Aras se posicionou no âmbito de uma ação da Rede Sustentabilidade, enviada em março de 2019 ao ministro Edson Fachin. Nela, o partido pedia que a portaria de instauração do inquérito fosse avaliada pelo plenário da corte.

Paula Reverbel, O Estado de S.Paulo
27 de maio de 2020 | 20h15

Em 'live' com alvos de ação do STF, Eduardo Bolsonaro cita 'momento de ruptura'

Ao criticar ministros Alexandre de Moraes e Celso de Mello, filho do presidente Jair Bolsonaro diz que participa de reuniões em que discute quando haverá 'cisão'

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) criticou nesta quarta-feira, 27, a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que autorizou mandados de busca e apreensão contra aliados do presidente Jair Bolsonaro, e Celso de Mello, responsável pela investigação da suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF). O parlamentar afirmou não ter dúvida de que será alvo de uma investigação em breve e disse que participa de reuniões em que se discute "quando" acontecerá "momento de ruptura" no Brasil.

As declarações foram dadas em uma transmissão ao vivo do blog Terça Livre, de Allan dos Santos, um dos alvos da operação desta quarta-feira contra empresários, políticos e apoiadores de Bolsonaro investigados por divulgar notícias falsas e ameaças contra autoridades da República, como ministros do Supremo, e seus familiares. Além de Santos, a deputada Bia Kicis (PSL-SP), outra investigada pelo inquérito das fakes news, também participou da transmissão, ao lado de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, e do médico Ítalo Marsili.


Repercussão negativa na economia

Após criticar Moraes e Mello, Eduardo começa uma linha de raciocínio sobre por que pode haver uma ruptura institucional. Segundo ele, após a saída do ex-ministro Sérgio Moro do governo, o Supremo divulgou o vídeo de "uma reunião secreta" - a gravação foi citada por Moro como possível prova de que Bolsonaro interferiu na PF  - e depois solicitou o "celular do presidente da República". Ao contrário do que disse Eduardo, o Supremo não pediu o celular de Bolsonaro. PDT, PSB e PV pediram ao Supremo a apreensão dos aparelhos dentro das investigações sobre interferência política na PF. Mello, então, encaminhou a Aras os pedidos dos partidos para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) emita um parecer.  O PGR deve, inclusive, se posicionar contra a apreensão dos celulares do presidente.

"Não tenho nem dúvida que amanhã vai ser na minha casa (que cumprirão mandado de busca), que se nós tivermos uma posição colaborativa (com o Supremo), vão entrar na nossa casa, dando risada. Até entendo quem tem uma postura moderada, vamos dizer, para não tentar chegar a momento de ruptura, a momento de cisão ainda maior, conflito ainda maior. Entendo essa pessoas que querem evitar esse momento de caos. Mas falando bem abertamente, opinião de Eduardo Bolsonaro, não é mais uma opção de se, mas, sim, de quando isso vai ocorrer", afirmou o parlamentar, que emendou:

"E não se enganem, as pessoas discutem isso. Essas reuniões entre altas autoridades, até a própria reunião de dentro de setores políticos, eu, Bia, etc, a gente discute esse tipo de coisa porque a gente estuda história. A gente sabe que a história vai apenas se repetindo. Não foi de uma hora para outra que começou a ditadura na Venezuela, foi aos poucos."

Eduardo repetiu o argumento usado por outros bolsonaristas, de que o inquérito das fake news é inconstitucional porque ele teve início por ato de ofício do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e não contou com a participação da PGR. Criminalistas ouvidos pelo Estadão, no entanto, dizem que embora não seja comum, não é ilegal que um ministro do Supremo dê início à investigação e lembraram que a prática já foi até defendida por bolsonaristas.

A postura de confronto adotada por Eduardo vai na mesma linha do tom adotado pelo seu pai, o presidente Bolsonaro. Também na noite desta quarta-feira, o presidente criticou a decisão de Moraes, dizendo que 'cidadãos de bem' tiveram 'seus lares invadidos' por exercerem seu 'direito de liberdade de expressão'. "É um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia", escreveu Bolsonaro no Twitter. Ele também declarou que está trabalhando para que "se faça valer o direito à livre expressão em nosso país". "Nenhuma violação desse princípio deve ser aceita passivamente!", escreveu.

Em reunião com auxiliares na noite desta quarta-feira, Bolsonaro discutiu detalhes de um habeas corpus preventivo ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, para evitar que ele preste depoimento na Polícia Federal por dizer que ministros do Supremo deveriam ser presos na reunião de 22 de abril. Também está em discussão a possibilidade de se entrar com ações na Justiça contra os ministros Alexandre de Moraes e Celso de Mello por "abuso de autoridade".
   
Redação, O Estado de S.Paulo
28 de maio de 2020 | 00h55

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Militares bolsonaristas espalham mensagens golpistas e ameaças ao Supremo

Augusto Heleno e seus colegas de turma decidiram se informar pelo zap; é nessa rede social que os ataques ao STF e ao Congresso aumentaram desde a nota do ministro

Em 28 de junho de 1935, o escritor francês Romain Rolland entrou no Kremlin para entrevistar Stalin. É conhecida a conversa que se seguiu. Rolland, que se dizia pessimista com inteligência, mas otimista pela vontade', perguntou ao ditador por que não haviam debates judiciários públicos e regulares antes das condenações e execuções das pessoas chamadas de terroristas pela imprensa soviética. Stalin respondeu usando o exemplo dos assassinos de Serguei Kirov.

Jair Bolsonaro
Sem máscara, o presidente Jair Bolsonaro se aproxima de apoiadores em manifestação em Brasília Foto: Evaristo Sa/AFP
O chefe do partido em Leningrado fora morto em 1.º de dezembro de 1934, no Instituto Smolny, onde trabalhava. Kirov era um popular líder bolchevique. O assassino lhe deu tiro no pescoço. E Stalin aproveitou o crime para iniciar o Grande Terror, matando quase um milhão de pessoas. "Teríamos honrado demais esse senhores se tivéssemos examinado seus delitos em processos com a participação de advogados", afirmou.

Stalin disse ainda que era claro a todos que, depois do assassinato de Kirov, os criminosos não se deteriam. "Para prevenir esses crimes tivemos de assumir a desagradável tarefa de fuzilar esses senhores. Essa é lógica do poder. O poder em circunstâncias semelhantes deve ser forte, claro e impávido; de outra forma, não será poder e não será reconhecido como tal." Augusto Heleno pode não conhecer o episódio ou as palavras do georgiano. Mas sua nota em reação ao pedido de apreensão do telefone celular de Jair Bolsonaro trata o exercício do poder com a mesma lógica do ditador comunista.

O filósofo Luciano Canfora descreve a cena em seu livro La natura del potere. E trata de uma das manifestações do poder: o cesarismo, esse tipo de regime que exprime sempre uma solução arbitral, confiada à grande personalidade, ao líder, para resolver uma situação de equilíbrio de forças, diante de uma perspectiva catastrófica, quando a situação só pode se concluir com a destruição recíproca. No Brasil, Heleno enxerga conflito institucional, onde as associações de magistrados veem apenas vontade de se subtrair à lei e à Justiça.

Este é um governo cujo chefe usa um helicóptero da Presidência para um sobrevoo a fim de produzir cenas de mídia de uma ação político-partidária com o dinheiro público. Nada mais espanta. As relações de amizade se sobrepõem ao cumprimento das leis, ao interesse público e ao zelo no uso do dinheiro do contribuinte. Trata-se de um governo que o ministro Sérgio Moro diz ter deixado de lado a luta contra a corrupção em nome do direito de proteger amigos e filhos. Diante da ciência e dos fatos, Bolsonaro e seus apoiadores militares preferem crer nas mentiras do WhatsApp.

Uma parte deles, reunida na confraria dos colegas de turma de Heleno, resolveu defender o governo com um manifesto - mais um neste País. Não bastam cargos, salários e benefícios: há quem deseje ainda ter o direito de ameaçar as instituições. Como classificar de outra forma o documento assinado pelos 103 da turma de 1971 da Academia das Agulhas Negras, achincalhando ministros do Supremo e destilando ódio contra quem aponta os desmandos do governo ou procura fazê-lo cumprir as leis? E lá veio mais outra nota do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva...

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Imagem distribuída por militares em grupos de whatsapp no fim de semana; na montagem, a imagem do presidente Costa e Silva, responsável pela edição do AI-5 Foto: Reprodução


Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo
25 de maio de 2020 | 09h00

Gabinete do ódio ajuda a inchar número de cargos do Planalto

Promessa de Bolsonaro de cortar 30% dos cargos da administração pública fica no papel

Quase um ano e meio após o início do governo, a promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de cortar 30% dos cargos da administração pública não foi concretizada nem mesmo no Palácio do Planalto, que hoje emprega 3.395 funcionários. O número está perto de bater uma marca histórica: é apenas 4,2% menor do que o registrado na gestão de Michel Temer (MDB), que contava com 3.544 servidores.

O chamado gabinete do ódio, núcleo liderado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), ajudou a manter o Planalto inchado. A Assessoria Especial da Presidência, onde fica o grupo de apoiadores do filho “02” do presidente, ultrapassou o número de servidores dos governos anteriores

O Palácio do Planalto: ministérios palacianos, GSI e Secretaria-Geral lideram o ranking interno, com um terço dos servidores cada um Foto: Dida Sampaio/Estadão
Localizado no terceiro andar do Planalto, ao lado da sala de Bolsonaro, esse “departamento” quase dobrou da época de Temer para cá. Bolsonaro nomeou 23 assessores especiais; Temer, 13, Dilma Rousseff (PT), 17, e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu antecessor, 15.

O enxugamento da máquina foi prometido por Bolsonaro várias vezes, ao longo da disputa de 2018. Trata-se, porém, de uma promessa longe de ser cumprida. Agora, com as negociações para barrar eventual processo de impeachment, o presidente partiu para o “toma lá, dá cá” explícito e negocia cargos com o Centrão – bloco de partidos antes chamado por ele de “velha política” –, em troca de apoio no Congresso.

Quando era coordenador da campanha de Bolsonaro, em 2018, Onyx Lorenzoni – hoje ministro da Cidadania – chegou a dizer que o novo governo promoveria um “corte intenso” e uma “despetização”. Em novembro daquele ano, já eleito, Bolsonaro se reuniu com a equipe de transição e, após ter em mãos o número real de servidores, informou que desbastaria a máquina pública. “Não posso falar o porcentual. No mínimo, aí, 30%”, disse.


O corte em massa de apadrinhados petistas e emedebistas no governo não representou queda no número de pessoal, mas apenas troca em massa por bolsonaristas. As substituições mantiveram a máquina inchada e os “puxadinhos” em pé. “Puxadinhos” é o termo usado para designar as repartições improvisadas nos andares do prédio principal e do anexo do Planalto, para abrigar servidores.

Os assessores especiais não são os únicos funcionários que ficam no entorno do presidente. Perto dele, no Gabinete Pessoal – a chamada “cozinha política” do Planalto – trabalham outras 166 pessoas. Esse núcleo sempre existiu, em outros governos, e acomoda a equipe de execução de trabalhos do presidente. Ali estão lotados ajudantes de ordem, servidores da preparação da agenda, do Cerimonial, da secretaria particular, do acervo documental, do recebimento e respostas das correspondências pessoais e sociais.

Dados obtidos pelo Estadão com a Diretoria de Administração da Presidência mostram que, dos atuais funcionários do Planalto – incluindo pessoal de carreira e temporários –, 993 ocupam cargos de assessoramento superior, de livre provimento, os chamados DAS. Além da Assessoria Especial e do Gabinete Pessoal, os servidores do Planalto também estão distribuídos nos quatro ministérios palacianos.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Secretaria-Geral lideram o ranking interno, com um terço dos servidores cada. O restante está lotado na Secretaria de Governo (598) e na Casa Civil (326).

No serviço público, as remunerações dos DAS variam de R$ 2,7 mil a R$ 16,9 mil. Os servidores do palácio recebem funções comissionadas e gratificações em diversos valores, que variam de R$ 645 a R$ 6,2 mil. O teto é estabelecido pelos salários do presidente e dos ministros: R$ 30.934,70.

O GSI tem 1.138 servidores e apenas 69 DAS. A maior parte deles trabalha na segurança presidencial, reforçada em cerca de 20% no atual governo. Técnicos da área justificam o aumento da segurança pelo fato de Bolsonaro ter sofrido um atentado a faca, em 2018. Já a Secretaria-Geral, que cuida da administração do Palácio do Planalto, mas ganhou atribuições da Casa Civil, tem agora 1.143 funcionários, 299 DAS.

Comitê gaúcho

Na disputa de 2018, quando ocupava o posto de coordenador da campanha de Bolsonaro, Onyx chegou a anunciar uma tesourada em 20 mil cargos de confiança do governo. Ao assumir a Casa Civil, em janeiro de 2019, Onyx encontrou 497 servidores na pasta. Não demorou para anunciar a “despetização” do Palácio do Planalto e a exoneração de 320 comissionados. Em seguida, porém, houve uma espécie de “porteira aberta” para aliados do Rio Grande do Sul.

Pré-candidato ao governo gaúcho em 2022, o ministro já contava, no fim de dezembro, com 352 funcionários na Casa Civil. Perdeu para a Secretaria-Geral, porém, um dos principais braços de sua pasta, a Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ). Bolsonaro tirou Onyx da Casa Civil e o realocou na Cidadania. Desde a sua saída, a Casa Civil cortou mais 26 servidores.

Na Esplanada, nas autarquias e nas fundações, a promessa de enxugar a máquina não foi cumprida. No fim do governo Temer, em dezembro de 2018, havia 32.694 cargos e funções comissionadas em todo o Executivo. No último mês de março, o mesmo número era de 31.872, uma redução de apenas 2,5%.

Na prática, se for considerada apenas a administração direta, o número de cargos e funções comissionados caiu de 23.172 em dezembro de 2018 para 22.079 – redução de 4,7%. Os dados constam do Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape).

Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo
25 de maio de 2020 | 04h05

Centrão entra no Ministério da Saúde e militares devem ganhar mais 20 cargos

Sob pressão de aliados e após sofrer sucessivas derrotas políticas, o presidente Jair Bolsonaro começou a distribuir cargos aos partidos do bloco informal

 Com o general Eduardo Pazuello como ministro interino desde a saída de Nelson Teich, o Ministério da Saúde deve receber mais 20 militares em cargos estratégicos nos próximos dias, que se somarão a outros 20 já nomeados na pasta. O Centrão também deve receber uma fatia do ministério. Líderes do Progressistas (antigo PP) e do PL chegaram a um acordo para indicar o médico Marcelo Campos Oliveira como secretário de Atenção Especializada à Saúde (Saes). O nome ainda não foi publicado no Diário Oficial da União, mas foi negociado pelos partidos diretamente com o Palácio do Planalto.

A secretaria é cobiçada por liberar recursos para custeio de leitos em hospitais de todo o País. Durante a pandemia, já autorizou bancar R$ 911,4 milhões para o funcionamento, por 90 dias, de 6.344 quartos de UTI específicos para a covid-19.

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Oliveira é diretor de área subordinada à Saes desde fevereiro de 2019. O cargo de secretário ficou vago no último dia 13, quando foi demitido o administrador de empresas Francisco de Assis Figueiredo foi demitido, indicado do PP ainda no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

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O ex-ministro da Saúde Nelson Teich ao lado do chefe interino da pasta, general Eduardo Pazuello Foto: Joédson Alves / EFE

Sob pressão de aliados e após sofrer sucessivas derrotas políticas, o presidente Jair Bolsonaro começou a distribuir cargos aos partidos do bloco informal formado por, além de PL e Progressistas, Republicanos, PTB, Solidariedade, DEM e PSD em troca de votos no Congresso, ressuscitando o “toma lá, dá cá”.

O ex-ministro Teich chegou a convidar Mauro Junqueira para ocupar a secretaria. Ele é ex-presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). A negociação se encerrou quando líderes do Centrão pediram o cargo.

Também na gestão Teich, o PL negociou, mas desistiu depois, o comando da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), pasta estratégica para formular ações sobre o avanço da covid-19 no Brasil, como orientações de distanciamento social. A ala militar teria pedido para preservar o posto de indicação de partidos. O epidemiologista Wanderson Oliveira informou no sábado, 23,  que deixará o comando da SVS. Ele já havia pedido desligamento no fim da gestão de Luiz Henrique Mandetta (DEM).

Formulador de estratégia contra covid, Wanderson Oliveira deixará Ministério da Saúde

Formulador de estratégia contra covid, Wanderson Oliveira deixará Ministério da Saúde Foto: Dida Sampaio/Estadão

Militares

Desde a chegada de Eduardo Pazuello à Saúde cerca de 20 militares foram nomeados ao órgão. Em reunião com representantes de secretários de saúde de Estados e municípios, na quinta-feira, 21, o ministro interino disse que os militares devem ficar temporariamente no órgão.

"São militares da ativa. São pessoas preparadas para lidar com este tipo de crise. É temporário, e vou ter de substituí-los ao longo de 90 dias", disse Pazuello.

A maioria ocupa cargos na Secretaria-Executiva, responsável pela gestão de contratos, pessoal, orçamento e dados do ministério. A médica e primeira-tenente Laura Appi, porém, recebeu cargo de diretora de programa na Secretaria de Atenção Primária (Saps), que lida com a estratégia de saúde da família e atendimento em postos de saúde, entre outras funções.

A ideia é que os cerca de 20 militares que ainda devem entrar na Saúde recebam também, a maioria, cargos na Secretaria-Executiva.

Pazuello estuda, no entanto, nomear um militar como Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), posto responsável pelo estudo de novos produtos e pelo diálogo com a indústria farmacêutica. A pasta é estratégica para a análise, por exemplo, de evidências científicas sobre uso da cloroquina contra a covid-19, tratamento defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, mas criticado por entidades médicas e científicas.

A SCTIE está sem comando desde esta sexta-feira, 21, quando foi oficializada a saída do médico Antonio Carlos Campos de Carvalho. Ele ficou menos de um mês no cargo e se opôs a nova orientação do ministério sobre uso da cloroquina para todos os pacientes da covid-19.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que as nomeações feitas "envolvem profissionais capacitados e com experiência em lidar com situações de crise". Apesar do avanço de casos da pandemia no País, a pasta alega que "a estratégia de resposta brasileira à covid-19 não foi prejudicada em nenhum momento."

Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo
25 de maio de 2020 | 10h18

sábado, 23 de maio de 2020

Cenas de um governo tenso e sem rumo

O que seria para instruir o inquérito de Moro virou um retrato mais preocupante de Bolsonaro

Enquanto se aguardava, na tarde de ontem, a divulgação do vídeo da reunião de ministros de 22 de abril, pelo ministro do Supremo Celso de Mello, uma nota fora de tom de Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), explodiu os projetos de pontes que o governo havia lançado no dia anterior, na reunião do presidente com os governadores, num competente desserviço ao Planalto, e não serviu para proteger Bolsonaro das ameaças jurídicas que o cercam.

Ou o general da reserva considera que as Forças Armadas se disporiam a quebrar a ordem institucional que perdura há 32 anos, investindo contra o Supremo, que cumpre ritos legais, respaldados na Constituição? Por exemplo, o seguido pelo mesmo Celso de Mello de, como é praxe, remeter pedidos de partidos e parlamentares de investigação de Bolsonaro ao procurador-geral da República. Entre eles, o acesso ao telefone celular do presidente, contra o que se insurgiu Heleno, de maneira descabida, com a ameaça de um conflito institucional, de “consequências imprevisíveis”. Serviu para atrair justificadas reações de repúdio e para confirmar que o calejado general da reserva passou a fazer parte do núcleo ideológico do bolsonarismo.

Os trechos do vídeo da reunião ministerial liberados por Celso de Mello ajudariam a confirmar que Augusto Heleno não está sozinho no ministério. Celso de Mello decidiu não liberar a íntegra, o que facilitaria a compreensão do contexto em que o presidente ameaçou intervir na sua “segurança” no Rio, embora se referisse mesmo à “PF”, sigla que pronunciou quando reclamava da falta de informações. Este trecho, infelizmente, foi cortado no início da frase, mas o conteúdo do que restou do vídeo sustenta a acusação do ex-ministro Sergio Moro de que as citações a trocas na “segurança”, na sua chefia e até de ministro, se referiam a ele mesmo. Para confirmar o que disse, no dia seguinte à reunião, dia 23, Moro saiu do governo, e o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi exonerado “a pedido”, sem que ele e o ministro assinassem a demissão.

O espetáculo foi roubado pelo conjunto dos trechos liberados por Celso de Mello, em que há cenas fortes de um grupo de ministros sem qualquer rumo estratégico estabelecido por um presidente que é mais um agitador de comício do que coordenador de governo, que distribui seu tempo entre gritos, slogans e palavrões, como se estivesse aboletado naquela caminhonete sobre a qual desfilou na manifestação antidemocrática em frente ao QG do Exército, em Brasília, no mês passado. O resultado é um grupo de ministros tensos.

A rigor, não há novidades — exceção à confirmação feita pelo presidente de que conta com um sistema de informações pessoal, portanto, na ilegalidade —, mas tem impacto a forma como Bolsonaro diz que deseja armar o povo, “porque povo armado não será escravizado”. Precisará mesmo desmontar toda a legislação desarmamentista, o que já faz. Bolsonaro dá a entender que tem devaneios sobre o povo armado. Uma inveja recalcada do chavismo de Maduro e do que aconteceu na Cuba de Fidel. Um delírio, mas perigoso.

O presidente deixa claro que deseja um ministério de fiéis bolsonaristas que o defendam — é possível decifrar recados para Moro nesses momentos. E trocará qualquer um, a qualquer momento, fazendo uma exceção a Paulo Guedes, da Economia, para desgosto de Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, aliado dos militares no Pró-Brasil, programa de figurino geiselista que atraiu a ira de Paulo Guedes. A altercação que teria havido entre os dois ministros não consta das cenas liberadas.

Abraham Weintraub confessou-se um militante — de extrema direita, por suposto — e, por isso, deduz-se, não se dedica como deveria às funções de ministro da Educação, um cargo estratégico, que também não merece atenções de Bolsonaro. No que foi divulgado, nenhuma pergunta foi feita a Weintraub, por exemplo, sobre o Enem na pandemia. Como disciplinado militante, o ministro alvejou com palavrões quem ele acha que obstrui a marcha do país para a redenção. Os ministros do Supremo foram brindados com um ataque de baixo nível do ministro.

Na bancada dos ministros ideológicos radicais, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, discorreu sobre sua estratégia de aproveitar enquanto a imprensa está voltada para a Covid-19, a fim de alterar normas e instruções sobre o meio ambiente, sem a necessidade de ouvir o Congresso, no seu óbvio trabalho de desmontar a estrutura de fiscalização e punição de crimes ambientais. Falou para os colegas como se estivesse dando uma dica. E estava.

Dessa bancada, Damares Alves, do Ministério da Mulher e da Família, parecia que faria uma exposição objetiva, ao alinhar alguns números sobre crianças abandonadas e idosos em asilos, mas perdeu o prumo ao ameaçar governadores e prefeitos de “prisão”, por tomarem medidas em defesa do isolamento social, prerrogativa legal deles. A ministra se alinhou ao grupo dos que não têm qualquer preocupação com limites institucionais do cargo. Bolsonaro, o primeiro deles. O que se viu é preocupante, principalmente considerando o tamanho da crise em que o país naufraga.

Editorial de O GLOBO
23/05/2020 - 00:00 / Atualizado em 23/05/2020 - 14:16

Brasil tem 965 mortes por coronavírus em 24h e número de casos se aproxima de 350 mil

País segue sendo o segundo com o maior número de infecções, atrás apenas dos EUA; em todo o mundo, doença já infectou 5,2 milhões de pessoas,, deixando 340 mil mortos

 Cemitério da Vila Formosa, na zona leste. Foto: Tiago Queiroz/Estadão-25/4/2020

Cemitério de Vila Formosa, na zonaleste de S. Paulo, Capital. (Foto de Tiago Queiroz/ Estadão, 25/04/2020).

O Brasil registrou 965 novas mortes causadas pela covid-19 nas últimas 24 horas, o que aumentou o total de óbitos pela doença para 22.013 no País, segundo balanço divulgado na noite deste sábado, 23, pelo Ministério da Saúde. De ontem para hoje, 16.508 novos casos de infecção pelo novo coronavírus foram registrados e agora já são 347.398 pessoas contaminadas.

O Brasil segue ocupando a segunda posição entre as nações com mais casos de covid-19 no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que acumula mais de 1,6 milhão de infectados, segundo dados compilados pela plataforma da Universidade Johns Hopkins até as 19h deste sábado.

Na lista de países com mais mortes acumuladas, o Brasil ocupa a sexta posição. Só fica atrás de Estados Unidos (96.802), Reino Unido (36.757), Itália (32.735), Espanha (28.678) e França (28.218).

Em todo o mundo, a covid-19 já infectou 5,2 milhões de pessoas, causando a morte de 340 mil delas, também de acordo com os dados da Universidade Johns Hopkins. Depois do início do surto na China em dezembro, pico na Europa e nos Estados Unidos em março e abril, a América do Sul passou a ser considerada o novo epicentro da doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O Estado brasileiro mais afetado segue sendo São Paulo, que, neste sábado, 23, atingiu a marca de 6 mil mortos pela doença e 80 mil infectados. Segundo balanço da Secretaria Estadual da Saúde, 505 dos 645 municípios paulistas já possuem ao menos uma infecção confirmada pela doença.

No ranking de unidades da federação mais atingidas pela pandemia aparecem, depois de São Paulo, os Estados do Ceará, com 35.122 casos e 2.308 mortes e Rio de Janeiro, com 34.533 infecções e 3.905 óbitos, segundo os números do ministério.

Fabiana Cambricoli, O Estado de S.Paulo
23 de maio de 2020 | 19h51

Harari: ‘Trump e Bolsonaro não querem assumir responsabilidade na crise’

O autor de 'Sapiens' diz que existem dois caminhos no pós-pandemia: um fortalecimento ainda maior do nacionalismo ou a cooperação global



Yuval Noah Harari

(Foto de  Emily Berl/The New York Times/Fotoarena)

Nesses dias de excepcionalidade do coronavírus, o israelense Yuval Noah Harari comemora um feito notável: ele acaba de ultrapassar os 25 milhões de livros vendidos. Com uma rara combinação de rigor factual e linguagem inspiradora, seu mérito é provar que é possível atingir as massas com pensamento elevado, objetivo alcançado pelos seus best-sellers Sapiens (L&PM) e Homo Deus (Companhia das Letras).

Em meio à pandemia, o historiador poderia deitar sobre os louros enquanto curte o isolamento em uma casa nas cercanias de Tel-Aviv junto do marido. Mas o intelectual de 44 anos não se aquieta: usa o tempo recluso para escrever e difundir seus pensamentos. “Estou trabalhando duro, na tentativa de ajudar as pessoas a vencer esse período sofrido”, disse a VEJA.

Na entrevista a seguir, Harari analisa como a crise atual afetará o futuro, faz uma defesa da cooperação global e expõe os prós e os contras dos sistemas de monitoramento que hoje ajudam a identificar os infectados.

Como será o mundo após a pandemia? 

Será um mundo diferente. Se melhor ou pior, isso dependerá de nossas decisões agora. O mais importante é perceber que não há apenas um único resultado determinístico para esta crise. Temos escolhas a fazer. E, se fizermos as escolhas certas, podemos não apenas superar o vírus, mas emergir da pandemia tendo construído um mundo melhor.

Quais escolhas seriam certas ou erra­das? 

Podemos escolher o caminho de mergulhar ainda mais no populismo nacionalista de muitos líderes que estão no poder hoje, com os países lutando só pelos próprios interesses e contra os demais — todos sairiam perdendo. Ou podemos reagir com solidariedade global, num cenário em que os países ajudam uns aos outros na economia, no desenvolvimento de vacinas e na produção de equipamentos médicos. Nosso futuro depende de decisões políticas urgentes. O que acontecerá com a crise do mercado de trabalho? Se, ao final do processo, ela vai enfraquecer ou fortalecer o trabalho organizado, depende de nossas escolhas e de decisões políticas que não são determinadas pelo vírus.

O quadro atual sinaliza que o mundo está no rumo correto? 

Até agora, a reação está longe do ideal. Não há nenhuma liderança global capaz de coordenar os esforços para deter a epidemia em si, nem atuar na arena econômica. Os Estados Unidos foram o líder tradicional do mundo nas últimas décadas, e assumiram a dianteira na crise financeira de 2008 e no drama do ebola na África, em 2014. Agora, o país está fazendo o oposto: minando todo esforço de cooperação. O presidente Donald Trump briga com a Organização Mundial da Saúde (OMS) na hora em que mais precisamos dessa organização. E não existe um plano econômico global para lidarmos com a crise. Isso é extremamente preocupante. Alguns países têm recursos para enfrentar a devastação da pandemia, mas a maioria não se levantará sem cooperação dos ricos.

O embate entre Trump e a OMS é um sinal do esgotamento das organizações multilaterais do pós-guerra?

A situação atual enfatiza quão importante é ter esse tipo de cooperação. A OMS comete erros, como todas as organizações. Mas, sem ela, como seria possível compartilhar informações sanitárias além-fronteiras? Como saber se o vírus pode estar sofrendo mutações ou se haverá uma segunda onda? Se alguns países não gostam do trabalho da OMS ou de suas decisões políticas, tudo bem, vamos tentar construir outra organização. Mas precisamos de uma instância para centralizar o combate a uma pandemia. Sem informação compartilhada, nenhum esforço local pode ter sucesso.

“Estamos em situação mais privilegiada que nunca na história para enfrentar uma pandemia. Não vivemos na Idade Média, e todos devem saber que o coronavírus não é a peste negra”

A baixa cooperação global nesta crise o deixa pessimista? 

Ela deixa um vazio alarmante, mas, por contraponto, traz uma lição: vamos perceber, por bem ou por mal, quanto é importante a cooperação global. Ainda não é tarde para mudar de rumo e reagir. Desse modo, será mais fácil superar a crise atual e construiremos um mundo em condições de lidar melhor com emergências futuras.

Contra as recomendações sanitárias, Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro atacam ferozmente o isolamento social. Como esses líderes serão julgados pela história? É difícil saber como as pessoas verão a crise atual à distância do tempo. Agora mesmo, no calor da hora, é complicado opinar sobre as diferentes abordagens contra a pandemia. Mas Trump e Bolsonaro estão fazendo um jogo duplo. Seus países passarão por um período econômico duro, com as pessoas perdendo empregos e negócios. Ao se portarem como profetas do caos na economia, eles querem transferir a responsabilidade pelas dificuldades para outras pessoas, como prefeitos e governadores. E também não assumem suas responsabilidades na luta contra o vírus.

Em que medida os avanços tecnológicos do presente marcarão a luta contra a pandemia? 

Em matéria de tecnologia médica, estamos em uma situação mais privilegiada que nunca na história para enfrentar uma pandemia. Felizmente, não vivemos na Idade Média, e todos devem saber que o coronavírus não é a peste negra. Na Idade Média, ninguém entendia o que estava acontecendo quando vinha uma epidemia. Aliás, até coisa de um século atrás, durante a gripe espanhola, os médicos não entendiam o que causava a doença, muito menos como ela podia ser vencida. Hoje temos conhecimento científico e a tecnologia para colocá-lo em prática. Foram necessárias apenas duas semanas para identificar o vírus causador da Covid-19 e sequenciar seu genoma. Não há dúvida da nossa capacidade de entender e controlar uma pandemia.

Governos de vários países estão recorrendo a ferramentas de vigilância no combate à doença. Qual a importância delas? 

As tecnologias de vigilância desenvolvidas nos últimos anos serão extremamente úteis para permitir que as pessoas possam retornar ao trabalho ou à escola com segurança. Se você é capaz de monitorar pessoas e avisá-las da proximidade de infectados, a volta a uma situação normal pode ser acelerada. Mas tudo tem de ser feito com absoluta ponderação.

Por quê?

Precisamos ser muito cuidadosos com a vigilância. Se instituirmos o sistema e as leis erradas, a tecnologia nos ajudará a combater a epidemia, mas também poderá destruir a democracia e nossas liberdades. Já estamos vendo em vários países a tentativa de usar a situação para estabelecer regimes autoritários.

Como se pode utilizar a tecnologia de maneira responsável?

 Antes de tudo, a vigilância deve ser a mais limitada possível. Seu controle não deve ficar nas mãos da polícia, dos serviços de segurança ou do Exército. Precisamos monitorar as pessoas para descobrir quem está se arriscando ou pondo os outros em risco, mas isso deve ser trabalho de uma agência de saúde independente, que seja obrigada a não compartilhar os dados.

Mesmo assim, as pessoas não estarão sujeitas a abusos por parte do governo? 

É impossível afastar totalmente o risco de abusos, mas há uma boa solução para que a vigilância ajude a saúde sem comprometer a democracia. Se dermos ao Estado o poder de monitorar as pessoas por meio da tecnologia, devemos nos valer dela para aumentar a vigilância sobre o governo. Na crise atual, nenhum governante expõe claramente como está administrando o dinheiro dos pacotes de auxílio. É possível usar a tecnologia para vigiar se esses recursos não serão destinados para o resgate de corporações corruptas ou para os amigos do poder, em vez das pequenas empresas e indivíduos em dificuldade.

Não há o perigo de que o caos da pandemia leve o mundo a uma nova era de regimes totalitários, como aconteceu na Europa após a I Guerra e a gripe espanhola?

Esse é um risco que devemos sem dúvida levar a sério. Crises como a do coronavírus podem despertar os demônios interiores da humanidade. Se conduzida com egoísmo e falta de visão do futuro, esta crise só levará a mais ódio, ganância e ignorância, e estimulará o surgimento de todos os tipos de ditadores.

Há quem defenda a ideia de que ditaduras como a China têm maior facilidade em combater o vírus. Faz sentido?

Esse é um erro completo. Não é verdade que as ditaduras sejam melhores do que as democracias em lidar com crises assim. Geralmente é o contrário. É verdade que as ditaduras têm a vantagem de tomar decisões mais rapidamente, porque o ditador não precisa consultar ninguém. O problema é que ele quase nunca admite o erro. Todos os que questionam são traidores e o ditador de plantão exige mais poder a fim de vencer o inimigo. A democracia dispõe de freios e contrapesos que permitem corrigir os rumos em caso de uma decisão errada. Países livres como Coreia do Sul, Taiwan, Nova Zelândia e Alemanha vêm combatendo a crise de modo mais transparente e eficaz que a China.

“A crise atual pode despertar os demônios da humanidade. Se conduzida com egoísmo, só levará a ódio, ganância e ignorância, e estimulará o surgimento de ditadores”

Qual a contribuição de cada indivíduo para atravessar tempos de pandemia?

Depende de quem você é, de qual é a sua condição. Muitas pessoas desempenham papéis importantíssimos que um dia terão seu devido reconhecimento nesta crise. Não falo apenas de enfermeiras e médicos, mas das pessoas que vendem comida no supermercado, que limpam a rua ou tiram o lixo. Elas são essenciais. Mesmo alguém que não vá trabalhar na rua tem a função indispensável de manter a si mesmo e zelar pelo equilíbrio de sua família.

Cidadãos ao redor do mundo enfrentam problemas psicológicos e ansiedade diante das notícias ruins e da quarentena. Como manter a fé na humanidade nesta hora? 

Renovar a confiança na ciência pode nos ajudar a manter o equilíbrio. O vírus é uma grave ameaça, mas podemos derrotá-­lo. Será difícil, muitas pessoas morrerão, mas temer que a doença saia do nosso controle é irracional. E, de novo, não podemos permitir que a irracionalidade desperte os demônios da humanidade. Se começarmos a culpar estrangeiros ou minorias pela doença ou abraçarmos teorias da conspiração, será mais difícil superar o problema. Se, por outro lado, dominarmos nossos demônios, o mundo sairá desta crise muito mais dinâmico. Talvez ela seja o empurrão que faltava para nos levar a um futuro plenamente digital, por exemplo.

Como está lidando pessoalmente com a situação de isolamento?

Eu e meu marido estamos em quarentena em nossa casa. Não perdemos nossas fontes de sustento, por isso nossa situação é relativamente boa. Temos amigos e familiares que perderam o emprego por causa da paralisação geral, e estão contando com ajuda de parentes e conhecidos. Sabemos quanto somos sortudos.


Por Marcelo Marthe - Atualizado em 22 maio 2020, 12h03 

Publicado em VEJA de 27 de maio de 2020, edição nº 2688

Democratas de todas as colorações, uni-vos!

Ou se unem com determinação, ou o Brasil ficará inviável por longo período
   
Não é preciso arrolar, pela enésima vez, os ilícitos e as perversões que desabam sobre a sociedade. Formam robusto prontuário. Só não os vê quem não quer.

A continuidade do governo Bolsonaro ameaça a vida, a Nação, a sociedade. Lança-nos num vórtice de destruição, que potencializa o vírus e infecta a reprodução da ordem social.

Precisamos dar um basta a essa situação, em que a insanidade governamental se mistura com o ativismo fanatizado da extrema direita e com o silêncio dos democratas. Bolsonaro é a crise viva, em expansão. Sua remoção precisa ser posta na mesa, para que se evite o abismo.

Mas não é só o impeachment. Será preciso reorganizar o País. Disputas internas não ajudarão, por mais que sejam inevitáveis.

Também somos responsáveis pelo que está aí. Cometemos erros, que não foram processados. Continuamos a nos dividir, a brigar com a própria sombra, a insistir em atitudes e discursos que não dialogam com as pessoas, não as direcionam, não as esclarecem. Somos prisioneiros do cálculo eleitoral, do oposicionismo retórico. Estamos carentes de ideias, de luzes, de lideranças. De articulação.

Temos de encontrar um meio de fazer oposição com eficácia e generosidade. Sem vetos. Sem postulações doutrinárias. Sem maniqueísmos. Sem tergiversações. É um suicídio continuarmos a repetir fórmulas que não funcionam mais e prolongam uma agonia paralisante.

Há que agir. No Parlamento, nas redes sociais, na imprensa, nos núcleos da sociedade civil. A quarentena não é pretexto para ficarmos à espera de um raio que caia em Brasília. A cautela não dispensa a denúncia veemente, antes a exige.

Ainda há muitos brasileiros impregnados pela imagem redentora do “mito”, ressentidos, frustrados, com raiva, sem compreensão dos tempos da política, do valor da democracia e da representação parlamentar. Precisamos alcançá-los, trazê-los para o terreno da racionalidade democrática. Não avançaremos repetindo mantras surrados, que não levam a lugar nenhum, nem convencem quem precisa ser convencido.

Devemos reconhecer nossas limitações, insuficiências, falhas de compreensão da realidade.

Os democratas brasileiros – de centro, liberais, conservadores, de esquerda – deixaram-se dividir por excessos, querelas ideológicas, batalhas infrenes de poder. Levaram longe demais a exploração de suas diferenças. Não olharam atrás da porta. Não perceberam que pela direita crescia uma onda contrária a eles, hostil a seus programas, às perorações de seus líderes, ao modo como se apresentavam ao mundo.

Não decodificaram a linguagem da época. Continuaram amarrados aos mesmos dogmas, às mesmas diatribes e polêmicas, reunindo-se em tribos impotentes, agredindo-se reciprocamente.

Menosprezaram o adversário principal, achando que poderiam derrotá-lo com um sopro. Assistiram à propagação de uma gosma venenosa que contagiou parte importante da população. Permaneceram agarrados às obsessões de antes, a fantasmas insepultos, a promessas ocas e frases de efeito.

Em 2018 perderam a eleição presidencial para um político tosco, inescrupuloso e manipulador, que fez seus adversários comerem poeira. Foi um espetáculo vergonhoso, trágico, pelo qual estamos pagando alto preço.

Passada a refrega, os democratas permaneceram a lamber suas feridas. Viram o circo pegar fogo, orbitando lideranças que não lideram, rotinas engessadas, partidos estraçalhados e impotentes. Hoje zelam pelas instituições e pelos ritos constitucionais, o que é ótimo. Mas suas falas não reverberam, só fazem prolongar a existência de um governo perdido e descompensado.

Continuaremos a brigar as mesmas brigas? Teremos coragem e disposição para reorganizar a agenda, aposentar o que não mais agrega valor à política, buscar o que lateja em meio aos escombros do sistema que ajudamos a erguer, mas não mais nos ajuda? Saberemos afastar preconceitos e abrir espaço para os jovens, as novas linguagens, os youtubers e comunicadores, os parlamentares que não seguem ordens partidárias rígidas? Ou vamos prosseguir achando que somos donos do futuro?

Muitos acreditam que o sistema de pesos e contrapesos está intacto. Em nome disso, ignoram o arbítrio e a violência legal do Executivo. Não criticam os jogos procrastinadores do Congresso, a covardia de suas lideranças. São benevolentes com o Judiciário.

Chegamos à hora da verdade. Necessitamos de pessoas que ajam com firmeza democrática e republicana. Nossa fronteira está além de contraposições inúteis entre esquerda e direita, liberalismo e socialismo, mercado e Estado. Temos de nos reposicionar. Reaprender a dialogar, com paciência e tolerância. Que os moderados se disponham a lutar, que os radicais lutem de outro modo. Que todos baixem o tom, dispensem maximizações extemporâneas e apurem o foco.

Ou os democratas se unem com determinação – para fazer política, travar a luta cultural, interpelar a população – ou o País ficará inviável por um longo período.

Unamo-nos, enquanto há tempo!

Marco Aurélio Nogueira, o autor deste artigo, é Professor Titular de Teoria Política na UNESP. Este artigo foi publicado originalmente em O Estado de S.Paulo, edição de 23 de maio de 2020 | 03h00

Inconcebível e inacreditável

O ministro Augusto Heleno, assim como seu chefe, não só é despreparado para o cargo que ocupa, como considera “democracia” o regime em que Bolsonaro manda e os demais obedecem

O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, divulgou ontem uma “nota à Nação brasileira” para dizer que é “inconcebível e, até certo ponto, inacreditável” o “pedido de apreensão do celular do presidente da República”. A nota do ministro é, em si mesma, para usar suas próprias palavras, inconcebível e inacreditável.

O ministro Augusto Heleno fazia referência a solicitações de parlamentares e partidos de oposição em notícia-crime enviada ao Supremo Tribunal Federal, relativa a suspeitas de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na direção da Polícia Federal, conforme denúncia do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, igualmente citado na petição.

Respeitando a praxe para casos como esse, o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello encaminhou o caso para a Procuradoria-Geral da República, a quem cumpre opinar se cabe ou não investigar a denúncia. O ministro Celso de Mello enfatizou que é dever jurídico do Estado apurar essas suspeitas, “quaisquer que possam ser as pessoas alegadamente envolvidas, ainda que se trate de alguém investido de autoridade na hierarquia da República, independentemente do Poder (Legislativo, Executivo ou Judiciário) a que tal agente se ache vinculado”.

É sintomático que o decano do Supremo tenha que relembrar tamanha platitude: numa República em que vigora o Estado Democrático de Direito ninguém está acima da lei, inclusive o presidente. Infelizmente, como mostrou a afrontosa nota do ministro Augusto Heleno, a advertência do ministro Celso de Mello é mais do que oportuna – é indispensável.

Para o ministro Augusto Heleno, “caso se efetivasse (a apreensão do celular do presidente), seria uma afronta à autoridade máxima do Poder Executivo e uma interferência inadmissível de outro Poder na privacidade do presidente da República e na segurança institucional do País”.

Ora, ainda que o pedido de apreensão do celular fosse aceito pela Procuradoria-Geral, o que ainda não aconteceu nem se sabe se acontecerá, não haveria nenhuma “afronta à autoridade máxima do Poder Executivo”, apenas o cumprimento do que mandam os diplomas legais em vigor no País que o sr. Bolsonaro governa – e que ele, aliás, prometeu solenemente respeitar quando tomou posse.

Mas o ministro Augusto Heleno não se limitou a expressar sua indignação e enveredou pelo temerário caminho da ameaça de ruptura institucional: “O Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República alerta as autoridades constituídas que tal atitude é uma evidente tentativa de comprometer a harmonia entre os Poderes e poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”. Recorde-se, para todos os efeitos, que o cidadão Augusto Heleno é general reformado, sem comando, e, atualmente, funcionário público demissível ad nutum.

Assim, o ministro Augusto Heleno elevou à categoria de comunicação oficial do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República os libelos golpistas que circulam nas fétidas redes sociais bolsonaristas, que passaram o dia de ontem a demandar nada menos que o fechamento do Supremo Tribunal Federal – sob a hashtag “Heleno já tá na hora”. Nada disso é por acaso: a nota oficial de teor sedicioso e a campanha de ódio contra o Supremo se anteciparam à decisão do ministro Celso de Mello de autorizar a divulgação, na íntegra, da reunião ministerial que, segundo o ex-ministro Sérgio Moro, comprova a tentativa do presidente Bolsonaro de interferir na Polícia Federal, entre outras barbaridades deste desgoverno.

Está claro que o ministro Augusto Heleno, assim como seu chefe, não só é completamente despreparado para o cargo que ocupa, como considera “democracia” o regime em que Bolsonaro manda e os demais obedecem. Mais do que isso: colabora decisivamente para que suas atitudes irresponsáveis, de natureza essencialmente pessoal, pois sua função não é falar em nome do governo, sejam confundidas com o pensamento das Forças Armadas. Assim, urge que os comandos militares desvinculem as Forças Armadas desses inconformados com a democracia que, para desgraça do País, chegaram à Presidência nas eleições de 2018. Se não o fizerem imediatamente, e de maneira clara, correm o risco de ver sua imagem, duramente reconstruída depois de 20 anos de ditadura, atrelada a um governo que flerta dia e noite com a ruptura.

Editorial / Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
23 de maio de 2020 | 03h00

Bolsonaro cometeu crime na reunião ministerial de 22 de abril? Juristas comentam

'Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, orque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa', disse o presidente


Imagens da reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020 foram divulgadas na sexta-feira, 22, pelo 
Ministro Celso de Mello, e mostram cobranças enfáticas do presidente da República em relação a seus ministros. O vídeo é considerado peça chave do inquérito que investiga se houve, como alega o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, tentativa do presidente de interferir politicamente na Polícia Federal.

O Estadão procurou juristas para analisarem o que Bolsonaro disse na reunião. Entre ameaças, ofensas e palavrões, as imagens mostram o chefe do Executivo cobrando mudanças no governo e fazendo pressão sobre Moro e os demais auxiliares sob a alegação de que não vai esperar “foder a minha família toda”.

LEIA TAMBÉM, abaixo, nesta edição:
Rosângela Bittar: Íntegra de vídeo conta histórias absurdas, ilegais e imorais


“Mas é a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Bolsonaro.


Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV

"A gravação demanda uma investigação muito criteriosa para que se possa afirmar com absoluta segurança sobre a questão sensível da suposta 'interferência política' do presidente nos diferentes órgãos do serviço de informação e da Polícia Federal. Torna-se indispensável e extremamente relevante do ponto de vista político-institucional (no caso de comprovação de crime de responsabilidade) ou penal (na hipótese de cometimento de infração penal comum) que se apurem todos os meios de provas no sentido de se poder ratificar aquelas 'falas' do presidente.

Ao fazer a leitura da reunião, surgiram 'dúvidas razoáveis' sobre o verdadeiro direcionamento das expressões sobre a 'necessidade de obter informações', como por exemplo, ao criticar o serviço de informações porque não tinha o acesso suficiente para detectar pessoas de esquerda que estariam ainda trabalhando nos diversos ministérios e que precisaria saber acerca dessa questão.

Por outro lado, em outra fala, o presidente faz alusões ao fato de que um irmão seu teria sido agredido e nesse contexto ele acrescenta que trocaria todos os cargos necessários para dar segurança à família e amigos que estariam sendo perseguidos. Essa fala é a mais evidente e que realmente adquire maior potencial para remeter às supostas interferências de natureza política, tanto nos ministérios, quanto nos órgãos do serviço de informação e nesse caso, na própria Polícia Federal, o que caracterizaria 'desvio de finalidade' do ponto de vista jurídico-administrativo, desembocando inevitavelmente num crime de responsabilidade.

Contudo, seria de fundamental importância que os diferentes contextos em que estão inseridas as suas intervenções pudessem ser correta e seguramente interpretadas por técnicos de órgãos especializados, como a própria Polícia Federal. Nessa direção, o inquérito em andamento no STF terá que apurar os fatos e se ancorar em outros instrumentos que possam comprovar de fato e de direito o cometimento ao que tudo indica, de um crime de responsabilidade. Dessa forma, a busca e apreensão do celular do presidente amparada constitucionalmente constituiria, de fato, um meio de prova capital para essa questão."

Conrado Gontijo, criminalista, doutor em direito penal e econômico pela USP

O vídeo divulgado pelo ministro Celso de Mello causa perplexidade, porque demonstra que os ocupantes dos mais altos cargos do Poder Executivo da União desconhecem valores básicos da democracia e se valem de linguajar absolutamente chulo para se expressar sobre temas essenciais de interesse da Nação.

Ademais, há manifestações claras de desconhecimento do real significado de democracia, inclusive, com ataques inaceitáveis ao Supremo Tribunal Federal. Entretanto, tendo lido o laudo com as transcrições das conversas, não identifiquei tão claramente que o ex-ministro Sérgio Moro tenha sido pressionado a realizar a troca do comando da Polícia Federal, especificamente para favorecer familiares de Bolsonaro em investigações em andamento.

O presidente manifesta, sim, desejo de interferir no trabalho de diversos órgãos e na obtenção de informações oriundas da Polícia Federal, mas não é possível presumir que o tenha feito para prejudicar trabalhos de investigação. A impressão que tenho é a de que a reunião, isoladamente, não confirma as acusações de Sérgio Moro em face do presidente."

Telma Rocha Lisowski, Doutora em Direito do Estado pela USP

"Considero muito preocupante a fala do Presidente da República em que ele demonstra a intenção de armar a população civil para que esta possa se rebelar contra normas sanitárias editadas pelos Governadores e Prefeitos. É possível, sim, que tenha havido alguns excessos pontuais nas normas sobre o isolamento social, mas não podemos perder de vista que estamos em uma situação absolutamente excepcional de pandemia e que em geral os governos locais têm seguido as orientações da OMS e outros especialistas de saúde, com o objetivo primordial de preservar vidas. A postura do Presidente poderia configurar crime de incitação à subversão da ordem política e social (art. 23, I, da Lei nº 7.170/83).

Quanto à fala do Presidente da República em que ele reclama por não ter conseguido trocar alguém “na ponta da linha” do sistema de segurança para proteger familiares e amigos e, em outro momento, menciona que “vai interferir sim” (referindo-se ao serviço de informações), entendo que apenas as falas desta reunião, isoladamente, não permitem concluir que ele estava falando sobre interferência na Polícia Federal. Porém, em conjunto com outros elementos de prova, especialmente o episódio da exoneração do Diretor-Geral da Polícia Federal (que acabou levando à demissão do então Ministro da Justiça) e em seguida a mudança na Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro, há indícios muito fortes de cometimento dos crimes que estão sendo investigados em inquérito que corre perante o Supremo Tribunal Federal (dentre eles, advocacia administrativa e obstrução de Justiça)."

Matheus Lara, O Estado de S.Paulo
23 de maio de 2020 | 10h06

Após vídeo de reunião, associação de juízes pede afastamento de ministros e denuncia ‘escalada do autoritarismo’


Em nota pública, AJD alerta para possível ‘golpe de Estado’ em curso no país

     

Reunião ministerial do dia 22 de abril. Foto: Marcos Corrêa/PR

Em nota divulgada neste sábado, 23, a Associação Juízes para a Democracia (AJD), repudiou o que classifica como uma ‘escalada do autoritarismo’ no Brasil. A entidade alerta que existe um possível ‘golpe de Estado’ em curso no país e defende ‘afastar dos postos de poder pessoas que atuam apenas movidas por interesses próprios ou que colocam a economia acima da saúde da população brasileira’.

A manifestação vem após a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, tornado público ontem pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do inquérito que apura se houve tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal para obter informações sobre investigações que pudessem prejudicar seu núcleo familiar. As trocas no comando da corporação e na superintendência do Rio de Janeiro levaram ao pedido de demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que revelou suposta intenção do presidente em indicar delegados mais próximos à ele para os cargos de comando da corporação.

A reunião foi marcada por palavrões, briga de ministros, anúncio de distribuição de cargos para o Centrão e ameaça do presidente Jair Bolsonaro de demissão ‘generalizada’ a quem não adotasse a defesa das pautas do governo.

A AJD classificou as falas do encontro como ‘ofensivas e desrespeitosas nesse momento de luto nacional’. Ainda segundo a associação, as declarações ‘revelam oportunismo econômico diante da barbárie da COVID19, desrespeito com o ambiente e com as pessoas que vivem do trabalho’.

Na gravação, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pede a prisão dos integrantes do STF e se refere aos ministros como ‘vagabundos’. Seguindo a mesma linha, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, pede que governadores e prefeitos sejam colocados na cadeia por medidas tomadas para combater a disseminação do coronavírus. O chefe do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugere ser preciso aproveitar a ‘oportunidade’ que o governo federal ganha com a pandemia da doença para ‘ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas’. Paulo Guedes, da Economia, defendeu a venda do Banco do Brasil e, ao falar sobre a necessidade de incentivos ao turismo no Brasil, disse que é preciso deixar ‘cada um se foder do jeito que quiser’.

O presidente também protagoniza ataques pessoais aos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) pela medidas de enfrentamento à pandemia do coronavírus. Doria foi chamado de “bosta”, Witzel de “estrume”.

“As declarações de possível interferência “na segurança” para assegurar impunidade em benefício próprio e/ou da  família, assim como os pedidos de prisão de autoridades públicas, as palavras de baixo calão e a distopia diante da realidade enfrentada pela população brasileira, reforçam nossa convicção de que é preciso, mais do que nunca, lutar pela democracia”, diz, em nota, a AJD.

Para a associação, o governo age com descaso diante da epidemia de coronavírus no país. “Quase 22.000 pessoas já morreram em razão da pandemia, que não ocupa um momento sequer da atenção do governo nas duas horas da referida reunião ministerial”, critica a entidade.

Rayssa Motta
23 de maio de 2020 | 16h27

Íntegra de vídeo conta histórias absurdas, ilegais e imorais

Reunião ministerial não deixa dúvidas sobre a interferência do governo em órgãos de Estado

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, prova citada pelo ex-ministro Sérgio Moro para sustentar sua denúncia de que o presidente Jair Bolsonaro interferiu na Polícia Federal para ter acesso a informações privilegiadas e sigilosas, conta várias outras histórias absurdas, ilegais e imorais, além desta. Sobre a interferência em órgãos de Estado, a discussão não deixa dúvidas, pois o próprio presidente a admite, inclusive trocando, ao longo de todas as suas manifestações, o velho “tá ok” por um novo “ponto final”, agora seu desfecho peremptório. “Eu sou o chefe supremo das Forças Armadas e ponto final”, “interfiro e ponto final”.

A obsessão pelo tema levou Bolsonaro a revelar ação de outros serviços eficientes. Antes de entrar a tarja da censura judicial a esta parte da reunião, deu para entender que ele citava um serviço de informação chinês tanto circulando aqui como nos Estados Unidos.

A novidade desta questão da informação, só conhecida com a divulgação do vídeo, é a revelação de que o presidente Jair Bolsonaro tem um esquema paralelo pessoal de informação que funciona, enquanto todos os demais, do Estado, não funcionam.

Foi também absurda a insistência com que se referiu à necessidade de armar o povo, pior ainda a razão:  para defender-se de ditadura. “Como é fácil impor uma ditadura aqui; o povo, se tivesse armado, iria para a rua”. Povo armado na rua é revolução, crime organizado ou Forças Armadas. Bolsonaro quer armar o povo para enfrentar prefeito que fixou regras de isolamento social durante a pandemia.

Abraham Weintraub fez o que se considerava impossível, superou as expectativas e a si próprio: Definiu “Brasília”, não a cidade, mas um fantasma com esse nome, como cancro. E mais do que a já conhecida agressão ao Supremo Tribunal Federal, que gostaria de ver todo preso, ele insultou o próprio governo que o abriga, denunciando intrigas palacianas e a presença de muita gente com “agenda própria”, que veio para “jogar”. Ou seja, um bando.

Talvez pelos estudos feitos, não se esperava que o ministro Paulo Guedes fosse insistir, um ano e meio depois de conhecer o funcionamento de uma democracia pelos seus canais internos. Expôs as rasteiras que planeja dar nos demais Poderes. Referiu-se a uma clara intenção de ludibriar. Deixou claro que usará o Congresso para aprovar as coisas e se, em determinado momento soltarem a mão, já terá condições de seguir em frente sozinho.

Lição aprendida pelo ministro Salles: “vamos aproveitar que a imprensa só fala de covid para passar (aprovar no Congresso) as reformas infralegais”.

O presidente esbravejou, pediu defesa do governo, respostas e briga frontal, afirmando que “a continuar assim, vamos ter crise política de verdade”. É aqui que sua conduta na reunião onde se passou o suposto crime objeto de inquérito no Supremo se mistura à nota assinada pelo ministro chefe da GSI, Augusto Heleno, com as ameaças insinuantes de sempre.

Recorreu à intimidação que ainda provoca seu título de general, ainda que sem tropas, para reagir ao trâmite institucional de um pedido dos partidos políticos para exame do aparelho de telefone celular do presidente da República. Heleno ruge, é considerado o mais violento dos ex-militares em postos civis no governo, mas para morder faltam-lhe os dentes.

Nenhuma estratégia de combate à pandemia que massacra os brasileiros, nenhuma palavra de comiseração às vítimas do coronavírus. Ao contrário, citando como se fora marketing numa hora dessas, o presidente criticou o prefeito de Manaus por abrir covas coletivas. Até isto, en passant.

Rosângela Bittar, O Estado de S.Paulo
23 de maio de 2020 | 03h00

O Brasil de volta à Idade das Trevas

Governo não é técnico e Estado não é laico. Positivismo, tão fundamental na criação da República Federativa do Brasil, também se foi. Abandonado por seu líder máximo, país voltou para a Idade Média, lamenta Thomas Milz.

Tempos de pestes sempre trouxeram um ar lunático, com todos buscando um culpado pela praga. Na Alemanha, se reúnem atualmente em praças públicas negacionistas de todas as causas, ativistas anti-vacina, da extrema direita e extrema esquerda, e juntos se manifestam contra a conspiração viral de Bill Gates e George Soros. Ainda bem que representam uma minoria. E que a Alemanha – por enquanto – tem um governo baseado na razão e na ciência, e não em likes das redes sociais ou vídeos de youtubers.

Chama a atenção o fato de que países governados por mulheres passaram com mais facilidade pela pandemia, a ver: Alemanha, Finlândia, Noruega e Nova Zelândia. A alemã Angela Merkel é física, a finlandesa Sanna Marin formada em Administração, a norueguesa Erna Solberg é sociológica, cientista política e ainda economista, enquanto a neozelandesa Jacinda Ardern é bacharel em comunicação política.

Por outro lado, os três países com mais casos de coronavírus –  Estados Unidos, Rússia e Brasil –  são liderados por homens de egos tão inflados que desprezam a ciência e os conselhos das vozes da razão. Magnata, Czar e Messias: todos se achando invencíveis devido a um vírus, que causaria uma "gripezinha". E estão pagando o preço da prepotência, por terem abandonado o caminho da ciência em favor de ideias obscurantistas, que misturam superstição com uma dose de pseudo-religiosidade. Minto. São os cidadãos desses países que estão pagando o preço, em milhares de mortes.

"O vírus tá aí, vamos ter de enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, pô, não como moleque", disse o presidente do Brasil. Para isso, promoveu um dia de oração contra o vírus, medida muito superior ao isolamento social feito nos países governados por mulheres. Depois da tentativa das orações, veio o remédio milagroso, revelado pelo Messias (é óbvio que o messias deve apresentar o milagre, para justificar seu nome): a cloroquina, um medicamento sem eficácia comprovada, como o próprio presidente admite. Mas, "pior do que ser derrotado é a vergonha de não ter lutado", segundo Jair Bolsonaro. Orem e, depois, morram como heróis, bravos brasileiros!

Havia a falsa esperança (e promessa) de um governo técnico, sem ideologia. Mas na área de saúde, onde mais se precisa de liderança técnica, os ministros técnicos foram dispensados por terem feito uma gestão meramente técnica. E por não terem defendido as ideias messiânicas do presidente.

Há no mundo três líderes defendendo o uso da cloroquina:

1. O magnata Donald Trump, que, depois de aconselhar as pessoas a tomarem uma injeção de desinfetante contra o vírus, agora disse tomar cloroquina como profilaxia.

2. O maquinista de metro Nicolás Maduro, líder da Venezuela, que já disse que seu falecido tutor Hugo Chávez lhe aparece em forma de passarinho. Se tal acontecimento se realizou depois de ele ter tomado a cloroquina, não se sabe.

3. O capitão reformado Jair Messias Bolsonaro, que, como deputado, liderou o projeto para aprovar a fosfoetanolamina sintética, a chamada "pílula do câncer". O produto, ainda sem a eficácia comprovada, foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O Ministério da Saúde está agora interinamente nas mãos de um general com vasta experiência em logística, mas sem experiência na área de saúde. Foi ele que, finalmente, seguiu o desejo do presidente de incluir a cloroquina e seu derivado hidroxicloroquina no protocolo de tratamento para pacientes com sintomas de coronavírus. Mesmo admitindo que não há comprovação da eficácia. Fica a dica do presidente: "Quem é de direita toma cloroquina, quem é esquerda, tubaína".

Seria cômico se não fosse trágico. Mas, para ser sincero, já estava claro desde o começo que não se podia esperar muita coisa desse governo, muito menos políticas sérias baseadas na ciência e na razão.

Há, no entanto, uma grande decepção com a ala militar do governo. Esperava-se dela segurar as loucuras da ala ideológica. Afinal, há uma longa tradição científica dos militares brasileiros. Houve uma época em que eles lideraram a marcha da modernidade, hasteando a bandeira do positivismo, do lema "Ordem e progresso". Defenderam a ideia de que o conhecimento científico deveria ser a base da sociedade e não as orações e remédios milagrosos. O Brasil voltou para a Idade das Trevas.

Thomas Milz, o autor deste artigo, saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

Vídeo mostra desinteresse do governo nas vítimas da pandemia

Bolsonaro e ministros discutiram até a legalização dos jogos de azar, mas não mencionaram UTIs ou como lidar com aumento de mortes por covid-19. Um dos participantes chegou a afirmar que "pico” parecia ter passado.

    Brasilien Brasilia | Jair Bolsonaro spricht zur Presse (Getty Images/A. Anholete)
Bolsonaro falou até sobre obesidade de agente que morreu de covid-19, mas não em como evitar novas mortes

Em cerca de duas horas de reunião, o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros discutiram legalização de jogos de azar, privatização do Banco do Brasil, flexibilização do acesso a armas, além de distribuírem ofensas para governadores, prefeitos e membros do Supremo. O vídeo da reunião do dia 22 de abril, que foi liberado pelo STF, também reforçou a suspeita de que Bolsonaro agiu contra a Polícia Federal para proteger sua família.

Apesar da gama variada e confusa de assuntos, um tema em especial despertou pouco interesse de quase todos os participantes: o combate ao aumento no número de infecções e mortes por covid-19.

As palavras "UTI", "respiradores" e "ventiladores" não foram mencionadas uma vez sequer no encontro, de acordo com a transcrição da reunião. Praticamente nenhum participante propôs auxiliar autoridades estaduais ou municipais no combate à pandemia ou como reduzir o número de mortes e frear o avanço de casos.

Só um ministro chegou a levantar brevemente uma espécie de estratégia em meio à pandemia: Nelson Teich, que havia se juntado ao governo cinco dias antes – ele acabaria ficando menos de um mês no cargo. E, mesmo assim, a intervenção de Teich só despertou algum interesse de outros participantes por potencialmente envolver um plano de transição para "saída” do isolamento social, um tema caro ao presidente, que se opõe radicalmente a qualquer tipo de quarentena.

Teich chegou a alertar que antes de qualquer flexibilização seria preciso fortalecer o sistema hospitalar, que, segundo ele, estava sendo sucateado pelo coronavírus. A fala chegou a despertar rapidamente o interesse de Walter Braga Netto, ministro da Casa Civil. Mas nem ele nem Teich apontaram como ajudar os hospitais.

Ao todo, Teich falou por menos de 4 minutos na reunião que se estendeu por quase duas horas.

Em 22 de abril, dia da reunião, o país acumulava oficialmente 2.906 mortes por covid-19 e cerca de 45 mil casos. Na manhã deste sábado (23/05), eram 21.048 mortos e cerca de 330 mil casos.

Sem foco nas vítimas e doentes, o tema da pandemia acabou mesmo sendo usada por quase todos os participantes como pano de fundo para promover suas agendas radicais, paranoias e como combustível para os ataques e queixas de Bolsonaro.

Aproveitar para "passar a boiada"

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por exemplo, chegou a afirmar que o governo deveria aproveitar que a imprensa estava com suas atenções voltadas à pandemia para afrouxar a legislação ambiental e até mesmo as regras de patrimônio histórico.

"Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo."

Ucranianos e aborto

A ministra da Família, a evangélica Damares Alves, por sua vez, abordou Teich na reunião não para falar de combate à covid-19, mas para demonstrar preocupação com a presença de "feministas" no Ministério da Saúde.

Ela demonstrou preocupação que questão da pandemia pudesse "trazer o aborto de novo para a pauta", como havia ocorrido anteriormente, segundo ela, com o zika vírus. Damares também afirmou, sem qualquer prova, que havia recebido informações de "haveria contaminação criminosa em Roraima e Amazônia, de propósito, em índios, pra dizimar aldeias e povos inteiro pra colocar nas costas do presidente Bolsonaro".

Damares chegou a falar sobre uma construção ao “enfrentamento do coronavírus”, mas rapidamente passou para curiosidades sobre descentes de ucranianos no Brasil”. “É um país plural. Quando a gente foi buscar os povos tradicionais agora pra gente construir o enfrentamento ao coronavírus, nós descobrimos, ministros, que nós temos 1,3 milhão de ucranianos no Brasil e ninguém nunca falou de ucranianos pra nós no Brasil.”

"Destacar comorbidades"

Bolsonaro mencionou a pandemia para reclamar de ações de governadores e prefeitos, além de juízes que autorizaram a saída de presos. "O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso. Aproveitaram o vírus, tá um bosta de um prefeito lá de Manaus agora, abrindo covas coletivas. Um bosta", disse.

A intervenção breve de Teich sobre a adoção de uma estratégia para conter a doença também não despertou interesse de Bolsonaro. Logo após a fala do ministro, o presidente passou a se queixar da divulgação de uma nota pela Polícia Rodoviária Federal, que lamentou a morte de um agente por covid-19. Segundo Bolsonaro, a corporação deveria ter destacado que o agente era "obeso". "Vamos alertar a quem de direito, ao respectivo ministério, pode botar covid- 19, mas bota também tinha fibrose nu ... montão de coisa", pediu o presidente, afirmando que "não queria levar mais medo para a população".

Bolsonaro também citou o coronavírus ao falar das cobranças para mostrar seu exame. "Tem aí OAB da vida, enchendo o saco do Supremo, pra abrir o processo de impeachment porque eu não apresentei meu meu exame de vírus, essas frescurada toda, que todo mundo tem que tá ligado", disse.

"Pico já passou, né?"

O presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, chegou a minimizar a pandemia. "A minha sensação, de quem não é especialista no negócio, mas que observa os números, é que o tal do pico, o tal do famoso pico, que gerava tantas preocupações, a minha sensação é que esse pico já passou, né?".

Naquele dia, o Brasil havia registrado oficialmente em 24 horas 165 novas mortes por covid-19. Na última sexta-feira (22/05), foram 1.001 novos óbitos adicionados ao balanço em um dia.

O ministro da Economia, o ultraliberal Paulo Guedes, só abordou a pandemia marginalmente, especialmente para se queixar do plano de investimentos Pró-Brasil, que vem sendo tocado por outras pastas, comparando o programa a iniciativas fracassadas do governo Dilma Rousseff. Ele também defendeu a legalização do jogo – uma pauta que foi levantada na reunião pelo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio –,  a venda do Banco do Brasil e, como sempre tem feito desde o início do governo, apesar do maus resultados econômicos, vendeu otimismo. "O Brasil vai surpreender o mundo", disse.

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, também aproveitou a ocasião para promover um cenário mirabolante para o Brasil em uma espécide de "nova ordem mundial" pós-coronavírus. "Eu tô cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial."

Fonte: Deutsche Welle, a emissora internacional da Alemanha. Jornalismo independente em 30 idiomas.

22 de abril, reunião ministerial.

País tinha 2.906 mortes por covid-19 até aquele dia

Jair Bolsonaro (presidente da República): “Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu (sic), porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele!

Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro!” 

▪ “Como é fácil impor uma ditadura no Brasil. O povo tá dentro de casa. Por isso que eu quero que o povo se arme! (...) Por que que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura!” 

▪ “Sistemas de informações, o meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm oficialmente desinforma (sic)” 

▪ “O dia que for proibido de ir. .. pra qualquer lugar do Brasil, pelo Supremo, acabou o mandato (...) Eu não vou meter o rabo no meio das pernas.” 

▪ “Os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! O que esses caras fizeram com o vírus, esse bosta desse governador de São Paulo, esse estrume do Rio de Janeiro, entre outros, é exatamente isso” 

▪ “Se for a esquerda (que ganhar a próxima eleição), eu e uma porrada de vocês aqui têm que sair do Brasil, porque vão ser presos.” 

▪ Abraham Weintraub (ministro da Educação):
“Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF” 

▪ “Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo, odeio" ▪ Paulo Guedes (ministro da Economia): “A gente aceita, politicamente a gente aceita. Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente. Mas o presidente tem que pensar daqui a três anos. Não é daqui a um ano não” 

▪ “A China é aquele cara que cê sabe que cê tem que aguentar, porque pro cês terem uma ideia, pra cada um dólar que o Brasil exporta pros Estados Unidos, exporta três pra China.”

▪ Damares Alves (ministra dos Direitos Humanos): “A pandemia vai passar, mas governadores e prefeitos responderão a processos e nós vamos pedir inclusive a prisão de governadores e prefeitos” 

▪ Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente): “Enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid, é ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente”.

O vídeo da reunião no Palácio do Planalto, divulgado por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, é considerado uma peça-chave nas investigações que apuram as acusações, feitas pelo ex-juiz Sérgio Moro, de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal. Entre ameaças, ofensas e palavrões, as imagens mostram o chefe do Executivo cobrando mudanças no governo e fazendo pressão sobre Moro e os demais auxiliares.

Na reunião, ocorrida no mês passado, Bolsonaro afirmou que já havia tentado trocar “gente da segurança nossa no Rio de Janeiro”, e que não teria conseguido. “E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse o presidente da República.

Bolsonaro alega que se referia à sua segurança pessoal, que é feita pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e não pela PF. De acordo com a transcrição feita pela PF, o ministro do GSI, Augusto Heleno, não fez nenhuma intervenção nesse momento. 

Reportagem do Jornal Nacional, veiculada na semana passada, mostrou que o presidente fez alterações – e até promoveu servidores – em sua segurança pessoal semanas antes da reunião sem dificuldade.

Moro, por sua vez, afirma que a reunião seria uma prova da tentativa de Bolsonaro de interferir no órgão. O ex-ministro também entregou aos investigadores troca de mensagens no celular.

Ao levantar o sigilo do vídeo, Celso de Mello não fez juízo de valor sobre esse trecho da reunião. O ministro, por outro lado, apontou “aparente prática criminosa” na fala do ministro da Educação, Abraham Weintraub, que disse que “botava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF”.

De acordo com a transcrição, Moro falou pouco no encontro, não questionou as declarações do presidente e limitou-se a pedir que o plano de recuperação social e econômica Pró-Brasil também abordasse questões de segurança pública e de controle de corrupção.

Durante a reunião com o primeiro escalão do governo, Bolsonaro reclamou que não pode ser “surpreendido com notícias”. “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações”, reclamou o presidente na ocasião.

No encontro, o presidente afirmou que não esperaria o “barco começar a afundar pra tirar água” e que, portanto, iria interferir em todos os ministérios. “A pessoa tem de entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção”, disse Bolsonaro. “E não dá pra trabalhar assim. Fica difícil. Por isso, vou interferir! E ponto final, pô! Não é ameaça, não é uma extrapolação da minha parte. É uma verdade”, completou o presidente, olhando para o lado onde estava Moro.

Próximos passos. Com a divulgação do vídeo, a investigação vai se concentrar agora em novos depoimentos que serão recolhidos na semana que vem. O empresário Paulo Marinho prestará depoimento na terça-feira, às 9 horas, no Rio de Janeiro. O empresário acusa o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) de ter recebido informações vazadas da Operação Furna da Onça. Ele já depôs à PF e ao Ministério Público Federal, mas no âmbito de outra investigação.

Bolsonaro deverá ser o último a prestar depoimento no processo e, por ser presidente da República, pode enviar as respostas por escrito. Caberá ao procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir se vai apresentar ou não uma denúncia contra o chefe do Executivo. O STF precisa de aval da Câmara para analisar uma eventual denúncia contra o presidente.